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RES UMO:Aborda-se a passagem efetuada por Lacan para a escrita topológica da nodalidade. Ao nó borrom eano de três elos Lacan
acres-centa um elo suplem entar, le sinthom e, definido em sua função de
le-tra. Segundo ele, le sinthom e é o que perm ite ao sim bólico, ao im
agi-nário e ao real ficarem juntos, graças a dois erros, dois pontos de falha estrutural que se produzem no enlaçam ento do im aginário e do sim bólico: o ponto do lapso, do equívoco fundam ental, do não-senso, onde se localiza o sintom a-m etáfora; e o ponto da falta
pri-m ordial, onde se situa le sinthom e, em sua função de gozo e de
suplên-cia da falta.
Palavras - chave : Ponto do lapso; ponto da falta prim ordial; sintom
a-m etáfora; lesinthom e.
ABSTRACT: Le sinthom e. This work deals w ith Lacan’s turn to the topological w ritings of nodality. To the Borrom ean knot of three rings
Lacan adds a supplem entary ring, le sinthom e, defined in its function
as a letter. According to it, it is le sinthom e w hich perm its the sym bolic,
the im aginary and the real to stay together, due to two errors, two points in the structural fault w hich are produced in the intertw ining of the im aginary and the sym bolic: the point of the lapse, the funda-m ental funda-m istake, the no-sense, w here the syfunda-m ptofunda-m -funda-m etaphor lies;
and the point of the prim ordial fault, w here le sinthom e lies in its
function of enjoym ent and fault supplem entation.
Ke yw ords : Point of the lapse; point of the prim ordial fault; sym ptom
-m etaphor; le sinthom e.
Psicanalista; doutora em Teoria Psicanalítica pelo Program a de Pós-graduação em Teor ia Psicanalítica da UFRJ; professora do Departam ento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei ( UFSJ/ MG) .
LE S INTHOME
Ma ria d a s Gra ça s Le ite Ville la Dia s
E
ste artigo focaliza textos de Jacques Lacan, da década de1970 — sobretudo R.S.I. ( 1974-1975/ s.d.) e Le sinthom e
sim bólico e do im aginário; em outras palavras, Lacan recorre à topologia do nó borrom eano, buscando situar, através da figuração do real, o ponto central
pró-prio à sua estrutura, ponto nodal m ínim o, ponto do objeto a, núcleo real de
gozo, situado no cerne do sinthom e.
Em seu segundo Discurso de Rom a, “La tercera”( 1975/ 1985) , Lacan, pela
prim eira vez, define o sintom a com o “o que vem do real” ( p.84) . Segundo ele, “o sentido do sintom a não é aquele com que se o nutre para sua proliferação ou sua extinção, o sentido do sintom a é o real, o real enquanto se põe em cruz para im pedir que as coisas andem , que andem no sentido de dar conta de si m esm as de m aneira satisfatória” ( p.81) . Retom a, então, a tese, sustentada desde o início de seu ensino, de que “o real é o que volta sem pre ao m esm o lugar” ( p.81) ,
acrescentando aqui que este lugar é o lugar do sem blante. O objeto a, “núcleo
elaborável do gozo”( p.90) , na função de m ais-de-gozar, é a condição do gozo,
seja qual for: “todo gozo está conectado com este lugar do m ais-de-gozar” ( p.103) . A partir da teoria m atem ática dos nós, Lacan inventa um a escritura que lhe perm ite não só situar o real, m as apresentá-lo m aterialm ente, em term os lógicos. Para tal, efetu a u m a p assagem d a escr itu ra d as su p erfícies ( o to ro e seu
reviram ento) — utilizada em seu sem inário sobre La identificacion ( LACAN,
1961-1962/ 1986) , escritura essa que supõe um real — para a escritura dos nós, que
suporta um real. O recurso à topologia dos nós, referência enigm ática à
psicanáli-se, se dá na tentativa de figurar o espaço em suas três dim ensões, superando, assim , a insuficiência do im aginário e os efeitos da binariedade especular e per-m itindo sair da iper-m possível reciprocidade entre sujeito e objeto causa do desejo. A escrita borrom eana, utilizada por Lacan a partir de 1972, perm ite traduzir
a trilogia “Sim bólico, Im aginário e Real”,1 introduzida por ele no início dos
anos 1950, em term os de “Real, Sim bólico e Im aginário” ( R.S.I.) , em função da prim azia do real em relação aos dois outros registros. Essa prim azia decorre do acento dado por ele ao real, no final de sua obra, o que o conduz à escolha da teoria dos nós, para além do m odelo im aginário, com o sendo a escritura que suporta um real, que é de estrutura. O nó borrom eano é a form a de enlaçam ento
encontrada por Lacan para escrever a m edida com um aos term os real, sim bólico e
im aginário.
Reproduzim os, neste texto, a figura planificada do nó borrom eano2 de três
elos, conform e apresentada no sem inário R.S.I. ( LACAN, 1974-1975/ s.d.) . Cada
1 Com a trilogia “ Sim bólico, Im aginário e Real” , Lacan, de certa form a, antecipa a articulação
entre os três registros: “ é na dim ensão do ser que se situa a tripartição do sim bólico, do im aginário e do real, categorias elem entares sem as quais não podem os distinguir nada na nossa exper iência” ( LACAN, 1953-1954/ 1979, p.308) .
2 Quadros auxiliares ao sem inário: quadro 8, figura I ( acrescentam os: S
1, S(
Α
/
) , cor po e osLE S I N TH OM E 93
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um dos círculos, por ser colorido, permanece identificado consigo mesmo e diferenciado dos demais. Nesse nó, “cada círculo passa por cima de um segundo círculo e por debaixo de um terceiro, mas esse terceiro tem a particularidade de passar, ele próprio, por baixo do segundo, o que constitui o encaixe próprio ao nó borromeano” (DARMON, 1994, p.228). Há, conforme a orientação, dois tipos desse nó: destrógiro e levógiro. No nó que reproduzimos, o nó levógiro, o círculo do real passa por cima do círculo do simbólico.
O nó borromeano se apresenta sob a forma de, no mínimo, três elos distin-tos, que se sustentam, cada um, pela suposta consistência real de corda. Há ne-cessidade de uma certa matéria para que haja consistência. O suporte material dado por Lacan à consistência dos elos é a corda. Os elos são ligados e mantidos juntos apenas pela materialidade real de seu enlace. Cortando-se um dos elos, não importa qual deles, todos imediatamente se soltam e o nó se desfaz. Para Lacan, “essa propriedade, sozinha, homogeneíza tudo o que há de número a partir de três, o que quer dizer que, na seqüência dos números, números intei-ros, um e dois são destacados, e alguma coisa começa no três, que inclui todos os números (...) É sempre de três que ele [o nó] trará a marca” (LACAN, 1974-1975/s.d., p.6).
No seminário sobre Le sinthome (1975-1976/2005), Lacan diz que “os três círculos participam do imaginário enquanto que consistência, do simbólico en-quanto que buraco e do real enen-quanto que ex-siste a eles” (p.56). A consistência, em sua materialidade de corda e em seu estatuto imaginário, é necessária para que o nó borromeano seja — e seja a partir de três. O imaginário dá consistência aos elos do nó, e a consistência dos elos só se suporta pelo real do nó.
Por sua vez, “a ex-sistência como tal, define-se, suporta-se disso que em cada um dos termos R.S.I. faz buraco” (LACAN, 1974-1975/s.d., p.12). Para que
corpo ponto de falha
(lapso) angústia
sentido
ponto de falha (falta primordial)
inibição
S S1
Ics
sintoma
Gϕ a GA S (
Α
/
)R φ
a ex-sistência seja real, “há um a só condição ( ...) é preciso para isso que ela tenha um buraco” ( p.30) . É em torno desse buraco que se sugere a ex-sistência. Há sem pre, para dois dos três elos, um terceiro que realiza a nodulação e que, na sua função, ex-siste aos outros dois, apesar de sua presença ser necessária aos dois com o ponto de apoio, de nodulação. Quanto ao buraco, ele é assegurado pelo
sim bólico, no tanto em que osignificante faz buraco. Conform e Lacan, “o Sim
-bólico gira em torno de um buraco inviolável, sem o que o nó dos três não seria borrom eano” ( p.46) . O sim bólico consiste no buraco que faz, buraco seguro, inviolável, que traz a m arca do recalcam ento prim ordial, irredutível e inacessí-vel, em torno do qual gira.
De acordo com Lacan, “essas três palavras, Real, Sim bólico e Im aginário, têm um sentido. São três sentidos diferentes ( ...) [com ] um a medida comum” (LACAN, 1974-1975/ s.d., p.3, grifos nossos) . São três term os com sentidos diferentes, sentidos estes que os distinguem cada um dos dem ais. Se a suposta consistência real de corda hom ogeneíza os elos, o sentido é o que os diferencia. E m ais, “todos esses sentidos se referem ao Real, ao Real pelo qual cada um responde” ( p.20) .
Pela planificação do nó borrom eano é possível um a figuração do real e do
ponto central própr io à sua estrutura, ponto do objeto a, que conjuga três
superfícies que igualm ente se cr uzam e que “ perm ite acrescentar aí três outros pontos, algo que, em se definindo, traz-nos gozo” ( LACAN, 1974-1975/ s.d.,
p.7) . O real, no ponto triplo do cruzam ento dos três elos, é a m edida com um, que
torna equivalentes três consistências com sentidos distintos, por estarem atadas
em nó. O objeto a, objeto im possível e inatingível, vem alojar-se no encaixe
central dos três elos, onde o buraco de um conjuga-se triplam ente ao buraco dos outros dois, fixando o vazio da sua ausência. Tal com o m ostra o esquem a do nó borrom eano, o buraco central perm ite situar três cam pos de ex-sistência: o sen-tido, o gozo fálico e o gozo do Outro.
No buraco que o sim bólico faz por sua intervenção no im aginário, buraco este que ex-siste frente ao real, Lacan escreve o sentido. O im aginário, cujo ponto
de partida é a referência ao corpo,3 é o suporte do sentido. A relação que o
sentido tem com o círculo consistente do real é, em princípio, de exterioridade. O real é o que escapa ao sim bólico e ao im aginário, o que se situa m ais além , o
que ex-siste. No real, o sentido é reduzido ao objeto a, ponto nodal m ínim o, ponto
de fascinação, ponto triplo, que toca igualm ente os cam pos do gozo fálico e do gozo
do Outro. É o sentido enquanto evanescente, o não-senso, o equívoco
funda-m ental, S1, que dá consistência ao real. Enfim , o jogo sim bólico não consiste
3 Segundo Lacan, a form a do corpo “ só m ostra o saco, ou m elhor, a bolha ( ...) pela existência
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apenas em deslizar sobre o im aginário para produzir sentido, pois há um real im plicado no nó, ponto de fixidez.
O gozo fálico se especifica pela interseção dos cam pos do real e do sim bólico e pela sua ligação ao im aginário com o ex-sistência. A intervenção do terceiro cam po,
o im aginário, situa o ponto cuja delim itação central define o lugar do objeto a. De
acordo com Lacan, “é o gozo enquanto fálico que im plica sua ligação ao Im aginá-rio com o ex-sistência; o Im agináaginá-rio é o não-gozo” (LACAN, 1974-1975/ s.d., p.52). É do gozo fálico que provém a falta fundam ental que inscreve a não-relação sexual. O não-gozo, cuja referência é o falo enquanto elidido, valendo em sua ausência, dá consistência ao im aginário. É no que o gozo fálico ex-siste ao im aginário que está o acento próprio do real. Lacan inscreve o gozo fálico, gozo que interessa ao Outro do significante, com o balança ao que é do sentido. É no que há um a ligação da
castração com o interdito do incesto que podem os dizer que não há relação sexual. A
interdição do incesto é estrutural porque consiste no buraco do sim bólico, buraco onde se aloja o Nom e do Pai, onde se dá o sentido.
Por sua vez, o gozo do Outro, gozo que interessa ao Outro do corpo, ao Outro sexo, que não existe, situa-se na junção do real com o im aginário, fazendo frente ao sim bólico, com o ex-sistindo a ele. Segundo Lacan, “para o Sim bólico, é m uito precisam ente não haver Outro do Outro que lhe dá consistência” ( 1974-1975/ s.d., p.52) . Em “La tercera” ( 1974-1975/ 1985) , Lacan diz que “assim com o o gozo fálico está fora-do-corpo, na m esm a m edida o gozo do Outro está
fora-da-linguagem , fora-do-sim bólico” ( p.106) . O ser hum ano é parassexuado,4 ou seja,
entre o fora- do- corpo do gozo fálico e o gozo do Outro que está fora- da- linguagem , fora- do- sim
bó-lico, nada pode se passar, não há relação sexual, cada um fica no seu lado, fica ao
lado do outro.
No sem inário R.S.I. ( 1974-1975/ s.d.) , Lacan acrescenta à trilogia um quarto
elo, introduzindo o nó borrom eano de quatro elem entos, tipo especial de nó que parte da suposição “de um a disjunção concebida com o originária do Sim bólico, do Im aginário e do Real” ( p.31) . O atam ento dos três registros supõe a ação suple-m entar de usuple-m elo a suple-m ais, indispensável para que os três se suple-m antenhasuple-m enlaçados. No nó borrom eano de quatro, cortando-se um só dos elos, não qualquer um , m as o últim o, cada um dos outros se libertará do seu seguinte, até o prim eiro. Mas “deve-se fazer aí um a distinção, eles não se liberarão juntos, liberar-se-ão um após o outro” ( p.47) . Portanto, “é o últim o que m antém toda a cadeia” ( p.14) . Ao suprim i-lo, não há m ais cadeia. Para Lacan, “aí se especifica a função deste m ais um com o tal, é esse m ais um que faz que suprim am -no, por exem plo, e não haverá m ais cadeia, não haverá m ais série, já que do fato apenas da secção desse um entre outros, todos os outros, digam os, se libertam com o um ” ( p.14) .
4 O prefixo
Em Le sinthom e ( 1975-1976/ 2005) , Lacan prossegue: “parece que o m ínim o que se pode esperar da cadeia borrom eana é esta relação de um com três outros ( ...) é sem pre em três suportes que cham arem os no m om ento de subjetivos, quer dizer, pessoais, que um quarto se apoiará” ( p.51-52) . Em bora o nó im pli-que o três com o indispensável, há necessidade de um quarto term o, sem o qual nada é posto em evidência. Para ele,
“será retirando um a [ rodela] real, que o grupo se desata. É preciso, para isso, que se
possa retirar um a real para a prova de que o nó é borrom eano e que estão ali as três consistências m ínim as que o constituem . ( ...) o quatro é o que, neste anel duplo, suporta o sim bólico daquilo por que ele é efetivam ente feito, a saber, o Nom e do Pai” ( LACAN, 1974-1975/ s.d., p.65) .
A necessidade do quarto elo se im põe, um a vez que, no nó com três anéis, m udando-se à vontade a ordem dos m esm os, não se sabe qual é o real, ou seja, aquele que faz o nó. Com quatro elos, um a distinção se im põe, definindo três tipos de enlaçam ento.
O quarto elo é aquele cuja consistência Lacan atribui, de início, ao Nom e do Pai em sua função radical de dar um nom e às coisas e, em seguida, ao Nom e do Pai no plural, com o já havia anunciado antes. Os Nom es do Pai, sob três form as, nom eiam o im aginário, o sim bólico e o real, que por sua vez suportam o nó, ou seja, o nó se suporta de três indicações diferentes de sentido, figuradas nas nom inações do sim bólico, do im aginário e do real. É na distinção dessas três nom inações que Lacan encerra o sem inário. De acordo com Darm on ( 1994) , para chegar a esta distinção, no esquem a do nó borrom eano,
“é preciso considerar o encaixe de três sem iplanos, de três superfícies representando o desdobram ento até o infinito de cada consistência, quando o círculo se transform a
num a reta: é o cam po varrido por esse desdobram ento. A partir do encaixe das três superfícies, é preciso então adm itir que as superfícies se interpenetrem , ou seja, o ponto de encaixe é ultrapassado e as superfícies se cruzam . Resulta dessa operação o desenho do nó borrom eano com os cantos da inibição, do sintom a e da angústia.”
( p.263)
A inibição, nom inação do im aginário, se produz no cam po do sim bólico com o efeito do im aginário e constitui o laço entre o real e o sim bólico; é exteri-or ao sentido e ao cexteri-orpo; e dá sentido à natureza do gozo do Outro. Pela
planifi-cação do nó borrom eano, constatam os que, no cruzam ento do objeto a com o
gozo do Outro, o que responde pela inibição, instalada no cam po do sim bólico,
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A angústia, nom inação do real, se produz no cam po do im aginário — no corpo — com o efeito do real e constitui o enlace do sim bólico e do im aginário; é exterior ao gozo do Outro e ao real; e dá sentido à natureza do gozo fálico. Para Lacan, “a angústia é isso que, do interior do corpo, ex-siste quando há algum a coisa que o desperta, que o atorm enta” ( LACAN, 1974-1975/ s.d., p.13) . No
cruzam ento do objeto a com o gozo fálico, é o Falo (Φ) que responde pela
angústia. É na associação do corpo ao gozo fálico, onde o Φ ex-siste, que a
angústia ganha sentido.
O sintom a, nom inação do sim bólico, que constitui o laço entre o im aginário e o real, se produz no cam po do real com o efeito do sim bólico; é exterior ao gozo fálico e ao sim bólico; e dá sentido à natureza do sentido. É o sentido do
sentido: “fina flor do próprio sim bólico”( p.70) . Apenas o nó da nom inação do
sim bólico será reutilizado por Lacan com o nó do sintom a, no tanto em que supõe a castração, m as tam bém , ao m esm o tem po, a prescrição do sintom a.
A escrita borrom eana perm ite dem onstrar m aterialm ente a existência de um a estrutura que se sustenta em um real irredutível ao sim bólico, m as a ele ligado. Coloca-se, então, a questão da criação do sentido e de suas relações com o in-consciente e o sintom a. O inin-consciente pode agora ser situado em relação ao sim bólico, ao im aginário e ao real, com o o que ex-siste ao sim bólico, e que é, portanto, necessário à nodulação do im aginário e do real, tal com o o constata a produção do gozo do Outro, situado na junção desses dois registros. Com o vi-m os, para o sivi-m bólico, que ex-siste a esses dois registros, “é vi-m uito precisavi-m ente não haver Outro do Outro que lhe dá consistência” ( p.52) . O inconsciente, im -plicado na nodulação do im aginário e do real, no ponto central do encaixe, revela a verdade de que não há Outro do Outro, verdade que veicula a im possibi-lidade da relação sexual.
No sem inário R.S.I. ( 1974-1975/ s.d.) , Lacan retom a o tem a da identificação
na tentativa de dem onstrar a articulação desta com a função de nodulação do Nom e do Pai. Para tal, parte da noção de identificação tripla, desenvolvida por
Freud em “Psicologia das m assas e análise do eu”( FREUD, 1920/ 1980) , e am
-plam ente elaborada por ele em 1962, no sem inário com esse título. De acordo com Lacan:
“ se h á u m Ou tro Real, n ão está sen ão n o própr io n ó e é por isso qu e n ão h á Ou tro do Ou tro. Esse Ou tro Real, iden tifiqu em -se com o seu Im agin ário, terão en tão a Iden tificação do h istérico com o desejo do Ou tro, essa qu e se passa n esse pon to
cen tral. Iden tifiqu em -se com o Sim bólico do Ou tro Real, terão essa Iden tificação
que especifiquei com o Einziger Zug, com o traço u n ário. Iden tifiqu em -se com o Real
No ponto central do nó, onde se aloja o objeto a, Lacan situa a identificação ao Outro em suas três dim ensões: im aginária, sim bólica e real. No intuito de ilustrar a consistência desse ponto central, que conjuga os três registros em seu
enodam ento, dando-lhes um a m edida com um, recorre à figura do triskel,5 correlato
daquilo que Freud nom eou com o traço único e que foi renom eado por Lacan com o
traço unário, suporte da identificação m inim alista, especificada aqui com o sendo o
que dá consistência ao buraco central. Para Lacan:
“Não se podia dizer m elhor o que com põe o nó, não sem ter na cabeça não haver am or senão aquele que, do Nom e do Pai, faz anel entre os três, faz anel dos três do triskel.
( ...)É enquanto o Nom e do Pai é aqui o que faz nó, e em se tratando do triskel, o
Nom e do Pai, aqui, do triskel faz nó, é enquanto pois o triskel ex-siste que pode
haver identificação, identificação a quê? Ao que em todo nó borrom eano é o coração,
o centro do nó ( ...) o lugar do objeto pequeno a” ( LACAN, 1974-1975/ s.d., p.65) .
O sintom a é definido, nesse sem inário, com o função de letra, f( x), um signo
isolado da cadeia significante, um a cifra de gozo. O objeto a, resto de gozo
inas-sim ilável pela articulação significante é, portanto, o centro, o caroço do sintom a.
O sintom a-letra, articulador do inconsciente e do gozo, define o “m odo com o cada um goza do Inconsciente, na m edida que o Inconsciente o determ ina” ( p.37) . Ele é aquilo que, não cessando de se escrever, supre o que não cessa de não se escrever, isto é, a im possibilidade da relação sexual.
Se o sintom a é letra, letra de gozo e, nessa função, localiza-se no ponto
cen-tral do nó, então, identificar-se com o objeto a significa identificar-se com o
sintom a. Todo um é suscetível de se escrever com um a letra, e a letra, o que vem
do real, é o que não cessa de se escrever no sintom a. Daí decorre o acento sobre o
objeto, que fixa a falha significante ( S1) onde se produz o sintom a; daí se deduz
tam bém que o am or diz respeito à função do pai, no tanto que ele é o portador da castração e da interdição do incesto.
No sem inário sobre Le sinthom e ( LACAN, 1975-1976/ 2005) , o quarto term o,
aquele que estabelece a form a singular de um sujeito m anter juntas essas três diferentes dim ensões, será referido com o sendo o sintom a. Presum e-se que esse sintom a não deixa de ter relação com o Nom e do Pai, vindo de algum a form a substituir o enfraquecim ento da m etáfora paterna, suprindo a carência paterna.
Nesse texto, Lacan adota a grafia sinthom e, “form a antiga de escrever o que foi
posteriorm ente escrito sym ptôm e” ( p.11) , e fundam enta a distinção que faz
recor-5 “ Três fuzis ensarilhados, que se suportam uns aos outros; foi o que, talvez saibam , e é daí que
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rendo à etim ologia da palavra sym ptôm e, onde ptôm a, do grego, significa queda. Le
sym ptôm e, o sintom a, do qual se espera que caia durante a análise, não é o m esm o
ao qual se refere Lacan com o term o le sinthom e, da antiga grafia francesa, para
designar aquilo que não cai, que se fixa em torno da falta prim eira e particular e da necessidade de que esta não cesse, para que continuem sendo possíveis o gozo e o desejo.
Na conferência “Joyce le sym ptôm e”, proferida em 16 de junho de 1975, por
ocasião da abertura do 5o Sim pósio Internacional Jam es Joyce, e anexada ao sem
i-nário Le sinthome, Lacan afirm a: “é no tanto em que o inconsciente se ata ao sinthom e,
que é o que há de singular em cada indivíduo, que podem os dizer que Joyce, com o
ele escreveu em algum a parte, se identifica ao individual. Ele é aquele que se
privile-gia de ter estado no ponto extrem o para encarnar nele o sym ptôm e” ( p.168) . Ainda no sem inário em questão, Lacan prossegue: “o que pela prim eira vez defini com o sinthom e é o que perm ite ao sim bólico, ao im aginário e ao real ficarem juntos, m esm o que nenhum fique m ais com o outro, isto graças a dois erros” ( p.94) , dois pontos de falha estrutural que se produzem no enlaçam ento do im aginário e do sim bólico ( e que estão representados na figura reproduzida neste texto) . Em um desses pontos de falha, o saber inconsciente, para obter o
sentido, opera com o equívoco, o não-senso, fazendo um a sutura, um a costura entre
o im aginário e o sim bólico. Conform e Lacan, “quando fazem os esta costura, ao m esm o tem po fazem os outra, entre o que é o sintom a e o real” ( p.73) , que é a sutura que se faz no outro ponto de falha da junção do im aginário e do sim
bóli-co. Nesse ponto, é le sinthom e — cifra do real, letra de gozo — que faz o enlace
entre o im aginário, o sim bólico e o real, m antendo-os juntos.
Esses dois pontos de falha são elaborados e desenvolvidos por Lacan no sem iná-rio Os quatro conceitos fundam entais da psicanálise ( 1964/ 1985) , a partir das operações de alienação e separação. A alienação e a separação, definidas com o operações de causação do sujeito, se dão em dois tem pos: o tem po do sujeito e o tem po do
objeto, que se inscrevem na fórm ula da fantasia, ( $ ◊ a) . Esta fórm ula fixa o
instante de conjunção disjuntiva entre o sujeito barrado ( $) e o objeto a, e rem
e-te a dois pontos de falha. O prim eiro ponto, dem arcado pela operação de aliena-ção, libera um sujeito reduzido a um a falta de significante, o sujeito desejante, que se constitui pelo recalcam ento originário, pela queda do significante
pri-m ordial, S1, reduzido a puro não-senso. Lacan reconhece aí o ponto de falha
onde se dá a form ação do inconsciente. O outro ponto de falha, intrínseco à operação de separação, decorre da perda do objeto prim ordial, e é aí que Lacan
reconhece o que Freud denom ina Ichspaltung ou divisão do sujeito.
Corrigir igualm ente os dois erros, as duas falhas por m eio de um sintom a, não conduz ao m esm o resultado. Corrigir com o sintom a-m etáfora, na produção de
o sintom a-letra, na produção do gozo. O que se produz com a intervenção do sintom a no ponto do lapso, do equívoco, é diferente do que se produz com sua intervenção no ponto da falta prim ordial. Corrigir a falha, no ponto do lapso, do equívoco, do não-senso, coloca o sintom a em série com as dem ais form ações do inconsciente. Corrigir a falha, no ponto da falta prim ordial, situa o sintom a em sua função de gozo, de suplência da falta estrutural da relação sexual. O gozo da rela-ção que não existe é substituído pelo do sintom a. O sintom a, nesse sentido, é um fato de estrutura, efeito da im possibilidade da relação sexual; é um a suplência,
um a resposta particular ao não há relação sexual, o que resta do que se cham a a
relação sexual enquanto relação intersintom ática.
Para concluir, fazem os alusão a duas passagens enigm áticas da elaboração lacaniana que, por sua com plexidade, configuram um vasto cam po de pesquisa. Por um lado, a planificação do nó borrom eano de três elos perm ite dem arcar três cam pos de ex-sistência: o cam po do sentido, o cam po do gozo fálico e o cam po
do gozo do Outro, cam pos estes que, no real, ponto central do objeto a, são
reduzidos, respectivam ente, ao não-senso, ao não-gozo e ao não-Outro. Por
ou-tro lado, o acréscim o de lesinthom e ( cifra de gozo) , com o elo suplem entar à
trilogia R.S.I., perm ite depreender três indicações diferentes de sentido, figura-das, respectivam ente, nas nom inações do im aginário, do sim bólico e do real: a inibição, o sintom a e a angústia.
Essa elaboração, em bora perm aneça enigm ática e cam po aberto à pesquisa, tem sido útil com o referencial teórico, abrindo vias de estudo acerca das vicissitudes da inibição, do sintom a e da angústia, na vida e na análise. Tal elaboração perm ite ainda elucidar questões relativas à passagem , no processo analítico, do sintom a ao
sinthome: com o se processa a passagem da decifração, via sintom a-m etáfora,
caracte-rística dos tem pos iniciais da análise, à identificação ao sintom a-letra de gozo, característica do final de análise? Dito de outra form a, com o se dá a passagem da decifração do sintom a, que perm ite declinar os significantes m estres que determ i-nam e ordei-nam a vida do sujeito, à identificação com o sintom a, que perm ite ao sujeito assum ir a inércia do sintom a e o m odo particular de gozo? Com o pensar os operadores lógicos do final de análise ( destituição subjetiva, travessia da fantasia e identificação ao sintom a) à luz da teoria dos discursos e da teoria dos gozos? Tais são as questões que, no m om ento, norteiam nossos estudos.
LE S I N T HOM E 1 0 1
Ág o ra (Rio d e Ja n e iro) v. IX n . 1 ja n / ju n 2 0 0 6 91 - 101 REFERÊNCIAS
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