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Breves considerações sobre o conceito de natureza na genese da geografia moderna

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Academic year: 2017

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INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS

Trabalho de Graduação

Curso de Graduação em Geografia

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE NATUREZA NA GÊNESE

DA GEOGRAFIA MODERNA

Evandro Soares da Silva

Prof. Dr. Paulo Roberto Teixeira de Godoy

Rio Claro (SP)

(2)

Instituto de Geociências e Ciências Exatas

Câmpus

de Rio Claro

EVANDRO SOARES DA SILVA

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE

NATUREZA NA GÊNESE DA GEOGRAFIA MODERNA

Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia.

Rio Claro - SP

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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE

NATUREZA NA GENESE DA GEOGRAFIA MODERNA

Trabalho de Graduação apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia.

Comissão Examinadora

____________________________________ (orientador)

____________________________________

____________________________________

Rio Claro, _____ de __________________________ de ________.

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À minha família

Aos meus amigos

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A partir do século XX presencia-se um gradativo aumento dos debates e questões ligadas à degradação da “natureza”, fazendo com que o século XXI se inicie sob a égide de discursos atrelados a esse conceito como um dos eixos das preocupações da humanidade. Vários são os movimentos que nos remetem ao caráter degradador da sociedade atual e como somos chamados cotidianamente a “salvar e defender a natureza”, desde o consumo de produtos sustentáveis passando por modelos de vida ecologicamente correto. Mesmo parecendo ser explícito que a atual forma de interação metabólica homem/natureza no atual período histórico do capitalismo converge em um cenário nada promissor, no entanto, verifica-se uma

ideológica convergência pacificadora entre a forma produtiva e o apelo sistemático ao

consumo. Diante dessas premissas poderia ser palpável a indagação que, no decurso da história da humanidade haveria concepções ideológicas da natureza? Sendo a afirmativa verdadeira qual seria a conflitualidade presente no embate ideológico sobre a natureza quando da gênese da geografia moderna? Seria ela aberta ou velada?Essas indagações nos levam ao presente trabalho, cujo objetivo é trazer alguns apontamentos acerca das concepções ideológicas sobre a natureza na história da humanidade, culminando nas possíveis influências quando da institucionalização da Geografia Moderna.

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related to the degradation of "nature", making the twenty-first century begins under the aegis of speeches linked to this concept as one of the axes of the concerns of humanity. There are several movements that are related to the degrading way of contemporary society and how we are called upon daily to "save and defend nature," from the consumption of sustainable products through environmentally friendly lifestyles. While this may appear to be explicit that the current form of metabolic interaction man / nature in the current historical period of capitalism converges in a bleak scenario, however, there is an ideological and peacemaker convergence between productively and the systematic appeal to the consumption. Given these assumptions could be palpable the question that in the course of human history would be ideological conceptions of nature? Being a true statement what is the conflict present in the ideological struggle over nature with regard to the genesis of modern geography? Would it be overt or covert? These questions lead us to the present study, whose goal is to bring some notes about the ideological conceptions of the nature in human history, culminating in the possible influences upon the institutionalization of Modern Geography.

Keywords: Nature. Ontology of social being. History of Science. History of Geographical Thought.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 7

1 TRABALHO, SER SOCIAL E INTERAÇÃO COM A NATUREZA... 11

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO DE NATUREZA ... 17

2.1 Da concepção mítica a divinização da natureza... 20

2.2 Renascimento: entre o velho e o novo... 22

2.3 Do pensar ao fazer: a mecanização da natureza ... 24

2.4 A natureza organicista ... 28

2.5 O romantismo... 30

3 NATUREZA E A GÊNESE DA GEOGRAFIA MODERNA ... 32

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 36

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INTRODUÇÃO.

A partir do século XX presencia-se um gradativo aumento dos debates e questões ligadas à degradação da “natureza”, fazendo com que o século XXI se inicie sob a égide de discursos atrelados a esse conceito como um dos eixos das preocupações da humanidade. Vários são os movimentos que nos remetem ao caráter degradador da sociedade atual e como somos chamados cotidianamente a “salvar e defender a natureza”, desde o consumo de produtos sustentáveis passando por modelos de vida ecologicamente correto.

Os impactos provenientes da degradação da natureza podem ser percebidos em toda a parte, observando-se sua presença em inúmeras situações: nas águas continentais poluídas; ar atmosférico irrespirável; buraco na camada de ozônio; aumento da temperatura nas áreas centrais das cidades (ilhas de calor); processo de desertificação; questões relacionadas ao destino dos resíduos sólidos entre outras. Essas situações ocasionam aos seres humanos inúmeros problemas, os quais podem ser evidenciados através das doenças respiratórias, pulmonares, câncer de pele, etc. A conjunção destas questões caracteriza-se por problemas ecológicos, ambientais, problemática ambiental, questão do meio ambiente (RODRIGUES, 1998, p.13).

A chamada questão ambiental, que resumidamente, trata não somente sobre a degradação da natureza bem como a finitude dos recursos, que em um cenário mais crítico, teria como consequência a própria extinção da humanidade, tem também como premissa a eliminação de espécies e ecossistemas outros, que dentro de uma ideia sistêmica, produziria desequilíbrios capazes também de originar sérios problemas ao futuro da espécie humana.

Mesmo parecendo ser explícito que a atual forma de interação metabólica homem/natureza no atual período histórico do capitalismo converge em um cenário nada promissor, denota-se um quadro pacificador entre a forma produtiva e o apelo sistemático ao consumo. São inúmeras as empresas que atrelam aos seus produtos a temática relacionada à natureza, tornando dessa forma quase um “bálsamo ao espírito” a compra de um produto ecologicamente correto. Inserido neste contexto a natureza será tratada cada vez mais como uma raridade, sendo colocada como mercadoria para a acumulação capitalista, bem como necessária para reprodução do capital.

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mercadorias. A perda da abundância dos elementos naturais é um problema real que está sendo absorvido pela lógica capitalista. Ou seja, as “novas raridades” servem de estratégia para a reprodução do capital por adquirirem valor de troca e, por conseguinte, transformarem-se em mercadoria (SANTANA, 2001:178).

Imersa na problemática ambiental, a “escassa”, “finita” e “rara” natureza torna-se, mais do que nunca, uma mercadoria produzida e consumida pela sociedade contemporânea. Mas quais seriam as formas colocadas como consenso de uma suposta crise ambiental e um modo de produção que remonta a própria crise? A resposta pode ser fundamentada no que convencionou chamar de ideologia1.

Obviamente a questão não se restringe somente à problemática ambiental. Por meio de sua ideologia, a classe hierarquicamente dominante obtém êxito em sua hegemonia e na manutenção do status quo por meio da mistificação, esta capaz de produzir uma consciência

social, com valores totalmente desfavoráveis aos interesses vitais das classes não beneficiadas, como nos revela Mészáros:

Deve-se enfatizar que o poder da ideologia dominante é indubitavelmente enorme, não só pelo esmagador poder material e por um equivalente arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes, mas, sim, porque esse poder ideológico só pode prevalecer graças à posição de supremacia da mistificação, através da qual os receptores potenciais podem ser induzidos a endossar, consensualmente, valores e diretrizes práticas que são, na realidade, totalmente adversos a seus interesses vitais (MÉSZÁROS, 1993, p.10).

O poder da mistificação da qual nos retrata Mészáros, confere à ideologia dominante

1Cabe a ressalva que os debates sobre a conceituação de ideologia são amplos. Segundo Löwi (1993, p. 9/10)

“[...] existem poucos conceitos na história da ciência social moderna tão enigmáticos e polissêmicos quanto o de ‘ideologia’; este tornou-se, no decorrer dos últimos dois séculos, objeto de uma inacreditável acumulação, fabulosa mesmo, de ambiguidades, paradoxos, arbitrariedades, contra-sensos e equívocos.”

Após traçar uma breve exposição de autores que tratam sobre o conceito de ideologia, desde sua criação literal por Destutt de Tracy até a concepção interpretada por Marx em ideologia Alemã, e posteriormente com Lenin bem como outros marxistas do século XX, Löwiobserva uma mudança substancial de sentido da concepção de ideologia, não só em corrente intelectual diversa como também no próprio seio do marxismo.

Moraes (1988, p. 37/45), ao abordar sobre o conceito de ideologia bem como sua contextualização histórica, trazendo contribuições para o debate dentro da Ciência Geográfica, também explicita a diversidade do conceito no âmbito marxista. Para o autor a discussão do termo avança posteriormente a Marx, desde autores como Lukács perpassando por Althusser, sendo significativo o aumento dos estudos que tratam sobre o tema. Apoiando-se no ensaio de José Carlos Bruni, Moraes identifica duas grandes vertentes na compreensão da ideologia na perspectiva marxista. A primeira entendida como “produção de ilusão” e a outra concebida como “visão de mundo”, sendo esta última mais apropriada na perspectiva do autor.

Moraes reivindica a existência de ideologias geográficas, estas estariam permeando as concepções norteadoras das políticas territoriais, como também a autoconsciência dos diferentes grupos sociais que arquitetam a respeito do espaço e da sua relação com o mesmo.

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um respaldo político-cultural que, se comparadas com as ideologias conflitantes, denotam uma discrepância esmagadora da primeira em relação à segunda. As ideologias críticas no intuito de buscar a negação das ideologias dominantes, e assim a própria ordem estabelecida, não possuem o mesmo poder de mistificação, por não possuírem, ainda segundo Mészáros (1993, p. 10), “[...] nada a oferecer – nem mesmo subornos ou recompensas pela aceitação – àqueles já estabelecidos em suas posições de comando, conscientes de seus interesses imediatos palpáveis”. Assim sendo, para o autor, o poder mistificador é uma regalia restrita a ideologia dominante.

Diante dessa premissa vemos que a ideologia, como forma específica de consciência social, é indissociável das sociedades de classes, cuja conflitualidade ideológica poderia ser perceptiva, – ora abertamente, ora velada – historicamente a partir das respectivas formações sociais.

Retomando a crise ambiental vemos o poder mistificador da ideologia dominante impor uma consciência social de um mundo, toado, de um lado pela apologética da sustentabilidade sem nenhum questionamento mais severo sobre o modo produtivo, e de outro um discurso “mântrico” de estímulo ao consumo, em um quadro de crise estrutural do capital que se intensifica.

No tocante às considerações aqui colocadas, da ideológica convergênciapacificadora

entre uma suposta crise ambiental e o modo de produção que remonta a própria crise no período atual, poderia ser palpável a indagação que, no decurso da história da humanidade haveria concepções ideológicas da natureza? Sendo a afirmativa verdadeira qual seria a conflitualidade presente no embate ideológico sobre a natureza quando da gênese da geografia moderna? Seria ela aberta ou velada?

Essas indagações nos levam ao presente trabalho, cujo objetivo é trazer alguns apontamentos acerca das concepções ideológicas sobre a natureza na história da humanidade, culminando nas possíveis influências quando da institucionalização da Geografia Moderna.

Ao por em relevo as concepções ideológicas de natureza quando da consolidação da geografia científica, acreditamos estar também permeando a construção da própria Geografia anterior a este processo – como pode ser identificado, por exemplo, nas descrições feitas pelos viajantes, bem como no desenvolvimento cartográfico advindo das grandes navegações iniciadas no século XV –, e desta forma fazendo uma possível contribuição para com a História do Pensamento Geográfico.

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centralidade conferida à categoria trabalho, – esta compreendida no âmbito da teoria marxiana, a partir das interpretações propostas por Lukács – compreender as determinações ontológicas do ser social, e consequentemente o desenvolvimento das formas de reprodução social, e assim, apreender as concepções sobre a natureza.

Ao questionarmos sobre a historicidade do conceito bem como a possibilidade de pensá-lo ideologicamente, tendo como pressuposto que a legitimação das sociedades de classes efetua-se por meio da ideologia, buscar-se-á entender os aspectos que nortearam a gênese da Geografia moderna e o respaldo para o entendimento da natureza quando das explicações dessa gama do conhecimento cientifico.

Diante do colocado, as premissas interlocutoras com a hipótese levantada terão como balizamento:

1. A interação entre o homem e a natureza efetuada por meio do trabalho. 2. A função social pertencente à ideologia.

3. A historicidade do conceito natureza.

A pesquisa foi estruturada em três partes sendo elas: I. Trabalho, ser social e interação com a natureza; esta busca tecer a forma pela qual se efetiva a constituição ontológica do ser social bem como a interação desta com a natureza, na qual a categoria trabalho ganha dimensão insuprimível.

A parte II intitulada Breves Considerações sobre o Conceito de Natureza tem como premissa a historicidade do conceito bem como a tentativa de propor uma periodização, na qual pudesse identificar as concepções no decurso da historia da humanidade. Para isso fez-se uma interlocução entre a História da Ciência para identificar as diferenciadas formas de entendimento da natureza no pensamento humano

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1 TRABALHO, SER SOCIAL E INTERAÇÃO COM A NATUREZA.

No desenvolvimento histórico da humanidade, a busca por explicações sobre os fenômenos tornou-se substancial para o entendimento da realidade. A interação entre o homem e a natureza, por meio do trabalho, se configura nas materialidades produzidas bem como nas representações destas em um determinado período histórico. E, diferentemente de outras espécies animais que se limitam a imediaticidade das situações, o homem, ao interagir com a natureza promove o processo de produção da consciência humana.

A atuação do homem diferencia-se da do animal porque, ao alterar a natureza, através de sua ação, torna-a humanizada; em outras palavras, a natureza adquire a marca da atividade humana. Ao mesmo tempo, o homem altera a si próprio através dessa interação; o homem vai se construindo, vai se diferenciando cada vez mais da outras espécies animais. A interação homem – natureza é um processo permanente de mútua transformação: esse é o processo de existência humana (ANDERY, et al, 1998, p. 12).

Sobre esta questão, Marx (1985) em uma de suas principais obras, apresenta como exemplo a distinção entre a atividade mais bem sucedida por uma abelha quando na feitoria de uma colmeia e a operação executada pelo pior arquiteto, expondo assim a primazia da consciência humana sobre as atividades desenvolvidas, esta fundamentada por meio do trabalho. Nesse ponto, a categoria trabalho é especifica do mundo dos homens, pela capacidade de ter consciência de sua ação.

Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade (MARX, 1985, p.202).

Para uma melhor compreensão sobre a forma pela qual o homem conquista a consciência das suas ações – e assim difere não só de outras espécies animais como também da própria natureza –, devemos estar atentos a processualidade na qual confere ao homem este status, ou seja, a de um ser que possui consciência do seu em-si e se reconheça na sua própria história.

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predominante, momento este em que a espécie humana dá um salto ontológico2, tornando-se

um ser social e desta forma se distinguindo das outras esferas ontológicas. Portanto para Lukács haveria a existência de três esferas ontológicas distintas, sendo elas:

[...] a inorgânica, cuja essência é o incessante tornar-se mineral; a esfera biológica, cuja essência é o repor o mesmo da reprodução da vida; e o ser social, que se particulariza pela incessante produção do novo, por meio da transformação do mundo que o cerca de maneira consciente orientada, teleologicamente posta (LESSA, 2007, p.24/25).

No entanto cabe salientar que apesar das três esferas ontológicas apresentarem-se como distintas, existe uma indissociabilidade na processualidade evolutiva que as tornam articuladas entre si, pois “[...] do inorgânico surgiu a vida e, desta, o ser social”. (LESSA, 2007, p.25)

As três esferas ontológicas são essencialmente distintas e essencialmente articuladas. Isso significa, entre outras coisas, que o estudo de cada uma delas deve revelar tanto os momentos de distinção ontológica como, também, os de articulação ontológica que permeiam as três esferas do ser. Em se tratando do ser social, essa exigência genérica se particulariza na necessidade de desvelar de que modo se opera essa simultânea distinção e articulação do mundo dos homens com o conjunto da natureza (LESSA, 2007, p.35).

As observações entre a distinção e articulação das esferas ontológicas tornam-se imprescindíveis, na medida em que a existência e a reprodução do ser social se faz somente pela insuprimível articulação com a natureza.

A temática enveredada na obra Lukacsiana apresentada por Lessa (2007) e aqui colocada, de modo algum alcançam o dinamismo e a envergadura bem como o rigor de detalhes na conceituação da ontologia do ser social feita pelo autor. Não obstante, o quadro apresentado contribui para o entendimento da interação do homem com a natureza. A partir do salto ontológico, a espécie humana se constitui enquanto ser social e assim enquadra-se em um novo patamar dentro das esferas ontológicas, conferindo à mesma a capacidade de pré-idealizar, objetivar e exteriorizar-se por meio do trabalho, culminando assim na transformação da natureza e, por conseguinte do próprio ser social. Desta forma vemos que a exteriorização

2 No que concerne a determinação do salto ontológico da esfera mineral para a biológica ver-se-á aqui um longo

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feita pelo homem se faz por meio do trabalho, este entendido como categoria fundante do ser social.

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais (MARX, 1985, p. 202).

No processo do trabalho a natureza apresenta-se, ainda segundo Marx (1985), como meio de trabalho e objeto de trabalho. Os recursos advindos da natureza em seu substrato material primeiro podem ser definidos como os meios nos quais os homens dispõem para suprir suas necessidades, ou seja, os meios existentes independente da ação do homem, sendo o objeto universal do trabalho humano.

A mediação entre a natureza e o homem onde, num primeiro estágio visa tão somente à satisfação de necessidades, possuindo como base técnicas pouco sofisticadas e uma divisão do trabalho elementar (divisão sexual do trabalho), recebe posteriormente dentro do desenvolvimento histórico, um gradativo aumento da complexidade das atividades oriundas do próprio trabalho, e desta maneira, produz-se novas formações sociais, que, por conseguinte, denotam novos complexos sociais. Ou seja, ao passo em que as forças produtivas se tornam mais complexas, definindo assim uma nova formação social, se verificará também outra concepção quanto aos produtos dela provenientes, manifestando-se não somente nos valores-de-uso, mas também nos valores-de-troca.

Os complexos sociais pertencentes a cada formação social estariam desta maneira atrelado ao próprio trabalho e a sua dimensão que vai além dele.

O trabalho, pela sua própria essência, remete o homem para além do próprio trabalho – de tal modo que, com o passar do tempo, o trabalho apenas pode se efetivar quando atende a necessidades que não mais pertencem diretamente à troca orgânica entre o homem e a natureza (LESSA, 2007, p. 60).

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As colocações feitas até o momento nos revelam o caráter primordial que o trabalho confere ao entendimento da interação do homem com a natureza, – sua distinção e articulação – como também compreender os processos que enveredam as diferenciadas relações sociais de produção3, ou seja, as dinâmicas relativas às formas pelas quais o homem, por meio do trabalho, busca suprir suas necessidades ao mesmo passo que cria outras, estas convergindo como fundamento para a compreensão do real.

Não distante a estas questões a Geografia teve como escopo a questão da relação homem e natureza, na qual foram inúmeras as abordagens e as intenções de postular teorias para compreender tal relação, desde a chamada geografia pré-científica à institucionalização enquanto ciência moderna. Retratando o cenário de discussões epistemológicas na contemporaneidade, especificamente nos desdobramentos efetuados pela intensificação de uma vertente propositora de uma teoria marxista para a Geografia, culminando na chamada Geografia crítica, houve por parte de autores dessa linha teórica, significativas contribuições.

Em estudo sobre esta temática, Santos (1977, p.87), na busca de categorias que auxiliam na formulação de uma base teórica para a conceituação do espaço geográfico, assevera a interdependência entre o modo de produção, formação social e espaço, sendo que o primeiro torna-se concreto a partir de uma base territorial historicamente determinada e “[...] deste ponto de vista, as formas espaciais seriam uma linguagem dos modos de produção. Daí, na sua determinação geográfica, serem eles seletivos, reforçando desta maneira a especificidade dos lugares”. Desta forma, o autor incita em avançar na conceituação de uma formação sociespacial.

Ainda Santos (2004), atribuindo como variável chave as técnicas, tendo-a como “[...] um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço” (SANTOS, 2004, p. 29), efetua uma periodização para compreender as transformações entre a sociedade e a natureza, identificando três grandes momentos: o meio natural; o meio técnico e o meio técnico-cientifico-informacional. Para o autor o espaço se constitui pela indissociabilidade de sistemas técnicos4 e sistemas de ações5.

3 A elucidação sobre a necessária compreensão das relações sociais de produção nos remete a teoria marxista,

que no intuito de procurar compreender a história da humanidade, tratou de explicitar as formas das sociedades, nas quais poderiam ser explicados nos níveis da infraestrutura e superestrutura, sendo o primeiro a base econômica de uma sociedade e o segundo as formas políticas, jurídicas bem como o conjunto das ideias existentes em cada sociedade que implicariam em um novo modo de produção e uma nova forma de organização política e social.

4 Na compreensão do significado de sistema de objetos, Milton Santos lança-se na distinção entre a definição de

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Os sistemas de ações estariam atrelados aos atos teleologicamente colocados pela sociedade operando sobre a realidade que, conjugada à causalidade, produz o novo. Esta nova realidade, com um arsenal diferenciado de sistemas técnicos, por conseguinte, produz novas realidades conferindo outras possibilidades de ação. Ou seja, tanto as ações como os objetos técnicos dela proveniente, somente podem ser entendidos a partir da indissociabilidade de ambos, possibilitando à apreensão sobre as modificações operadas pela interação sociedade e natureza, o espaço.

O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a historia se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da historia vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tende a funcionar como uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos: hidrelétrica, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão conteúdo extremamente técnico (SANTOS, 2004, p. 63) [grifo nosso].

Ao apregoar as técnicas como categoria central para a compreensão do espaço geográfico, Santos, implicitamente caracteriza as formas produtivas e como estas se estabelecem no território, originando a seletividade dos lugares, bem como a divisão territorial do trabalho. O autor, ao estabelecer uma proposição de periodização a partir do fenômeno técnico aliado ao sistema de ações, promove a capacidade de delimitar períodos históricos dentro de uma abordagem geográfica, por meio da empirização do tempo pelo espaço.

Neil Smith (1988) traz considerações importantes para a compreensão da relação sociedade e natureza dentro de uma ótica também geográfica. Em sua obra “Desenvolvimento desigual”, a fim de compreender a reestruturação do espaço geográfico sob o enfoque da teoria marxista, Smith se lança ao que ele chama de Geografia do Capitalismo, e assim busca identificar os padrões espaciais que caracterizam a sociedade capitalista, utilizando-se, para isso, das teorizações sobre desenvolvimento desigual. Não obstante, para fundamentar tal teoria na Geografia do Capitalismo, esta, segundo o autor, não apresenta um quadro teórico

Assim a natureza se transforma em um verdadeiro sistema de objetos e não mais em coisas...” (SANTOS, 2004, p. 65).

5 Sobre as ações Santos explicita: “As ações resultam de necessidades, naturais ou criadas. Essas necessidades:

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bem desenvolvido, apoia-se nos conceitos de produção do espaço e produção da natureza. Eis uma breve citação da proposição teórica do autor sobre os conceitos em voga:

A natureza geralmente é vista como sendo precisamente aquilo que não pode ser produzido; é a antítese da atividade produtiva humana. Em sua aparência imediata, a paisagem natural apresenta-se a nós como o substratum material da vida diária, o domínio dos valores-de-uso mais do que como o dos valores-de-troca. Como tal, ela é altamente diferenciada ao longo de qualquer número de eixos. Todavia, com o progresso da acumulação capitalista e a expansão de capital e a expansão do desenvolvimento econômico, esse substratum material torna-se cada vez mais o produto social, e os eixos dominantes de diferenciação são crescentemente sociais. Em suma, quando essa aparência imediata da natureza é colocada no contexto histórico, o desenvolvimento da paisagem apresenta-se como um processo de produção da natureza (SMITH, 1988, p.67).

A menos que o espaço seja conceituado como realidade completamente separada da natureza, a produção do espaço é um resultado lógico da produção da natureza (SMIITH, 1988, p.109).

Desta forma vemos que ao promover a conceituação “produção da natureza” bem como o de “produção do espaço”, Smith (1988, p.67) traça um percurso para compreender o desenvolvimento desigual, este passível de ser perceptivo por meio do desenvolvimento da paisagem. Ao versar sobre esta seara, consegue obter um panorama mais integrador sobre a totalidade dos eventos na processualidade das atividades humanas.

As proposições feitas neste capítulo revelam o caráter primordial dado à categoria trabalho, este sendo entendido como fundante do ser social, e somente por meio dele que se efetua a insuprimível interação com a natureza. Portanto, temos que o trabalho é o resultado do por teleológico do ser social, capacitando-o a realizar ações conscientemente, e desta forma, diferenciando-se de outras espécies animais.

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2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO DE NATUREZA

Com o intuito de compreender a historicidade das concepções de natureza no desenvolvimento histórico da humanidade, vemos a importância em elencar elementos que contribuam para o entendimento da interação homem/natureza e das possíveis formas de interpretação, e nesse sentido, a periodização torna-se uma ferramenta fundamental. As formas de periodização podem variar segundo os critérios adotados pelos autores, ou seja, a partir da escolha de determinadas variáveis, podem-se obter diferentes periodizações sobre o mesmo tema. Somente a título de exemplo, poderíamos destacar as interpretações dadas por Arrighi e Hobsbawm sobre o mesmo século6.

Um exemplo de periodização nos é oferecido por Ivan Domingues (1991). O autor com o propósito de interpretar as diferentes formações discursivas na fundamentação das Ciências Humanas, partindo do método hermenêutico e limitando sua investigação a Modernidade, elenca três estratégias discursivas adotadas no período: essencialista; fenomenista e a estratégia histórica. Porém ao refletir sobre as divisões da arqueologia das ciências humanas, o autor o divide em quatro idades7: cosmológica, teológica, mecânica e histórica, sendo as duas últimas pertencentes à Modernidade.

Quadro 1: Esquema de Periodização proposta por Domingues8 HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS

Antiguidade clássica Idade média Modernidade

Mito das sociedades primitivas Idade cosmológica Idade teológica Idade mecânica Idade histórica Séc. XVII – estratégia essencialista Séc. XVIII – estratégia fenomenista Séc. XIX – estratégia histórica Elaboração: Silva, 2011.

Corroborando sobre a importância da periodização, Robert Lenoble (1969), ao adentrar mais especificamente nas concepções de natureza, contribui para compreender que os significados de natureza possuem uma historicidade, ou seja, a conceitualização de natureza

6 Arrighi, G. O longo século XX: dinheiro poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro. Contraponto;

São Paulo. Editora Unesp, 1996 e Hobsbawm, E. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. - São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

7 Na verdade são cinco idades, porém em relação às sociedades primitivas, o autor não se propõe a discuti-la. 8 A obra “O grau zero do conhecimento: o problema da fundamentação das ciências humanas” surge da

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mudaria juntamente com as concepções de mundo desenvolvidas pelas sociedades. Desta forma, poderiam ser observadas na história da humanidade distintas concepções de mundo e, consequentemente, distintas ideias sobre a natureza.

Não encontramos senão uma ideia de natureza, que toma sentidos radicalmente diferentes segundo as épocas e os homens. É bom, pois, que tentemos apreender estas significações diversas que a ideia de natureza tomou no decurso das idades (LENOBLE, 1969, p.17).

Assim Lenoble (1969) focaliza sua análise desde uma natureza mágica, onde as interpretações são dadas pelo mito, até o século XVII, momento em que a natureza será pensada dentro de uma perspectiva mecanicista. O autor, a partir da análise de obras e autores creditados como significativos dentro história da humanidade nesse período, discorre sobre as transformações efetuadas sobre a ideia de natureza.

Outra postura de periodização é a pesquisa9 feita por Barbosa (2006), na qual inicia sua análise a partir da modernidade, ou seja, quando a natureza é entendida de forma mecânica, mesmo momento em que a construção da Ciência Moderna é desenvolvida, e Galileu é nomeado como fundador.

Ao delimitar períodos, Barbosa (2006) o faz em dois grandes momentos. No primeiro, traça uma periodização elencando pensadores que foram significativos para o pensamento científico, bem como as correntes de pensamento produzidas por estes autores, como, por exemplo, o evolucionismo e a corrente literária romântica alemã, corrente esta que influenciará os primeiros geógrafos da chamada Geografia Moderna, Humboldt e Ritter. No segundo momento, a partir das bases teóricas já explicitadas, o autor verificará os desdobramentos da Ciência Geográfica, especificando as interpretações sobre Natureza a partir das chamadas escolas Geográficas.

Ao propor uma classificação sobre as ideias de natureza, Henrique (2004) elencou três momentos – A Natureza e o Homem; O Homem e a Natureza e o Homem e o Território –, sendo estes subdividos em cinco períodos, nos qual as variáveis explicativas estavam atreladas aos recursos técnicos; à cultura e à economia. O autor ressalta que as categorias trabalho e produção foram primordiais para o entendimento das ideias de natureza na história da humanidade. O quadro síntese feito pelo autor mostra a periodização.

9Em sua dissertação, ao avaliar o conceito de natureza por meio das análises dos discursos dos livros didáticos

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Quadro 2 - Esquema da periodização das ideias e conceitos de natureza para o Mundo ocidental – uma tentativa

Momento História Período Concepção de Natureza Representação da Natureza Recursos Técnicos Cultura

Aspecto Dominante da Relação Homem – Natureza Economia

Idade Antiga Clássico Mito Literatura Irrigação helênica Contemplação Valores de uso

A Natureza

e o

Homem Idade Média Teológico Divina Bíblia Arado teológica Temor Valores de uso Idade Moderna Descobrimentos Fisicoteológica Mecânica Xilografura Pintura Caravela, Balão Dominação

O Homem e a Natureza Idade

Contemporânea Incorporação Recurso

Fotografia

Litografura Automóvel, Avião

Marítima comercial

rural Incorporação

Valores de troca O Homem e o Território Idade

Contemporânea Produção Artifício Imagem Orbital Satélite Urbana Produção Valores de troca

Organização e Elaboração: Henrique, 2004.

A partir de algumas exemplificações aqui colocadas sobre as formas de periodização, optou-se em expor uma que, minimamente contribua para o entendimento da concepção de natureza na história da humanidade. Dividindo-a em três grandes momentos, sendo eles:

Da concepção mítica à divinização da natureza. Período que se inicia com as chamadas sociedades primitivas e terá o seu término no medievo, onde, no primeiro momento as explicações dos fenômenos serão dadas através do mito, e posteriormente ganharão um caráter teológico, baseadas em um homem pecaminoso e as explicações da natureza serão respaldadas por meio das escrituras sagradas. Intermediando este longo período, haverá a busca de outra racionalidade para a apreensão do mundo, emergindo assim a filosofia grega e com ela a ideia de physis.

Renascimento: entre o velho e o novo. Momento este compreendido como um processo transitório para a modernidade, no qual as interações entre o homem e a natureza serão permeadas pelo misticismo e pelo prelúdio de uma cientificidade.

Do Pensar ao fazer: A Mecanização da Natureza, período no qual se inaugura e se consolida a filosofia mecanicista, emergindo a concepção de uma natureza-máquina na qual as bases explicativas para o seu entendimento se dará por meio da ciência moderna.

Dentro do contexto da Modernidade presenciaremos outras correntes de compreensão que influenciarão nos significados da ideia de natureza, sendo elas o romantismo, e a ideia de natureza organicista, esta baseada nas proposições feitas por Darwin.

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deve-se ter em monta que as visões de mundo, as ideologias sobre a natureza estão intrinsecamente ligadas às relações sociais de produção que a permeiam.

2.1 Da concepção mítica à divinização da natureza

Nas chamadas sociedades primitivas a contemplação e a temeridade serão as bases explicativas para a compreensão da realidade, na qual se estabelecerá uma relação mítica com a natureza.

O mito é uma narrativa que pretende explicar, através de forças ou seres considerados superiores aos humanos, a origem, seja de uma realidade completa como o cosmos, seja de partes desta realidade; pretende também explicar efeitos provocados pela interferência desses seres ou forças. Tal narrativa não é questionada, ela é objeto de crença e fé; nessa medida se refere à religião, ao místico. Entretanto, o mito apresenta uma espécie de comunicação, de um sentimento coletivo; é transmitido através de gerações como forma de explicar o mundo, explicação que não é objeto de crítica ou discussão, ela une e canaliza as emoções coletivas, tranquilizando o homem num mundo que o ameaça. É indispensável na vida social, na medida em que fixa modelos da realidade e das atividades humanas (ANDERY, et al, 1998, p. 22).

Imersa em uma concepção mágico-mítica, a natureza apresenta-se neste período como fonte inesgotável de mistérios e obstáculos, na qual as bases explicativas serão permeadas por um caráter animista e a natureza receberá projeção de características humanas. Com isso “[...] os fenômenos naturais ganham atributos que a rigor, deveriam se circunscrever ao âmbito humano: amor, ódio, compaixão etc., quase sempre sob a forma de postura adotada por potências divinas” (DUARTE, 1986, p.15).

O trovão não possui caráter próprio, não constitui um facto no sentido moderno da palavra. Trovão: dardo de Zeus. E vulcão: sopro de Vulcano. Vê-se bem que o mar se altera sob a acção do vento; mas Éolo é um deus e apenas provoca a tempestade para servir a sua cólera ou para ajudar um protegido atrasando seu inimigo (LENOBLE, 1969, p.55).

Será com os filósofos denominados de pré-socráticos que teremos a transição da explicação dos fenômenos não mais somente pelo mito, mas em outra racionalidade. “Esses pensadores, apesar das diferenças nas explicações por eles elaboradas, caracterizam-se por iniciar uma nova forma de ver o mundo – suas explicações constituíram-se no primeiro momento de ruptura com o mito” (ANDERY; MICHELETO; PIRES SÉRIO, 1988, p. 40).

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legado oferecido pelo conhecimento teórico produzido pelos gregos, terá um modelo teórico explicativo no qual poderia ser chamado, segundo Vargas (1996), de um processo de “matematização da natureza”. Uma significativa evidência desse processo revela-se na figura de Pitágoras, este acreditava que o universo e todos os seus fenômenos eram formados pelo número.

As teorizações sobre a phisys foram se desenvolvendo e ganhando novas

interpretações. Ainda segundo Vargas (1996, p.250), Platão ao tratar a natureza, na obra Timeo, assumirá a posição pitagórica. Já para Aristóteles a ideia de physis era a das formas das coisas que se movem, ou seja, a natureza era dotada de animação, tendo assim de um movimento autônomo, visando uma finalidade.

Com a Física aristotélica inaugurou-se um tipo de teoria sobre a natureza,

organizada logicamente, mas na qual a matemática está ausente. No Timeo

de Platão há uma visão matemática pitagórica da natureza, mas essa é pura

contemplação (VARGAS, 1996, p.251).

As contribuições dos gregos são comumente aceitas como uma das mais significativas para o pensamento ocidental, tornando-se o tipo dominante da história humana, podendo-se qualifica-lá como aquilo que Lenoble (1969, p. 53) chamou de um “milagre grego”.

Porém, com a ascensão do cristianismo, características outras estarão presentes nos modelos explicativos para a compreensão dos fenômenos. Diferentemente da produção intelectual produzida com a filosofia grega, no pensamento teológico, a natureza será vista como obra e criação de Deus e as relações que se dão entre homem e a natureza serão explicadas e intermediadas somente por Ele.

Com o objetivo de obter pressupostos racionais para justificação da então concepção teológica, houve uma readequação da filosofia de Platão e Aristóteles aos princípios da fé cristã, a partir das interpretações de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino.

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desenvolvimento do conhecimento; Santo Tomás de Aquino pode ser citado como exemplo disto (RUBANO; MOROZ, p. 135, 1988).

Evidencia-se uma rigidez na compreensão da natureza, pois, por mais que as filosofias platônica e aristotélica contribuíssem para uma racionalidade quanto às verdades10, se Deus criara o mundo, logo especular sobre ele é duvidar do próprio criador, ato impensado e não condizente para os padrões do momento. Esta ideia de natureza, baseada principalmente no pressuposto aristotélico, o qual foi utilizado para oferecer subsídios racionais para a concepção teológica da natureza, chega praticamente inalterado até o renascimento.

2.2 Renascimento: entre o velho e o novo

É no renascimento, este entendido como um momento de transição para a modernidade11, no qual eventos significativos ocorrem, – fragmentação da sociedade feudal; (re)abertura do comércio; consolidação das monarquias nacionais; expansão marítima – fomentam uma nova visão de mundo e por consequência, reações contrária as ideias propagadas no período teológico.

Não se tratava mais de “descortinar” uma natureza “recém inventada”, como no caso dos antigos gregos, mas de superar a concepção greco-medieval de uma natureza que, embora há muito conhecida, estava completamente “desafinada” em relação às novas exigências que cresciam entre os desafetos da sociedade feudal, particularmente na nascente burguesia (CARVALHO, 1991. p.99).

Em relação a esse momento, Pereira e Gioia (1988) citam que em sua fase inicial houve uma espécie de vazio intelectual, pois, ao propor uma erradicação da concepção do mundo medieval, “[...] levou a um período impregnado de misticismo, de suposições grosseiras, de credulidade meio cega, de crença irracional na magia" (PEREIRA; GIOIA, 1988, p.170). Lenoble (1969) afirma que com o abandono da sistematização feita por Aristóteles, a filosofia e a ciência não apresentam qualquer progresso, como se encontram em regressão a teses animistas e mágicas. Quanto aos pensadores da época, ainda Lenoble ressalta:

10 A palavra verdade é utilizada aqui como sinônimo de fenômenos, palavra que se adequa a concepção teológica

do entendimento da natureza.

11 Marilena Chauí revela a problemática de situar o nascimento do pensamento moderno e o caráter ilusório

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[...] que amaram apaixonadamente a Natureza, que se viraram para ela com uma curiosidade infinita. Mas abandonaram a única regra que fora até então proposta para compreender, a de Aristóteles e dos escolásticos, e não encontraram outra para substituir. Assim sendo, seu amor pela Natureza, muito embora bastante para criar uma literatura e uma arte, perde-se, na ciência, em devaneios surpreendentes. Amaram a Natureza, não a conheceram (LENOBLE, 1969, p. 234).

Ao adentrar nas contribuições científicas da renascença, Koyré (1982) afirma o caráter paradoxal que representa esse período, pois ao mesmo tempo em que colocou fim a filosofia aristotélica – o grande trunfo do renascimento segundo o autor –, a ausência de um modelo teórico para substitui-lo conflagrou uma mentalidade de mundo onde “tudo é possível”. Esta

aventura do “tudo é possível” convergiu não somente em uma época dotada “[...] da mais

grosseira e mais profunda superstição, da época em que a crença na magia e na feitiçaria se expandiu de modo prodigioso, infinitamente mais do que a Idade Média” (KOYRÉ, 1982, p.47), como também produziu o seu reverso. Mesmo se processando a margem do espírito renascentista – este marcado pela supervalorização das letras e das artes –, a evolução do conhecimento científico se fez presente por meio de traduções12 de obras gregas que influenciaram o desenvolvimento cientifico do período posterior.

As palavras de Bernal (1969) sobre esse período sintetizam o que representou para o renascimento o conhecimento científico, e como este ofereceu os subsídios necessários para a consolidação da ciência como modelo para as explicações da realidade.

No domínio das ideias, a primeira fase da Revolução científica foi fundamentalmente destrutiva, embora ilumine uma hipótese construtiva brilhante: a de Copérnico. Mas não era só na astronomia, era em muitos ramos do saber – na anatomia, na química – que as antigas maneiras de pensar se revelavam inadequadas e insatisfatórias. Os homens do Renascimento, apesar de não terem encontrado soluções para a maioria dos problemas que levantaram, tiveram o mérito, pelo menos, de abrir o caminho para a sua solução durante a grande luta de ideais do século seguinte (BERNAL, 1969, p.405-406).

Um misto de superstição permeado por indícios de um cientificismo nas explicações da realidade que, gradativamente redirecionava as teses ligadas à ideia de natureza atrelada na

12 “Os grandes textos científicos gregos que desconhecidos ou mal conhecidos, na época anterior, são traduzidos,

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centralidade de uma divindade cristã, estas serão as grandes marcas do renascimento, que de forma definitiva abrirão as portas para a modernidade.

2.3 Do pensar ao fazer: a mecanização da natureza

Como já afirmado anteriormente ser a cronologia um critério ilusório (CHAUÍ, 1987), o mesmo pode ser dito quanto à eleição de autores que poderiam representar um determinado período. Por isso, ao mesmo tempo em que se vislumbra uma dificuldade de demarcar o início da modernidade, a tarefa torna-se também emblemática ao elencar os seus possíveis representantes.

Para muitos estudiosos, o século XVII marca o início da modernidade. É por volta deste século, que teremos a consolidação da astronomia copernicana e da física de Galileu, e concomitantemente, ver-se-á a constituição de um novo padrão de racionalidade fundado nas matemáticas. Observa-se o nascimento da scientia nova, esta profundamente ligada à técnica,

e na qual o seu objetivo, segundo Descartes e Bacon, é oferecer os meios teóricos para que o homem se converta finalmente em senhor e possuidor da natureza (DOMINGUES, 1991, p. 33).

Para Japiassu (1991) o século XVII representa o momento da gênese da filosofia mecanicista, onde todos os fenômenos naturais deveriam ser explicados a partir do movimento, sendo a ciência a detentora dos meios para interpretar os mecanismos dessa complexa máquina que é a natureza.

A metáfora que serve para a base a essa filosofia [mecanicista] é a da máquina: em seu conjunto, o mundo se apresenta como uma espécie de sistema mecânico, vale dizer, como uma gigantesca acumulação de partículas agindo umas sobre as outras, da mesma forma que as engrenagens de um relógio. O objetivo da ciência é definido: qualquer que seja o fenômeno estudado, trata-se de elucidar certo número de elementos últimos e descobrir as leis que presidem às suas intenções. A natureza é uma máquina complexa, na qual a matéria e a energia, cooperando e interagindo de diversos modos, desempenham um papel de constituintes últimos (JAPIASSU, 1991, p.93).

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da natureza pelo homem, que culminando com a consolidação da classe burguesa, reafirmará também a exploração do homem pelo próprio homem.

Cabe ressaltar as figuras de Bacon e Descartes. Esses autores ofereceram um arcabouço teórico e readequaram a filosofia cristã aos propósitos da filosofia mecanicista; o primeiro ao acreditar que por meio da ciência conseguiríamos a aproximação do paraíso perdido na Terra, e o segundo ao encontrar um lugar para o espírito em um mundo mecânico. Se Deus anteriormente era o elo explicativo para o entendimento da natureza, agora o criador é colocado como o Engenheiro do mundo, e a aproximação com ele se faz também por meio

do entendimento dos mecanismos que regem a natureza, e é por meio da ciência que se efetua essa aproximação, como nos mostra Lenoble (1969):

Vemos Bacon e Descartes concederem-se, através do próprio Deus, credenciais para a conquista do mundo. A conclusão do novum Organum anuncia, um canto de triunfo, uma nova redenção. No Paraíso terrestre, Deus dera já ao homem o domínio sobre a Natureza. [...] O homem, escreve Bacon “ao cair do seu estado de inocência, deixou-se destronar da sua soberania sobre as criaturas. Pode recuperar em parte ambas as coisas nesta vida: a inocência através da religião e da fé, a soberania aqui em baixo através das artes (das técnicas) e da ciência”. Da mesma forma, para Descartes, neste mundo, que é na sua essência mecanismo, extensão, geometria, Deus instalou o homem feito sua imagem, como o representante de uma outra essência, infinitamente mais digna que a primeira: o pensamento. A alma serve-se do corpo como o piloto do seu navio, para dirigir; e a bordo da nave do mundo, por si vazio de intenção e de finalidade, o homem é piloto através do qual o mundo pode servir o plano de Deus. Mas para isso há que se aprender a maneja-lo.

Também pela primeira vez, uma visão mecanicista da Natureza faz-se passar por uma aliada da teologia (LENOBLE, 1969, p.266-268).

Contudo não se pode restringir o pensamento desses autores a somente isso. Para Francis Bacon, o conhecimento científico deveria providenciar o bem-estar da humanidade e isto somente seria obtido a partir do controle sobre a natureza. Deste modo, haveria a necessária subjugação da natureza pelo homem que se efetuaria a partir do domínio das leis que a regem.

A partir do pensamento produzido por Descartes – que tem em sua maior obra O

discurso do método –, obteve-se um método13 seguro e capacitado para chegar a

13 Descartes indica quatro preceitos metodológicos no Discurso do Método:

“O primeiro consistia em jamais aceitar como verdadeira coisa alguma que eu não conhecesse à evidencia como tal, quer dizer, em evitar, cuidadosamente, a precipitação e a prevenção, incluindo apenas nos meus juízos aquilo que se mostrasse de modo tão claro e distinto a meu espírito que não substituísse dúvida alguma.

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conhecimentos verdadeiros, estes atrelados à ciência e contribuindo assim para o controle da natureza. É o que nos apresenta o próprio Descartes:

Adquiri, porém, algumas noções gerais de física e, ao principiar a experimentá-las em diferentes dificuldades particulares, observei até que ponto eles podem levar e quanto são diferentes dos princípios de que até o momento nos temos utilizado, acreditei que não podia mantê-las escondidas sem grave infração da lei que nos obriga a buscar, tanto quanto isso esteja em nossa dependência, o bem geral de todos os homens. Elas me fizeram enxergar que é possível adquirir conhecimentos muitos úteis para a vida e que, em lugar dessa filosofia especulativa que se ensina nas escolas, pode-se encontrar uma filosofia prática pela qual, conhecendo a força e a ação do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos rodeiam, tão distintamente quanto conhecemos os diferentes ofícios de nossos artifícios, fosse-nos possível aplica-los do mesmo modo a todos os usos a que se prestam, fazendo-os como senhores e possuidores da natureza (DESCARTES, 2010, p.44).

Bacon e Descartes produziram duas grandes orientações metodológicas e conferiram novos padrões para o pensamento moderno. O primeiro ao propor que a partir do método empírico, este sendo o único capaz de oferecer o contato com a natureza, o homem poderá se utilizar das forças da natureza para proveito próprio. E Descartes, iniciando o racionalismo moderno, confere um método eficaz para a verificação da certeza cientifica. Esses pensadores, cada qual com sua contribuição, promoveram as bases filosóficas para o desvencilhamento de uma natureza eminentemente respaldada em preceitos divinos e rodeadas de mistérios para uma natureza mecânica, passível de ser manipulada e conflagrando o homem como senhor e possuidor da natureza.

Outro grande contribuinte para o pensamento moderno é Galileu Galilei14 (1564-1642) que, a partir das análises feitas por Copérnico e Kepler corroborou novas formas de interpretação dos fenômenos as quais divergiam das teses aristotélicas, estas condizentes com a doutrina oficial da igreja. Ao abordar sobre a natureza Galileu afirma ser esta “escrita” matematicamente, logo passível de ser lida e interpretada, sendo desta forma suscetível à formulação de “leis”. Esta nova forma de investigação proposta a partir de uma linguagem matemática seria capaz de auferir condições para consagrar outras bases para a explicação sobre os fenômenos da natureza, e assim:

O terceiro, pôr ordem meus pensamentos, começando pelos assuntos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos para atingir paulatinamente, gradativamente, o conhecimento dos mais complexos, e supondo ainda uma ordem entre os que não se precedem normalmente uns aos outros.

E o último, fazer, para cada caso, enumerações tão exatas e revisões tão gerais que estivesse certo de não ter esquecido” (Descartes, 2010, p.18).

14 Para uma análise pormenorizada da revolução cientifica produzida por Galileu ver KOYRÉ (1982) em

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Pôs de lado o finalismo aristotélico e escolástico, segundo o qual tudo aquilo que ocorre na natureza ocorre para cumprir os desígnios superiores; e mostrou que a natureza é fundamentalmente um conjunto de fenômenos mecânicos, tal como afirmou Demócrito na antiguidade. Demonstrou o engano do espírito puramente lógico e dedutivo da filosofia aristotélico-escolástica, quando aplicado à explicação dos fenômenos físicos. E mostrou finalmente, que “o livro da natureza está escrito em caracteres matemáticos” e que “sem um conhecimento dos mesmos, os homens não poderão compreendê-lo” (PESSANHA, 1978, p.98).

Em suma, se rotularmos o século XVII, veremos que este reuniu um grupo de pensadores que de certa forma originaram as bases para a filosofia mecanicista e diluíram as teses de uma natureza divinizada, promulgando a concepção de uma natureza máquina. A relação natureza-homem-Deus recebe uma reorientação – tanto metodológica como ideologicamente –, pois as relações então conflagradas pela ascensão da burguesia nascente exigem um novo pensamento sobre natureza, esta não mais incorruptível, tornando-a acessível aos desígnios do homem da modernidade. Porém, o triunfo da filosofia mecanicista que se iniciara no século XVII terá sua síntese concluída por Newton, que marcará o século posterior.

Ao sintetizar e sistematizar as formulações feitas por seus antecessores, Newton contribui para a consolidação de uma natureza-mecânica (CARVALHO, 1991), esta pensada a partir da lei da gravitação universal e assim conferindo uma proposta não cogitada até então: a de se pensar o movimento de forma analítica e definida a partir de equações matemáticas15.

Contudo, para Bernal (1969), as colaborações feitas por Newton não se deram somente com a destruição final da imagem aristotélica de mundo, esta iniciada com Copérnico. Com o sistema newtoniano, permitia-se um distanciamento cada vez maior entre Deus e os fenômenos da natureza, pois “[...] Deus já não aparecia agora com clareza em todos os eventos celestes e terrenos, mas apenas num acto geral de criação e organização inicial do conjunto” (Bernal, 1969, p.484), sendo que desta forma, cada qual com suas atribuições, ciência e religião caminhariam por seus caminhos16. O autor ainda enfatiza que as

15 O instrumento de que Newton se serviu para tal fim [para a formulação sobre a gravitação] foi o cálculo

infinitesimal, ou, como ele lhe chamou, o método das fluxões (o fluir regular de uma função contínua). Este era a culminação do trabalho de muitas gerações de matemáticos, desde os precursores babilônicos, através de Eudoxo e de Arquimedes; no século XVII desenvolveu-se rapidamente através do trabalho de Fermat e Descartes, e assumiria a forma que hoje conhecemos com Leibniz (1646-1716). (BERNAL, 1969, p.481-482).

16 Sobre o tema em especifico convém aqui uma ressalva. Mesmo havendo um distanciamento entre o

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formulações elencadas por Newton, na qual estabeleceu um ponto de vista dinâmico para o

universo estavam em:

[...] harmonia inconsciente com o mundo econômico e social do seu tempo, em que a iniciativa individual, onde cada homem tinha de merecer o que ganhava, estava a substituir a ordem hierárquica dos períodos clássicos e feudal, onde cada homem conhecia o seu lugar.

Além destas realizações concretas, o trabalho de Newton, em si a floração final de um século de experiências e cálculos, ofereceu um método seguro que podia ser utilizado pelos cientistas em épocas posteriores (BERNAL, 1969, p.487).

Os séculos XVII e XVIII presenciaram o surgimento e a consolidação do ideal da filosofia mecanicista e os desdobramentos por ela efetuados foram significativos, segundo Japiassu (1991), para a emergência de uma civilização técnica, esta permeada pela então ciência moderna que, pautada na experimentação, opõem-se ao sobrenatural e ao místico quando na explicação dos fenômenos; a racionalização tecnológica do espaço que a partir de um número cada vez maior de elementos técnicos (máquinas) produziram novas formas e normas para o espaço.

Ao findar do século XVIII o ideal da filosofia mecanicista estava demarcado, e a representação desse legado será substanciado pela revolução industrial. Não obstante ao cenário de transformações sociais advindas não só da revolução industrial como também da revolução francesa, surge interpretações outras para a concepção de natureza, sendo elas a concepção organicista e a romântica.

2.4 A natureza organicista

Com as transformações advindas da revolução industrial e francesa, revoluções estas que representaram no plano econômico a afirmação do capitalismo industrial como modo de produção dominante, e no plano político a busca do rompimento com o antigo regime. No tocante a essas transformações, deve-se salientar que estas representaram a definitiva consolidação da burguesia enquanto classe detentora não só dos meios de produção, como também do poder político.

No seio destas mudanças, o século XIX será marcado por um progressivo aumento da ciência enquanto modelo explicativo dos fenômenos. Nas palavras de Gomes (1996, p.85)

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“Era como se a ciência, depois da agitação causada pela filosofia do século precedente [das Luzes], tivesse reencontrado seu lugar definitivo; a acumulação e a ampliação do conhecimento científico eram agora o objetivo principal”.

No tocante a essas transformações constata-se o surgimento de novos paradigmas sobre a conceituação da natureza, cuja seara de contribuintes encontra nomes significativos, como por exemplo, Darwin, que por meio de sua teoria da origem das espécies, promove um novo embate sobre a concepção de natureza.

Embora Darwin tenha concluído pela primeira vez que as espécies de organismos vivos não são um encadeamento fixo de tipos permanentes, a gênese de uma possível história da natureza vem anteriormente aos seus trabalhos. Carvalho (1991) afirma que desde o século XVI vários estudiosos admitiam a ideia de uma natureza evolutiva, dentre os quais podem ser citadas as figuras de Georges Buffon, Erasmus Darwin como também Jean Baptiste Lamark. Carvalho (1991) ressalta ainda que diferentemente de seus antecessores, Charles Darwin coloca a público suas teses em um ambiente favorável, pois:

Para a sociedade burguesa de meados do século XIX, nada seria mais conveniente do que a “descoberta” de uma “natureza- liberal”, isto é, resultante de um lento progresso evolutivo, onde na luta pela existência, os mais fortes e mais bem adaptados sobreviveriam, ao passo que os mais fracos desapareceriam, via “seleção natural”, como em síntese defendia a tese darwinista. (CARVALHO, 1991, p.121) [grifo nosso].

A teoria da evolução promulgada por Darwin não só afastou as interpretações anteriores sobre uma natureza máquina, dotando-a de uma história, bem como foi utilizada para corroborar as teses liberais do capitalismo industrial, na qual colocaria a burguesia “naturalmente” no seu posto hierárquico de comando diante da classe proletária. A teoria de Darwin de certa forma respaldava os anseios da sociedade capitalista com o intuito de legitimar a “vocação natural” que os homens possuem para concorrerem entre si. As possíveis aproximações sobre a lei da seleção natural propostas pela teoria da evolução com as leis econômicas, tornam-se desta forma, ideologicamente interessantes às classes hierarquicamente dominantes.

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espécies. Ainda para o autor, a irradiação das teses evolucionistas no seio acadêmico bem como a apropriação desse temário à Geografia, proporcionou “uma base científica sólida” para suas inquirições, cuja contribuição revelou-se na metodologia naturalista, presente na proposição dos primeiros geógrafos como também nos seus sucessores (Moraes, 2007, p. 56). A fim de compreender as relações entre a natureza e sociedade, a teoria evolucionista promulgada por Darwin, ofereceu um legado científico no qual, segundo Gomes (1996, p. 86), promoveu a substituição da imagem de uma natureza e sociedade máquina que dominou o século XVIII, influenciada pela física, pela imagem de um sistema orgânico onde a semelhança era tirada da dinâmica biológica.

2.5 O romantismo

Dentro da esfera racional do entendimento dos fenômenos contextualizado pelo século das Luzes, cuja ciência era o determinante para a compreensão da natureza, segundo Gomes (1996, p.94/95), haverá reações críticas quanto a esse modelo de racionalidade, originando contraposições sendo uma delas a corrente romântica.

Segundo Kawana. (2006, p.12) o romantismo se apresenta como uma reação às concepções de natureza apresentadas no século XVIII, onde o “aspecto sentimental não pode ser negligenciado, pois faz parte do que somos”. O racionalismo presente neste período busca ajustar o homem e os eventos a um modelo preestabelecido e isto seria segundo a autora uma violência. Outra extensão presente na crítica dos românticos é que a concepção de natureza da ciência restringiria a “[...] liberdade e transformaria a natureza e a própria constituição humana em tiranias”. De acordo com a autora, para os românticos:

[...] o ser humano possui características únicas, individuais que devem ser apreciadas e afirmadas. Eles aceitam o fato de que a natureza seja determinada, mas isso não significa que estejamos totalmente submetidos a ela. Nossa capacidade expressiva manifesta nossa liberdade, não é necessário que nos adaptemos a um modelo externo e universal que seria obrigatoriamente válido para todos, mas cada um poderia criar seu próprio ideal e viver de acordo com ele. Temos, finalmente, a passagem da concepção de mundo clássica para um mundo fragmentado entre os indivíduos que o compõe, no qual podem existir diferentes maneiras de considerar a natureza (KAZUE, 2006, p.12).

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próprio título de um dos capítulos da obra Cosmos “Dos graus de prazer que a contemplação da natureza pode oferecer”, demonstra o apelo à compreensão dos fenômenos pelo viés proposto pela corrente romântica (MORAES, 2007).

Barbosa (2006) relata que as observações propostas por Humboldt sobre a paisagem, ou seja, da própria natureza, seriam marcadas por um valor subjetivo, cuja influência está diretamente ligada ao contexto do romantismo germânico. O autor enfatiza que uma das grandes influências da corrente romântica seria a do poeta e filósofo Friedrich W. J. Schelling (1775-1854), “[...] o qual considerava a natureza suficientemente capaz de ser natureza, ou seja, a natureza é por si uma força poderosa, uma força objetiva, da qual devemos partir e retornar a mesma de forma espiritualizada” (BARBOSA, 2006, p.75).

Para Gomes (1996, p.152), haveria outras influências sobre o pensamento de Humboldt, no qual estaria permeada a sua concepção de natureza e assim evidenciaria seu caráter eclético. Humboldt se caracterizaria também pela afinidade com os enciclopedistas, bem como na identificação da importância de Buffon no entendimento de uma natureza como um conjunto orgânico, e ainda, de Diderot na cadeia explicativa e Voltaire na concepção de causalidade histórica. Ainda para o autor o próprio ecletismo de Humboldt sofreria um arrefecimento diante da enormidade de críticas promovidas ao movimento romântico na primeira metade do século XIX, principalmente pela ciência positivista nascente. Ainda sim a dualidade na obra Cosmos feita pelo geógrafo alemão se apresenta nitidamente quando das proposições à apreensão da natureza.

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