DISRAFIAS VERTEBRO-MEDULARES CAUDAIS
F O R M A S I N T R A - S A C R A S
PEDRO SAMPAIO *
BRUNO PELIZZARO * *
As disrafias vertebro medulares caudais constituem as formas mais fre-qüentes das anomalias congênitas humanas. Envolvem, geralmente, os te-cidos de origem mesodérmica e ectodérmica, daí concluir-se que o erro inicial na formação tissular do embrião ocorra antes da 7.a
semana.
Os segmentos lombar e sacro da medula primitiva desenvolvem-se de uma massa celular caudal ao neuroporo posterior. Normalmente esta massa degenera mais tarde, transformando-se no "filum termínale". A falência no desaparecimento deste tecido deixa um prolongamento do cone preso em sua porção caudal, impedindo-o de subir1 4
, o que freqüentemente se observa nas disrafias lombo-sacras.
As explicações etiopatológicas destas anomalias congênitas, embora enge-nhosas, nem sempre conseguem englobar todos os casos. Morgagni7
, em 1769, atribuía a formação das mielomeningoceles à pressão exercida pelo lí-quido cefalorraqueano (LCR), dentro do tubo neural, havendo uma expansão e rotura, mais das vezes, em seu segmento inferior. Cem anos depois Von Recklinghausen 1 5
contrariava tal assertiva, afirmando tratar-se de fenômeno oposto, isto é, falta de fechamento segmentar do tubo nervoso. Moderna-mente, há defensores de ambas as teorias e os subsídios para confirmá-las se têm avolumado.
Patten8
admite que o crescimento local exagerado das bordas do tubo neural, em determinado sítio, impede seu fechamento, deixando como con-seqüência variadas disrafias. O pensamento de Gardner5
é contrário, e se conforma em filosofia com o de Morgagni7
. A ausência de permeabilidade do teto rómbico seria o fulcro do problema. A onda pulsátil do LCR, im-pedida de ganhar as cisternas, se transmitiria ao canal central da medula, distendendo-o ou rompendo-o, causando, então, as diferentes disrafias en-contradas.
Vamos nos ater apenas às malformações caudais intra-sacras com suas peculiaridades clínicas e cirúrgicas.
Em 1932, Enderle 3
cunhou o termo "meningocele oculta intra-sacra" para designar uma formação sacular, com elementos nervosos, situada dentro do canal sacro. Epstein4
adota a mesma terminologia e assevera a constância de sua comunicação com o espaço subaracnóideo. Não é de todo rara a presença de um lipoma ao nível da disrafia. O noma de cisto intra-sacro tem sido utilizado para designar algumas malformações da região, mas Sutton1 1
acha que não difere patológicamente das chamadas meningoceles ocultas intra-sacras. Parece-nos impróprio o nome "cisto", não apenas por questão semântica, mas para evitar confusão com os cistos perineurais que são geralmente múltiplos, lateralizados e em contigüidade com as raízes nervosas 9
> 10
> 1 2
>1 3
. Preferimos o termo divertículo meníngeo intra-sacro por não se projetar esta malformação para fora do canal, característica das meningoceles, e por se intercomunicar com o canal durai, o que lhe tira a conceituação de cisto que deve ser, ao menos etimológicamente, cavidade cheia de líquido e isolada.
Carvalho Filho2
, em trabalho publicado em 1972, coleciona da literatura pertinente 15 casos da disrafia em pauta e acrescenta dois de sua experiên-cia. K a k6
, em tema apresentado no 5.° Congresso Internacional de Cirurgia Neurológica (1973), diz que a casuística mundial refere-se a menos de 20 casos, e acrescenta 4 exemplares pessoais.
C A S U Í S T I C A
A s queixas m a i s c o m u m e n t e descritas são dor e incontinencia urinaria. Nossos q u a t r o pacientes a p r e s e n t a v a m apenas este ú l t i m o sintoma, daí terem se dirigido e m primeiro l u g a r a u m Serviço de Urologia.
O quadro clínico, e m todos, se m a n i f e s t o u após a infância, demorando-se, por isto, o diagnóstico e x a t o desta condição mórbida. O e x a m e radiológico simples é de valia, podendo m o s t r a r nítido a l a r g a m e n t o do c a n a l sacro (Fig. 1, A ) . A mielografia, entretanto, é a i n v e s t i g a ç ã o que dá o selo diagnóstico. O saco durai se a v o l u m a e se p r o j e t a para baixo, f o r m a n d o u m verdadeiro globo, m a n t e n d o - s e porém, e m c o m u n i c a ç ã o com o espaço subaracnóideo (Fig. 1, B e C ) . A presença de u m lipoma (Fig. 1, D ) não constitui e v e n t u a l i d a d e rara.
O t r a t a m e n t o é cirúrgico e o resultado bom, m e s m o nos casos diagnosticados t a r d i a m e n t e .
A p r e s e n t a m o s no quadro 1 os 4 e x e m p l a r e s de nossa casuística.
R E S U M O
S U M M A R Y
Caudal spinal cord disraphism: intra-sacral forms. Report of k cases.
The mean theories of the sacral spinal dysraphisms are reviwed and 4 cases of "meningeal intrasacral diverticulum" are reported. The authors prefer this term to the more common "intrasacral occult meningocele". The proeminent symptom in their cases was late vesical incontinence, which disappeared after surgery. In the pertinent litterature 24 similar cases were described till now.
R E F E R Ê N C I A S
1 . B U N C H , W . H . ; C A S S , A . S.; B E N S M A N , A . S. & L O N G , D . M . — M o d e r n
M a n a g e m e n t o f M y e l o m e n i n g o c e l e . W a r r e n H . G r e e n I n c . , St. L o u i s , 1 9 7 2 , p á g . 8.
2 . C A R V A L H O F I L H O , A . — D i v e r t í c u l o a r a c n ó i d e o e x t r a - d u r a l c o n g ê n i t o in¬ t r a - s a c r o . R e v . B r a s . O r t o p . ( R i o d e J a n e i r o ) 7 : 5 3 , 1 9 7 2 .
3 . E N D E R L E — c i t . p o r V . K a k6
.
4 . E P S T E I N , B . S. — T h e S p i n e . A R a d i o l o g i c a l T e x t a n d A t l a s . L e o a n d F e b i g e r , P h i l a d e l p h i a , 1 9 6 9 .
5 . G A R D N E R , W . Y . — M y e l o c e l e : R u p t u r e o f t h e N e u r a l T u b e ? In C l i n i c a l N e u r o s u r g e r y , v o l . 1 5 E d i t e d b y R . G . O j e m a n . T h e W i l l i a m s a n d W i l k i n s
C o . , B a l t i m o r e , 1 9 6 8 .
G. K A K , V . K . — M e n i n g o c e l e o c u l t a i n t r a - s a c r a l . E x c e r p t a M é d i c a n . ° 2 9 3 . 5t h
I n t e r n a t i o n a l C o n g r e s s o f N e u r o l o g i c a l S u r g e r y , T o k y o , 1 9 7 3 . 7 . M O R G A G N I — c i t . p o r B U N C H , W . H .1
.
9 . S M I T H , D . T . — C y s t i c f o r m a t i o n s a s s o c i a t e d w i t h h u m a n s p i n a l n e r v e r o o t s . J. N e u r o s u r g . 1 8 : 6 5 4 , 1 9 6 1 .
1 0 . S T R U L L Y , K . Y . — M e n i n g e a l d i v e r t i c u l a o f s a c r a l n e r v e r o o t s ( p e r i n e u r a l c y s t s ) . J. A m e r . M e d . A s s . 1 6 1 : 1 1 4 7 , 1 9 5 6 .
1 1 . S U T T O N , D . — S a c r a l c y s t s . A c t a R a d i o l D i a g n o s i s 1 : 7 8 7 , 1 9 6 3 .
1 2 . T A R L O V , I. M . — C y s t s o f t h e s a c r a l n e r v e r o o t s . C l i n i c a l s i g n i f i c a n c e a n d p a t h o g e n e s i s . A r c h . N e u r o l . P s y c h i a t ( C h i c a g o ) 6 8 : 9 4 , 1 9 5 2 .
1 3 . T A R L O V , I. M . — S a c r a l N e r v e - R o o t C y s t s . A n o t h e r C a u s e o f t h e S c i a t i c o r C a u d a E q u i n a S y n d r o m e . C h a r l e s C. T h o m a s , S p r i n g f i e l d ( I l l i n o i s ) , 1 9 5 3 . 1 4 . T I L L , K . — S p i n a l d y s r a p h i s m . A s t u d y o f c o n g e n i t a l m a l f o r m a t i o n s o f t h e
l o w e r b a c k . J. B o n e Jt. S u r g . 5 1 B : 4 1 5 , 1 9 6 9 .
1 5 . V O N R E C K L I N G H A U S E N — c i t . p o r B u n c h1.