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Ciência e tecnologia na literatura italiana de Dante a Leopardi

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Academic year: 2017

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Science and technology in Italian literature from Dante to Leopardi

Sérgio Mauro1

Resumo: Pretende-se estabelecer a análise das complexas relações entre a ciência e a literatura italiana, de Dante Alighieri até Leopardi, no século XIX. O destaque será dado ao período do Barroco, no qual as relações entre as duas esferas do conhecimento se intensificaram e adquiriram maior relevância.

Palavras-chave: Tecnologia, ciência, literatura italiana no Barroco.

Abstract: We will make an essay about the relationship between the science and the italian literature, from Dante to Leopardi. We will centralize our essay on the Baroque period, when the two parts of the human knowledge increase and acquire signification.

Keywords: Tecnology, science, italian literature in Baroque.

Dante Alighieri, unanimente considerado o maior poeta italiano, se refere constantemente a Aristóteles e ao aristotelismo em Il Convivio, espécie

de enciclopédia medieval que o poeta não chegou a concluir. Notam-se claramente idéias que terão imediatos reflexos na poesia dele, sobretudo no

Paradiso. Há uma clara exaltação do saber humano, mas com fortes limites

impostos tanto pela adesão às idéias de Aristóteles, como pela onipresença da visão teológica. Não é apenas no Convivio, porém, que ele expõe idéias

científicas. Pouco antes de morrer, submeteu-se a uma banca de examinadores em Verona para defender a tese científica Quaestio de Aqua et de Terra, na qual procurou demonstrar que em nenhum ponto do globo o nível

da água supera o da terra em altura. Na verdade, as conclusões a que chega Dante advêm sobretudo das fontes aristotélicas, mas podem também partir de dogmas cristãos. Em certos momentos, o poeta se detém a observar fenômenos naturais como o fluxo das marés, por exemplo. Trata-se de relativa independência científica em relação aos preceitos teológicos que, de resto, já

1 Professor Doutor, Professor-assistente de língua e literatura italiana da FCL-UNESP de

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aparecia na Divina Commedia. No primeiro canto do Paraíso, por exemplo, o

princípio de reflexão dos raios que partem do olhar de Beatriz é usado para explicar como o poeta consegue fixar os olhos na luz intensa. Quando deve explicar aos leitores o processo pelo qual consegue “transumanizar-se”, isto é, anular os limites do corpo terrestre e preparar-se para a ascensão aos céus até à última visão de Deus, o poeta recorre ao mito do pescador Glauco, conforme aparece nas Metamorfoses, de Ovídio, e alega não ter mais palavras ou

exemplos para explicar um fenômeno desejado por Deus. A explicação científica conhece, então, fortes limites e aparece “submissa” à teologia. No último canto da Commedia, para explicar a forma pela qual lhe aparece o

mistério da Encarnação, Dante menciona um dilema dos matemáticos medievais: a quadratura do círculo. Teologia e verdades científicas não se separam no Paraíso. Provavelmente, isso explica o motivo pelo qual o poeta,

um ano antes da morte, decidiu enfrentar questões científicas complexas para a época.

Na Quaestio, publicada apenas em 1508, quase duzentos anos após a

morte do autor, e escrita obviamente em latim, língua oficial da ciência pelo menos até Galileu Galilei, há árduo raciocínio que o poeta emprega para chegar às conclusões esperadas. Dante refuta todos os argumentos utilizados pelos que defendiam a superioridade em altura da terra ou da água. Para tanto, vale-se, quando possível, de idéias que derivam da observação direta da natureza, mas que, curiosamente, confundem-se ou completam-se com afirmações aristotélicas ou teológicas. O poeta emprega em vários momentos a expressão “cuius contrarius vedemus” ou, em italiano, “vediamo il contrario di ciò” (“observamos o contrário disto”). Percebe-se, portanto, que nessa tese há observação direta dos fenômenos, ainda que os princípios básicos da demonstração sejam quase todos extraídos dos textos aristotélicos.

Após vários parágrafos que se valem de princípios básicos de astronomia, geometria e geometria física, o poeta parece arrepender-se e adverte:

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immortalian et divina pro posse, ac maiora se relinquant2.

(ALIGHIERI, 1993, p. 1212 ).

Na passagem citada está sintetizada a transição do medieval ao primeiro humanismo. Dante penitencia-se por ter se deixado levar pelo amor à verdade, por ter incorporado momentaneamente seu personagem Ulisses, e volta a investir-se da alta missão que acredita ter na Divina Commedia: ensinar à

humanidade o caminho da salvação, que consiste basicamente na renúncia total aos bens falsos, numa constante preparação para a vida eterna. A mitologia pagã e toda a sabedoria dos pensadores e poetas greco-romanos ganham importância na Commedia, mas surgem submissas à verdade cristã:

Virgilio, por exemplo, “maestro e autore” de Dante, logo no primeiro encontro declara ao discípulo ter vivido na “época dos deuses falsos e mentirosos”. Na

Quaestio, o desejo de conhecimento arrefece-se nas conclusões finais e a

tese perde o fôlego, como se Dante temesse um terrível vagalhão mandado por ordem divina.

Em Petrarca, sobretudo no Epistolário, nota-se uma maior

independência em relação à teologia. Pode-se constatar nos escritos dele o posicionamento típico da primeira fase do Humanismo na Itália: a sabedoria científica pagã não mais se restringe ao aristotelismo, mas se estende ao estoicismo de Sêneca, além da recuperação das idéias de Platão. No caso de Petrarca, os reflexos dessa nova visão tornam-se evidentes inclusive nos versos de IL Canzoniere, obra-prima em versos do poeta de Arezzo.

Com relação a Boccaccio, torna-se relevante apenas a análise do livro

De montibus, silvis.., em que o autor do Decameron ressalta, pela primeira

vez na literatura italiana, a observação direta de fenômenos naturais. Trata-se, na verdade, de um tímido questionamento da validade absoluta das considerações feitas pelos antigos. De fato, na obra citada, Boccaccio precisou escrever até mesmo uma “Scusazione” para justificar aos leitores da época por qual motivo observara ilhas, montanhas e lagos e constatara que havia diferenças entre as suas observações e as descrições feitas pelos antigos.

2 Trad. minha: “Desistam, portanto, desistam os homens de investigar as coisas que não

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Com relação a Leonardo da Vinci, verifica-se que nos seus apontamentos, reunidos em um único livro publicado na Itália com o título de

Scritti Letterari (Escritos Literários), há críticas aos homens de ciência da

Idade Média. Para Leonardo, no período medieval, para demonstrar ideias supostamente científicas, procuravam–se unicamente os textos antigos, sobretudo de Aristóteles, e não se abandonavam completamente os dogmas religiosos. Leonardo foi, então, o primeiro a tirar conclusões científicas por meio da observação direta da natureza e dos seres humanos. No entanto, o empirismo do autor de A Mona Lisa e da Santa Ceia não constituiu, na opinião

de insignes estudiosos de filosofia da ciência como Paolo Rossi (ROSSI, 1988, p. 150), uma verdadeira ciência. É inegável, porém, o impulso que ele, com as suas observações diretas e desenhos, deu ao desenvolvimento científico.

Giordano Bruno, matemático e teólogo, para alguns místico, para outros vidente, foi personalidade da maior importância para as relações entre ciência e literatura na cultura italiana. Em seus escritos, sobretudo em Lo spaccio

della bestia trionfante e La cena de le ceneri, procurou aliar suas teorias

sobre a pluralidade dos mundos e a eterna reciclagem da matéria à sua crença em Deus. A religiosidade de Bruno chocava-se, porém, frontalmente com o catolicismo oficial da época em que viveu, à medida que o filósofo napolitano propunha uma espécie de retorno às convicções pré-cristãs, sobretudo à visão predominante no antigo Egito. Para Bruno, no período egípcio havia perfeita integração entre “terra e céu”, entre os seres criados por Deus e o criador. Para ele, toda a harmonia e equilíbrio do antigo Egito fora deturpada e se perdera para sempre com a civilização judaico-cristã, e deveria se recuperada para que o homem pudesse integrar-se perfeitamente com as forças que o criaram e que movem o universo. Ciência, lei e religião deveriam voltar à antiga convivência harmoniosa que se perdera após a derrocada da civilização egípcia.

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membro das famosas Accademia del Cemento e Accademia della Crusca.

Naturalmente, muitos dos livros que fazem parte da bibliografia sobre o autor e quase todos os originais das suas obras encontram-se atualmente na cidade natal de Dante.

No livro Osservazioni intorno alle vipere (1664), o naturalista faz

observações sobre as diferentes espécies de cobras de pouca importância para o presente estudo. No entanto, cabe observar que as anotações de Redi sobre os efeitos do veneno das cobras “inauguram” o método científico que se tornará ainda mais evidente na obra seguinte. Por meio de experiências empíricas, insistentemente repetidas, ele consegue demonstrar a falsidade da doutrina clássica que atribuía à bílis a origem do veneno das cobras. Com tal método, a obra consegue divulgar no ambiente científico europeu a pioneira atividade experimental que se realizava na corte dos Médici.

A leitura do outro livro de Redi, Esperienze intorno alla generazione

degli insetti (1668) oferece a possibilidade de iniciar a identificação dos

elementos literários que aparecem em quase todos os relatos científicos do autor.

Percebe-se como exemplarmente o autor emprega textos de poetas e escritores famosos, tanto dos clássicos gregos e latinos como dos poetas italianos do Renascimento, como Ludovico Ariosto. Por exemplo, a passagem com que Redi encerra a sua justificativa e o seu pedido de conselhos ao amigo Dati foi extraída dos versos do Orlando Furioso, III, IV, vv.3-4. Aqui, sem

dificuldade, torna-se evidente que Redi se apoiava sem nenhum receio em fontes literárias para dar respaldo às suas observações científicas. Inicialmente, trata-se apenas de justificar possíveis imperfeições do trabalho que será desenvolvido mais adiante. De qualquer maneira, demonstram claramente que a prosa científica do autor se nutre de referências literárias, seja a fim de obter estímulo inicial para não desistir da empreitada, seja para nivelar-se com os “sábios” do passado que também enfrentaram dificuldades quando se dispuseram a realizar vultosas obras destinadas a deixar marcas indeléveis na história da cultura, literária ou científica. Nas páginas centrais de

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os exemplos de que necessita para demonstrar os “erros” do passado no que diz respeito à geração dos insetos.

De fato, mais adiante ele passa a citar Gerolamo Vida, literato da Lombardia (1485-1566) que escrevia em latim e imitava Virgilio. Os versos de Vida citados se referem à geração espontânea nas carnes de um animal em putrefação que fora alimentado com folhas de amoreira. Para desmentir a “tese” sustentada na poesia do autor lombardo, que ainda era defendida por muitos cientistas do século XVII, Redi inicia a descrição das provas empíricas.

Redi escrevia relatos científicos que se valiam de citações literárias e, concomitantemente, “enriqueciam” o texto literário citado, pois lhe emprestavam uma nova perspectiva, um novo “uso”. Evidentemente, os relatos do naturalista ficam “impregnados” de literatura, e isto se reflete no próprio estilo utilizado na descrição dos fenômenos naturais, ou na “técnica” empregada para a refutação das teses aristotélicas da geração espontânea. Não se pode esquecer, ainda, o caráter epistolar da prosa científica de Redi que se insere na linha de pensamento do século XVII, caracterizado pela utilização de um novo método de pesquisa, racionalista ou experimental, e dentro de uma prática coletiva. O uso das cartas reflete a necessidade de submeter as descobertas ao parecer dos demais colegas de academia. Disso derivam a contínua troca de cartas entre os cientistas e literatos da época e o nascimento das academias científicas. A Accademia del cemento, à qual

pertenceu Redi, inspirava-se nas idéias de Galileu e tinha por mote “provando e riprovando” (experimentando e voltando a experimentar), que naturalmente queria significar “experimentando e recusando as experiências e conclusões que se demonstram errôneas”. .

Com a nova “tecnologia” que surge na Europa no século XVII, inúmeras obras científicas passaram a relatar experiências que se tornaram possíveis. Um mundo novo, constituído por estruturas de dimensões reduzidas e antes desconhecidas, começava a influenciar não apenas a prosa científica, mas também o ambiente artístico-literário.

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in Toscana, “ditirambo”, isto é, espécie de canto coral que na literatura grega

era dedicado a Dioniso ou Baco. Das várias edições recentes consultadas a que me pareceu mais completa foi a de 1996, publicada pela Editora Bulzoni e com introdução e comentários de Carmine Chiodo, e a ela farei referência de agora em diante. De fato, a edição comentada por Chiodo tem o mérito de transcrever nas notas de rodapé muitas das Annotazioni, ou seja, os

comentários eruditos e “acadêmicos” feitos pelo próprio Redi.

Em Bacco in Toscana, Francesco Redi realiza a perfeita fusão entre o

naturalista-médico-cientista e o literato-acadêmico. Não se trata apenas de mero exercício literário ou simples pretexto para mostra de erudição do acadêmico Redi. Sem pretensões de igualar-se a ilustres antecessores que ele tanto admirava como Dante e Ariosto, ele elaborou um poema com métrica variada e, para a época, inovadora, com a mesma metodologia empregada nos seus relatórios científicos. De fato, ao narrar a história do deus que vai à Toscana com a sua amada Ariadne (“Arianna”) e inicia uma grande libação, com progressiva embriaguez e com rasgados elogios aos vinhos toscanos, sobretudo ao “Nobile di Montepulciano”, Redi segue a metodologia a que nos referimos antes que prescreve a exposição inicial da questão (ou “tema” neste caso), depois a exaustiva citação dos autores (neste caso, dos poetas e escritores em geral, além dos eruditos e cientistas que se referiram ao vinho) e, por último a conclusão final (que aqui equivale ao elogio final de Baco ao vinho de Montepulciano).

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intenção era claramente realizar a osmose entre ciência e literatura, da qual ambos, o literato e o cientista, saíam “contaminados”.

Mas no Barroco da Itália predomina Galileo Galilei, exemplo perfeito de cientista-literato, autor de Il saggiatore, possuidor de uma prosa escrita não

mais em latim, e sim em italiano, herdeira de uma tradição toscana que vem desde o século XIV, com Giovanni Boccaccio. As escolhas feitas por Galileu com relação ao uso de determinado vocabulário e estilo repercutiam de maneira notável na língua escrita comum e, sobretudo, na literatura da época, seja nos versos de Marini, seja em Virgilio Cesarini ou em Maffeo Barberini. As novas descobertas eram celebradas com entusiasmo por esses poetas, e mais do que nunca os eventos científicos praticamente condicionavam a imaginação literária. Andre Koyré, um dos mais importantes estudiosos da obra de Galileo, chama a atenção para o fato de que o uso do binóculo/telescópio por parte do cientista toscano inaugurou a “ciência instrumental” (KOYRÉ, 1979, p. 85), pois todo o progresso científico a partir de então ficará intimamente ligado ao desenvolvimento dos instrumentos utilizados. Evidentemente, não é apenas o desenvolvimento da ciência empírica que ficara´condicionado ao progresso tecnológico, pois também as artes todas, sem exceção, serão de algum modo influenciadas pela tecnologia. No âmbito literário, os instrumentos que mudarão a perspectiva científica, tornando-se elementos fundamentais no desenvolvimento da ciência da época, estimularão o novo motor da “produção” de imagens, personagens e situações da poesia e da prosa do século XVII e XVIII. Evidentemente, nem todos os escritores do período, sobretudo no século XVII, entraram em “perfeita sintonia” com as novas descobertas. Houve casos como o do escritor “aristotélico” Lagalla que continuou a defender a existência do céu das estrelas imóveis. A aceitação das inovações no período barroco não foi unânime. Por exemplo, Emanuele Tesauro, jesuíta culto, na obra Il

Cannocchiale aristotelico, espécie de compêndio sobre as teorias barrocas a

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podia “viajar” facilmente e alçando vôos mais longos com a utilização da “metáfora”. Na verdade, a obra de Tesauro ressalta o valor da tradição (aristotélica) e confronta-se abertamente com a teoria galileiana, embora a respeite, tomando o devido distanciamento. Andrea Battistini, atualmente um dos maiores estudiosos do Barroco italiano destacou a relevância da obra de Tesauro:

“Il potenziamento della vista umana permesso dal cannocchiale faceva di questo strumento il segno tangibile delle intraprendenti risorse dello spirito umano ad ampliare indefinitamente i propri orizzonti. La stessa conformazione, consistente, nelle parole essenziali di Marino, in un “picciol cannone e duo cristalli” era la testimonianza della semplicità con cui opera la natura, capace di donare il meraviglioso con oggetti alla portata di tutti, secondo la tesi, già vista sopra, di Galileo, che fa ‘derivare et esser prodotte le più mirabili operazioni da mezzi tenuissimi’” (BATTISTINI, 2002, p. 112).3

Além de Tesauro, destaca-se Daniello Bartoli, um dos primeiros cientistas-literatos italianos a tentarem a “conciliação” entre as artes e as ciências e entre a teologia e o conhecimento humano. Em 1679, Bártoli publicou o tratado “Del suono, de’ tremori armonici e dell’udito”, no qual buscou conceber a ciência como serva da teologia, pois, na concepção do autor, a ciência leva o homem à admiração dos fenômenos naturais, permitindo-lhe perceber com maior nitidez a grandeza da criação divina. Em outra importante obra, Bartoli interpreta os fenômenos naturais como emblemas do caráter moral dos seres humanos, associando, por exemplo, o movimento do pêndulo à infelicidade da dependência e a abelha à honestidade feminina. A prosa de Bártoli tem caráter literário acentuado, com estilo suntuoso e solene, que será mais tarde apreciado por poetas da envergadura de Leopardi, no século XIX.

A “simbiose” entre ambientes científicos e ambientes literários vai acentuar-se no século XVIII, e não apenas na Itália. Trata-se de processo por

3 “A potencialização da vista humana permitida pelo binóculo/telescópio fazia deste instrumento

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meio do qual não somente cada vez mais literatos comentam livremente descobertas científicas e as transformam em argumentos literários, como também um número sempre maior de cientistas passa a frequentar o setor literário. Entre os que teorizaram sobre questões referentes à simbiose científico-literária no contexto italiano, dois nomes destacam-se: Antonio Conti e Giuseppe Roberti. Conti, no volume “Discorso sopra la italiana poesia”, publicado em 1737, convida os poetas italianos a se abrirem para a moderna filosofia e para as descobertas científicas. De maneira bastante clara, parece propor na obra que as descrições dos elementos naturais feitas pelos cientistas comecem a fazer parte do universo poético. Por outro lado, Roberti, ainda mais explicitamente do que Conti, propõe para a poesia italiana até mesmo a “divinização” dos cientistas e descobridores da época. De fato, o culto às personalidades do ambiente científico, que já tivera início no século precedente, acentuou-se ainda mais no período do Arcadismo. Como reflexo imediato das idéias de Roberti publicadas em 1765 no volume “Lettera sopra l’uso della física nella poesia”, podemos citar o poeta Lorenzo Mascheroni. Mascheroni, na poesia “Invito a Lésbia Cidonia”, de 1793, definiu Benjamin Franklin como o herói que ousou “condurre il fulmin vero/ in ferrei ceppi e disarmò le nubi” ( “conduzir o raio verdadeiro/ em férreos nós e desarmou as nuvens”, trad. minha). Não apenas descobridores italianos como Volta e Galvani, mas também cientistas ingleses e de outros países tornavam-se heróis na poesia italiana da época.

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descobertas científicas anteriores (as de Galvani) com as experiências de Alessandro Volta, notável inventor da primeira pilha elétrica. Galvani, aliás, mais ainda do que Volta, será novamente homenageado no século XIX não apenas por poetas de menor importância, mas também pelo prêmio Nobel Giosuè Carducci, na poesia “Agl’italiani”, de 1853.

A visão crítica á respeito da ciência e sobretudo do progresso científico tornou-se mais aguda em Giacomo Leopardi. Leopardi, talvez o maior poeta italiano depois de Dante, manifestou em suas obras, tanto nas poesias como na prosa, bastante ceticismo diante do progresso científico da época. Na obra poética mais madura, caso da maior parte das poesias contidas no volume “Canti”, de 1831, as observações da natureza o levam a conceber as forças naturais como inimigas dos seres humanos. A famosa visão da Natureza mãe e madrasta, presente em poesias como “Canto notturno di un pastore errante dell’Asia” ou em “La ginestra”, insere-se no pessimismo “cósmico” de Leopardi. Para o poeta, o destino dos seres humanos pouco ou nada tem de nobre, pois a existência resume-se em destruição e morte, perpetuando o ciclo que, supõe Leopardi, um dia terá fim. Nas “Operette Morali”, breves e deliciosas composições cujos gêneros dificilmente poderíamos definir, ficando entre os opúsculos e os diálogos filosóficos, Leopardi observa com ironia a presunção humana de conhecimento do universo que o cerca. Nas “Operette” manifesta-se todo o materialismo leopardiano, pelo qual a única finalidade da nossa existência é a morte. Em notáveis diálogos como o “Dialogo della Natura e di um Islandese”, a natureza aparece personificada e trava um diálogo vivaz com um pobre viajante islandês. Com pungente ironia, questionam-se os valores humanos e as categorias morais que parecem desaparecer diante da indiferença total da Natureza. O incessante ciclo de produção e destruição que move o universo e no qual parece resumir-se toda a existência torna-se praticamente a única “observação científica” do literato Leopardi. Não há celebração de descobertas científicas, como no século anterior, mas tão somente a descrença nesse tipo de progresso do conhecimento humano que finge ignorar os elementos destrutivos que se escondem nas forças naturais.

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produziu, portanto, mais incompreensões do que resultados esteticamente significativos. Mas, ao menos na literatura italiana, as exceções que relatamos anteriormente, como Redi, Bartoli e Tesauro, demonstraram claramente que uma não pode viver sem a outra. Além do mais, parece claro que a especialização da ciência empírica a partir de Galileu provocou uma cisão entre os dois âmbitos culturais que por um lado levou a humanidade a um progresso científico sem precedentes e, por outro, marginalizou paulatinamente as artes, sobretudo a literatura. Para quem lamenta a possível (futura) morte da poesia e das artes em geral, não resta que concluir, como uma espécie de consolo, que foi o preço a pagar pelo progresso científico da humanidade, com seus muitos “prós”, mas também com seus muitos “contras”.

Bibliografia

ALIGHIERI, Dante. Tutte le opere. Roma: Newton Compton, 1979.

BATTISTINI, Andrea. Letteratura e Scienza.Il Barocco. Roma: Salerno

Editrice, 2002.

KOYRÉ, A. Studi galileani, trad. it. Torino: Einaudi, 1979.

Referências

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