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À minha família: Pai, Mãe, fruno, Laisa e Serena, com todo meu amor, carinho, consideração admiração e
Agradecimentos
À profa. Dra Rosangela Itri, pela amizade, orientação, dedicação,
conselhos, atenção e por sempre estar presente. Sua participação foi fundamental
e indispensável para a realização deste trabalho;
Ao prof. Dr. Marcel Tabak, pelas inúmeras discussões dos resultados
apresentados aqui;
À Serena, pela atenção, carinho, amor e força A sua presença foi de
grande importância na reta final deste trabalho. Em especial, obrigado por
suportar me, neste período!;
Aos Amigos e Professores do Laboratório de Cristalografia, em especial:
Fábio Furlan, Paula Haddad, Bia, Mariana, Adnan, Nasser, Kátia, Nathaly,
Karin, Evandro, Serginho, Sidnéia, Wilker, Elisa;
À Patrícia Santiago, aluna do prof. Tabak, pela amizade, incentivo e
pelas inúmeras e frutíferas discussões;
Aos Amigos do IFUSP, em especial: Sami, Zé Antônio e Nair, Roberto,
Babi, Dimaura e Gadelha, Eneida, Karina, Solange, Elisa, e aos inúmeros
amigos e colegas que sempre me ajudaram ao longo desta trajetória;
Aos Amigos de Taubaté, em especial, Molina (e família!!), Donini,
Alice, Rafael e Ale, Spok, Helinho, Bizo, Macá, Belco, Fabinho, João Paulo,
Leopoldo, e a todo o pessoal do posto da nove, muito obrigado pelos churrascos,
pelas noitadas, mas obrigado mesmo pela amizade!!;
Ao Tio Roberto, Tia Sônia, Laura, Luisa e família, pelo incentivo e por
sempre acreditarem em mim;
À Família Mazzoni, em especial a Sante, Mara, Zio Pazzo, Zia Lella e
Nonna por me acolherem como um membro da sua família, em especial nos
almoços de domingo;
Aos Amigos de Ancona: Stefano, Michelle, Sara, Fede, Giorgia, Mateo,
Ale, Albi, Silvia, Fran, Dani, Vick, Nicoleta e Pablo pela hospitalidade, amizade
e por toda ajuda. Um muito obrigado pela companhia e por me escutarem
sempre que precisei;
À Lia e Inês, secretarias do Departamento de Física Aplicada, pela ajuda
e por estarem sempre a disposição;
Por último, mas não menos importante, à minha família, cujo apoio
incondicional foi de extrema importância para a realização desta Tese, assim
como para a minha formação. Em especial um muito obrigado ao meu Pai, à
minha Mãe, Bruno e Laísa. Um muito obrigado especial aos meus avós e aos
meus tios, que sempre me apoiaram nos estudos;
Ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), pelo uso de suas
instalações;
Ao Laboratório Nacional Elletra, Trieste, Itália, também pelo uso de suas
instalações;
Ao Laboratório de Biofísica do IFUSP, pelo uso de suas instalações;
À CAPES pelo apoio financeiro;
A todos vocês, meus mais
Í DICE
Lista de Abreviações ... 8
RESUMO ... 9
ABSTRACT ... 11
CAPÍTULO 1 ! I TRODUÇÃO ... 13
1.1 Aspectos gerais... 13
1.2 Fármacos Fenotiazínicos ... 13
1.3 Proteínas em solução... 18
1.4 Objetivos e Estrutura da Tese ... 24
1.4.1 ! Fármacos Fenotiazínicos...24
1.4.2 ! Proteínas Aquo!Solúveis...24
1.4.3 ! Estrutura da Tese...24
CAPÍTULO 2 ! ESPALHAME TO DE RAIOS X A BAIXOS Â GULOS ... 26
2.1 – Aspectos Gerais... 26
2.2 – Curvas de SAXS para Sistemas Micelares... 29
2.2.1 – Cálculo do fator de forma P(q) de agregados micelares em solução...29
2.2.2 – Cálculo da função de interferência S(q) entre micelas em solução...33
2.3 Curvas de SAXS para Proteínas em solução ... 36
2.3.1 – Aspectos Gerais...36
2.3.2 – Cálculo do fator de forma P(q) de proteínas através da estrutura cristalográfica38 2.3.3 ! Fator de forma de proteínas parcialmente e totalmente desenoveladas...39
2.3.4 ! Cálculo da função de interferência entre proteínas em solução...41
2.4 ! Efeito da Função de Interferência S(q) na curva de SAXS ... 44
CAPÍTULO 3 ! ESTUDO DE FÁRMACOS FE OTIAZÍ ICOS... 47
3.1.1 ! Introdução ao estudo da interação de fármacos fenotiazínicos com sistemas biomiméticos...50
3.1.2 – Materiais e Métodos...51
3.1.3 ! Resultados...51
3.1.4 ! Discussão...61
3.1.4.1 – Estudo comparativo da adição de fenotiazínicos e porfirinas em sistemas micelares...68
3.1.5 ! Conclusões sobre as interações de fármacos fenotiazínicos com sistemas biomiméticos...73
3.2 – Auto!associação de fármacos fenotiazínicos ... 75
3.2.1 ! Introdução ao estudo da auto!associação de fármacos fenotiazínicos...75
3.2.2 – Materiais e Métodos...76
3.2.3 ! Resultados e Discussão...76
3.2.4 – Conclusões Parciais...93
CAPÍTULO 4 – ESTUDO DE PROTEÍ AS EM SOLUÇÃO: EFEITO DA
CO CE TRAÇÃO E PH A ESTRUTURA DA BSA ... 95
4.1 – Introdução...95
4.2 ! Materiais e Métodos...98
4.3 ! Resultados e Discussão...98
4.3.1 – Análise dos sistemas de pH 4.0 a 9.0...102
4.3.2– Análise dos sistemas a pH 2.0...119
4.4 – Conclusões Parciais...124
5. PERSPECTIVAS FUTURAS ... 126
5.1 ! Projetos já iniciados ... 126
5.2 – Projetos Futuros ... 127
6. REFERÊ CIAS... 128
Lista de Abreviações
CPZ – Clorpromazina
TFP – Trifluoperazina
LPC – L α LisoFosfatidilcolina
HPS – 3 (N Hexadecil N, N dimetilamonio N) propano sulfonato
CTAC – CetiltrimetilAmonio Bromato
TPPS42 meso tetrakis (4 sulfonatofenil)
TPMyP – meso tetrakis (4 N Metilpiridil)
SDS – Dodecil Sulfato de Sódio
BSA – Albumina de Soro Bovino
HSA – Albumina de Soro Humano
SAXS – Espalhamento de Raios X a baixos Ângulos
SANS – Espalhamento de Nêutrons a baixos Ângulos
AM1 – Austin Model 1
PM3 Parameterized Model number 3
DFT – Density Functional Theory
Resumo
Neste trabalho, utilizamos a técnica de espalhamento de raios X a baixos Ângulos
(SAXS) para estudar a influência de dois derivados fenotiazínicos na estrutura de sistemas
micelares, assim como suas propriedades de auto associação, além de investigar a influência
da variação de pH e de concentração nas interações entre proteínas em solução. Para tanto,
utilizamos dois fármacos fenotiazínicos, (Trifluoperazina, TFP e a Clorpromazina, CPZ), em
presença de Lα fosfatidilcolina (LPC), um surfactante zwiteriônico (30 mM), a pH 4.0 e 7.0.
Os resultados de SAXS indicam que a micela de LPC, em ausência de fenotiazina, pode ser
representada por uma micela com forma elipsoidal (com razão axial 1.6 ± 0.1). No entanto,
em presença de TFP e de CPZ a forma da micela se altera, passando para um cilindro (com
razão axial 2.5 ± 0.1). Este efeito é acompanhado por uma diminuição do raio parafínico da
micela (22.5 ± 0.3 Å), em ausência de fármaco, para 20.0 ± 0.5 em presença de 10 mM de
fármaco. Em paralelo, realizamos medidas de EPR (Ressonância Paramagnética eletrônica)
destes sistemas. Combinando os resultados de SAXS e de EPR, propusemos um sítio para a
localização destes compostos nas micelas de LPC, que seria na interface polar/apolar da
mesma. Em um segundo momento, utilizamos as técnicas de SAXS e de EPR para investigar
as características estruturais dos agregados formados por TFP e CPZ (a 20 e 60 mM, a pH 4.0
e 7.0). As curvas de SAXS são compatíveis com o espalhamento de agregados pequenos com
diferentes geometrias: elipsoidal, cilíndrico e tipo paralelepípedo. Devido à resolução da
técnica, dentro do intervalo de vetores de espalhamento utilizada (até cerca de 0.3 Å1), não é
possível determinar, de forma absoluta, a correta geometria dos agregados, ou seja, todas as
geometrias citadas acima ajustam de forma satisfatória as curvas de SAXS. As análises dessas
curvas também não excluem a possibilidade de que estes fármacos mantenham se como nano
cristais em solução (compostos por cerca de 10 celas unitárias, empilhadas na direção z),
seguindo sua estrutura cristalográfica. Medidas de EPR indicam que os auto agregados a pH
4.0 possuem características semelhantes às micelas, mas a pH 6.5 este efeito não foi
evidenciado, uma vez que ocorre uma forte interação entre a sonda e os agregados. Este fato
indica que os agregados, a pH 6.5, têm um maior empacotamento, em comparação aos
sistemas a pH 4.0. Por fim, utilizamos a Albumina de Soro Bovina (BSA, a 10 – 50 mg/ml),
em diferentes pHs (2.0 – 9.0), para investigar os efeitos de concentração e de pH nos
potenciais de interação das macromoléculas em solução. O fator de forma da proteína foi
homóloga a BSA), enquanto que as interações proteína proteína foram calculadas através da
relação de fechamento RPA (Random Phase Approximation). Nossos dados indicam que a BSA mantém sua estrutura terciária inalterada de pH 4.0 a 9.0, independente de sua
concentração. No entanto, a pH 2.0 a proteína sofre um processo de desenovelamento,
indicado pelo aumento da dimensão máxima da mesma. Nossos dados dão suporte para
concluir que as interações entre as proteínas, a 10 mg/ml, são praticamente desprezíveis,
exceto para os sistemas compostos a pH 2.0 (onde a proteína está desenovelada) e a pH 4.0
(onde evidenciamos a presença de interferência atrativa entre as proteínas). Entretanto, a
medida em que aumentamos a concentração proteica, uma função de interferência do tipo
repulsiva aparece na curvas de SAXS (para os sistemas de pH 4.0 a 9.0). Além disso, no
sistema composto por BSA, pH 5.4 e 50 mg/ml, evidenciamos a existência de monômeros e
dímeros em solução, provavelmente devido a proximidade do ponto isoelétrico da proteína
(entre 4.8 – 5.6). Este efeito não foi evidenciado para os outros pHs, nesta mesma
concentração. A pH 2.0 (25 e 50 mg/ml) evidenciamos uma compactação da proteína, sendo
que sua forma é diferente da forma nativa da BSA. Nestas condições, é possível que a
proteína tenha alcançado um estado molten globule, como evidenciado em outros trabalhos. Acreditamos que os efeitos de volume excluído são de grande importância para a estabilidade
Abstract
In this work we study, mainly by means of small angle X ray scattering (SAXS), the
influence of two phenothiazine derivatives on biomimetic systems as well as the self
assembly features. At the same time, the conformational stability of proteins in the presence
of denaturant agents (pH and concentration) was evaluated. First of all, the phenothiazine
compounds trifluoperazine (TFP) and chlorpromazine (CPZ) with micelles of the zwitterionic
surfactant Lα lysophosphatidylcholine (LPC), at pHs 4.0 and 7.0, are reported. The SAXS
results demonstrate that, upon addition of both phenothiazines, the LPC micelle of prolate
ellipsoidal shape changes into a cylindrically shaped micelle, increasing its axial ratio from
1.6 ± 0.1 (in the absence of drug) to 2.5 ± 0.1 (for 5 and 10 mM of phenothiazine). Such an
effect is accompanied by a shrinking of the paraffinic shortest semiaxis from 22.5 ± 0.3 to
20.0 ± 0.5 Å. Besides, EPR (Electronic Paramagnetic Resonance) evidenced a bigger motion
immobilization of the nitroxe probe, in the presence of phenothiazines. Our results provide
evidence that the positively charged phenothiazine molecule must be accommodated near the
hydrophobic/hydrophilic inner micellar interface. Furthermore, SAXS and EPR experiments
were carried out to investigate the structure of the self aggregates of CPZ and TFP, in
aqueous solution. SAXS studies (drug solutions of 20 and 60 mM, at pH 4.0 and 7.0)
evidenced that several different particle form factors with a homogeneous electron density
distribution, in respect to the water environment, could reproduce the scattering curves. Due
to the limitation of scattering intensity in the q range above 0.15 Å1, precise determination of the aggregate shape was not possible and all of the tested models for ellipsoids, cylinders, or
parallelepipeds fitted the experimental data equally well. The SAXS data allows inferring,
however, that CPZ molecules might self assemble in a basis set of an orthorhombic cell,
remaining as nanocrystallites in solution. Such nanocrystals are composed of a small number
of unit cells (up to 10, in c direction), with CPZ aggregation numbers of 60 80. EPR spectra of 5 and 16 doxyl stearic acids bound to the aggregates were also performed, indicating a
“micelle like” aggregate at pH 4.0, and a significant motional restriction of the nitroxide was
observed at pH 6.5. This implies that the aggregate is densely packed at this pH and that the
nitroxide is tightly bound to it producing a strongly immobilized EPR spectrum. Finally, the
effect of concentration and pH on the protein protein interactions of BSA (Bovine Serum
that BSA keeps its native shape (similar to the Human Serum Albumin, HSA,
crystallographic structure) unaltered at middle acid (pH 4.0) up to basic pHs (9.0). At pH 2.0,
however, BSA undergoes an unfolding process, indicated by a non globular shape. The
protein protein interactions were analysed into the Random Phase Approximation. The results show that at smaller amounts of BSA (10 mg/ml) the interference effects are not significative
over the SAXS curve for pH 5.4 up to 9.0. At pH 4.0 and 10 mg/ml, however, an attractive
potential takes place over the SAXS curves, that becomes repulsive with increasing BSA
concentration. Besides, at pH 5.4 and 50 mg/ml, we evidenced a dimer monomer co existence
in the solution. At pH 2.0 and 25 and 50 mg/ml, BSA undergoes to a compact conformation.
Capítulo 1 ! Introdução
1.1 Aspectos gerais
Neste trabalho investigamos dois sistemas de relevância biológica utilizando
principalmente a técnica de espalhamento de raios X a baixos ângulos (SAXS). O primeiro
teve como objetivo determinar a morfologia (forma e tamanho) de auto agregados de
fármacos fenotiazínicos em solução aquosa, assim como sua influência na formação de
agregados tipo micelares (membranas modelo). O segundo centrou se no estudo
conformacional de uma proteína aquo solúvel sob ação de pH e concentração, tendo como
objetivo determinar, a partir das curvas de SAXS, os potenciais de interação entre as proteínas
em função do meio (com variações de pH e concentração). Segue abaixo uma breve descrição
dos sistemas estudados, destacando se as respectivas relevâncias biológicas.
1.2 Fármacos Fenotiazínicos
Fármacos fenotiazínicos compõem uma importante classe de medicamentos que vêm
sendo utilizados em larga escala nas últimas décadas, principalmente como anti depressivos e
anti psicóticos1,2. De um modo geral, agentes psicotrópicos são fármacos que atuam no
sistema nervoso central. Nesta classe de fármacos estão incluídas as drogas que deprimem ou
estimulam a atividade mental3. A depressão, por exemplo, é uma desordem mental que pode
ser caracterizada por mudanças no humor, perda no interesse da realização de atividades
usuais, diminuição da habilidade (ou vontade) de exprimir prazer, dentre outros4,5. Não existe,
nos dias de hoje, um exame clínico capaz de diagnosticar a depressão, até porque geralmente
fatores tais como genéticos, relacionados a traumas, que em geral, ocorrem durante os últimos
anos da adolescência e primeiros anos da fase adulta, além de estar também relacionada com
fatores bioquímicos e ao meio que circunda o paciente (como fatores sócio econômicos)4. A
depressão pode aparecer uma única vez no curso de toda a vida do paciente. Entretanto, a
forma mais comum é a de múltipla recorrência da doença ao longo da vida do paciente. Sabe
se que a depressão, de um modo geral, está relacionada com alterações na concentração de
neurotransmissores (moléculas utilizadas na transmissão do sinal elétrico entre um neurônio e
um outro adjacente) na região da sinapse (região que comporta o fim de um neurônio e o
início do neurônio adjacente)6. Deste modo, fármacos antidepressivos ou antipsicóticos atuam
justamente na inibição da recaptação destes neurotransmissores pelo neurônio pré sináptico.
Existem diversos fármacos capazes de atuar na região sináptica, dentre eles se destacam os
compostos heterocíclicos, que ganharam muita atenção nas últimas décadas devido à alta
eficácia no tratamento de pacientes sob depressão aguda. O mais conhecido destes fármacos é
a fluoxetina7, princípio ativo do Prozac. Dentro desta classe de fármacos (compostos
heterocíclicos) estão contidos os fármacos fenotiazínicos (ou tricíclicos). Atualmente, houve
uma redução na utilização dos fármacos fenotiazínicos devido aos efeitos colaterais relatados
por pacientes sob tratamento, tais como: taquicardia, boca seca, constipação, retenção
urinária, escurecimento na visão, vertigens, desmaios, confusão e disfunções sexuais8.
Pacientes também podem apresentar sintomas relacionados à toxicidade destes fármacos, em
presença de elevadas doses dos medicamentos. Além disso, foram relatados alguns casos de
pacientes sob tratamento que apresentaram manchas escuras na pele9,10, causadas pela
agregação dos fármacos nesta região.
Embora a eficiência dos fenotiazínicos seja conhecida, seu mecanismo de ação em
nível celular, ou seja, como e de que forma os fármacos atuam nos receptores dos
que as fenotiazinas são também fotossensíveis. Como estes compostos são formados por anéis
heteroaromáticos tricíclicos, eles absorvem luz (geralmente na região do visível) e produzem
espécies reativas de oxigênio, podendo ser utilizados em terapia fotodinâmica11,12.
Neste trabalho, investigamos dois fármacos fenotiazínicos, buscando melhor
compreender suas propriedades de interação com sistemas biomiméticos, assim como suas
propriedades de auto associação. A figura 1.1 mostra a esquematização molecular da
Clorpromazina (CPZ) e da Trifluoperazina (TFP).
Figura 1.1 Representação esquemática dos fármacos utilizados nesse trabalho:
Trifluoperazina (TFP) e Clorpromazina (CPZ), ambos com cerca de 100 Å2. Os símbolos * e # indicam os possíveis locais de protonação dos fármacos, sendo que o último ocorre apenas
em situações extremas de pH (≤ 2)14. As setas indicam o caminho de protonação dos
fármacos, em função da diminuição do pH.
Do ponto de vista físico químico, uma das maiores diferenças entre a CPZ e a TFP é
já no caso da TFP, apenas um valor de pKa pode ser observado (4.4)14, indicando que a segunda protonação da TFP não é facilmente obtida em presença de SDS14. Os possíveis
sítios de protonação dos fármacos estão indicados com os símbolos * e # na figura 1.1, sendo
que as setas nessa figura indicam a ordem de protonação da molécula, com a diminuição do
pH do meio.
Nosso grupo de pesquisa, em colaboração com o grupo de pesquisa liderado pelo prof.
Dr. Marcel Tabak (IQSC USP) iniciou uma série de estudos acerca das propriedades de
interação da CPZ e da TFP com sistemas micelares. Vale a pena ressaltar aqui que a técnica
de SAXS, como será explicada no Cap. 2, é bastante útil na determinação de propriedades
estruturais de agregados tipo micelares15,16,17, sendo sensível à forma e tamanho destes
agregados, assim como a eventuais alterações induzidas pela força iônica do meio, interações
com fármacos 18,19,20, etc.
Em termos das moléculas fenotiazínicas, nossos estudos prévios sobre a interação da
TFP e da CPZ com micelas aniônicas de SDS e zwiteriônicas de HPS (Hexadecil Propano
Sulfonato) mostraram uma forte ligação dos fármacos com estas micelas, em pH 7.0, sendo
que as constantes de associação (Kb) são da ordem de 103 e de 102 M1, respectivamente21,22. Esta diferença de uma ordem de grandeza entre os surfactantes foi atribuída à diferença de
cargas na cabeça polar dos mesmos. Considerando que os fármacos devem estar na forma
protonada (catiônica) a pH 4.0 e 7.0, é de se esperar que sua interação com micelas aniônicas
(SDS) seja maior do que com micelas zwiteriônicas (HPS).
A fim de se obter um provável sítio de localização dos fármacos nessas micelas, foram
realizadas medidas de SAXS nos sistemas contendo CPZ e SDS21 e também nos sistemas
compostos por CPZ ou TFP e HPS22. Foi evidenciado que a presença da CPZ em micelas de
SDS induz uma transição de forma micelar: de um elipsóide prolato (com razão axial de 1.5,
mM de CPZ). Este crescimento micelar é acompanhado por uma diminuição da densidade de
cargas na superfície da micela de SDS, ou seja, o fármaco está provocando uma blindagem
das cargas da cabeça polar da micela, facilitando uma maior empacotamento da micela, que
por fim induz o aumento da anisometria23. Este fato sugere que os fármacos devem se
localizar em um sítio tal que sua carga positiva fique voltada para a interface
hidrofóbica/hidrofílica da micela. Para maiores detalhes sobre a localização da molécula de
CPZ em micelas de SDS, ver ref21. Já no caso das micelas de HPS, foi evidenciado um efeito
diferente22: a presença desses fármacos leva a uma diminuição da razão axial da micela,
favorecendo a associação de co micelas em agregados menores e globulares.
Através dos dados de SAXS foi possível propor que o fármaco deve se localizar mais
próximo da região hidrofílica (ou até mesmo inteiramente nela), em contato com moléculas de
água. Ou seja, a ligação e a capacidade do fármaco CPZ e TPF impactar nas propriedades
micelares dependem das propriedades da molécula anfifílica que se auto associa em micelas.
Isto é, fenotiazinas carregadas positivamente têm pouco efeito sob micelas de HPS reduzindo
o número de monômeros agregados. Já em micelas aniônicas de SDS elas ligam mais e são
capazes de induzir uma transformação de forma micelar de agregado tipo elipsoidal para
cilindro, acompanhado de crescimento micelar.
Embora seja bem conhecido que micelas zwiteriônicas de HPS podem capturar
seletivamente íons de natureza diferente24,25, não é claro o papel do dipolo elétrico,
favorecendo ou não a interação de uma molécula carregada com as micelas. Neste contexto,
decidimos investigar a influencia da TFP e da CPZ na formação micelar do dois surfactantes
zwiteriônicos com mesmo número de átomos de carbono na cadeia parafínica (C16), mas com
distintas cabeças polares, são eles: a LPC (Lisofosfatidilcolina) e o HPS. Esta etapa do
Um outro ponto que nos chamou atenção foi a capacidade de auto associação das
moléculas de TFP e CPZ. Como mencionamos anteriormente, pacientes sob tratamento
apresentaram manchas na pele, devido ao uso contínuo destes fármacos9,10. Além disso, não
existe um consenso na literatura sobre como é a forma, o tamanho e o processo de formação
dos agregados fenotiazínicos. Alguns autores indicam que a formação destes agregados é do
tipo micelar26, enquanto outros indicam que esta formação é do tipo molécula–a–molécula
(stepwise)27. Portanto, decidimos investigar as características estruturais dos agregados de CPZ e de TFP (em diferentes concentrações a diferentes pHs), a fim de se obter maiores
informações acerca da auto associação destes fármacos, assim como propor um modelo para
tal associação. Este estudo tem potencial aplicação, por exemplo, na formação de veículos
transportadores destes fármacos, buscando evitar/diminuir agregação, como em terapia
fotodinâmica. Isto porque o rendimento quântico na produção de espécies reativas de oxigênio
pode ser significativamente reduzido quando moléculas fotossensíveis encontram se
agregadas. Esta etapa do projeto está descrita no Capítulo 3 (seção 3.2) desta Tese.
1.3 Proteínas em solução
Na segunda etapa do projeto de Doutoramento, estudamos a influência da
concentração e da variação de pH no estado conformacional de uma proteína aquo solúvel, a
Albumina de Soro Bovino (BSA). Em alguns casos, o efeito da concentração da proteína é
importante para sua atividade. Ross e Minton 28 estudaram o efeito da concentração na
atividade da Hemoglobina, in vitro, e evidenciaram que a proteína tem sua atividade
aumentada em função do aumento de concentração. É interessante salientar aqui que a
concentração da hemoglobina pode exceder 300 mg/ml dentro das células vermelhas29,
o processo de desnaturação de proteínas é um dos objetos de maior estudo dentro da biologia
molecular. Isto se deve às diversas áreas do conhecimento que este assunto está
correlacionado, tanto nas áreas ligadas à ciência quanto àquelas ligadas ao setor industrial. O
processo de desenovelamento pode ser induzido pelos mais diversos fatores e
condições30,31,32,33. Cada rota de desnaturação proteica tem sua própria aplicação, vantagem e
também sua desvantagem nos processos industriais ou nas bases científicas a que estão
relacionadas. Por exemplo, a desnaturação por temperatura e por pressão tem uma grande
importância na indústria alimentícia, no processamento de alimentos34,35,36, enquanto que a
desnaturação causada por surfactantes tem uma maior importância na indústria farmacêutica e
de cosméticos37,38. Além do mais, é importante mencionar aqui que cada um destes agentes
desnaturantes induz um processo diferente de desenovelamento na proteína. Acredita se que o
processo de desenovelamento induzido pela temperatura seja centrado no enfraquecimento e
subseqüente rompimento das ligações de hidrogênio internas à proteína. Com o rompimento
destas ligações, resíduos hidrofóbicos (ou até mesmo regiões inteiras) se expõem ao meio
aquoso39,40, resultando no desenovelamento proteico. Já o processo induzido pela pressão é
ligeiramente diverso: com o aumento da pressão, algumas moléculas de água podem penetrar
em regiões hidrofóbicas da proteína, levando a um enfraquecimento das ligações de
hidrogênio que mantém essas regiões hidrofóbicas unidas, levando a proteína ao estado
desenovelado41,42. Já a presença de agentes desnaturantes, como uréia e surfactantes, levam a
proteína ao estado desenovelado através de um caminho diferente em comparação ao induzido
pela temperatura e pela pressão. Em presença de uréia, tanto os mecanismos diretos de
desnaturação quanto os indiretos já foram discutidos na literatura43,44,45,46,47,48,49,50..Os grupos
de pesquisa ao redor do mundo que apóiam a idéia de que a uréia interage diretamente com a
proteína acredita que a uréia é capaz de fazer uma ligação de hidrogênio com a cadeia
acreditam que a uréia interage de modo indireto na estrutura proteica acreditam que esta
molécula é capaz de desestabilizar algumas pontes de hidrogênio que a água faz consigo
mesma, o que resultaria em solvatação de resíduos apolares, uma vez que estes “sentem” a
presença de uma água menos estruturada47,48,49,50, resultando numa proteína desenovelada.
Logo, não existe ainda um consenso acerca do mecanismo de desnaturação da uréia em
proteínas. Já a desnaturação causada por moléculas anfifílicas, em especial surfactantes, é
explicada por meio da ligação direta dessas moléculas em regiões hidrofóbicas da proteína
mediadas por interações eletrostáticas, causando assim o seu desenovelamento51,52.
Além disso, um outro ponto muito debatido nos últimos anos é a obtenção da estrutura
cristalográfica de proteínas. A necessidade do conhecimento da estrutura terciária de proteínas
provém da relação estrutura–função. Existem algumas técnicas experimentais capazes de
elucidar a estrutura terciária de proteínas, como por exemplo, a Ressonância Magnética
Nuclear (NMR) (responsável por 9 % das estruturas depositadas no protein data bank) e cristalografia de raios X (responsável por cerca de 90 % das estruturas depositadas no protein data bank). A grande desvantagem da técnica de NMR é que esta apresenta resultados não satisfatórios para proteínas com massa molecular maior do que 20 kDa. Neste contexto, a
cristalografia de raios X tem extrema importância na determinação da estrutura terciária de
proteínas. O grande desafio desta técnica é, entretanto, obter o cristal da proteína em estudo.
Assim, nos últimos anos, houve um grande aumento no estudo de soluções de proteínas a
altas concentrações para que se pudesse obter maiores informações acerca da interação entre
proteínas que possam levar a precipitação, agregação e cristalização. Em um trabalho
pioneiro, George e Wilson53,54 demonstraram que existe uma relação direta entre o segundo
coeficiente de virial (descrito como a soma dos potenciais de interação entre as proteínas55,
sendo que um valor negativo indica um potencial de interação atrativo, enquanto que um valor
inferiram que a cristalização da lisozima, por exemplo, ocorre em um pequeno intervalo de
valor para o segundo coeficiente de virial (entre 1 x104 e 8x104 mol.ml.g2)53,54. Existem
alguns trabalhos na literatura que investigam, através das técnicas de espalhamento, o efeito
da concentração na estabilidade de proteínas em solução. Por exemplo, Schurtenberger e
col.56 evidenciaram um efeito peculiar da Lisozima. Em altas concentrações (da ordem de
100 300 mg/ml), este sistema pode apresentar a formação de agregados proteicos, que se
formariam independente da concentração56. Não existe ainda um consenso sobre e
estabilidade de tais agregados. Svergun e col. 57, reproduzindo os experimentos propostos por
Schurtenberger e col.56, não evidenciaram que a formação de tais agregados seria
independente da concentração. Este ponto está em debate na literatura.
Portanto, o objetivo desta etapa é investigar o efeito combinado de concentração e
possível desnaturação por variação de pH. Escolhemos utilizar a Albumina de Soro Bovino
(BSA) por já conhecermos sua estrutura e sua estabilidade, sob influência de diferentes
agentes como: uréia58,59, surfactantes52,60,61, lipídios62 e polieletrólitos63.
A BSA é a proteína mais abundante (> 50 %) no plasma sanguíneo64, tendo uma forma
globular. É composta por cerca de 585 aminoácidos (pI entre 4.8 – 5.664), sendo 35 cisteínas,
que formam 17 pontes di Sulfeto, conferindo a proteína uma grande estabilidade
conformacional65. A Albumina é sintetizada no fígado dos mamíferos e tem um tempo de
vida no organismo de cerca de 20 dias29. Esta proteína é responsável por algumas funções no
organismo, tais como remoção e transporte de pequenas moléculas, ácidos graxos e algumas
drogas, sendo também responsável pela manutenção do pH e da pressão osmótica
sanguínea64. A proteína é composta por uma única cadeia polipeptídica organizada em 3
domínios (I, II, III), sendo que cada domínio é dividido em outros 2 sub domínios (A e B)65.
A BSA possui cerca de 66 % de sua estrutura secundária em forma de α hélice65. A figura 1.2
médias da macromolécula. Embora a BSA seja utilizada em grande escala, ela ainda não
possui sua estrutura cristalográfica resolvida. Como a proteína compartilha cerca de 76 % de
homologia na estrutura primária com a HSA, acredita se que ambas possuem estrutura
terciária semelhante.
Figura 1.2 – Estrutura cristalográfica da HSA66, proteína homóloga a BSA, representando as
direções x e y (painel superior esquerdo) e a direção z (painel superior a direito). Os valores
aproximados das dimensões estão escritos nos painéis; Rg representa o raio de giro da proteína calculado através de sua estrutura cristalográfica. As dimensões da molécula foram calculadas
com o programa webLab viewer.
Embora exista uma grande literatura centrada no estudo da BSA sob diferentes
desnaturantes,69,70,71, variação de temperatura72,73, etc, poucos estudos centram a influência da
concentração na conformação da proteína. Em geral, as técnicas biofísicas usuais utilizadas no
estudo conformacional de proteínas em solução, requerem uma baixa concentração proteica
(até alguns mg/ml). Por outro lado, a técnica de SAXS requer uma alta concentração.
Realizamos alguns testes e evidenciamos que, no caso da BSA, esta seria acima de 5 mg/ml,
uma vez que abaixo deste valor a relação sinal/ruído é muito baixa na curva de SAXS obtida
na linha de SAXS do LNLS, Campinas (conforme Cap. 2). Por isso, decidimos utilizar a
técnica de SAXS no estudo conformacional da BSA em um grande intervalo de pH (de 2.0 a
9.0) a três diferentes concentrações (10, 25 e 50 mg/ml). É interessante mencionar que a HSA
1.4 Objetivos e Estrutura da Tese
Portanto, os objetivos principais desta Tese são: melhor entender a interação dos
fármacos fenotiazínicos com sistemas modelo e suas propriedades de auto associação;
investigar o efeito da concentração e do pH na estrutura terciária de uma proteína aquo
solúvel. Os objetivos específicos são:
1.4.1 ! Fármacos Fenotiazínicos
i) Investigar a influência de dois fármacos fenotiazínicos (TFP e CPZ) na estrutura de
micelas zwiteriônicas de LPC, em comparação com as de HPS, focalizando o papel
do dipolo elétrico na interação destas moléculas.
ii) Investigar a auto associação destes mesmos fármacos fenotiazínicos, a diferentes
concentrações e pHs.
1.4.2 ! Proteínas Aquo!Solúveis
iii) Estudar o efeito da concentração na estrutura de uma proteína aquo solúvel, BSA
em diferentes pHs.
1.4.3 ! Estrutura da Tese
Esta introdução descreve os sistemas estudados e os principais objetivos desta Tese. O
Capítulo 2 descreve a técnica de espalhamento de raios X a baixos ângulos (SAXS)
estudados. Este capítulo está dividido em duas partes, na primeira detalhamos os modelos
utilizados para sistemas micelares em solução, enquanto que na segunda os modelos
utilizados para análise das curvas de SAXS de proteínas em solução. O Capítulo 3 é centrado
no estudo de fármacos fenotiazínicos e também está dividido em duas seções: na primeira
discutimos a influência destes fármacos em micelas de LPC (item i dos objetivos específicos),
enquanto que na segunda investigamos as propriedades de auto–associação destes fármacos
(item ii). O Capítulo 4 centra o estudo da proteína BSA a diferentes concentrações e a valores
de pH (item iii). Ao final de cada item/capítulo descrevemos as conclusões de cada sistema
estudado. Após esta etapa, no Capítulo 5 encontram se as perspectivas futuras destes
Capítulo 2 ! Espalhamento de Raios X a baixos ângulos
2.1 – Aspectos Gerais
A técnica de espalhamento de raios X a baixos ângulos (SAXS) é uma ferramenta
muito útil no estudo de partículas coloidais, já que permite a medida do tamanho, da forma e
de possíveis interações entre as partículas espalhadoras. Existe uma relação inversa entre
comprimento de onda e dimensão da partícula em estudo74. Para o comprimento de onda dos
raios X (da ordem de 1 2 Å) os tamanhos das partículas podem variar de cerca de 10 – 20 Å
até cerca de 400 500 Å, dependendo do arranjo experimental.
Figura 2.1 – Esquematização da linha de SAXS (D11A) do Laboratório Nacional de Luz
Síncrotron, LNLS, Campinas.
As medidas de SAXS realizadas neste trabalho, em sua maioria, foram feitas no
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS, Campinas SP), linha D11A cuja óptica
pode ser apreciada na figura 2.1. Geralmente, utilizamos distância amostra detector de
espalhamento parasita (tampão), absorção e homogeneidade do detector (neste caso linear
sensível à posição). Destacaremos no texto quando utilizarmos condições de medidas
diferentes das descritas acima.
Para um sistema de partículas idênticas com baixa polidispersão, baixa anisometria e
esfericamente simétrico, podemos escrever a intensidade de espalhamento como sendo74,75,76
2 2
0
(
)
( )
( )
1 4
( ( ) 1)
( ) ( )
p p
p
sen qr
I q
kn
F
q
n
g r
r dr
qr
kn P q S q
π
∞
=
+
−
=
∫
2.1
sendo k uma constante relacionada ao arranjo experimental (esta constante é determinada a
partir da curva de SAXS de uma amostra padrão), np é a densidade numérica das partículas,
P(q) = 2
( )
F q é conhecido como fator de forma da partícula espalhadora, sendo F q( ) a
amplitude do espalhamento e q (=4π senθ
λ ,
λ
o comprimento de onda da radiação incidente e2
θ
o ângulo de espalhamento) é o módulo do vetor de espalhamento;2
0
( ) ( ) 1 4 p ( ( ) 1) sen qr
S q n g r r dr
qr
π
∞= +
∫
− é a função de interferência entre as partículasespalhadoras, sendo g(r) a função de distribuição radial, relacionada à probabilidade de se
encontrar uma partícula distante de r do centro de uma partícula de referência.
A primeira informação estrutural que pode ser extraída de uma curva de SAXS para
sistemas não interagentes (ou seja, S(q)
≈
1), é o valor do raio de giro, Rg, da partícula emestudo. Segundo a lei de Guinier, a curva de espalhamento para q → 0 pode ser aproximada
por uma função exponencial74, tal que:
2 2
3
(
0)
(0)
g
q R
sendo que I(0) é a intensidade extrapolada à q = 0. Esta relação é valida na região em que qRg
≤ 1. I(0) pode ser escrita como:
2 2
(0)
pI
=
kn
ρ
V
2.3onde
ρ
(=ρpartícula
;ρmeio
) e V são: o contraste de densidade eletrônica da partícula emrelação ao meio e o volume da partícula espalhadora, respectivamente. É interessante perceber
que o valor de I(0) está relacionado com o volume da partícula espalhadora e, para uma
partícula homogênea, pode ser escrito em função da massa molecular da mesma77.
Uma outra maneira de escrevermos a intensidade de espalhamento é através da função
de distribuição de distâncias, p(r). Esta função está relacionada com a probabilidade de
encontrarmos dois centros espalhadores distantes de r dentro da partícula em estudo. Esta
função pode ser escrita como74,75,76:
( )
( )
2
0 0
sin
1
( )
( ). .
(
)
( )
4
2
qr
p r
I q qr sen qr dq
P q
p r
dr
qr
π
π
∞ ∞
=
∫
⇒
=
∫
2.4É possível também, através da p(r), obter o valor do raio de giro (Rg) da partícula,
através da relação74,75,76:
2
2 0
0 ( )
2 ( )
MÁX
MÁX
D
D
p r r dr Rg
p r dr
=
∫
∫
2.5
A função p(r) foi obtida através da transformada inversa de Fourier da curva de
espalhamento experimental, I(q), utilizando a metodologia desenvolvida por O. Glatter78,79
(programa GIFT).
Devido aos sistemas estudados neste trabalho, é interessante dividir a metodologia de
análise das curvas de SAXS em duas partes: i) estudo de partículas heterogêneas (micelas) ou
2.2 – Curvas de SAXS para Sistemas Micelares
Os agregados micelares são caracterizados por possuírem uma densidade eletrônica
não homogênea (figura 2.2). Estes agregados são compostos por um interior hidrofóbico, cuja
densidade eletrônica (ρpar = 0.275 e/Å3) é menor que a da água (ρágua = 0.334 e/Å3) e uma
camada polar (hidrofílica), cuja densidade eletrônica é maior que a densidade eletrônica da
água. A figura abaixo mostra uma esquematização geral da estrutura micelar.
Figura 2.2 – Esquematização da estrutura de um agregado micelar, o interior hidrofóbico e as
cabeças polares estão em cinza e vermelho, respectivamente.
2.2.1 – Cálculo do fator de forma P(q) de agregados micelares em solução
Utilizamos dois modelos para o fator de forma de micelas em solução: elipsóide
prolato de revolução e o cilindro. Abaixo segue uma breve descrição destes modelos.
A princípio, vamos considerar um elipsóide prolato, com densidade eletrônica
constante (ρ1) e contraste de densidade eletrônica em relação ao meio (que em nosso caso será
a água)
ρ
(= ρ1 ; ρágua); os três semi eixos do elipsóide são definidos por R, R eν
.R (ν
=razão axial, também chamado de anisometria). Este elipsóide pode ser transformado em uma
esfera, de volume equivalente, cujo raio efetivo Ref é dado por 80:
[
]
21 2 2 2
cos
ψ
ν
senψ
R
sendo
ψ
o ângulo formado entre o eixo longo do elipsóide e a direção do vetor deespalhamento q.
Se o elipsóide não tem orientação preferencial, obtém se o fator de forma através da
média de todos os possíveis valores de
ψ
, tal que74:2 2
1 0
( ) [ ( ( ))] cos( )
P q V qR d
π
ρ
ψ
ψ ψ
=
∫
Φ Θ 2.7onde
Θ1
(ψ
) = (cos2ψ
+ν
2sen2ψ
)1/2 e3
( ) cos( )
( )u 3 sen u u u
u −
Φ =
2.8
Entretanto, como dito anteriormente, micelas são partículas heterogêneas com respeito
à densidade eletrônica, portanto, usaremos o modelo de dois níveis de densidade eletrônica
(Fig 2.3) para modelarmos o fator de forma de uma micela elipsoidal em solução80.
Figura 2.3 – Esquematização do modelo micelar tipo elipsoidal. Os parâmetros de ajuste das
curvas de SAXS para este elipsóide são: Rpar (raio parafínico), νRpar (semi eixo maior do
elipsóide), assim como σpol e ρpol (espessura e densidade eletrônica da camada polar,
respectivamente), ρágua, e ρpar, são as densidades eletrônicas da água e da região parafínica,
respectivamente, mantidas constantes e iguais a 0.334 e 0.275 e/Å3.
σ
ν σ
ν ρágua
Assim, este fator de forma pode ser escrito como:
2 2
0
( ) ( par pol) par ( par par( )) ( pol agua) pol ( pol pol( )) cos( )
P q V qR V qR d
π
ρ ρ ϕ ψ ρ ρ ϕ ψ ψ ψ
=
∫
− Θ + − Θ 2.9onde 2 1 2 2 2 2 2 1 2 2 2 1 ) (cos ) ( ) (cos ) (
ψ
ν
ψ
ψ
ψ
ν
ψ
ψ
sen sen tot + = Θ + = Θe
νtot
= (ν
Rpar +σpol
)/ Rpol é arazão axial da partícula inteira, onde Rpol = Rpar +σpol
;σpol
é aespessura da segunda camada de densidade eletrônica
ρpol
.Seja agora um cilindro de tamanho L e raio da seção transversal R. Considerando
constante o contraste entre a densidade eletrônica do cilindro com respeito ao meio (
ρ
=constante, ou seja uma partícula homogênea) e sendo
ψ
o ângulo formado entre o eixo longodo cilindro e o vetor de espalhamento, temos o fator de forma para uma dada orientação74,75:
) ( ) ( 2 ) cos 2 ( ) cos 2 ( ) ,
( 2 1
ψ
ψ
ψ
ψ
π
ρ
ψ
sen qR sen qR J L q L q sen R L qFcil = 2.10
onde J1é a função de Bessel de 1ª ordem.
Para o caso em que cilindros são isotropicamente dispersos, a média sobre todas as
possíveis orientações resulta em:
2
2
2 2 2 2 2 1
2
0 2
( cos )
( )
2
( ) 4 ( )
( )
( cos )
2
cil
L sen q
J qR sen
P q L R d
L qR sen
q
π
ψ
ψ
ρ
π
ψ
ψ
ψ
=
∫
2.11No caso em que a densidade eletrônica
ρ
(r) varia ao longo da seção transversal docilindro, por exemplo, em um modelo de dois níveis de densidade
ρpar
eρpol
em relação aoFigura 2.4 – Função distribuição de densidade eletrônica
ρc
(r) da secção transversal de umcilindro, composta por dois níveis de densidades eletrônicas diferentes
ρpar
eρpol
em relaçãoao meio
ρágua
.O fator de forma deste cilindro para uma dada orientação é dado por:
2 2
1
2 2 2
2 2
( cos ) ( )
( , ) 4( )
( cos ) ( )
par par
cil par pol par
par par
sen q R J qR sen
F q V
q R qR sen
ν
ψ
ψ
ψ
ρ
ρ
ν
ψ
ψ
= − +
2 2
1 2 2
2 2
( cos ) ( )
4( )
( cos ) ( )
tot pol pol
pol agua pol
tot pol pol
sen q R J qR sen
V
q R qR sen
ν
ψ
ψ
ρ
ρ
ν
ψ
ψ
+ − 2.12
onde agora
2 par
L R
ν
= é a anisometria da região de densidade eletrônicaρpar
do cilindro e;
2( )
tot
par pol L R
ν
σ
=+
σpol
= Rpol – RparAssim, o fator de forma será dado por:
2 2 0
( )
cil( , )
P q
F
q
d
π
ψ ψ
No caso de auto associação de moléculas fenotiazínicas, utilizamos também o fator de
forma de um paralelepípedo homogêneo em solução. Seja, portanto, um paralelepípedo de
lados A, B e C com densidade eletrônica constante em solução. Neste caso, o fator de forma
do agregado espalhador pode ser escrito como74,75:
(
)
(
)
2 2
1 2 2 2 1
2 0
0
2
( )
0.5
sin( )
0.5
(1
)
cos( )
2
qCx
P q
qA
y
qf
x
y dydx
π
π
=
ϒ
ϒ
ϒ
−
∫
∫
2.14
onde,
( )
t sin( )tt
ϒ = e as variáveis x e y são utilizadas para considerar todas as possíveis
posições relativas do paralelepípedo.
2.2.2 – Cálculo da função de interferência S(q) entre micelas em solução
Durante a execução deste trabalho, evidenciamos que alguns sistemas apresentaram
interações entre as partículas espalhadoras. Em especial micelas compostas de surfactantes
iônicos podem apresentar tal função nas curvas de SAXS. A função S(q) depende do potencial
de interação entre as partículas e de suas posições relativas, via a função de distribuição radial
g(r) (eq. 2.1). É bem conhecido que uma transformada de Fourier conecta as funções de
interferência S(q) e a função de correlação total h(r) (= g(r) ; 1)81. Se duas partículas não
podem se interpenetrar, nenhuma partícula pode ser encontrada mais perto que a distância
máxima de aproximação D (= diâmetro médio da partícula), tal que g(r < D) = 0. No outro
extremo, para distâncias muito maiores que o diâmetro médio da partícula, não deve existir
proporcionais a r;1. Assim, a densidade de partículas longe da partícula de referência é
indistinguível da densidade média das partículas e g(r
→
∞
) = 1.O cálculo utilizado para a função de correlação total, h(r), é o mesmo da teoria
fundamental de líquidos81: resolve se a equação de Ornstein Zernicke82 (eq. 2.15), impondo
algumas relações de fechamento (Percus Yevick (PY), Aproximação de Esfera Média (MSA),
“Hipperneted Chain” (HNC), “Random Phase Approximation” (RPA), dentre outras)83. A
equação de Ornstein Zernicke pode ser escrita como81,82:
∫
+
=
12 13 23 312
)
(
)
(
)
(
)
(
r
c
r
n
c
r
h
r
dr
h
p 2.15onde h(rij) é função de correlação total da partícula i à partícula j, c(rij) é a correlação direta da
partícula i com a partícula j (também chamado de correlação de pares) e rij é a distância da
partícula i à partícula j.
As relações de fechamento nada mais são do que funções matemáticas que
correlacionam a função de correlação de pares, c(r), com a função de distribuição radial, g(r)
a fim de que a equação de OZ tenha uma solução. Dentre todos as metodologias citadas para
resolver (analiticamente ou não) a equação de Ornstein Zernicke, destaca se a relação de
fechamento MSA (Mean Spherical Approximation), desenvolvida por Hayter e Penfold84 e
Hansen e Hayter85. A relação de fechamento MSA vem sendo amplamente utilizada pelo
nosso grupo de pesquisa21,22 e também por outros grupos de pesquisa ao redor do
mundo86,87,88.
Esta relação de fechamento supõe que as micelas podem ser representadas como
esferas ”duras” efetivas (com volume equivalente e diâmetro
σef
= 2Ref) em solução, sendoque o potencial mais comumente adotado para a interação de micelas em solução é o termo
existem evidências de um termo atrativo em sistemas micelares a baixas concentracoes. O
termo repulsivo deste potencial pode ser escrito como:
(
)
( ( ))
2 2 ( )
1 0.5
Df eff
k r
Df eff
Z e e
U r
r k
σ
ε
σ
− −
=
+ 2.16
onde
2 2
3
8 10
A Df
f
e K I k
K T
π
ε
= , sendo Z a carga na superfície da micela, e a carga fundamental do
elétron,
ε
a constante dielétrica do meio, KA o número de Avogadro, I a força iônica, Kf aconstante de Boltzmann e T a temperatura. Neste modelo, kDf é o inverso do comprimento de
Debye, que descreve o intervalo de atuação do potencial repulsivo. No caso de micelas em
solução, é interessante substituir Z por αKag (Kag = Número de agregação). Deste modo,
α
estárelacionado com a porcentagem de cargas na superfície da micela. É importante salientar que
α, por ser um parâmetro de ajuste, pode suprir algumas deficiências do potencial adotado.
Assim, ele não pode ser interpretado diretamente como o coeficiente de ionização das
micelas, mas sim como um valor efetivo. É interessante mencionar aqui que a força iônica foi
calculada utilizando se as constantes de dissociação dos sais que compõem o tampão, por
2.3 Curvas de SAXS para Proteínas em solução
2.3.1 – Aspectos Gerais
Nesta seção, vamos nos ater à análise de curvas de SAXS de macromoléculas
(proteínas) em solução. O espalhamento de proteínas enoveladas numa configuração
compacta pode ser considerado como de partículas homogêneas, ou seja, com um contraste de
densidade eletrônica bem definido em relação ao solvente. Neste caso, a intensidade de
espalhamento I(q) tem um comportamento assintótico com q;4 para ângulos grandes,
conhecido como lei de Porod90.
Já proteínas desenoveladas, não possuem um contraste de densidade eletrônica abrupto
com o meio e a lei de Porod perde a validade (embora a Lei de Guinier não perca). Neste
caso, o comportamento assintótico da Intensidade varia com q;2 90. Ou seja, supondo a
proteína desenovelada, de um gráfico de I(q)q2 x q, deverá existir uma região constante (como
um platô) na região da curva de espalhamento correspondente a lei de Porod. Este é o
chamado gráfico de Kratky, uma ferramenta muito útil no estudo da conformação de
proteínas. Isto porque, sem nenhum cálculo, é possível obter informações sobre o estado
conformacional das mesmas. Para uma proteína enovelada (se globular, como a utilizada no
presente trabalho), o Gráfico de Kratky tem a forma de um “sino”. A figura 2.5 mostra um
exemplo de uma curva de espalhamento para uma esfera (homogênea) e para um polímero
gaussiano, com mesmo Rg. No inset do gráfico estão essas mesmas curvas, na representação
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+
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"
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*,-$
+
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/0
.
0
*
"
"+
*,-$+
Figura 2.5 – Curvas de SAXS para uma esfera (R = 30Å, Rg = 23.8 Å) homogênea (linha
cheia preta) e para um polímero Gaussiano (random;coil) (linha cheia vermelha), com o
mesmo raio de giro (23.8 Å). Em destaque no gráfico essas mesmas curvas de SAXS na
representação de Kratky.
Como podemos ver na figura 2.5, a curva de SAXS de uma esfera na representação de
Kratky tem uma forma tipo sino, enquanto que a curva de SAXS gerada para um polímero
gaussiano apresenta uma espécie de platô na região de maiores valores de q. É interessante
perceber que podemos utilizar esse exemplo no estudo do estado conformacional de proteínas
em solução, em especial se esta for globular. Proteínas sob influência de agentes
desnaturantes podem sofrer alterações na forma do gráfico de Kratky, indicando que a mesma
está sob processo de desenovelamento. É interessante mencionar que, do ponto de vista físico,
uma proteína totalmente desenovelada pode se comportar como um polímero em solução,
2.3.2 – Cálculo do fator de forma P(q) de proteínas através da estrutura cristalográfica
Quando a estrutura cristalográfica de uma proteína é conhecida, podemos calcular a
função de distribuição de distâncias, p(r), através de métodos de Monte Carlo91,92,93,94. Em
nosso trabalho, utilizamos um método desenvolvido pelo prof. Dr. Francesco Spinozzi, que
trabalha junto com o grupo de pesquisa do prof. Dr. Paolo Mariani na Università Politécnica
delle Marche, Ancona, Itália. Nessa seção descrevemos em linhas gerais o método
desenvolvido pelo prof. Spinozzi.
De acordo com Mariani e col.95 existe uma função s(r) que pode ser utilizada para
descrever a forma de uma partícula espalhadora, se esta possui uma forma compacta e “bem
comportada” (ou seja, sem descontinuidades no perfil de densidade eletrônica). A função s(r)
nos dá a probabilidade de que um ponto localizado em r, com relação ao centro de massa da
proteína (r ≡( ,r
ω
r)ondeωr
descreve as coordenadas angularesθ
(ângulo polar),φ
(ânguloazimutal)) se encontre dentro da mesma. A função s(r) pode ser escrita como:
( )
1 se r
(
)
0 se r > (
)
r
r
w
s r
w
≤ ℑ
=
ℑ
2.17sendo que a função ℑ(wr) define a distância de cada átomo, pertencente à superfície da
proteína, ao centro de massa da mesma. No caso de proteínas em solução, a função (ℑ wr) é
obtida através da estrutura cristalográfica da mesma (que pode ser obtida no sítio
www.pdb.org). O valor máximo assumido pela função (ℑ wr) é chamado de rmáx, e descreve a
posição do átomo mais distante do centro de massa da mesma. O passo seguinte para o
cálculo do fator de forma da proteína é gerar, de forma aleatória, um número grande de pontos
(da ordem de algumas centenas) dentro dos intervalos definidos pelas variáveis
θ
[0:2π],φ
referência) que possui um raio de valor rmax. A seguir utiliza se então a esfera de referência
para determinar o envelope da proteína, através da função s(r). Cada ponto (k) gerado terá
uma posição bem definida (rk) com relação ao centro de massa da proteína. Este ponto é
“aceito” somente se rk < (ℑθ φrk, rk); caso contrário o ponto não é considerado. Deste modo, a
coleção de pontos gerados aleatoriamente define a forma da proteína. Com a definição da
posição desses pontos, sorteia se um número grande (em nosso caso da ordem de 20000
sorteios) de pares (rk,rl). Constrói se então um histograma com todas essas distâncias rkl
(= rk −rl ) e este histograma é a função de distribuição de distâncias, p(r) (eq. 2.4).
Finalmente, calcula se o fator de forma da proteína através da transformada de Fourier da
função p(r) (eq. 2.4). É importante mencionar também que existe a possibilidade de obter o
fator de forma da proteína através das coordenadas atômicas da mesma75. Entretanto,
realizamos testes iniciais que nos mostraram que, no caso de proteínas globulares, ambas
metodologias levam ao mesmo resultado.
2.3.3 ! Fator de forma de proteínas parcialmente e totalmente desenoveladas
Como mencionado acima, a utilização da estrutura cristalográfica de proteínas, para a
determinação de seu fator de forma, é muito útil e vem sendo amplamente utilizada na
literatura96,97,98. Entretanto, quando proteínas estão sob influência de agentes desnaturantes
podem perder parte de sua estrutura terciária. Neste caso, não é mais possível utilizar a
estrutura cristalográfica “nativa” da proteína para o cálculo do seu fator de forma. Além do
mais, proteínas parcialmente ou totalmente desenoveladas são compostas por um conjunto de
conformações, onde a estrutura secundária é muito semelhante, mas a terciária pode sofrer
grandes alterações99.
modelo desenvolvido por Debye100: a proteína pode ser representada por uma cadeia flexível
sem uma orientação preferencial (chamado de random;coil, ou então, cadeia gaussiana), ou
seja, os centros espalhadores que compõem esta cadeia seguem uma estatística gaussiana para
suas posições. Neste caso, o fator de forma pode ser escrito como100:
( )
(
)
{
}
2 2 2 2 2 2 2 2 1 g R q g gP q e R q
R q
−
= + − 2.18
sendo que o raio de giro para uma cadeia gaussiana é dado por Rg=Lb/6, onde L é o tamanho
de persistência da cadeia (que seria uma medida de seu comprimento) e b o comprimento
estatístico de Kuhn, representando a separação entre dois centros de espalhamento adjacentes.
Para proteínas globulares, a Lei de Guinier deve ser utilizada para o cálculo do raio de giro. Já
para proteínas desenoveladas, a fórmula de Debye mostra melhores resultados101. No entanto,
a metodologia de Debye não se aplica ao desenovelamento parcial de proteínas, já que nesses
casos a proteína não se comporta como uma cadeia gaussiana. Existem diversos modelos
utilizados no estudo do fator de forma de polímeros semi flexíveis em solução. Pedersen e
Schurtenberger102 publicaram um estudo com simulações de Monte Carlo de uma cadeia
semi flexível, em ausência e presença de efeitos de volume excluído. Neste caso, o volume
excluído pode ser interpretado como a não penetrabilidade da cadeia semi flexível. Os
resultados são dados em função de expressões analíticas (aproximadas) que foram
parametrizadas para reproduzir as curvas de SAXS:
( )
(
)
{
}
2 2 1 2 2 1 1 1 2 2 2 2 22 2 2 2
2
2
1
4
7
11
7
15
15
15
15
1
1
g p g p R q g g qbR q q
g g
qb q
P q
e
R q
R q
b
e
e
L
R q
R q
sendo b o comprimento do segmento estatístico de Kuhn (que representa o tamanho de cada
segmento que compõe a cadeia semi flexível) e L o comprimento de persistência da cadeia
semi flexível. Os parâmetros empíricos p1 e q1 são parametrizados dependendo da razão L/b.
Maiores detalhes acerca destas expressões podem ser encontradas em99,102.
2.3.4 ! Cálculo da função de interferência entre proteínas em solução
O cálculo do fator de estrutura S(q) é uma difícil tarefa no estudo de proteínas em
solução, devido à dificuldade em descrever de modo exato o potencial de interação entre
proteínas. Existem diversos grupos de pesquisa ao redor do mundo que tentam atualmente
descrever estes potenciais de interação96,103,104,105. A dificuldade em realizar tal tarefa pode ser
atribuída a alguns fatores como por exemplo: i) quais seriam os corretos (ou exatos)
potenciais de interação entre proteínas que devem ser considerados, ii) Como descrever de
modo exato a distribuição de cargas na superfície da proteína, iii) Como descrever os
potenciais atrativos existentes entre as proteínas, dentre outros.
Kuehner e col. estudaram, através da técnica de DLS (espalhamento dinâmico de luz),
sistemas compostos por lisozima em altas concentrações106. Os autores definiram o potencial
de interação entre as proteínas como sendo a soma de quatro contribuições: esfera dura (não
penetrabilidade das partículas), repulsivo do tipo Coulombiano, e dois termos atrativos, sendo
um de longo alcance (força de depleção) e o outro de curto alcance106 (atrativo do tipo van der
Walls). Já em um outro trabalho, Velev e col.107 estudaram através da técnica de SANS
(espalhamento de nêutrons a baixos ângulos) sistemas compostos por lisozima em altas
concentrações e descreveram o potencial de interação entre as proteínas como sendo
composto por cinco termos: interação do tipo carga carga, interação do tipo carga dipolo,