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Adiaspiromicose humana. Relato de um caso tratado com cetoconazol.

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Academic year: 2017

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A adiaspiromicose humana é uma doença fúngica, de localização quase sempre pulmonar, causada pela espécie Em m onsia crescens. A infecção, inicialmente descrita em pequenos mamíferos silvestres, é única entre as chamadas micoses sistêmicas, pois o agente não se multiplica nem se dissemina no organismo do hospedeiro.

Os conídios da forma miceliana do fungo, encontrada no solo, são os elementos infectantes. Quando inalados — medem de 2 a 4µm, tamanho que lhes permite alcançar os alvéolos pulmonares —, limitam-se apenas a crescer nos tecidos animais. Aumentando de volume, certamente por influência da temperatura corporal, transformam-se em estruturas redondas, de parede espessa — os adiaconídios —, que podem atingir 300µm ou mais de diâmetro.

O de se nvo lvime nto do s adiaco nídio s é acompanhado de intensa resposta tecidual, que varia de necrótico-exsudativa, na fase inicial, a granulomatosa e fibrosante, depois de algumas semanas. Como essa reação é sempre focal, em torno dos adiaconídios, a gravidade da infecção depende do número de elementos infectantes contidos no inóculo aspirado.

No B ra s il, h á 1 7 c a s o s de s c rito s de adiaspiromicose pulmonar humana, provenientes dos Estados de Goiás (5 casos), São Paulo (4), Minas Gerais (3), Piauí (1), Bahia (1), Rio Grande do Sul (1) e Distrito Federal (1). Em um dos casos, não foi assinalada a origem. Esse s 17 caso s faze m parte do s 34 caso s humanos da forma pulmonar referidos, até agora, em todo o mundo (Moraes MAP: dados inéditos).

RELATO DO CASO

VCN, sexo masculino, 35 anos, branco, lavrador, natural e procedente de Goianésia, GO. Em novembro de 1992, veio ao Hospital Universitário de Brasília (HUB), queixando-se de tosse produtiva, dispnéia e perda de peso — manifestações surgidas dois meses antes. Três semanas após o início da doença, procurou assistência médica local, principalmente para obter alívio da tosse persistente. Um radiograma dos pulmões, feito nessa ocasião, revelou infiltrado reticulonodular difuso, bilateral, sugestivo de tuberculose miliar. Em conseqüência, foi o pac ie nte sub me tido ao e sque ma tríplic e tuberculostático (rifampicina, isoniazida e pirazinamida), durante quase um mês, sem melhora significativa.

Ao dar entrada no HUB, mostrava-se em regular estado geral, afebril, dispnéico, com tosse, expectoração e sudorese profusa. Referiu trabalhar no campo, plantando milho e arroz,

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ADIASPIROMICOSE HUMANA. RELATO DE UM CASO

TRATADO COM CETOCONAZOL

Ricardo Luiz M. Martins, Clarice G. F. Santos,

Filomena Rita F.C. França e Mário A.P. Moraes

É descrito um ca so de a dia spiromicose huma na , da forma pulmona r dissemina da , no qua l se empregou o cetocona zol. O pa ciente, oriundo de Goia nésia , GO, referia tosse produtiva , dispnéia e ema grecimento. Doente há dois meses, já fizera uso do esquema tríplice tuberculostá tico, devido a um ra diogra ma do tóra x ter a cusa do lesões sugestiva s de tuberculose milia r. Esse tra ta mento nã o surtiu o efeito espera do, pelo que foi ele submetido a uma biópsia pulmona r a céu a berto. A medida permitiu o reconhecimento da na tureza fúngica da doença . Pa ssou-se, entã o, a o emprego do cetocona zol, qua ndo o processo já completa ra três meses de evoluçã o. Dois meses depois, foi o pa ciente nova mente visto, pa ra controle do tra ta mento: toda s a s ma nifesta ções respira tória s ha via m cessa do e um novo ra diogra ma mostrou regressã o completa da s a ltera ções pulmona res. Apesa r disso, é discutida a eficá cia do cetocona zol contra C. parvum var crescens, tendo-se em conta o fa to de o microrga nismo nã o se reproduzir no hospedeiro. Pa la vra s-cha ves: Adia spiromicose. Chrysosporium parvum var crescens. Emmonsia crescens. Micose pulmona r.

Hospital Universitário de Brasília, Brasília, DF.

Endereço pa ra correspondência : Dr. Mário A.P. Moraes. Centro de Anatomia Patológica. Hospital Universitário de Brasília, SGAN 605, Módulo C, Via L2 Norte, 70840-050 Brasília, DF.

Recebido para publicação em 14/02/97.

Revista da Socieda de Bra sileira de Medicina Tropica l 30(6):507-509, nov-dez, 1997.

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Rela to de Ca so. Ma rtins RLM, Sa ntos CGF, Fra nça FRFC, Mora es MAP. Adia spiromicose huma na . Rela to de um ca so tra ta do com cetocona zol. Revista da Socieda de Bra sileira de Medicina Tropica l 30:507-509, nov-dez, 1997.

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e ter contato com inseticidas. O produto de suas colheitas é armazenado em um silo de madeira, local infestado por ratos e exalando cheiro de mofo.

No ato da admissão, novo radiograma do tórax em nada diferiu do anterior, pelo que se decidiu manter o esquema tríplice, instituído em Goianésia. Nos demais exames de entrada, havia a destacar: leucocitose (27.300/mm3),

neutrofilia (72%) e VHS aumentada (55mm). A prova de função pulmonar apresentou os seguintes resultados — CVF: 3,16 litros (74% do predito); UEF1: 2,94 litros (85%) e FEF 25-75%: 4,09 litros (91%). Padrão restritivo leve.

Ex ame s re pe tido s de e sc arro e lavado b rô n q u i c o , p a ra p e s q u i s a d e b a c i l o s acidorresistentes e fungos, foram todos negativos. O mesmo aconteceu com os cultivos destinados ao mesmo fim. Negativo resultou também um te ste de imuno difusão para o age nte da paracoccidioidomicose.

Aos trinta dias da admissão do paciente, como não houvesse melhora clínico-radiológica

importante, decidiu-se suspender o tratamento tuberculostático e praticar uma biópsia pulmonar a céu aberto. Durante o ato cirúrgico, observaram-se numerosas lesões nodulares, com alguns milímetros de diâmetro, na superfície do pulmão. O exame microscópico revelou a presença, no interior dessas lesões — granulomas em vários estádios evolutivos —, de alguns corpúsculos redondos, volumosos, com parede espessa e laminada, que foram identificados como adiaconídios (Figuras 1 e 2).

Firmado o diagnóstico de adiaspiromicose, optou-se pela administração do cetoconazol, (200mg, de 12 em 12 horas), apesar do conceito já estabelecido de ser a adiaspiromicose uma doença autocurável. O paciente recebeu alta do hospital e, dois meses depois, ao retornar para controle do tratamento estava completamente assintomático. Aumentara de peso e todas as alterações pulmonares haviam desaparecido, c o m o s e c o n s ta to u p o r m e i o d e n o vo radiograma.

Figura 1 - Lesã o ta rdia ; gra nuloma contendo no centro

a dia conídio em degenera çã o. 100x. Fi gu r a 2 - Le sã o i n i c i a l; e x te n sa á r e a d e n e c r o secircunda da por ma crófa gos, dispostos em esboço de pa liça da . 100x.

Este é o 18º caso brasileiro de adiaspiromicose pulmonar. A forma extrapulmonar nunca foi referida no Brasil.

Apesar do baixo número de casos registrados até agora — a adiaspiromicose humana é uma doença rara — , já se sabe que a infecção, dependendo da quantidade de adiaconídios evoluindo nos pulmões, varia em intensidade, desde formas clínicas inaparentes, descobertas

por acaso, até formas graves e, mesmo, fatais. Por suas manifestações e desenvolvimento, o presente caso pode ser classificado como de intensidade moderada.

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Co mo a re a ç ã o é lo c a liza da e n ã o h á germinação nem multiplicação do fungo no hospedeiro, as formas clínicas severas resultam da inalação de miríades de conídios. Originam-se elas de exposições graves ao agente, ocorridas, certamente, em ambiente fechado. Uma exposição assim pode ser única, devida a um inóculo maciço, ou cumulativa, formada po r inó c ulo s pe q ue no s, mas re pe tido s a intervalos mais ou menos constantes.

A evolução dos conídios nos alvéolos pulmonares é rápida; em questão de semanas, como demonstrado experimentalmente2, atingem

eles 150µm ou mais de diâmetro. Depois disso, no homem, entram em degeneração e morrem, provavelmente em conseqüência da própria reação tecidual que induzem. Por esse motivo, não foi possível, até hoje, cultivar-se o fungo a partir de material humano. É que a maior parte dos adiaconídios já estaria inviável ao tempo da biópsia pulmonar, dois a três meses, em geral, após o aparecimento das manifestações clínicas.

A morte dos adiaconídios determina a regressão das lesões, que se torna completa ao fim de mais algumas se manas. Pro c e sso s de mo rado s se riam de vido s a mais de um inóculo. O declínio natural das lesões faz com que a adiaspiromicose seja tida como doença autolimitante, isto é, de resolução espontânea, mesmo quando há manifestações sérias. Pelas razões mencionadas — remissão espontânea das lesões e demora de alguns meses até a confirmação do diagnóstico —, é difícil avaliar-se a eficácia de qualquer agente terapêutico no tratamento da adiaspiromicose.

O cetoconazol é um inibidor da biossíntese dos esteróis, principalmente do ergosterol, o mais importante esterol encontrado na membrana ce lular do fungo . A ação de le e de o utro s derivados imidazólicos sobre as duas variedades de C. pa rvum va r crescens foi estudada in vitro por Otcenasek e Ditrich1. Embora tenham

concluído que os imidazólicos testados eram altamente efetivos contra o fungo, não puderam eles, por razões de ordem técnica, determinar a concentração fungicida mínima contra a

chamada fase adiaspórica das duas variedades da espécie, justamente a atividade de maior interesse no caso. Não havendo germinação dos conídios no hospedeiro, resta verificar se esses agentes têm realmente ação letal sobre os adiaconídios.

SUMMARY

A c a se o f h u m a n d isse m in a te d pu lm o n a ry a d ia spiro m yc o sis is repo rted . Th e pa tien t, fro m Go ia n e sia , GO, wa s a d m itte d to th e Bra silia University Hospita l, in November 1992, with wet cough, dyspnea a nd weight loss — ma nifesta tions th a t h a d a ppe a re d two m o n th s b e fo re . Prio r to a dmission, he ha d been trea ted for a suspected milia ry tuberculosis, beca use a chest roentgenogra m ha d shown a diffuse reticulonodula r infiltra te in both lungs. This thera py brought no improvement to the pa tient sta tus. An open chest biopsy wa s then performed, a nd the microscopic exa mina tion of the lung tissue revea led the funga l na ture of the disea se. Ketocona zole, 400mg/da y, wa s sta rted a nd the pa tient discha rged from the hospita l. He wa s seen a ga in two months la ter: the respira tory ma nifesta tions ha d disa ppea red a nd a new chest roentgenogra m showed complete resolution of the pulmona ry lesions. The usefulness of ketocona zole is, however, questioned, since, a s there is no multiplica tion of the fungus in the host orga nism — a dia spiromycosis. is believed to be, usua lly, a self-hea ling disea se -, the effica cy of this imida zole deriva tive a ga inst the a gent in a nima l tissues rema ins to be confirmed.

Key-works: Adia spiromycosis. Chrysosporium parvum var crescens. Emmonsia crescens. Pulmona ry mycosis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. O t c e n a s e k M, D i t r i c h O . C o m p a r a t i ve susceptibility of the agents of adiaspiromycosis to imidazole derivatives in vitro. Sabouraudia 21:239-242, 1983.

2. Slais J. Histo p ath o lo gic al c h ange s and th e genesis of adiaspiromycomas in mice infected intraperitoneally with Em m o n sia c re sc e n s

Emmons et Jellison, 1960. Folia parasitologica (Praha) 23:373-381,1976.

Rela to de Ca so. Ma rtins RLM, Sa ntos CGF, Fra nça FRFC, Mora es MAP. Adia spiromicose huma na . Rela to de um ca so tra ta do com cetocona zol. Revista da Socieda de Bra sileira de Medicina Tropica l 30:507-509, nov-dez, 1997.

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