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O conceito de pulsão de morte na obra de Freud.

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RES UMO: O autor postula que o conceito de “pulsão de m orte” na obra de Freud suscita confusão dentro do pensam ento psicanalíti-co porque, em bora encadeado psicanalíti-com a despsicanalíti-coberta original freudia-n a de u m a psicossexu alidade ifreudia-n cofreudia-n sciefreudia-n te, vifreudia-n cu lada à fafreudia-n tasia, auto-erótica e anárquica, por outro lado favorece a idéia de um a dinâm ica psíquica de tipo biológico e inato, que faz do conflito psíquico um conflito de ordem instintiva — que por definição é in su perável.

Pa la vra s - c h a ve: Pu lsão versus in stin to, sexu alidade an árqu ica/

a-fu n cion al versus sexu alidade gen italizada/ in stin tiva, prin cípio de

inércia — princípio de constância, agressividade — força psíquica autônom a?, pulsão de m orte — destrutividade ou ataque intrapsí-q u ico ?

ABSTRACT: The concept of death drive in Freud’s work. The

Au-thor postulates that the concept of a “death drive” in Freud’s work arouses bew ilderm ent in the psychoanalytic thought, because even though it’s linked w ith the original Freudian discovery of an un-conscious, fantasy related, autoerotical and anarchic psychosexual-ity, on the other hand it favors the idea of a psychic dynam ics of a biologic and innate kind, w hich m akes of the intrapsychic conflict a co n flict o f an in stin ctive kin d — w h ich b y d efin itio n is unsurpassable.

Ke y w o rd s: Dr ive ver su s in stin ct; an ar ch ic ver su s gen italized

sexuality; death drive as destructiveness or as intrapsychic attack.

Professor titular da Universidade Autônom a de Madri; psicanalista, m em bro titular da Associação Psicanalítica de Madri ( IPA) .

Jo s é Gu t ié r r e z- Te r r a za s

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O

conceito de pulsão de m orte, elaborado por Freud, é problem ático e com -plexo, um a vez que está atravessado do princípio ao fim pelas vicissitudes de um pensam ento com o o freudiano, que, pela ruptura radical que produz — do ponto de vista epistem ológico — está profundam ente desgarrado em rela-ção à ordem biológica, adaptativa ou natural.

Em vista desse desvio fundante de seu terreno específico, só podem os m es-m o nos deparar coes-m ues-m pensaes-m ento nada hoes-m ogêneo e que não está ees-m evo-lução constante, diga-se abertam ente — em contraposição à visão doutrinária que tem caracterizado e, com certa freqüência caracteriza, o discurso psicana-lítico pós-freudiano. Diante disso, convém avançar por partes e cam inhar se-gundo diversas gradações.

Em prim eiro lugar, é preciso com eçar apontando que a teoria da pulsão de m orte foi proposta por Freud com o “puram ente especulativa”, ou com o um a hipótese, “pela curiosidade de saber aonde leva” ( FREUD, 1920, p. 24) , segundo as expressões utilizadas pelo próprio Freud em Além do princípio do prazer, considera-do de m oconsidera-do geral com o aquele que introduz a pulsão de m orte em sua obra.

Mas para poder dar esse passo especulativo e curioso, Freud já contava com toda um a longa trajetória de pensam ento. Nela, em bora — por um lado — o pulsional estivesse diferenciado do instintivo e, com o conceito de pulsão, sua obra claram ente desse conta de um a dinâm ica psicossexual com o origem do conflito psíquico, por outro lado, no entanto, durante seu trabalho de conceituação sobre a pulsão — que se produz especialm ente através dos Três ensaios sobre a teoria

da sexualidade, de 1905, e a partir daí até Os instintos e suas vicissitudes, de 1915 — em seu pensam ento a propósito dos fundam entos da psicossexualidade foi-se ge-rando um a m udança m uito im portante, que ajudou a voltar a um a concepção endogenista por excelência da sexualidade; isto é, um a concepção claram ente instintivista, ao ponto de o instinto ancorado na filogênese não deixar de asse-diar e atorm entar o pensam ento freudiano.

Assim , pois, na obra de Freud, tem os um m ovim ento contraditório a propó-sito da pulsão, já que, ao m esm o tem po que esta é separada e arrancada do instintivo — e ainda: por m ais que a descoberta freudiana inicial de um a se-xualidade anárquica, a-funcional e “dem oníaca” certam ente supusesse um a clara ru ptu ra em relação à sexu alidade gen italizada e in stin tiva — o en dógen o instintivista é reintroduzido no pulsional.

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“com pulsão à repetição”, que tanto contraria o “im pério do princípio de pra-zer” ( Idem , p. 29) e que é postulada com o “o m ais originário” ou “m ais ele-m entar” do funcionaele-m ento psíquico.

Ora, para onde se dirigem os prim eiros passos dessa aventura? É evidente que, com o se depreende de um m inucioso estudo de Além do princípio do prazer, levam -no à “afirm ação do caráter regressivo das pulsões” ( Idem , p. 57) , isto é, levam -no a defender “a hipótese de que todas as pulsões querem reproduzir algo anterior” ( Idem , p. 37) , o que vincula estreitam ente a pulsão de m orte ao princípio de Nirvana, definido com o “a tendência dom inante da vida aním ica, e talvez da vida nervosa em geral, de baixar, m anter constante, suprim ir a ten-são interna de estím ulo” ( Idem , p. 54) .

Um a proposição que o leva a pensar que a pulsão de m orte é regida pelo “princípio de Nirvana” ou que este princípio é súdito da pulsão de m orte, o que vem a dar no m esm o, porque em am bas as circunstâncias trata-se de considerar que a m eta da pulsão de m orte é levar a inquietação ou a tarefa da vida para o inorgânico. O que, em vista dessa “aspiração m ais universal de tudo o que é vivo a voltar para trás, até o repouso do m undo inorgânico” ( Idem , p. 60) , im plica colocar o pulsional na ordem do vital ou no adaptativo, de acordo com o “m odelo m etabiológico e m etacosm ológico presente na especulação de Além

do princípio do prazer” .1

A este propósito creio que não só é oportuno e legítim o, m as tam bém fun-dam ental, destacar que a tendência à descarga total da quantidade de excitação, ou o cham ado “princípio de inércia neuronal” ( tam bém definido por Freud com o “princípio de Nirvana”, com o tendência ao desinvestim ento absoluto) não rege os destinos da vida psíquica com o vida pulsional ou sexual, m as so-m ente os so-m odos de evacuação daquilo que é da autoconservação ou das neces-sidades que se propõem ao ser vivo com a finalidade de m anter-se em vida. Isto é, o m odelo de abaixam ento da tensão e da hom eostase é um m odelo exclusi-vam ente instintivo, nada pulsional.

Dito em outros term os,

“a necessidade de alim entação pode ser zerada, isto é, pode-se obter um nível de

sacied ad e d o p o n to d e vista b io ló gico , m as aq u ilo q u e co n stitu i u m a m ais

irredutível ou im possível de evacuar e que obriga a adotar m odos de derivação de outra ordem , aquilo que pode ser recalcado, tornado vicariante em seus destinos, aquilo que se recusa à descarga total irrom pe no organism o ou no ser vivo hum ano

alterando para sem pre seu m odo de funcionam ento”. ( BLEICHMAR, 1993, p. 33)

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E é precisam ente o fato de que há algo em relação a que não há possibilida-de possibilida-de fuga ( algo que Freud possibilida-denom ina pulsão) que vai produzir ou im por va-riações que levarão da inércia ( tendência à descarga absoluta, ao zero) à constância, um a constância que se inscreve no interior da série prazer-desprazer.

O princípio de constância não é, pois, um equivalente do princípio de inér-cia neuronal, ou da tendêninér-cia à descarga a zero, m as sim efeito de sua alteração, que obriga à constância ou à m anutenção de um m ínim o de quantidades. Isto é, um certo tipo de estím ulo ( esses estím ulos endógenos dos quais não se pode fugir) fará variar desde um início, ou desde o com eço do devir hum ano ( em vista da presença de um outro que, ao satisfazer as necessidades biológicas, introduz um a variável que não se deixa satisfazer pelas vias biológicas ou de autoconservação) , o destino da descarga opondo-se ao princípio de inércia.

Portanto, não é o princípio de inércia neuronal, ou princípio do zero, que está operando, m as sim algo que está im possibilitado de ligar-se e, conseqüen-tem ente, de descarregar, que fixa um m odo de descarga que leva a um a com pulsão à repetição traum ática. Mas então essa com pulsão não é “o m ais originário” ou “o m ais elem entar”, da hipótese de Freud a esse respeito. Dito de outro m odo: a com pulsão à repetição não é a origem , não é o ponto de partida, m as sim um a conseqüência da presença do pulsional no ser hum ano, ou no funcionam ento do psiquism o.

Definitivam ente, e com o J. Laplanche apontou num de seus m últiplos traba-lhos sobre essa questão, os “disparates” propostos por Freud em sua especula-ção de Além do princípio do prazer ( veja-se essa longa discussão nas páginas 42-49, acerca da im ortalidade das “células germ inativas”, que extrapola diretam ente a teoria da libido, e da qual Freud tira um a conclusão contrária àquilo que essas experiências m ostram ; ou, tam bém às páginas 36-41, a idéia da prioridade de um estado de m orte, isto é, de que o vivo procede do inanim ado e, em conse-qüência, o ser vivo só pode m esm o tender para a m orte, porquanto esta o precedeu; assim com o essa retom ada, às páginas 56-57, do m ito de Aristófanes, não para questioná-lo, com o o fizera nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, m as para assum i-lo e apresentá-lo com o m odelo originário ou protótipo de Eros, proposto com o pulsão de vida) “parecem significar que a m orte para a qual a pulsão de m orte aponta não é a m orte do organism o psicobiológico, m as a m orte desse ‘organism o’ que, no ser hum ano, representa os interesses do orga-nism o biológico, ou seja, o eu” ( LAPLANCHE, 1992, p. 276) .

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originário” . Mas é que o m eio de que o indivíduo se serve, ou o cam inho que utiliza para a argum entação, não deixa de interferir e m ediatizar essa argu-m en tação.

De fato, o próprio Freud o considerava desse m odo quando tinha pela frente, ou quando discutia, a argum entação de outros. Decerto, e m uito significativa-m ente, é possível constatar isso de significativa-m aneira irretocável na discussão que se originou num a das sessões das quartas-feiras da cham ada “Sociedade Psicanalí-tica de Viena”, à base daquilo que Freud qualificava com o “a prim eira em ergên-cia da idéia de um a pulsão de destruição na bibliografia psicanalítica” ( FREUD, 1930, p. 116) , idéia ante a qual ele próprio adm ite, nesse texto de 1930, não ter sido a princípio receptivo.

De fato, a idéia de um instinto de m orte norm al no ser hum ano foi prom o-vida inicialm ente por Sabina Spielrein, na sessão de 29 de novem bro de 1911, durante a qual teve a oportunidade de apresentar resum idam ente as idéias de-senvolvidas num trabalho seu intitulado “ A destr uição com o causa do devir” . Para a dra. Spielrein, tal com o foi anotado por O. Rank na ata dessa sessão (Les prem iers psychanalystes, 1910-11/ 1979, III, p. 319-325) , o com ponente da m orte estava contido no próprio instinto sexual; trata-se de um com ponente destrutivo inerente a esse instinto e indispensável para o processo do devir, de m odo tal que a destruição é a causa do devir.

Ora, por m ais que Sabina Spielrein situasse a m orte no interior do instinto sexual e rem etesse a psicose e a neurose aos distintos graus de dissonância entre os dois com ponentes da sexualidade, toda a base de sua argum entação,2 não obstante, estava certam ente apoiada tanto em dados biológicos ( de fato, assim se intitula a prim eira parte de seu artigo, na qual apresenta o instinto sexual com o “estático” , por estar dirigido a proteger o indivíduo, e com o um caso particular do instinto “ dinâm ico” de procriação da espécie ou de transform a-ção, que tem com o objeto a m odificação do indivíduo e exige a destruição do instinto sexual) , com o em um a clara referência à mitologia ( pois seu trabalho conclui-se com um a seção que tem o título de “Vida e m orte em m itologia”, no qual expõe de m odo especial com o o tem a da m orte é tratado na m itologia à m aneira de sím bolo salvador, já que se a m orte aparece com o destrutiva no plano do instinto sexual, todavia é sinônim o de devir no plano da transform ação) .

Freud se acautela bem quanto a isso e apresenta-lhe, durante a discussão, algum as objeções que são dirigidas precisam ente a questionar os fundam entos e os m eios de que a argum entação de S. Spielrein se serve, pois, por um lado, aponta que, assim com o C. G. Jung, ela utiliza o m aterial m itológico de um a m

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neira direta e im ediata,3 sem subm etê-lo ao esclarecim ento psicanalítico e, por outro, vai pôr ênfase em defender a ontogênese ou o individual, ante a insis-tência na prem issa biológica da espécie hum ana: “ nossa hipótese psicológica [ ...] deve ser estabelecida sobre estádios da psicologia individual. Contra nossa con-cepção psicológica, a oradora tentou fundam entar a teoria das pulsões sobre p rem issas b io ló gicas ( tais co m o a co n servação d a esp écie) ” (Les prem iers

psychanalystes, p. 324-325) .

Mas o que resulta m ais significativo é que Freud, na hora de construir e fundam entar seu conceito de pulsão de m orte, recorre precisam ente a argu-m entos que têargu-m coargu-m o bases de referência tanto à biologia ( da qual se vale trasla-dando a m orte psíquica ou a autodestruição à vida biológica em seu conjunto, ao recorrer a esse estado originário da m atéria orgânica sem vida) , com o à

mitologia ( ao servir-se do m ito de Aristófanes para dar conta das pulsões de vida

ou de um Eros, cujo objetivo final fica colocado em alcançar um a vida am orosa harm oniosa e bem adaptada, pois cada um por natureza tenderia a reencontrar sua alm a gêm ea, ou m elhor, seu corpo irm ão) , que ele sabe denunciar quando são em pregados por outros e que, conseqüentem ente, vão de encontro a certas convicções que ele próprio transm itiu com toda a clareza:

“O que m e parece m ais digno de reflexão é que a Spielrein queira subordinar o m aterial psicológico a pontos de vista biológicos; essa dependência deve ser rejei-tada tanto com o a dependência à filosofia, à fisiologia ou à anatom ia do cérebro.

A psicanálise farà da sè.” (Correspondence, 1919-1914/ 1975, p. 230)

De tudo isso sobressai para nós que o conceito de pulsão de m orte na obra de Freud foi gerado sobre fundam entos nos quais o próprio Freud se m ovim entava claram ente de m aneira contraditória, e não é de estranhar que, na hora de dar precisão a esse conceito dentro do pensamento psicanalítico pós-freudiano ele te-nha dado ensejo a todo tipo de confusão, a um sem-fim de posições contrapostas. Não obstante, é bem certo que a nova dicotom ia proposta pela prim eira vez em Além do princípio do prazer — com o aponta J. Strachey em seu com entário de

3 O que aparece m ais claram ente na carta que Freud dirige a Jung poucos dias após a sessão

m encionada, ao apresentar-lhe a utilização que a srta. Spielrein fizera durante sua conferência, com o exem plo dessa m aneira direta e im ediata de servir-se da m itologia, enfatizando a esse propósito que

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introdução a esta obra — teve “elaboração com pleta em O ego e o id ( 1923) ” ( FREUD, 1920, p. 6) . Mas é preciso dizer tam bém , a esse respeito, que a propo-sição desenvolvida por Freud nessa obra de 1923 favorece poderosam ente o aspecto instintivista da pulsão de m orte, à m edida que a hipótese e a noção aí presentes de um id não recalcado e concebido com o o prim eiro ou com o ponto de partida da tópica psíquica, não som ente rem ete a um a tópica constituída de m odo endogenista por delegação das funções vitais do organism o ou do som ático no psíquico, m as tam bém leva a determ inados becos sem saída, com o essa tentativa de reconstruir o m undo hum ano a partir de um a m ônada de entrada fechada sobre si m esm a, ou esse outro de fazer o ego derivar do id, o que torna inviável o estabelecim ento de um ego com o instância intrapsíquica e com o lim ite ante o ataque pulsional.

Tem os, então, que ressituar o conceito de pulsão de m orte dentro de um enquadram ento m etapsicológico ordenador que ao m enos reponha os term os “vida” e “m orte” no plano do psíquico em contraposição ao biológico, já que só o psíquico é investigado pela “situação psicanalítica”, por m ais que a análise da dim ensão psíquica depois tenha suas repercussões no funcionam ento bioló-gico singular.

Um a coisa é propor que a m eta da pulsão de m orte seja a descarga pulsional total sem nenhum a consideração para com o objeto e para com o próprio ego, em vista de seu m ovim ento cego autodestrutivo; outra coisa m uito diferente é essa assim ilação, que se vê em Freud, da pulsão de m orte a um a tendência de ordem natural à pura destruição, ou a um retorno de tipo cosm ológico ao inorgânico, que surgiria com o aparecim ento da vida e que definitivam ente reduz o ser psíquico a um puro ser da natureza.

Nesse sentido, é fundam ental enquadrar a pulsão de m orte nos aspectos psicológicos da autodestruição e da des-ligação, em conexão com a descoberta freudiana inicial e transcendental de um a sexualidade anárquica ou fragm enta-da, auto-erótica, perversa, não genitalizada nem finalizaenta-da, em aberta ruptura ou descontinuidade com o natural instintivo ou adaptativo e que, certam ente, rem etia a um inconsciente recalcado no qual, e a partir do qual, configurava-se o pulsional.

Aspectos destrutivos e capazes de prom over des-ligação, que não exigem ser percebidos sob a idéia da agressividade, com preendida esta com o um a força psíquica independente da sexualidade4 ou com o um a força autônom a e

origi-4 Na m inha opinião, a agressividade no pensam ento psicanalítico foi arrebatada do cam po da

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nária, que rem ete a um dinam ism o natural e inato, diferente do dinam ism o sexual e oposto a ele.

Um entendim ento que sem dúvida já aparece delineado dessa m aneira na própria obra de Freud, quando em O mal- estar na civilização descreve o ser hum ano nos seguintes term os:

“O ser hum ano não é um ser m anso, am ável, no m áxim o capaz de defender-se se for atacado, m as é lícito atribuir à sua dotação pulsional um a boa dose de

agressi-vidade. Em conseqüência disso, o próxim o não é apenas um possível auxiliar e objeto sexual, m as um a tentação para satisfazer nele a agressão, para usá-lo sexual-m ente sesexual-m seu consentisexual-m ento, para despojá-lo de seu patrisexual-m ônio, husexual-m ilhá-lo, infligir-lhe dores, m artirizá-lo e assassiná-lo.” ( FREUD, 1930, p. 108)

e o qualifica pouco depois de “besta selvagem”,5 colocando dessa m aneira a agressão sádica do ser hum ano do lado da anim alidade natural, quando é claro que no com portam ento do anim al em relação à sua presa não se deixa entrever sadis-m o algusadis-m nesadis-m prazer esadis-m causar sofrisadis-m ento, de tal sadis-m odo que na biologia anim al, ou nessa anim alidade biológica sobre a qual Freud pretende basear-se, nada há desse com portam ento cruel, sádico e destrutivo, unicam ente pelo pra-zer de destruir que, no entanto, caracteriza o ser hum ano.

E nessas condições de conceituação a agressividade não vai ser pensada inscrevendo-se de form a fantasística nem com o sexualizada, m as sim plesm ente com o instintiva, ou com o algo natural, já que em geral parte-se da idéia de um m undo definido por suas características hostis que am eaçam a segurança do organism o infantil, o qual vai ser protegido pela figura m aterna, que é conside-rada exclusivam ente com o agente capaz de proporcionar satisfação de necessi-dades — de m odo algum com o o agente que im planta a sexualidade por m eio dos cuidados de autoconservação.

A este propósito parece-m e fundam ental ir ao encontro de um a das grandes confusões presentes ao longo da obra de Freud e, m ais tarde, no pensam ento pós-freudiano, que é a equivalência entre devir pulsional ou psicossexual ( que tem um a genealogia ou um a seqüência específica, que a psicanálise descobre e conceitua por m eio dos term os “auto-erotism o, narcisism o e escolha de obje-to”) e desenvolvim ento do organism o psicobiológico ( que é de ordem não pulsional, não sexual ou de tipo de autoconservação e adaptativo) .

Em vista dessa equivalência, ou dentro dessa hipótese profundam ente infiltrada no pensam ento freudiano, Freud propõe que desde o próprio início da vida, e

5 “ Essa agressão cruel [ ...] desm ascara os seres hum anos com o bestas selvagens que nem sequer

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em conseqüência da atividade m uscular do organism o, está em ação um a agres-sividade por parte do sujeito infantil dirigida para o exterior, ou para o objeto externo que cuida dele, e tam bém um a auto-agressão concebida com o um pro-cesso real, até m esm o fisiológico, que consiste em dom inar-se, em vencer a si m esm o: “não seria um total disparate construí-la [ um a etapa anterior que desde o início se dirige a um objeto alheio] a partir dos esforços do bebê que quer assenhorear-se de seus próprios m em bros” ( FREUD, 1915, p. 125) .

Adem ais, essa proposição levará Freud a apresentar a agressividade com o um a força autônom a originária e independente da sexualidade: “a tendência agressiva é um a disposição pulsional autônom a, originária, do ser hum ano” ( FREUD, 1930, p. 116) .

Mas o problem a está em que, proposta nesses term os, a agressividade rem e-te a, ou im põe que se dê conta de um a força energética diferene-te da força energética sexual. Algo quanto a que Freud tinha-se acautelado perfeitam ente e, por esse m otivo, rejeitara na ocasião a idéia proposta por A. Adler com o nom e de “pulsão de agressão”, porém — com o ele próprio será o prim eiro a esque-cer — logo se verá obrigado a recorrer a essa espécie de oposição m etabiológica entre as pulsões de vida e as pulsões de m orte, que em últim a análise contrapõe duas grandes forças instintivas enfrentadas de entrada no “organism o” hum ano. Forças que — partindo da idéia6 de que Freud descobriu prim eiram ente a ação da libido e m ais tarde, im pelido pela experiência clínica, a ação da agressão destrutiva — foram catalogadas colocando-se de um lado o libidinal e, do outro, o agressivo.

Ora, não apenas Freud sem pre se opôs a postular um a energia específica para a agressividade ou para a pulsão destrutiva, m as tam bém só se falarm os de um a m esm a e única energia psíquica cham ada sexual ou pulsional, poderem os dar conta das passagens e dos intercâm bios entre o sexual des-ligado e o sexual ligado, assim com o só dessa m aneira podem os levar a cabo o trabalho de trans-form ação do des-ligado e atacante em ligado — que caracteriza por excelência a prática psicanalítica.

Um a vez que o funcionam ento do pulsional no ser hum ano não se estabele-ce de m aneira inata e m ecânica, nem aconteestabele-ce por um princípio regulador básico que reparte a energia psíquica de m odo m ais ou m enos hom ogêneo e contraposto, m as constitui-se em situação de sujeição às vicissitudes históricas da relação com o outro, na qual, e a partir da qual — ante o poder deste, por ser

6 Idéia baseada na consideração de que o aparecim ento da pulsão de m orte no pensam ento

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quem proporciona os cuidados de autoconservação e a sobrevivência — o pulsional não só se origina abrindo a possibilidade da construção do aparelho psíquico, arrancando o ser hum ano da natureza e da “estúpida existência”, m as tam bém com o o verdadeiro m otor do progresso psicológico: o pulsional tam -bém se estabelece com o um a dinâm ica que não se deixa evacuar e ligar, obs-truindo e desestruturando o ego com o instância intrapsíquica. Daí a cegueira que caracteriza o pulsional des-ligado e, de m odo especial, o m ais pulsional da pulsão, que é a pulsão de m orte, que não tem outro fim senão a descarga im ediata e a busca do idêntico sem reconhecim ento de qualquer alteridade, e que term ina sem pre funcionando com o m odo de autodestruição ou de m orte psíquica do eu.

Recebido em 13/ 4/ 2002. Aprovado em 9/ 5/ 2002.

BIBLIOGRAFIA

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José Gutiérrez- Terrazas

Faculdade de Psicologia, UAM Cam pus de Cantoblanco 28049 Madri Espanha

Referências

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