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A extensão dos efeitos da celebração de Acordo de Leniência com o CADE perante a administração pública

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Academic year: 2017

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

MARIANNA MENDES PEREIRA GOMES

A extensão dos efeitos da celebração de Acordo de Leniência com o CADE perante a Administração Pública

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

MARIANNA MENDES PEREIRA GOMES

A extensão dos efeitos da celebração de Acordo de Leniência com o CADE perante a Administração Pública

Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação da professora Patrícia Regina Pinheiro Sampaio, apresentado à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

A extensão dos efeitos da celebração de Acordo de Leniência com o CADE perante a Administração Pública

Elaborado por MARIANNA MENDES PEREIRA GOMES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à FGV DIREITO RIO como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Comissão Examinadora:

Nome da Orientadora: Patrícia Regina Pinheiro Sampaio Nome do Examinador 1: Mariana Villela

Nome do Examinador 2: Marcelo Rangel Lennertz

Assinaturas:

__________________________________________________ Patrícia Regina Pinheiro Sampaio

__________________________________________________ Mariana Villela

___________________________________________________ Marcelo Rangel Lennertz

Nota final:____

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TERMO DE COMPROMISSO DE ORIGINALIDADE

A presente declaração é termo integrante de todo trabalho de conclusão de curso (TCC) a ser submetido à avaliação da FGV DIREITO RIO como requisito necessário e obrigatório à obtenção do grau de bacharel em direito.

Eu, Marianna Mendes Pereira Gomes, brasileira, solteira, portadora da identidade nº 22376093-5, DETRAN-RJ, na qualidade de aluna da Graduação em Direito da Escola de Direito FGV DIREITO RIO, declaro, para os devidos fins, que o Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em anexo, requisito necessário à obtenção do grau de bacharel em Direito da FGV DIREITO RIO, encontra-se plenamente em conformidade com os critérios técnicos, acadêmicos e científicos de originalidade.

Nesse sentido, declaro, para os devidos fins, que:

O referido TCC foi elaborado com minhas próprias palavras, ideias, opiniões e juízos de valor, não consistindo, portanto PLÁGIO, por não reproduzir, como se meus fossem, pensamentos, ideias e palavras de outra pessoa;

As citações diretas de trabalhos de outras pessoas, publicados ou não, apresentadas em meu TCC, estão sempre claramente identificadas entre aspas e com a completa referência bibliográfica de sua fonte, de acordo com as normas estabelecidas pela FGV DIREITO RIO. Todas as séries de pequenas citações de diversas fontes diferentes foram identificadas como tais, bem como às longas citações de uma única fonte foram incorporadas suas respectivas referências bibliográficas, pois fui devidamente informado(a) e orientado(a) a respeito do fato de que, caso contrário, as mesmas constituiriam plágio.

Todos os resumos e/ou sumários de ideias e julgamentos de outras pessoas estão acompanhados da indicação de suas fontes em seu texto e as mesmas constam das referências bibliográficas do TCC, pois fui devidamente informado(a) e orientado(a) a respeito do fato de que a inobservância destas regras poderia acarretar alegação de fraude.

O (a) Professor (a) responsável pela orientação de meu trabalho de conclusão de curso (TCC) apresentou-me a presente declaração, requerendo o meu compromisso de não praticar quaisquer atos que pudessem ser entendidos como plágio na elaboração de meu TCC, razão pela qual declaro ter lido e entendido todo o seu conteúdo e submeto o documento em anexo para apreciação da Fundação Getulio Vargas como fruto de meu exclusivo trabalho.

Data: _____________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à minha avó Julieta, por todo o esforço que tornou possível a realização desse nosso sonho. Também a agradeço pelo apoio incondicional e por sempre estar ao meu lado. Você é o meu maior exemplo!

Ao meu avô Avelino (in memorian), que infelizmente não está presente nesse momento tão feliz da minha vida. Agradeço a ele, por todos os ensinamentos e valores que me foram passados. A saudade é grande!

Ao meu namorado Pedro Salgueiro, pelo seu companheirismo, apoio e suporte sempre que foi preciso nessa jornada, sendo responsável por grande parte desta realização. Fica aqui registrado, o meu muito obrigado!

Aos meus professores, pelo aprendizado ministrado ao longo destes cinco anos, principalmente à minha orientadora Patrícia Sampaio.

Ao Dr. Aluizio Napoleão de Freitas Rego Neto por toda a compreensão e apoio despendidos para a elaboração desse trabalho.

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RESUMO:

Através do presente trabalho, buscar-se-á analisar os efeitos e a extensão dos benefícios conferidos com a celebração do acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), principalmente no que se refere à garantia de imunidade quanto às sanções administrativas.

Nesse contexto, o presente trabalho procurará verificar se a celebração do acordo de leniência com o CADE extingue a ação punitiva da Administração Pública, ou seja, se nenhum outro ente da Administração Pública direta e indireta pode aplicar qualquer sanção administrativa à empresa leniente. Em outras palavras, se a imunidade prevista na Lei nº 12.529/2011 é restrita ao âmbito do CADE ou engloba toda a Administração Pública.

Esse estudo revela-se importante, pois a possibilidade de outro órgão, também integrante da Administração pública, aplicar sanções administrativas à empresa leniente, violaria o sistema punitivo da Administração Pública, visto que o mesmo deve ser analisado e interpretado de maneira uniforme e interligada, além dos incentivos para a celebração do citado acordo de leniência serem reduzidos significativamente, caso outros órgãos da Administração Pública possam aplicar sanções administrativas, como, por exemplo, a declaração de inidoneidade.

Portanto, a análise que será desenvolvida neste trabalho de conclusão de curso envolverá institutos e discussões presentes no Direito Administrativo e também no Direito Concorrencial Brasileiro, especificamente no que se refere aos benefícios garantidos com a celebração do acordo de leniência, instituto que foi criado para combater as práticas anticompetitivas colusivas.

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ABSTRACT:

This monograph will analyze the extent and the effects of the benefits relating to the execution of the leniency agreement between the leniency party and the Administrative Commission of Economic Defense (CADE), in particular with regard to the guarantee of immunity to administrative sanctions.

In this context, this monograph will verify if the execution of the leniency agreement with CADE will suspend the penalty imposed by the public administration, that is, if no other entity of direct or indirect public administration would be entitled to apply any administrative sanction to the lenient party. In other words, if the immunity provided in Law No. 12.529/2011 is restricted to the scope of CADE or encompasses the entire public administration.

The present analysis is important, because the possibility of another entity, also a member of the public administration, apply administrative sanctions to the lenient party, would violate the punitive system of public administration, due to the fact that it must be interpreted in an uniform and interconnected manner. Furthermore, the incentives for the execution of the leniency agreement will be reduced significantly, if other public administration may apply administrative sanctions, such as the declaration of disreputable.

Therefore, the analysis will be developed in this monograph will involve discussions and institutes under the Administrative Law and also under the Brazilian Competition Law, specifically with regard to guaranteed benefits with the execution of the leniency agreement, institute that was created to combat anti-competitive collusive practices.

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SUMÁRIO

RESUMO: ... 6

ABSTRACT: ... 7

SUMÁRIO ... 8

1. INTRODUÇÃO ... 8

2. CAPÍTULO I ... 10

2.1A Importância do Programa de Leniência no Combate aos Cartéis ... 10

2.2.O Instituto do Acordo de Leniência no Cenário Norte-Americano ... 14

2.3.O Programa de Leniência Brasileiro ... 16

2.3.1.A Proposta do Acordo de Leniência ... 19

2.3.2. Requisitos para a Celebração do Acordo de Leniência ... 20

2.4.A Efetividade do Programa de Leniência Brasileiro ... 21

2.4.1. Requisitos necessários para a efetividade dos programas de leniência ... 21

2.5.Transparência e Segurança no Programa de Leniência Brasileiro ... 23

3.CAPÍTULO II ... 24

3.1 Poder de Polícia da Administração Pública ... 24

3.2.A Celebração do Acordo de Leniência e os seus Efeitos ... 26

3.3. Princípio da Legalidade Estrita e Interpretação Gramatical ... 27

3.4. Definição jurídica de Administração Pública ... 29

3.5. Interpretação Analógica: o termo “Administração Pública” no artigo 87 da Lei 8.666. ... 30

3.6.Interpretação analógica: os efeitos do acordo de leniência na Lei Anticorrupção ... 33

3.7.Teoria dos Ordenamentos Setoriais ... 37

3.8. Interpretação do Sistema Punitivo da Administração Pública ... 40

3.8.1Incidência da Teoria das Autolimitações Administrativas e do dever de coerência ... 41

3.8.2.Princípio da Proibição de Comportamento Contraditório na Administração Pública ... 46

3.9. Comparação: Âmbito penal e Âmbito administrativo ... 51

4.CAPÍTULO III – Estudo de Casos ... 54

4.1.O Primeiro Acordo de Leniência Brasileiro ... 54

4.2.O Acordo de Leniência da Siemens ... 60

5.CONCLUSÃO ... 64

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1. INTRODUÇÃO

O cartel nada mais é do que um acordo entre concorrentes que pode ser firmado nos mais variados setores da economia. Esse acordo limita à livre iniciativa, gerando o aumento do poder de mercado das empresas cartelizadoras que, por sua vez, podem elevar os preços dos produtos acima do que seria encontrado na ausência de coordenação das decisões. Os consumidores, as demais empresas e o próprio governo, são compelidos a pagarem preços mais altos ou então a não consumirem esses produtos.

Neste contexto, os cartéis são sempre nocivos à eficiência de uma economia de mercado e são considerados por muitos como a mais grave das infrações anticompetitivas colusivas. O combate a essa prática, tornou-se, tanto no Brasil como no exterior, uma prioridade das autoridades concorrenciais, que veem o acordo de leniência como um efetivo instrumento de investigação à disposição.

Atualmente, a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, representa o diploma legal sobre a matéria em comento e é valido ressaltar que tal legislação trouxe mudanças ao instituto do acordo de leniência com o objetivo de aumentar a sua utilização e eficácia.

Sem ter a pretensão de esgotar as diversas controvérsias que o ramo do direito concorrencial introduziu no meio jurídico, o presente trabalho abordará se a celebração do acordo de leniência deve extinguir a ação punitiva da Administração Pública, ou seja, nenhum outro ente da Administração Pública direta e indireta pode aplicar qualquer sanção administrativa à empresa leniente ou se a imunidade prevista na Lei nº 12.529 deve ser restrita ao âmbito do CADE. Essa análise será feita levando em consideração o entendimento assente na doutrina sobre a interpretação do sistema punitivo da Administração Pública, com especial destaque ao princípio da proibição do comportamento contraditório.

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No Capítulo I será feita uma análise geral do instituto do acordo de leniência, incluindo considerações sobre (i) a origem deste instituto; (ii) as características do programa de leniência brasileiro; (iii) as alterações introduzidas com a edição da Lei 12.529/2011; (iv) a proposta do acordo de leniência; (v) os requisitos para a sua celebração; (vi) a sua importância (finalidade) no combate aos cartéis e, por fim, (vii)a efetividade do citado instituto.

No Capítulo II será examinado o disposto no caput do artigo 86 da Lei 12.529/20111, em especial à seguinte expressão: “poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública”. Para a análise dos efeitos da celebração do acordo de leniência perante a Administração será feito (i) um breve estudo sobre a definição jurídica do termo “Administração Pública”. Após, será desenvolvido nesse capítulo (ii) o exame da interpretação dada pela doutrina ao artigo 87 da Lei 8.666 com o objetivo de utilizá-la analogicamente. Serão analisadas também (iii) as principais características do acordo de leniência previsto na nova Lei anticorrupção, fazendo-se uma comparação entre essas características com aquelas do acordo de leniência estabelecido na Lei 12.529. Para corroborar a posição defendida, o presente trabalho desenvolverá (iv) a teoria das autolimitações administrativas e será estudado (v) o princípio que proíbe a adoção de comportamentos contraditórios na Administração Pública. Para a conclusão desse capítulo, haverá uma (vi) comparação sobre os efeitos da celebração do acordo de leniência no âmbito administrativo e no âmbito criminal.

Por fim, o Capítulo III

1 Art. 86 da Lei 12.529: “O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:”

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2. CAPÍTULO I

2.1 A Importância do Programa de Leniência no Combate aos Cartéis

Os cartéis representam uma infração à ordem econômica, na medida em que são acordos entre empresas concorrentes com o objetivo de fixar preços, quantidades produzidas, condições de venda, dividir mercados e/ou base de clientes.

Celso de Albuquerque Barreto e Nélson de Andrade Branco2 definem de forma clara

o que são cartéis analisando em especial seus objetivos. In verbis:

“[...] o cartel representa um acordo, um ajuste, uma convenção, de empresas independentes, que conservam, apesar desse acordo, sua independência administrativa e financeira. [...] o cartel tem como precípuo objetivo eliminar ou diminuir a concorrência e conseguir o monopólio em determinado setor de atividade econômica. Os empresários agrupados em cartel têm por finalidade obter condições mais vantajosas para os partícipes, seja na aquisição da matéria-prima, seja na conquista dos mercados consumidores, operando-se, dessa forma, a eliminação do processo normal de concorrência.”

A doutrina majoritária entende que há duas espécies distintas de cartéis. Existem os cartéis clássicos (hard core cartels) e os cartéis difusos (soft core cartels).

Os cartéis clássicos são acordos secretos entre competidores, com uma institucionalidade intrínseca e tem por objetivo a fixação de preços e condições de venda, a divisão de consumidores, a definição do nível de produção ou a tentativa de impedir a entrada de novas empresas no mercado. Por sua vez, os cartéis difusos são atos de coordenação entre empresas com objetivo similar ao do cartel clássico, mas de caráter eventual e não institucionalizado. É o caso de um grupo de empresas que decide reunir-se para coordenar um aumento de preço, em função de um evento externo que as afetou simultaneamente.

Passados os conceitos basilares sobre os cartéis, cabe ressaltar que essa infração à ordem econômica é vista pela comunidade antitruste como a mais nociva das infrações

2 BARRETO, Celso de Albuquerque; BRANCO, Nélson de Andrade

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concorrenciais3, pois geram apenas efeitos negativos, uma vez que há o aumento do poder de mercado de determinadas empresas, sem qualquer efeito positivo em termos de eficiência. Portanto, além de produzir aumento de preços, os cartéis reduzem consideravelmente os estímulos pela busca de inovação e eficiência no ramo prejudicado, acarretando prejuízos à sua competitividade e ao bem-estar dos seus consumidores.

Para demonstrar os graves prejuízos conferidos com a formação dos cartéis, segue trecho do Professor Fernando de Oliveira Marques, o qual também foi conselheiro do CADE4. In verbis:

“Em linhas gerais, os acordos entre concorrentes inviabilizam a própria economia de mercado, uma vez que as reações percebidas no mercado não são resultado da livre atuação das forças de mercado, mas resultam de um acordo que ofende profundamente as condições de atuação eficiente de mercado e sobretudo os consumidores, implicando em apropriação indevida de excedentes e foco de ineficiências econômicas.”

Corroborando o exposto até o momento, é válido citar um estudo feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) que estima que os preços em um mercado em que haja cartel são aproximadamente 10% (dez por cento) superiores àqueles praticados em um mercado competitivo e que os prejuízos para a sociedade decorrentes de práticas dessa natureza giram em torno de 20% do que as empresas infratoras faturam no mercado relevante5.

Diante dos efeitos nocivos das práticas cartelizadoras, o combate aos cartéis tornou-se prioridade na maioria dos países que possuem legislação concorrencial. O Brasil, onde a

3 No sentido de que o cartel representa a infração concorrencial mais nociva ao mercado, assim se manifestou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”): “Hard core cartels (when firms agree not to compete with one another) are the most serious violations of competition law. They injure customers by raising prices and restricting supply, thus making goods and services completely unavailable to some purchasers and unnecessarily expensive for others.” OCDE. Recommendation of the Council concerning Effective Action Against Hard Core Cartels, 1998. Disponível em em 23 de outubro de 2013.

4 MARQUES, Fernando de Oliveira.

apud COSTA, Marcos; MENEZES, Paulo Lucena; MARTINS, Rogério Grandra da Silva (org.). Direito concorrencial – Aspectos jurídicos e econômicos. Rio de Janeiro: Editora América Jurídica, 2003, p. 210.

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prática pode ser punida nas esferas administrativa e criminal, também acompanha essa tendência.

Desde o início da década passada, a Secretaria de Defesa Econômica (“SDE/MJ”) – com a edição da Lei 12.529, as funções da SDE relativas ao direito da concorrência foram transferidas para a Superintendência-Geral do CADE – já tinha como principal foco de atuação o combate à formação e à atuação dos cartéis. Nesse contexto, ao longo dos anos, deparou-se com dificuldades para a detecção desses conluios e a obtenção de provas diretas6 ou conjunto de indícios robustos sobre a sua existência7, tendo em vista que os membros dos cartéis adotam estratégias cada vez mais complexas e sofisticadas, além de evitarem deixar muitos indícios escritos, como lembra os autores Amadeu Ribeiro e Maria Eugênia Novis.8

A organização de um cartel bem-sucedido não deve ser tarefa banal, pois além de requerer recursos para a implementação dos preços combinados e monitoramento do cumprimento dos acordos pelos partícipes, sempre está presente a preocupação em preservar o sigilo da conduta e mantê-la longe da desconfiança dos clientes e, principalmente, das autoridades concorrenciais9. Pode-se afirmar, portanto, que a complexidade que envolve a organização de um cartel bem-sucedido é proporcional a dificuldade para desmantelá-lo.

6 Provas diretas são evidências que demonstrem a existência de acordo formal entre concorrentes, como por exemplo: escutas telefônicas, atas de reunião, declaração de participante a respeito do acordo, dentre outros.

7 Atualmente, o CADE entende que não são imprescindíveis provas diretas da existência do acordo para que o cartel seja considerado provado, sendo suficiente a presença de indícios da prática do ilícito. Nesse sentido, segue trecho do voto do Conselheiro Relator Ruy Santa Cruz no processo administrativo nº 0800.015337/1997-48 (Representados: Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, Companhia Siderúrgica Paulista – COPISA e Usinas Siderúrgicas de Minas S.A. – Usiminas): “A maior parte da prova colhida nos processos do Cade pauta-se em indícios que, analisados à luz da teoria econômica, fazem concluir pela existência de uma conduta restritiva da concorrência.”

8 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 157-158. Janeiro-Junho de 2010.

9 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

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Nesse sentido, Amadeu Ribeiro e Maria Eugênia Novis10 afirmam que as autoridades

concorrenciais apenas dispõem de três possíveis fontes para a obtenção de informações sobre cartéis.

“A primeira é o monitoramento constante dos mercados, especialmente daqueles cujas condições estruturais, como elevada concentração, produtos e custos homogêneos e elevadas barreiras à entrada, facilitam a colusão. A segunda, terceiros que venham a ter conhecimento da conduta, como clientes e concorrentes que sofram seus efeitos, ou ainda, empregados ou familiares de executivos das empresas do cartel. A terceira e sem dúvida melhor das fontes é a própria empresa envolvida na conduta.”

Como o CADE necessita de instrumentos que facilitem a detecção de práticas anticompetitivas e a obtenção de provas para puní-las e pelo fato da própria empresa envolvida na conduta ilícita ser a melhor das fontes para obtenção de informações sobre a organização do cartel, o legislador previu a possibilidade de ser celebrado o acordo de leniência.

Portanto, o acordo de leniência se tornou o melhor dos instrumentos concedidos às autoridades para facilitar a persecução de condutas anticompetitivas, até porque em nosso ordenamento jurídico, os indivíduos têm o direito de não serem compelidos a produzir provas contra si mesmo, consubstanciado no princípio da não auto-incriminação, restando então às autoridades apenas dois métodos para obter informações dos integrantes dos cartéis, quais sejam, a investigação direta11 feita pelo órgão antitruste e o já citado acordo de leniência.

O acordo de leniência no âmbito concorrencial representa um instituto análogo à delação premiada do direito penal brasileiro e tem por escopo brecar a prática da infração à ordem econômica, mediante o auxílio do co-autor. De um lado, os lenientes fornecem documentos capazes de comprovar o ilícito e se obrigam a colaborar efetivamente com as autoridades ao longo da investigação e de outro, as autoridades se comprometem a conceder

10 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 157 Janeiro-Junho de 2010.

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imunidade aos membros do cartel (lenientes) contra as penas administrativas e criminais que lhes seriam aplicáveis.12

Inquestionável é que a leniência viabiliza a investigação de cartéis que manter-se-iam desconhecidos. Também permite que a detecção dessa prática torne-se menos onerosa e mais veloz, na medida em que as autoridades terão acesso a informações difíceis em um curto espaço de tempo, além de obter o auxílio de pessoas que possuem o conhecimento de cada detalhe do funcionamento do cartel.

Ademais, a possibilidade de ser celebrado um acordo leniência a qualquer tempo, introduz um elemento subjetivo, isso é, um elemento desestabilizador entre os seus integrantes, pois o risco de delação gera desconfiança entre os próprios membros do cartel, em outras palavras, a percepção do risco desestabiliza essa prática. Por fim, segundo a doutrina, o acordo ainda incentiva que os membros do cartel preservem materiais incriminadores que de outra forma seriam rapidamente destruídos facilitando a condenação dos envolvidos no ilícito13.

Diante do exposto, o instituto do acordo de leniência se desenvolveu e difundiu ao longo desses últimos anos em diversos países, inclusive representando nos dias atuais o principal instrumento da política de combate aos cartéis da União Europeia, conforme adiante explicado.

2.2. O Instituto do Acordo de Leniência no Cenário Norte-Americano

O acordo de leniência é um instituto fruto da experiência norte-americana, onde foi criado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América em 1978.

12 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 158 Janeiro-Junho de 2010.

13 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

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Esse primeiro programa de leniência norte-americano possibilitava que a empresa envolvida em cartel, antes do início de qualquer investigação, relatasse e confessasse a prática, podendo receber imunidade apenas no âmbito criminal. Havia um grave problema nesse programa, pois a concessão da referida imunidade contra a persecução criminal não era automática e envolvia um alto grau de arbítrio por parte do Departamento de Justiça norte-americano em aceitar ou não o pedido de leniência. Com isso, o programa originário do acordo de leniência não obteve muita adesão, já que havia grande margem de discricionariedade.

Nesse sentido, segue trecho que evidencia a ausência de adesão ao primeiro programa de leniência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América14:

“As autoridades norte-americanas receberam, em média, apenas uma proposta de leniência por ano e não investigaram um único caso de cartel internacional até 1993, quando o programa original passou por uma grande revisão.”

Como já indicado no trecho supracitado, em agosto de 1993, o programa de leniência corporativa, ou corporate leniency program, foi reformulado com o objetivo de aumentar o número de empresas que delatassem condutas criminosas e cooperassem com o Departamento de Justiça. Os principais pontos dessa reforma foram: (i) caso não houvesse conhecimento daquele cartel pelas autoridades, a concessão de imunidade ao leniente seria automática; (ii) existia possibilidade de concessão de imunidade mesmo se a cooperação se promovesse após iniciado o processo investigatório; e (iii) todos os executivos, diretores e funcionários que cooperassem ficariam protegidos do processo criminal15.

No ano seguinte, em 1994, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América desenvolveu um programa de leniência ainda mais amplo, abrangendo dessa vez pessoas físicas que procurassem as autoridades em nome próprio. O programa lhes assegurava imunidade automática desde que (i) as autoridades não tivessem conhecimento prévio da conduta delatada; (ii) essas pessoas físicas não tivessem coagido outras a participar da

14 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 158 Janeiro-Junho de 2010.

15

Corporate leniency program. Disponível em:

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infração ou exercido papel de liderança; e (iii) admitissem a prática da infração, cooperando com as investigações.16

Por fim, cumpre informar que a experiência norte-americana serviu de inspiração também para o primeiro programa de leniência da Europa, que foi incorporado formalmente no ordenamento europeu no ano de 1996, “apesar de antes do citado ano, já ter sido concedida imunidade a empresas investigadas diante da robusta cooperação prestada por elas”17. Cabe ressaltar que como a competência da Comissão Européia sempre foi restrita à punição de pessoas jurídicas, o citado programa europeu não possui normas relacionadas à imunidade para as pessoas físicas18.

2.3. O Programa de Leniência Brasileiro

O instituto do acordo de leniência foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro em 2000, ano em que a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994 (“Lei 8.884” – Antiga Lei de Defesa da Concorrência) foi alterada pela Lei nº 10.149, de 21 de dezembro de 2000, acrescentando àquela os artigos 35-B e 35-C.

Portanto, até o ano de 2000, sequer existia um programa de leniência no Brasil, o que faz com que esse instrumento seja considerado relativamente recente e, por isso, é certo afirmar que ainda não existe uma vasta experiência sobre todas as suas peculiaridades e um extenso posicionamento do competente órgão brasileiro sobre esse instituto.

A Lei 8.884 foi revogada pela Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011, o que faz com que essa seja o diploma legal mais recente sobre o assunto que inclusive trouxe diversas

16 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 158 Janeiro-Junho de 2010.

17 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 159 Janeiro-Junho de 2010.

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mudanças sobre o acordo de leniência brasileiro, tudo com o objetivo de conferir-lhe maior eficácia.

Segundo o caput do artigo 86 da Lei 12.529, o acordo de leniência pode ser celebrado entre o CADE, através da Superintendência-Geral, e pessoas físicas e jurídicas, desde que o órgão não disponha de provas suficientes quando da sua propositura, para assim assegurar a condenação das pessoas envolvidas na infração. Destaque-se que sob a égide da Lei 8.884, o leniente deveria identificar os demais co-autores da infração19, o que continua sendo requisito obrigatório previsto na atual disposição legal sobre o assunto, na qual é determinado que o leniente colabore efetivamente com as investigações e que dessa colaboração resulte na identificação de todos os envolvidos no ilícito20.

Uma alteração relevante e que deve ser destacada nesse trabalho conferida com a edição da Lei 12.529 diz respeito à possibilidade do acordo de leniência ser celebrado com empresas ou pessoas físicas que estejam à frente da infração.Portanto, a não-vedação para que o líder do cartel celebre o acordo de leniência gera um aumento no número de possíveis delatores, o que, por sua vez, pode garantir uma maior insegurança/instabilidade entre os integrantes da infração.

Outro aspecto relevante instituído com a edição da Lei 12.529 está relacionado a possibilidade de se estender os benefícios conferidos com a celebração do acordo de leniência às empresas do mesmo grupo econômico. Tal disposição, inegavelmente, gera um maior incentivo aos agentes que estejam em um mesmo cartel ao lado de suas afiliadas, pois sem essa garantia a decisão de delação e celebração do acordo seria muito mais pensada e dificilmente tomada.

19 Art. 35-B da Lei 8.884: “A União, por intermédio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais co-autores da infração.”

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Por último, mas não menos importante, cabe destacar que o artigo 87 da Lei 12.529 ampliou o benefício da imunidade penal garantida ao leniente, incluindo expressamente nas hipóteses de extinção da punibilidade, além dos crimes tipificados na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 199021 (os quais já eram previstos no artigo 35-C da Lei n. 8.884), os crimes tipificados na Lei n. 8.666, de 21 de junho de 199322 (“Lei 8.666”) e no artigo 288 do Código Penal Brasileiro (crime de formação de quadrilha ou associação criminosa). A assinatura do acordo determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia contra o leniente pelos crimes tipificados nos dispositivos acima elencados. Portanto, cumprido o acordo, extingue-se automaticamente a punibilidade desses crimes.

Segundo os advogados Gustavo Flausino e Ricardo Mafra23, a isenção da persecução

penal em relação aos crimes tipificados na Lei 8.666 foi formulada com o objetivo de desmantelar mais cartéis em licitações, que são os acordos entre concorrentes por meio dos quais definem antecipadamente o ganhador da licitação e implementam mecanismos de distribuição dos lucros entre os conspiradores. In verbis:

“O principal aspecto a ser destacado nessa alteração é a inclusão, nas hipóteses de extinção de punibilidade, dos crimes tipificados na Lei n. 8.666. A repressão a condutas anticompetitivas adotadas no âmbito de licitações é uma preocupação crescente da SDE e continuará sendo objeto de atenção da Superintendência-Geral do CADE. Portanto, essa modificação poderá auxiliar as autoridades a detectar mais condutas anticompetitivas em licitações.”

Ante o exposto, conclui-se que a ratio dessa última mudança analisada consiste em conferir maior segurança jurídica atrelada ao instituto do acordo de leniência, na medida em que há a imunidade criminal do leniente não só para os crimes tipificados na Lei 8.137, mas também para os crimes tipificados na Lei 8.666, não ficando o leniente a mercê de ser processado e ao mesmo serem imputadas as sanções penais tipificadas na Lei 8.666 com base em sua confissão.

21 Dentre outras disposições, a Lei n. 8.137 define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.

22 Em síntese, a Lei n. 8.666 regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, instituindo normas para licitações e contratos da Administração pública e em especial, prevendo sanções para os atos voltados a frustrar o caráter competitivo do procedimento licitatório.

23 MAFRA, Ricardo; COELHO, Gustavo Flausino. O Acordo de Leniência na Nova Lei de Defesa da

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2.3.1. A Proposta do Acordo de Leniência

A proposta de acordo de leniência poderá ser formulada por pessoas físicas ou jurídicas, endereçada a Superintendência-Geral do CADE, em envelope lacrado, marcado com a expressão “programa de leniência”. A proposta será recebida e registrada no serviço de protocolo desse órgão em caráter confidencial, tendo em vista que, desde a edição da Lei 12.529, a Superintendência-Geral do CADE é a autoridade competente para negociar e assinar o acordo de leniência.

A proposta de celebração do acordo de leniência é sigilosa e também pode ser feita oralmente, tanto pela empresa quanto, de modo independente, por empregado. Caso o acordo seja proposto apenas pela pessoa jurídica, seus feitos podem ser estendidos aos funcionários da pessoa jurídica habilitada envolvidos na infração, desde que os mesmos assinem o acordo de leniência em conjunto com a pessoa jurídica, inclusive podendo ser assinado em momento posterior.

A fase de negociação da proposta do acordo de leniência é de 6 (seis) meses, prorrogáveis por mais 6 (seis) meses, a critério da Superintendência-Geral, caso estejam presentes circunstâncias extraordinárias. Apenas o Superintendente-Geral e os Superintendentes-Adjuntos participam da fase de negociação. Se nenhum acordo for alcançado, todos os documentos referentes à negociação devem ser devolvidos ao proponente.

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2.3.2. Requisitos para a Celebração do Acordo de Leniência

O acordo de leniência só poderá ser celebrado se preenchido pelo proponente, cumulativamente, os seguintes requisitos24:

(i) seja o primeiro a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação;

(ii) cessar completamente seu envolvimento na conduta anticoncorrencial a partir da data de propositura do acordo;

(iii) confesse sua participação no ilícito;

(iv) coopere plena e permanentemente com a investigação e o processo administrativo até a decisão final sobre a infração; e

(v) da cooperação resulte a identificação dos envolvidos na infração e a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada;

Importante notar que os efeitos (as imunidades) que podem ser conferidos com a celebração do acordo de leniência não se sujeitam à aprovação da Superintendência-Geral do CADE. Compete ao Tribunal, quando do julgamento do processo administrativo apenas: (i) decretar a extinção da ação punitiva da Administração pública, ou seja, a isenção total, quando o infrator comparece espontaneamente à Superintendência-Geral, sem que esse órgão tenha conhecimento prévio da infração; ou (ii) reduzir de um a dois terços as penas aplicáveis, ou seja, conceder a isenção parcial, devendo considerar na gradação da pena a efetividade da colaboração prestada e a boa-fé do infrator no cumprimento do acordo25.

Ainda é preciso lembrar que o acordo de leniência não garante a imunidade quanto a

24 Requisitos estabelecidos na Portaria n. 456, de 15 de março de 2010 do Ministério da Justiça.

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possíveis ações cíveis propostas por consumidores ou terceiros lesados, ou mesmo pelo Ministério Público na defesa coletiva de interesses metaindividuais (informação verbal).26

2.4. A Efetividade do Programa de Leniência Brasileiro

2.4.1. Requisitos necessários para a efetividade dos programas de leniência

A efetividade do programa de leniência em detectar condutas anticompetitivas depende, basicamente, de quatro fatores:

(i) da credibilidade e da seriedade vinculada ao programa,

(ii) da efetiva atuação e investigação dos órgãos antitrustes em busca da identificação de condutas anticompetitivas colusivas,

(iii) da necessidade de preservação do sigilo das informações prestadas pelo proponente da leniência durante todo o processo, e

(iv) dos incentivos que são gerados para que uma pessoa jurídica ou física abandone o cartel e com isso, todos os ganhos econômicos a ele associados, e delate os co-autores da infração, permitindo que as autoridades antitrustes tomem conhecimento e tenham acesso a elementos que facilitarão as investigações.27

Não muito diferente dos requisitos gerais acima elencados, a comunidade antitruste internacional enumera três requisitos básicos para que um programa de leniência seja considerado eficaz28

26 Informação fornecida na palestra proferida pelo Dr. Duciran Van Maesrn Farena: “Papel do Ministério Público no combate aos cartéis”. Disponível em

: (1) a aplicação de sanções severas para os condenados por cartel, (2) o

outubro de 2013.

27 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 160 Janeiro-Junho de 2010.

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receio de detecção pelas autoridades e (3) a transparência e previsibilidade na aplicação do programa.

A esses requisitos, Amadeu Ribeiro e Maria Eugência Novis acrescentam a necessidade de preservação do sigilo das informações prestadas pelos proponentes da leniência durante todo o processo, desde a negociação com as autoridades até o julgamento do caso29. Nesse sentido, o ex-secretário de direito econômico, Daniel Goldberg, em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, no dia 26.10.2003, ao ser indagado sobre os motivos do primeiro acordo de leniência ter sido celebrado apenas em 2003 declarou que “o primeiro segredo para implementação do acordo foi o sigilo absoluto.” Esse caráter de confidencialidade é muito importante, na medida em que as empresas ou pessoas físicas que estão delatando os co-autores podem sofrer sérios riscos de retaliação comercial e até mesmo pessoal. Inclusive, a ausência de confidencialidade pode dificultar ou mesmo impedir a coleta de provas necessárias para a condenação dos demais envolvidos, frustrando a finalidade do acordo de leniência.

O temor da descoberta da conduta ilícita é outro requisito fundamental para que os membros de um cartel sintam-se estimulados a procurar as autoridades competentes. Se, por um lado, um maior número de denúncias significa um maior êxito do programa de leniência, por outro, isto só ocorre caso haja um número maior de investigações que se reflete em mais processos em andamento no órgão concorrencial e, portanto, uma maior probabilidade de que haja a condenação (percepção do risco)30. No entanto, nada adiantaria existir a alta possibilidade de descoberta e punição dos cartéis, se apenas houvesse a previsão de pequenas penas para os infratores, na medida em que não representaria incentivo forte o suficiente para que se cogitasse a possibilidade de delação. Necessário, portanto, o conjunto consubstanciado no(a): receio de detecção da infração e previsão de sanções severas aos agentes envolvidos.

Contudo, apenas esses requisitos também não são suficientes para que alguém se sinta

29 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 160 Janeiro-Junho de 2010.

30 VASCONCELOS, Silvinha Pinto; RAMOS, Francisco de Sousa. Análise da efetividade do programa de

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compelido a se apresentar às autoridades concorrenciais. O proponente do acordo de leniência precisa conhecer previamente os benefícios que podem ser concedidos e a extensão de tais imunidades. Em outras palavras, há a necessidade de normas claras quanto à punibilidade da conduta, o alcance do programa de leniência, seus efetivos benefícios, a extensão das imunidades e, sobretudo, a transparência quanto à aplicação das regras pelas autoridades.

Por fim, como a leniência não confere imunidade contra ações civis de indenização por danos causados pelo cartel, a eficácia do programa de leniência depende do grau de proteção às informações apresentadas pelo delator. Segundo Amadeu Ribeiro e Maria Eugênia Novis31, quanto maior for a proteção, maior será o incentivo para compartilhar tais informações com as autoridades. Quanto menor for a proteção, maior será o risco de que terceiros obtenham provas aptas a subsidiar ações na esfera cível contra os membros do cartel, inclusive contra o requerente da leniência. Daí porque a propensão à delação está diretamente ligada à proteção que o delator terá às informações e aos documentos que apresente às autoridades.

2.5. Transparência e Segurança no Programa de Leniência Brasileiro

Como se sabe, um dos elementos mais importantes para a efetividade de qualquer programa de leniência é a segurança jurídica, bem como a atuação imparcial da autoridade antitruste responsável pela sua celebração. Por isso, clareza e objetividade durante todo o processo de investigação são imprescindíveis e inclusive incentivam as delações, na medida em que conferem ao infrator maior segurança para confessar o ilícito.

Não obstante a importância da transparência no programa de leniência, é certo afirmar que de todos os requisitos essenciais expostos no item anterior, o maior obstáculo a ser superado para que o Programa de Leniência Brasileiro tenha um modelo satisfatório de

31 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

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efetividade é a necessidade de conferir-lhe maior previsibilidade e transparência32. Os principais problemas enfrentados atualmente dizem respeito (i) à falta de clareza quanto aos critérios de fixação da responsabilidade de pessoas físicas por cartel, (ii) a discricionariedade do órgão concorrencial para a celebração do acordo de leniência33 e, por fim, (iii) se a imunidade prevista no art. 86 da Lei 12.529 é restrita ao âmbito do CADE ou engloba toda a Administração pública. Em outras palavras, corresponde à extensão dos benefícios conferidos com a celebração do acordo de leniência e é sobre esse ponto que o presente trabalho34 irá se concentrar a partir deste momento, tendo por enfoque as consequências em termos de cartéis em licitações.

3. CAPÍTULO II

3.1 Poder de Polícia da Administração Pública

Antes de adentrarmos no escopo do presente Capítulo, devemos tecer alguns comentários sobre o poder de polícia da Administração Pública.

A Administração Pública brasileira possui diversas competências, todas conferidas com o objetivo de melhor “gerir os bens, interesses e serviços próprios ou alheios”.35 Partindo do referido objetivo, Odete Medauar afirma que para que a Administração Pública possa desenvolver o vasto conjunto de atividades que lhe é inerente, o ordenamento jurídico conferiu-lhe uma série de poderes.36

32 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 161 Janeiro-Junho de 2010.

Dentre todas as suas funções, observa-se que possui atividade punitiva, também denominada de sancionadora.

33 RIBEIRO, Amadeu. NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e

Possíveis Aperfeiçoamentos. Revista do IBRAC, São Paulo, vol. 17. Editora Revista dos Tribunais, p. 162-163 Janeiro-Junho de 2010.

34 Trata-se de trabalho elaborado com o objetivo de analisar os benefícios oriundos da celebração do Acordo de Leniência com o CADE, principalmente no que se refere à imunidade quanto às sanções administrativas.

35 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 16ª edição. São Paulo:Editora Saraiva, 2011, p. 107.

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Portanto, dentre os poderes conferidos à Administração Pública está o poder de polícia, e nele vem fundamentada a legitimidade para a atuação administrativa-sancionadora, notadamente para que a Administração possa, quando necessário, limitar o exercício de direitos individuais.37

O doutrinador Marcelo Harger pondera que os processos restritivos de direitos, entendidos como forma de imposição de gravames ou de supressão de direitos dos particulares, muitas vezes têm como fundamento o uso, pela Administração Pública, do poder de polícia, através do qual se impõem obrigações de fazer e não fazer aos administrados.38

José dos Santos Carvalho Filho também comenta o tema e lembra que os processos administrativos com objetivo punitivo “externos” têm fundamento no poder de polícia geral do qual é investida a Administração.39 E para que a manifestação do poder de polícia não seja ineficiente, deve existir a possibilidade de aplicação de sanções para as hipóteses de desobediência à ordem da autoridade competente40.

Nesse sentido, uma das manifestações possíveis do poder de polícia reside na verificação pelo CADE de situações que possam resultar em condutas anticompetitivas, podendo esse órgão aplicar sanções nos casos em que os agentes econômicos atuem em desconformidade com os ditames e preceitos concorrenciais.

A Lei de Defesa da Concorrência prevê multas pesadas aos infratores, que podem variar no caso de empresa, de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da mesma, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo.41

Estabelece também que

37 GILBERTO, André Marques. O Processo Antitruste Sancionador. São Paulo, 2008. 302p. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito - Universidade de São Paulo.

38 HARGER, Marcelo. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo. 2ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 70.

39 FILHO, José dos Santos Carvalho. Processo Administrativo Federal – Comentários à Lei n. 9.784 de

29.1.1999. 2ª edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 30.

40 ARAÚJO, Edmir Netto. Direito Administrativo. 3ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 1005.

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podem ser impostas as seguintes penas, a título exemplificativo: a obrigação de publicação de extrato da decisão condenatória, em jornal de grande circulação às expensas dos infratores; a recomendação aos órgãos públicos competentes para que não concedam aos infratores o parcelamento de débitos ou quaisquer outros benefícios. Ademais, uma das penalidades mais importantes que o CADE pode aplicar, quando se trata de cartéis em licitações, é a proibição do infrator de participar de licitações por prazo não inferior a 5 (cinco) anos. Medida essa que possui efeitos semelhantes à declaração de inidoneidade prevista no art. 87, inciso IV, da Lei de Licitações.

3.2. A Celebração do Acordo de Leniência e os seus Efeitos

O instituto do acordo de leniência está previsto no artigo 86 da Lei 12.529 e conforme já exposto, trata-se de acordo celebrado entre o CADE, através da Superintendência-Geral, e pessoas físicas e jurídicas que forem autoras da infração. Em síntese, é uma espécie de delação premiada, de modo que o proponente denuncia a existência de um cartel do qual ele faz parte e obtém, como prêmio, conforme o caso, a extinção da ação punitiva ou a redução da pena. In verbis:

“Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da

administração públicaou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços)

da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:”

Pela simples leitura do dispositivo acima transcrito, percebe-se que a celebração de acordo de leniência pode extinguir a ação punitiva da administração pública, a depender da ausência de conhecimento prévio da conduta ilegal em questão. Se o órgão concorrencial não tinha conhecimento prévio sobre a existência do cartel, o beneficiário tem direito à imunidade total. Mas se o órgão estava previamente ciente sobre o cartel, a penalidade aplicável pode ser

(28)

reduzida de um a dois terços, dependendo da efetividade da cooperação e da boa fé no cumprimento do acordo de leniência.

Com o objetivo de corroborar o exposto no parágrafo anterior, segue trecho do voto do Conselheiro Relator Abraham Benzaquen Sicsú no Processo Administrativo nº 08012.001826/2013-1042, o qual foi instaurado com vista a apurar a ocorrência de conluio entre empresas prestadoras de serviços de vigilância no Estado do Rio Grande do Sul.

“No caso em questão, a SDE tomou conhecimento formal da infração a partir da Nota Técnica n. 29/2003 da SEAE, protocolada em 19 de março de 2003. O acordo de leniência foi celebrado em 08 de outubro de 2003. Pelo art. 35-B, parágrafo 4, I da Lei, para extinção total da ação punitiva, a proposta de acordo deveria ter sido apresentada antes que a SDE tivesse conhecimento da infração.”

O Legislador, no entanto, não estabeleceu um conceito específico do termo administração publica, exigindo que os intérpretes recorram a outros diplomas legais para obter essa definição. Ao deixar de conceituar a referida expressão, o Legislador gerou a seguinte dúvida: a imunidade é restrita ao âmbito do CADE ou engloba toda a Administração Pública e, assim, nenhum outro ente pode aplicar sanções administrativas à empresa leniente?

Neste capítulo tentar-se-á responder a essa pergunta de acordo com o melhor Direito. Para tanto, serão apresentadas diversas construções doutrinárias que levam a concluir que o termo Administração Pública deve ser interpretado lato sensu, isso é, no sentido de que deve haver a extinção da punibilidade para toda a Administração Pública, englobando o conjunto de órgãos que integram os Entes Federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), como também o conjunto de pessoas administrativas (autarquias, fundações públicas de direito público, fundações públicas de direito privado, sociedades de economia mista e empresas públicas)43.

3.3. Princípio da Legalidade Estrita e Interpretação Gramatical

42 A Lei que regulamentava o instituto do acordo de leniência e os seus benefícios à época deste julgamento era a Lei 8.884/1994.

(29)

Inicialmente, para sustentar que a celebração do acordo de leniência deve gerar a extinção da punibilidade para toda a Administração Pública, pode-se trazer à baila, o princípio da legalidade estrita, o qual é definido por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo nos seguintes termos:

“A administração pública, além de não poder atuar contra a lei ou além da lei, somente pode agir segundo a lei. (A atividade administrativa não pode ser contra legem nem praeter legem, mas

apenas secundum legem)44”.

O princípio da legalidade estrita diz respeito à obediência dos órgãos administrativos (o CADE é um órgão administrativo) às leis e à submissão às suas diretrizes. Portanto, a Administração Pública, em toda a sua atividade, está presa aos mandamentos das leis, deles não podendo se afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Como muito bem defende o doutrinador Diógenes Gasparini, a Administração Pública “só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza.”45

Está expresso na redação do art. 86 da Lei 12.529 que a celebração do acordo de leniência gera a extinção da ação punitiva da Administração Pública, quando o órgão concorrencial não tem conhecimento da conduta colusiva perpetrada. Se essa extinção ocorresse apenas no âmbito do CADE, deveria estar disposto na lei que a leniência geraria a extinção da ação punitiva para o CADE ou apenas no âmbito dos órgãos de defesa da concorrência, e não para toda a Administração Pública. Como o funcionário público não pode atuar diferente do que a lei prevê em virtude do princípio da legalidade estrita, deve ser decretada a extinção da ação punitiva da Administração Pública.

Nesse sentido, também pode-se utilizar como instrumento para solucionar esse problema de hermenêutica jurídica, a interpretação literal ou o método gramatical, pois essa interpretação se atém às palavras da lei, ou seja, o sentido da norma é determinado a partir da significação exata das palavras usadas em seu texto. Logo, a melhor interpretação a ser feita é aquela em que a celebração do acordo de leniência gera a extinção da ação punitiva perante

44 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 15ª edição. Rio de Janeiro: Editora Método, 2008, p. 50.

(30)

toda a Administração Pública, e não apenas no âmbito do CADE, conforme determinam as próprias palavras escolhidas novamente pelo legislador na edição da Lei 12.52946.

Resta claro, portanto, que a expressão deve ser interpretada de forma lato sensu, não podendo qualquer outro órgão aplicar sanções à empresa leniente.

3.4. Definição jurídica de Administração Pública

De fato, a Lei 12.529 não definiu a expressão Administração Pública e, consequentemente, a extensão dos benefícios conferidos com a celebração do acordo de leniência. No entanto, trata-se de terminologia que tem clara definição em diferentes diplomas legais. Nesse sentido, confira-se a definição dada pelo Decreto-Lei n. 20047, de 25 de fevereiro de 1967:

“Art. 4° A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista; d) fundações públicas.”

Além disso, para a interpretação do artigo 86 da Lei 12.529 pode se valer da definição dada pelo Legislador na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (“Lei 8.666”), a qual trata das licitações e dos contratos administrativos, dentre outros assuntos. In verbis:

“Das Definições Art. 6º:

XI - Administração pública - a administração direta e indireta

46 Ressalte-se que sob a égide da Lei 8.884/1994 também era utilizado o termo Administração Pública.

In verbis: “Art. 35-B. A União, por intermédio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:”

47 A íntegra do Decreto-Lei n. 200 está disponível em:

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da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;

XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente; ”

Também nesse sentido, Marçal Justen Filho48, em sua brilhante obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos” afirma que a expressão Administração Pública engloba “além da chamada “Administração Direta” (União, Estados e Distrito Federal e Municípios), também abrange a “Administração Indireta” (autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista). Além disso, as “fundações” instituídas ou mantidas com recursos públicos e outras pessoas de direito privado sob controle estatal estão abarcadas no conceito.”

Utilizando-se, portanto, das definições acima reproduzidas, pode ser verificado que a Lei 12.529 ao prever que compete ao Tribunal49 “decretar a extinção da ação punitiva da administração pública” estendeu o benefício decorrente da celebração de acordo de leniência para todos os órgãos da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Dessa forma, depois de celebrado um acordo de leniência com a Superintendência do CADE, os outros órgãos da Administração Pública não têm competência para impor sanções administrativas ao leniente.

3.5. Interpretação Analógica: o termo “Administração Pública” no artigo 87 da Lei 8.666.

Ainda sobre a ausência de definição e delimitação da expressão utilizada pelo Legislador no caput do artigo 86 da Lei 12.529, merece destaque a discussão que foi travada, tanto em âmbito doutrinário como em âmbito jurisprudencial, em torno da interpretação dos

48 FILHO. Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª Edição. São Paulo: Editora Dialética, p. 129.

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termos “Administração” e “Administração Pública”, utilizados pelo Legislador nos incisos III e IV do artigo 87 da Lei 8.666, respectivamente. In verbis:

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a

Administração Pública enquanto perdurarem os motivos

determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

Os incisos supracitados do artigo 87 foram motivo de grandes discussões no que tange à extensão dos seus efeitos, e essa discussão pode ser utilizada analogicamente ao presente trabalho.

Ao descrever a sanção de suspensão temporária (inciso III acima transcrito), foi utilizado o termo Administração, ou seja, o particular estará impedido de participar de licitações e contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos. Por outro lado, ao mencionar a sanção da declaração de inidoneidade (inciso IV), o legislador referiu-se à Administração Pública, o que significa que, declarada a inidoneidade do contratado, ele estará impedido de participar de licitações e contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a sua reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade.

Marçal Justen Filho50 analisa o emprego desses termos, no qual pode ser feita uma

analogia com o atual estudo:

"Seria possível estabelecer uma distinção de amplitude entre as duas figuras. Aquela do inc. III produziria efeitos no âmbito da entidade administrativa que a aplicasse; aquela do inc. IV abarcaria todos os órgãos da Administração Pública. Essa interpretação deriva da

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redação legislativa, pois o inc. III utiliza apenas o vocábulo ‘Administração’, enquanto o inc. IV contém ‘Administração Pública’. No entanto, essa interpretação não apresenta maior consistência, ao menos enquanto não houver regramento mais detalhado. Aliás, não haveria sentido em circunscrever os efeitos da ‘suspensão de participação de licitação’ a apenas um órgão específico. Se um determinado sujeito apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com a Administração Pública, os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão. Nenhum órgão da Administração Pública pode contratar com aquele que teve seu direito de licitar ‘suspenso’. A menos que lei posterior atribua contornos distintos à figura do inc. III, essa é a conclusão que se extrai da atual disciplina legislativa."

José dos Santos Carvalho Filho51, também em sede da referida discussão, comenta:

"Parece-nos que o efeito deva ser sempre extensivo. Em primeiro lugar, não conseguimos ver diferença de conceituação naqueles incisos do art. 6, já que o que podemos constatar é apenas uma péssima e atécnica definição de Administração Pública; com efeito, nenhuma diferença existe entre Administração e Administração Pública.

(...)

Quer dizer: a empresa é punida, por exemplo, com a suspensão do direito de licitar perante uma entidade federativa, mas poderia licitar normalmente perante outra e, como é óbvio, sujeitá-la aos riscos de novo inadimplemento. Para nós não há lógica em tal solução, porque a Administração Pública é uma só, é una, é um todo, mesmo que, em razão de sua autonomia, cada pessoa federativa tenha sua própria estrutura.”

Em síntese, esses entendimentos fundamentam-se na alegação de que não existem diferenças entre os termos “Administração” e “Administração Pública”, utilizados pelo Legislador, e, conseqüentemente, tanto a sanção de suspensão quanto a declaração de inidoneidade têm seus efeitos incidindo sobre todos os órgãos/entidades e entes federativos, não se limitando ao âmbito daquele que aplicou a punição.

Nessa lógica, não há margem para entendimentos distintos do termo utilizado no artigo 86 da Lei 12.529, qual seja, Administração Pública, porque se para estender o âmbito de aplicação da sanção foi determinado que não existe nenhuma diferença entre Administração e Administração Pública, visto que ela é una, o mesmo conceito deve ser estabelecido para estender os benefícios da celebração do acordo de leniência, ainda mais pelo

(34)

motivo de que na Lei 12.529 está prevista a expressão "Administração Pública".

Assim sendo, ficou consagrado pela melhor doutrina que a utilização pela Lei de Licitações do termo "Administração", deve ser entendida em sentido amplo, vinculando toda a Administração Pública. Portanto, como foi estabelecido que, quando se lê "Administração", deve o termo ser interpretado como abrangendo toda a Administração Pública, quando expressamente escrita pelo Legislador a expressão “Administração Pública”, como é o caso do artigo 86 da Lei 12.529, não é passível de qualquer dúvida, devendo-se entendê-lo no sentido amplo e, dessa forma, vinculativo para todos os órgãos integrantes da mesma.

Logo, como a doutrina entende que na Lei de Licitações deve ser entendida como um todo, visto que a Administração Pública é una, uma só, no momento da aplicação dos benefícios do acordo de leniência, a proibição de ação punitiva deve ser estendida a todos os órgãos integrantes da Administração Pública, abrangendo todo o seu âmbito.

A Lei de Licitações não pode usar um conceito amplo e extensivo, e no âmbito da Lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o Legislador utilizar expressamente o termo "Administração Pública" e alguns doutrinadores e os próprios órgãos administrativos entenderem que nesse caso se refere à extinção da ação punitiva apenas no âmbito do CADE. Caso haja descompasso na interpretação do termo entre autoridades licitantes e o CADE, estar-se-á diante de uma grande insegurança jurídica, onde é aplicado o conceito desejado no ordenamento, em um juízo arbitrário de conveniência e oportunidade. Como a Administração Pública é uma só, é una, é um todo, o benefício instituído no âmbito da lei do CADE deve ser respeitado por todos os outros órgãos também integrantes da Administração.

3.6. Interpretação analógica: os efeitos do acordo de leniência na Lei Anticorrupção

(35)

Com objetivo de definir o âmbito de incidência/aplicação da Lei Anticorrupção, o Legislador definiu no art. 5o quais são os atos lesivos à Administração Pública e que atrairiam, portanto, a aplicação desse diploma legal. In verbis:

“Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou

estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que

atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

IV - no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.”

Como o intuito do presente trabalho é auferir a extensão de aplicação da imunidade administrativa concedida ao leniente em casos de cartéis em licitações, esse tópico se restringirá à análise dos dispositivos pertinentes sobre o tema.

Referências

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