COMPARAÇÃO ENTRE AS MANIFESTAÇÕES EPILÉPTICAS
OCORRIDAS N A SINDROME DE LENNOX-GASTAUT, COM E
SEM SINDROME DE WEST PREGRESSA
JOSÉ GERALDO SPECIALI * MICHEL PIERRE LISON * *
A síndrome de Lennox-Gastaut incide em pacientes com antecedentes,
etiologias, idades e alterações do desenvolvimento psicomotor e/ou do exame
neurológico sujeitos a amplas variações. Tais variações sugerem a
possibili-dade de ocorrência de manifestações epilépticas, quantitativa e/ou
qualitati-vamente diferentes em grupos de doentes com características não uniformes.
Nessa perspectiva, elaboramos o presente estudo com a finalidade de
compa-rar o quadro epiléptico de pacientes com e sem síndrome de West pregressa.
M A T E R I A L E M É T O D O S
N o s s a casuística consta d e 27 crianças com síndrome de L e n n o x - G a s t a u t . A caracterização d a síndrome foi feita de acordo com os critérios clínicos e eletrencefalográficos estabelecidos por G a s t a u t e col. *. Os pacientes a p r e s e n t a v a m , no m í -nimo, u m a crise epiléptica p o r d i a . C o m base nas circunstâncias de a p a r e c i m e n t o f o r a m distribuídos em dois g r u p o s : o primeiro ( g r u p o A ) constituído por 20 pacientes sem antecedente de síndrome de W e s t e o segundo ( g r u p o B ) por 7 com esse ante-cedente .
N o q u a d r o 1 estão indicados os dados de identificação dos pacientes do g r u p o A , as idades de início d a síndrome de L e n n o x - G a s t a u t e do primeiro e x a m e clínico-neurológico e os tempos de s e g u i m e n t o .
N o q u a d r o 2 estão indicados os dados de identificação dos pacientes do g r u p o B, as idades de inicio das síndromes de W e s t e de L e n n o x - G a s t a u t e do primeiro e x a m e clínico-neurológico e os tempos de s e g u i m e n t o .
O seguimento clínico foi r e a l i z a d o em r e g i m e de a m b u l a t ó r i o . Os dois ou três primeiros retornos f o r a m semanais e os seguintes mensais. A a v a l i a ç ã o das c a r a c -terísticas das crises foi r e a l i z a d a a t r a v é s d a descrição p o r m e n o r i z a d a feita, a c a d a retorno, por dois ou m a i s f a m i l i a r e s e d a o b s e r v a ç ã o pessoal de manifestações epi-lépticas. F o r a m anotados os aspectos clínicos das crises, os h o r á r i o s de m a i o r freqüência e a influência do ciclo c i r c a d i a n o .
Os e x a m e s eletrencefalográficos ( E E G ) f o r a m realizados nos dias de retorno e m a p a r e l h o Grass, modelo V I de 8 canais, com eletrodos colocados segundo a posição aconselhada p e l a F e d e r a ç ã o I n t e r n a c i o n a l p a r a a E l e t r e n c e f a l o g r a f i a e a N e u r o f i s i o l o g i a C l í n i c as
. A velocidade de registro do papel inscritor foi de 3 cm
por segundo e a constante de tempo utilizada foi de 0,05 s e g u n d o . O g a n h o utili-zado foi de 50 u V por 7 m m de d e f l e x ã o . E m casos de potenciais superiores a 200 u V o g a n h o foi r e d u z i d o . Os traçados f o r a m obtidos em v i g í l i a q u a n d o possível e / o u sob sono induzido por barbitúrico ( s e c o b a r b i t a l sódico, 10 m g / k g ) .
A s características das crises ocorridas d u r a n t e a r e a l i z a ç ã o dos e x a m e s f o r a m a n o t a d a s no papel inscritor em relação t e m p o r a l com as respectivas manifestações E E G .
A descrição dos fenômenos epilépticos foi b a s e a d a nas revisões feitas por G a s -t a u -t e c o l .3
,n
e L i s o n8
. A n o m e n c l a t u r a das crises epilépticas foi a recomendada p e l a L i g a Internacional contra a E p i l e p s i a5
.
N a descrição dos E E G adotamos a terminologia proposta pelo Comitê da F e d e -r a ç ã o I n t e -r n a c i o n a l p a -r a a E l e t -r e n c e f a l o g -r a f i a e a N e u -r o f i s i o l o g i a C l í n i c a7
. Todos os pacientes f o r a m submetidos a e x a m e radiológico simples do crânio, do líquido c e f a l o r r a q u e a n o , de urina, hematológico e a análise bioquímica de san-g u e (san-glicemia, c a l c e m i a ) .
R E S U L T A D O S
Pelos dados expostos no q u a d r o 3, verifica-se incidência mais precoce das crises tônicas e dos a b a l o s mioclônicos em r e l a ç ã o à s ausências e a distribuição peculiar das crises tônico-clônicas e a t ô n i c a s . T a i s crises incidem precoce e tar-d i a m e n t e . A s tônico-clônicas precetar-dem a s tar-demais manifestações epilépticas tar-d a sín-drome, d e s a p a r e c e m u m a vez instalado o q u a d r o característico e r e a p a r e c e m n a p u b e r d a d e . A s atônicas de incidência precoce, e m b o r a possam persistir ao longo da e v o l u ç ã o d a síndrome, d e i x a m de s u r g i r como a p r i m e i r a m a n i f e s t a ç ã o entre 6 e 8 anos de i d a d e p a r a r e a p a r e c e r e m como tal após essa i d a d e . O a p a r e c i m e n t o des-sas crises d u r a n t e t r a t a m e n t o com e l e v a d a s doses (300 m g por d i a ) de difenilhidan-toina na tentativa de controle de crises tônicas em dois pacientes (casos 2 e 13) de 9 e 10 anos de idade l e v a n t a a suspeita de efeito medicamentoso c o l a t e r a l .
2) Crises observadas nos pacientes do grupo B — N o q u a d r o 4 está indicada a idade de início das crises tomando-se por base a m a n i f e s t a ç ã o epiléptica inicial ou p r e v a l e n t e .
E m c o m p a r a ç ã o com o g r u p o A foi o b s e r v a d a m a i o r incidência de a b a l o s m i o -clônicos e m e n o r d e crises atônicas e de ausências. Os pacientes com manifestações atônicas e s t a v a m no inicio do t r a t a m e n t o com difenilhidantoína ( c a s o 3) ou sob o efeito de a u m e n t o de sua d o s a g e m na tentativa de controlar crises tônicas (caso 1 ) .
D I S C U S S Ã O
N a evolução eletrencefalográfica da síndrome de West, podem surgir
ponta-ondas lentas, ponta-ondas rápidas e poliponta-ondas bilaterais, síncronas,
simétricas e generalizadas com ou sem epilepsia
4.
1 3. As manifestações
epi-lépticas são mioclonias, crises atônicas e tônicas, raramente tônico-clônicas
generalizadas e, excepcionalmente, ausências
1 3. Essa sequela epiléptica é
considerada por diversos autores como síndrome de Lennox-Gastaut
4>
9.
So-r e l
1 4e Biolley
2Oller-Daurella
1 1estudando em separado as manifestações epilépticas de
pacientes com ponta-onda lenta com e sem antecedente de síndrome de West,
não encontrou diferenças. Chevrie e A i c a r d i
1compararam as
manifesta-ções epilépticas dos dois grupos concluindo que as crises clônicas ou
tônico-clônicas, atônicas e mioclonias parcelares são menos freqüentes nos
pacien-tes com síndrome de West pregressa, relacionando a diferença com a idade
de início da síndrome epiléptica. Verificaram a ocorrência de abalos
mio-clônicos em 70% desses pacientes e em apenas 7% no outro grupo.
Em nossas observações há maior incidência de abalos mioclônicos no
grupo B que no A . O" aparecimento de crises atônicas nos pacientes do
grupo B coincidiu com a introdução de difenilhidantoína, medicação suspeita
de desencadear esse tipo de manifestação
1 0. Os familiares dos pacientes do
grupo B nunca colocaram as ausências em primeiro plano e só referiram-nas
após insistentes pedidos de observação. Quando presentes, são menos
nume-rosas e menos prolongadas que no grupo A e limitadas a pequenos períodos
da evolução. Nos pacientes do grupo A essa manifestação foi
freqüente-mente citada.
As manifestações epilépticas nos pacientes do grupo B são, portanto,
predominantemente convulsivas (tônicas e abalos mioclônicos), havendo raras
ausências de curta duração e crises atônicas, provavelmente desencadeadas
por medicamentos. N o grupo A verifica-se maior diversificação nas
mani-festações epilépticas, independentemente das medicações usadas. Esses
acha-dos demonstram aspectos evolutivos diferentes nos pacientes com e sem
sín-drome de West pregressa e justificam a individualização dos dois grupos.
As manifestações epilépticas na síndrome de Lennox-Gastaut sofrem a
influência de diversos fatores entre os quais o mais relevante seria a idade
em que incidiu a agressão cerebral causadora de distúrbios definidos. As
diferenças no quadro epiléptico de pacientes com e sem síndrome de West
podem ser analisadas numa perspectiva ontogenética, com a fixação em
pa-drões primitivos de epilepsia, de tipo convulsiva tônica, de curta ou longa
duração nos pacientes com antecedente de encefalopatia mioclônica infantil.
A relativa estagnação dos padrões epilépticos nesses pacientes, sabendo do
polimorfismo e da complexidade das crises nos sem antecedente de síndrome
de West levanta o problema de sua inclusão na síndrome de Lennox-Gastaut.
A maior incidência de crises convulsivas, o eventual aparecimento de
ausên-cias atípicas e a substituição, muitas vezes progressiva, da hipsarritmia por
ponta-ondas lentas não parecem elementos suficientes para justificá-la.
pé, num estado de rigidez muscular e ausência, reproduzindo grosseiramente
uma das últimas aquisições motoras da criança. Em paciente de 16 anos
com ponta-onda lenta intercrítica assistimos a crises tônicas seguidas por
desnudamento e exibicionismo.
As diferenças de expressão clínica em função da idade são progressivas,
sem que se possa apontar um período crítico marcando e fixando uma
deter-minada sintomatologia. N o entanto as seqüelas epilépticas da síndrome de
West constituem uma exceção. As perturbações graves e prolongadas
du-rante sua fase aguda, no primeiro ano de vida, podem interferir no
desenvol-vimento de certas estruturas anatômicas e de suas conexões, desenvoldesenvol-vimento
este limitado a certos períodos transitórios, dependentes de equilíbrios
hormo-nais e metabólicos passageiros. Tais distúrbios responderiam não somente
pelo retardo mental mas também pela limitação da capacidade evolutiva da
epilepsia.
R E S U M O
Estudou-se o quadro epiléptico de 27 pacientes com síndrome de Lennox¬
Gastaut (20 sem antecedente de síndrome de West e 7 com esse antecedente).
A caracterização das crises foi realizada através das informações
pres-tadas pelos familiares em maior contato com as crianças além da observação
pessoal das manifestações, possibilitadas pela sua elevada frequência.
Observam-se diferenças nas manifestações epilépticas dos pacientes com
e sem antecedente de síndrome de West. Tais diferenças foram minuden¬
ciadas e permitiram a individualização de dois grupos de pacientes com
ponta-onda lenta. As peculiaridades clínicas de cada grupo foram
interpre-tadas em função do estadio de maturação cerebral durante o qual incidiu a
encefalopatia epiléptica difusa.
S U M M A R Y
Comparison of epileptic manifestations in Lennox-Gastaut syndrome
with and without previous West syndrome
Clinical and electroencephalographs aspects of twenty seven (27)
pa-tients with Lennox-Gastaut syndrome were studied (20 without previous
West syndrome, group A, and 7 with this antecedent, group B ) .
The epileptic seizures were characterized through descriptions made by
relatives who were in close contact with the patients, and also by direct
observation by the author in the clinic. The direct observation was possible
due to high frequency rates of the seizures.
permitted the identification of two groups of patients, although both of them
had sharp and slow waves in the EEG. The clinical picture of each group
was interpreted as the result of the stage of cerebral maturation at the time
the diffuse epileptic encephalopathy occurred.
R E F E R E N C I A S
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