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O ensino da cerâmica em ateliers

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Academic year: 2017

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Maria Januária de Souza Malagoli

O ENSINO DA CERÂMICA EM ATELIERS

Especialização em Ensino de Artes Visuais

Belo Horizonte

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2 Maria Januária de Souza Malagoli

O ENSINO DA CERÂMICA EM ATELIERS

Especialização em Ensino de Artes Visuais

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Ensino de Artes Visuais do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ensino de Artes Visuais.

Orientador (a): Maria do Céu Diel de Oliveira

Belo Horizonte

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Malagoli, Maria Januária de Souza, 1958 - O Ensino da Cerâmica em Ateliers: Especialização em Ensino de Artes Visuais / Maria Januária de Souza Malagoli – 2015.

59 f.

Orientador (a): Maria do Céu Diel de Oliveira

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ensino de Artes Visuais.

1. Artes visuais – Estudo e ensino. I. Oliveira, Maria do Céu Diel. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes. III. Título.

CDD: 707

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Monografia intitulada O Ensino da Cerâmica em Ateliers, de autoria de Maria Januária de Souza Malagoli, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

_______________________________________________________

Maria do Céu Diel de Oliveira - Orientador

_______________________________________________________

Prof. Dr. Evandro José Lemos da Cunha - membro da banca

_______________________________________________________

Prof. Dr. Evandro José Lemos da Cunha Coordenador do CEEAV

PPGA – EBA – UFMG

Belo Horizonte, 2015

Av. Antônio Carlos, 6627 – Belo Horizonte, MG – CEP 31270-901

Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Belas Artes

Programa de Pós-Graduação em Artes

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5 DEDICATÓRIA

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6 AGRADECIMENTOS

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7 RESUMO

Este trabalho é uma reflexão sobre minha experiência como ceramista, atuando como produtora de artesanato e no ensino da cerâmica, explorando suas técnicas e possibilidades poéticas. Relata o ensino desta arte em ateliers de outras duas colegas, através de entrevistas em seus locais de trabalho.

ABSTRACT

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8 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO --- 09

CAPÍTULO 1 1.1. O Que é Cerâmica --- 19

1.2. Breve História da Cerâmica --- 20

1.3. A Cerâmica no Brasil --- 23

1.3.1. Ceramistas Brasileiros Contemporâneos --- 24

1.3.2. A Cerâmica em Minas Gerais --- 30

CAPÍTULO 2 2.1. O Ensino da Cerâmica em Ateliers --- 37

2.1.1. Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini --- 41

2.1.2. Relato da Visita ao Atelier Ceramicano --- 44

CAPÍTULO 3 3.1. Relato de Atuação em Oficina de Cerâmica --- 49

REFLEXÕES FINAIS --- 56

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9 INTRODUÇÃO

Quando a orientadora da monografia de finalização do Curso de Especialização em Ensino de Artes Visuais sugeriu que fizéssemos um memorial como ponto de partida para a escritura de seu primeiro capítulo, achei que já tivesse o trabalho pronto, pois algumas tarefas do curso já caracterizavam este formato. Porém percebi que precisava dar uma continuidade na condução do texto, que estava muito recortado, como uma colcha de retalhos, e com lacunas que necessitavam ser preenchidas.

Nasci e morei até os dezoito anos em Lajinha, MG, onde cursei Magistério de 1º grau. Minha recordação mais distante acerca da Arte é de umas casinhas esculpidas no barranco molhado, à beira do terreiro e de tintas feitas com flores amarelas, que logo escureciam na folha do caderno pautado da escola, que eu arrancava escondido do meu pai. Meu caderno sempre acabava primeiro que o da minha irmã. Havíamos nos mudado há pouco para um sítio mais próximo da escola, meus pais e os seis filhos na época, pois depois nasceram mais três, para que minha irmã e eu pudéssemos estudar. Mesmo assim, andávamos cerca de dois quilômetros, por uma estrada empoeirada, ou cheia de atraentes lamas vermelhas e grudentas (conforme a estação do ano), até o estabelecimento escolar, uma construção minúscula, de apenas um cômodo, e que não comportava direito os cerca de quinze alunos freqüentes. Nele funcionavam as três primeiras séries do antigo primário, lecionadas pela mesma professora ao mesmo tempo, como acontecia em tantas outras escolas rurais na época. As carteiras eram de dois lugares, talvez mesas e bancos, não me recordo bem. Certa vez meu pai chegou da cidade com uma caixinha de lápis de cor, com seis lápis pequenos, que seriam repartidos com minha irmã. Ela escolheu as cores mais bonitas, e eu fiquei com o marrom, o verde e o roxo, e não adiantou chorar, pois ela era mais esperta nos argumentos pela escolha. Acho que meu pai percebeu minha frustração por não conseguir colorir com as cores da natureza e também a razão do caderno durar pouco.

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fosse na zona rural, através da prefeitura, com salário irrisório, distante da cidade, o que exigia longas caminhadas, cruzando com vacas e cães pelo caminho. Nesta época já morávamos na cidade, e não havia nenhuma previsão de concurso para professores estaduais. Para não correr o risco de voltar para casa, procurei logo um emprego. Fui morar com um tio em Contagem e cheguei a procurar algumas escolas para trabalhar como professora, mas precisava esperar vaga e eu não tinha este tempo. Logo percebi, também, que o que eu ganhasse não daria para me sustentar sozinha, pois não poderia ficar por muito tempo com meu tio, que tinha vários filhos e parecia que não estava disposto a me dar abrigo por muito tempo. Consegui, enfim, um emprego numa indústria cimenteira, na qual trabalhei por seis anos, como secretária. Estes anos trabalhando com pessoas tão diferentes do meu mundo foram importantes, por um lado, pois me possibilitaram financiar meu sustento e minha preparação para o vestibular, mas por outro deixou uma sensação de tempo mal empregado e sonhos comprometidos, pois o ambiente frenético e insensível da indústria deixou marcas que ficaram para sempre, e embotando minha mente durante muito tempo. Comecei a refletir sobre o que eu queria realmente da vida. Casei-me, tive meu primeiro filho e consegui passar no vestibular, e saí da empresa.

Meu primeiro interesse quando entrei para o curso de Belas Artes foi pela tapeçaria, mas à medida que o curso foi avançando, mudei de idéia. Pensava fazer pintura e depois trabalhar com as fibras, mas me encantei pela cerâmica e assim que coloquei as mãos num pedaço de argila, no atelier do professor Giangranco Cerri. Ainda lá, comecei a pesquisar mais atentamente, avaliando a possibilidade de me dedicar profissionalmente a ela, pois poderia proporcionar um retorno mais rápido como atividade remunerada, e ao mesmo tempo satisfazendo meus anseios artísticos.

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tomamos uma decisão que definiu o rumo de nossas vidas: voltamos para o interior, na esperança ingênua de uma vida sossegada, sem calcular direito os riscos. Lá, com a situação econômica do país ruim e nossas coisas dando errado, tentei trabalhar com o ensino, através de um projeto da prefeitura chamada Curumim e não fui bem sucedida. As crianças carentes atendidas pelo programa passavam as horas que não estavam na escola em um espaço onde, entre outras atividades, eram oferecidas artes, mas a prefeitura não fornecia os materiais básicos o seu ensino, cabendo ao professor angariar junto à comunidade seu suprimento.

A comunidade, porém, não tinha condições de cooperar de maneira continuada, ainda mais por ser uma atribuição que cabia ao poder público, gerando constrangimentos ao professor na hora de solicitar as doações. Somente as atividades desenvolvidas com materiais reciclados puderam ser executadas. Fiquei durante alguns meses e saí. A aventura interiorana durou três anos e deixou marcas indeléveis, o que me levou a vários equívocos, além do tempo perdido.

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Na época que eu fazia a disciplina de cerâmica com o Professor Gianfranco Cerri, no Curso de Belas Artes, ele havia me ajudado a construir um forno a gás usando um tambor de combustível de carreta antigo, de chapas de ferro grossas, adquirido em um sucateiro. Um serralheiro colocou a portinhola, os pés e fez um orifício para a entrada do gás. O Prof. Cerri forneceu o queimador e fizemos o revestimento interno com manta refratária, porém não chegamos a testá-lo antes de voltar para o interior. Agora, após inúmeras tentativas desastrosas, com a perda de peças durante a queima, vi que precisava de assistência especializada: a chama do queimador era muito forte, e as peças mais próximas a ele estouravam e as mais afastadas ficavam cruas. A todo momento o fogo apagava. Eu precisava de um forno, porém comprar, impossível. Eu tinha que fazê-lo funcionar. Depois de muitos telefonemas (não contávamos, ainda, com a internet), consegui o contato do Sr. Valério e pedi ajuda, no que fui prontamente atendida, gratuitamente. O Sr. Valério fabrica fornos e presta assistência técnica a ceramistas, aqui em BH. Levei para ele as dimensões do forno, explicando detalhadamente o que acontecia quando era colocado para funcionar. Ele então apontou os erros e me deu uma aula de forno a gás. Adquiri com ele os queimadores corretos, pois o meu era inadequado, e eram necessários dois para melhor distribuição do calor. Comprei o medidor de temperatura indicado por ele, e aumentei a espessura do revestimento interno. Levei um dia inteiro para furar a chapa para a entrada do gás, usando uma máquina de furar comum; comprei um cano de ferro para a chaminé e testei o forno. Nas primeiras queimas ainda perdi algumas peças, mas após alguns ajustes e adaptações ele funcionou satisfatoriamente, apesar de algumas limitações. Então eu tive que me mudar novamente com a família, pois o aluguel da casa onde morávamos aumentou muito e não cabia mais no nosso orçamento.

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Precisava de produtos que tivessem chance de penetração no mercado, opção mais imediata de geração de renda. Optei por trabalhar com barbotina (argila líquida), visando à reprodução em série dentro de uma padronização. Como eu não queria utilizar argila oferecida pronta no mercado, geralmente adquirida em São Paulo e com altos preços, testei amostras da região metropolitana de BH, como de Esmeraldas, Sete Lagoas, Lagoa Santa e Ribeirão das Neves. A que melhor me atendia era a de Neves, retirada em uma jazida no bairro Areias. No mesmo local existem dois tipos de argila, uma amarela e outra preta, sendo que o melhor resultado foi a da mistura das duas em partes iguais. A extração desta argila é legalizada, evitando assim problemas com as normas ambientais, já existindo algumas olarias de tijolos e telhas na região, e dependendo da quantidade e da conversa, podendo ser retirada de graça; para uma maior quantidade, dispondo-se de transporte, pagando-se apenas a pá carregadeira. Em minha busca por um aditivo que melhorasse a qualidade da barbotina, através de informações conseguidas a muito custo de fabricantes de produtos cerâmicos, passei a acrescentar à mistura o filito, um produto mineral de baixo custo, contendo feldspato em sua composição, o que aumenta a resistência do produto. Para processar a matéria prima, construí um moinho composto de um tambor de plástico de 50 litros, um eixo com uma pá na ponta, acionada por um motor elétrico.

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ruas de pedra, parte de asfalto, tendo uma avenida muito movimentada para atravessar, às vezes demorando a conseguir chegar ao outro lado. Eu morava no bairro Planalto e o atelier ficava no Vila Clóris, nas imediações de onde é agora o Shopping Estação, em Venda Nova, na ocasião ainda em construção. Às vezes levava a refeição, mas normalmente pedalava de volta na hora do almoço, que eu deixava semipronto no dia anterior; preferia almoçar em casa, por causa da família. Cheguei à conclusão que teria que ter um produto com uma melhor remuneração, pois eu estava conseguindo apenas pagar o aluguel e a auxiliar, e às vezes, nem isto conseguia. Já estava desenvolvendo uma linha de produtos utilitários, mas dependia de esmaltação ou de queima em alta temperatura, e eu não possuía equipamento para isto. Eu estava em um beco sem saída. Foi quando aconteceu um fato decisivo: fui assaltada no trajeto para casa. Logo que saía da avenida passava por um pequeno atalho em um terreno antes de pegar a rua novamente. Neste dia eu estava a pé, pois a bicicleta havia quebrado, e estava começando a escurecer. Quando senti alguém me tocar no ombro, voltei a cabeça sorrindo, pensando tratar-se de algum conhecido. Quando vi a arma apontada para mim por um jovem com uma blusa de capuz, escondendo quase o rosto todo, eu gelei. Rapidamente ele tomou minha bolsa e disse que andasse depressa, sem olhar para trás. E foi o que fiz, quase correndo. Deu-me uma tristeza muito grande, uma mistura de decepção e medo. O assaltante deve ter ficado muito aborrecido, pois a bolsa continha um portamoedas com apenas algumas moedas de pouco valor, minhas chaves e um celularantigo, sem valor comercial.

Continuei trabalhando normalmente, mas não conseguia esquecer o acontecido: Nos trechos que necessitava descer da bicicleta eu andava rapidamente, quando faltava bastante tempo ainda para escurecer eu não me concentrava mais no serviço e fazia o trajeto para casa cismada, sempre com medo. Evitava passar pelo atalho.

Já usava este espaço há cinco anos.

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Quando desmontei o atelier para a mudança, eu já havia adquirido um forno elétrico, usado, que não chegou a funcionar no local. Já conseguira desenvolver uma variedade razoável de produtos, com uma identidade própria, tanto na forma quanto no estilo de acabamento, o que já representava uma linha a ser seguida, e que possuía uma boa aceitação no mercado. Porém, para tentar uma melhor remuneração dos produtos, ainda precisava de alguns recursos técnicos, no caso a esmaltação, por isso decidi dar um tempo com o comércio até resolver esta questão. Este tempo se prolongou, pois tive dificuldades com a instalação do novo atelier, pois ainda não havia construção alguma no local.

Minha relação com o artesanato foi de muita importância, me permitindo aprender a negociar, argumentar com clientes e lidar com as negativas, muitas vezes injustas, mas revelando o outro lado, o do comprador, que também necessita de uma margem de lucro, em um país de impostos absurdamente altos (minhas vendas eram feitas no atacado). Minha relação com a arte, do ponto de vista do artesão, é um tanto estranha, talvez um procedimento comum entre nós, apesar de eu achar que todo artista deve ser, antes de tudo, um artesão. Para desenvolver um novo produto, primeiramente modelo a peça na argila: é nesta hora que a Arte está presente, pois uso a imaginação, a criatividade, a habilidade manual, o conhecimento técnico e a sensibilidade; talvez seja um prenúncio de Arte, mas me traz muita satisfação. Está presente também a pesquisadora, pois é necessário estar sempre atenta a novas técnicas, materiais, conceituações. Faço, então, a “forma perdida”, através da qual é confeccionado o modelo em gesso, material que permite um acabamento mais fácil. Produzo, então, a primeira peça em argila, através da forma. Depois da queima, tenho em mãos um objeto único, original. É neste momento que me sinto, satisfeita, uma artista. A partir daí, é como se fosse uma ação de falsificador, copiando a mim mesma, confeccionando as formas para a reprodução seriada.

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etapa para qualificação artesanal proposta pelo IQS, apesar de ser importante para mim, pois gosto da atividade de artesã. Aqui, em Confins, conheci meu amigo Carluty Ferreira, que atua no teatro. Através dele percebi outras possibilidades de atuação dentro da Arte. Foi ele que me envolveu com as questões culturas da cidade, e juntamente com outras pessoas da cidade, estamos trabalhando para a valorização da cultura no município. Já conseguimos implantar o conselho de cultura, no qual o Carluty é o presidente, e também o fórum de cultura, que realiza reuniões regularmente. Participo também dos conselhos de Patrimônio e de Turismo, como conselheira. Este envolvimento está sendo muito gratificante. Realizamos duas mostras de arte em Confins, ainda bem simples, mas que envolveu uma boa parte da população, e para quem possuía nenhuma experiência no ramo, estou me saindo bem. Estamos com uma nova mostra marcada para este mês, envolvendo os artistas visuais, artesãos, músicos, atores e outros personagens da cultura, gente simples desta cidade, no limite entre o passado e a perspectiva de progresso proporcionada pela construção do aeroporto internacional em suas terras.

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elaboração do produto final, no caso a possível obra de arte em cerâmica. Um trabalho mal resolvido em uma das suas várias etapas, como a argila correta para determinada modalidade, a modelagem, a secagem, a queima cuidadosa, que são conhecimentos básicos da atividade, resultará na perda do objeto criado e conseqüente decepção por parte do aluno, ressaltando a importância de professores bem preparados tecnicamente. Estou sempre pesquisando novos materiais, como argilas, pigmentos e aditivos, respeitando as normas ambientais para sua retirada da natureza, de forma criteriosa e responsável. Agora, preciso descobrir, in loco, como funciona realmente um atelier voltado ao ensino da cerâmica, sua metodologia, o perfil de seus alunos, visando um embasamento como professora nesta área. Sei que isto me ajudará muito no trabalho que estou desenvolvendo atualmente, que é o atendimento a um setor específico, que é o paciente em tratamento de recuperação de dependência química, e também melhorar meu desempenho como ceramista, até agora restrito à produção artesanal, sem muitas reflexões e instigações acerca do papel do artista na sociedade. Esta postura é muito importante, e sei que eu teria, em algum momento, de assumi-la.

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19 CAPÍTULO 1

1.1. O que é Cerâmica

Cerâmica é o produto resultante da queima da argila, popularmente chamada de barro. A argila é constituída principalmente por sílica e alumínio e é encontrada praticamente em toda a superfície terrestre. Umedecida e amassada, torna-se plástica e maleável, sendo facilmente moldável.

A palavra “cerâmica” vem do grego. Na antiga Grécia o oleiro era chamado “kerameus” e “keramos” era o nome dado tanto à argila como ao produto manufaturado.

A natureza nos oferece variados tipos e cores de argila, escolhida pelo ceramista de acordo com seu propósito de trabalho, sendo a plasticidade característica fundamental para que a peça possa ser trabalhada no torno ou na modelagem manual. Para a queima em alta temperatura são usados aditivos, tornando-a refratária. Dependendo da característica da massa cerâmica (argila e aditivos) e da temperatura de queima, teremos a terracota, a faiança, o grés ou a porcelana.

A modelagem pode ser feita usando-se as técnicas de rolinhos, placas, torno ou fundição em formas de gesso, com a argila líquida (barbotina).

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chão, à maneira indígena. De qualquer tipo que seja o forno, a queima deve ser lenta, com o aumento gradual e constante da temperatura. A decoração da peça modelada pode ser realizada antes ou depois da queima, que é uma etapa delicada do processo e deve ser feita lentamente. A decoração feita antes da queima pode ser através da pasta de ágata, engobe, pasta egípcia, relevos, reservas de papel e de cera, corda seca, esgrafitado sobre engobe, etc., e a executada depois da peça biscoitada (queimada a temperatura baixa – de 700 a 900 graus), com esmaltes e pigmentos minerais.

Além de ser uma possibilidade de expressão artística, a cerâmica auxilia outros segmentos das artes visuais, pois a argila pode ser empregada como estudo para esculturas a serem executadas em outros materiais e de outras proporções, por exemplo.

A cerâmica é uma atividade com potencial enorme em comunidades carentes, como fonte de geração de renda (no artesanato, por exemplo).

1.2. Breve História da Cerâmica

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A época que a cerâmica apareceu é indeterminada. Arqueólogos admitem seu aparecimento junto com o Homem, confirmados pela lenda bíblica de que o homem foi feito de barro (“Javé Deus plasmou o homem, pó da terra, insuflou em suas narinas um sopro de vida, e o homem se tornou um ser vivo”). Segundo o autor da nota explicativa da obra consultada (Bíblia Sagrada), “A encenação do Deus ceramista se insere numa tradição nascida, sem dúvida, da constatação de que o homem após a morte vai aos poucos se tornando pó... O homem (= ADAM) procede do solo (=ADAMAH). Assim, o Homem é o ‘Terroso’”.

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norte-americano. Nomes famosos das Artes começam a aparecer na cerâmica, como Émile Gallé (1846-1904), Théodore Dek (1823-1891), Gustav Klimt (1862-1918), Raoul Dufy (1877-1953), Roberto Bonfils (1886-1971), entre outros. Na Alemanha, a Escola Bauhaus, fundada por Walter Gropius (1883-1969), de tendência construtivista e realizando pesquisas formais, desenvolvia objetos de cerâmica de linhas retas e decoração sóbria, inspirados no estilo de Piet Mondrian (1871-1944) e Theo van Doesburg (1883-1931). Na atual República Tcheca, região da Bohemia, objetos utilitários em vidro e cerâmica são produzidos por Vlastislav Hofman (1884-1964) e Papel Janák (1882-1956). Também outros artistas, como Alexander Archipenko (1887-1964), Walking Woman, (1937), Bruno Munari (1907-1998), Pablo Picasso (1881-1973), Vassily Kandinsky (1866-1944), deixaram suas marcas na arte da cerâmica, seja produzindo ou decorando peças produzidas por outros.

Fig. 1: Pablo Picasso1 Fig. 2: Pablo Picasso2 Fig. 3: Pablo Picasso3

1 Jarro de cerâmica. Barcelona, Museo Picasso. Pesquisa por imagem, 267 x 431. Disponível em:

<http//:www.pinterest.com.br.html> Barcelona, Museu Picasso. Acesso em 23/09/2015.

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“Prato espanhol”. Em argila vermelha, torneado, é banhado em engobe branco, e a decoração é feita com engobe negro e incisões. Pesquisa por imagem, 500 x 529. Disponível em: <http//:poyastro.blogspot.com.br.html>. Acesso em 23/09/2015.

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23 1.3. A Cerâmica no Brasil

Estudos arqueológicos indicam a presença de uma cerâmica simples há cerca de 5.000 mil anos na região amazônica. Mais tarde, cerca de 2.000 anos atrás, populações ribeirinhas fabricavam utensílios domésticos e artefatos cerâmicos, sendo que na Ilha de Marajó se desenvolveu uma cerâmica altamente elaborada, na qual se usou técnicas como raspagem, incisão, excisão e pintura, sendo considerada a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Américas. É possível localizar sua produção em várias outras sociedades indígenas mais recentes. Após a chegada dos portugueses, a cerâmica brasileira recebeu influências de negros, europeus e asiáticos. Aparece a cerâmica utilitária, com a instalação de olarias em colégios, engenhos e fazendas jesuítas, onde se produzia além de tijolos e telhas, louça de barro para consumo diário, a azulejaria empregada na arquitetura em diversas épocas, e a cerâmica popular.

Fig. 4: Cer. Marajoara4 Fig. 5: Cer. Marajoara5 Fig. 6: Cer. Tapajônica6

4 Réplica de urna funerária de aproximadamente 1400 anos de idade, escavada de um cemitério do

aterro Guajará, Ilha de Marajó. Fonte: reproduzida de marajoara.com.site institucional. Belém (PA), 2007. Disponível em <http//:www.marajoara.com/cerâmica.html>. Acesso em 20/09/2015.

5 Pesquisa por imagem – 283 x 378. Disponível em: <http//:www,sospindarte.blogspot.com.html>.

Acesso em 20/09/2015.

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Atualmente, a cerâmica é explorada em todas as regiões brasileiras, tanto na cultura popular, como na erudita, mostrando características próprias em sua respectiva região. Na região Norte, em Icoaraci (PA), o artesão Cabeludo retratou pessoas em seu cotidiano, e Mestre Cardoso resgatou a arte marajoara, tendo o município se tornando, nos anos 70 do século passado, grande produtor de réplicas imitando o estilo das culturas marajoara e tapajônica, e no Amapá a cerâmica de Maruanum, de influência indígena e nordestina. No Nordeste, em Pernambuco, temos Mestre Vitalino (1909-1953) com suas figuras da tradição, como vaqueiros e cangaceiros, Francisco Brennand (escultor ceramista, pesquisador, erudito), os artesãos das cidades de Tracunhanhém, Caruaru, e Goiana, e na Bahia, os de Maragogipinho, produzindo animais, potes, jarros, santos católicos, etc., e no Sergipe, Santana do São Francisco é conhecida como a capital sergipana do barro. No Centro Oeste, as cerâmicas indígenas dos Terenas e Dadwéo. No Sudeste, em Minas Gerais, a cerâmica do Vale do Jequitinhonha, representado por Dona Isabel e sua família, Noemisa e Ulisses Pereira Chaves, Campo Alegre, com produtos que representam a zona rural, como bois, pássaros flores, Monte Sião, Muzambinho, Uberlândia, a cerâmica Saramenha em Ouro Preto, Sabará, Barão de Cocais e Palhano, em Brumadinho. Em São Paulo, a cerâmica da cidade de Cunha, queimada em fornos Noborigama (de origem japonesa, a lenha, e com diversas câmaras) e a do Vale da Ribeira (Apiaí), de origem principalmente indígena (tupi-guarani) e africana. No Espírito Santo, as tradicionais panelas de barro, fabricadas há quatrocentos anos, e a Associação de Ceramistas de Jacuí, na cidade de Serra, produzindo objetos inspirados nas populações tradicionais, como pescadores e catadores de caranguejo do litoral capixaba. Na região Sul são produzidas cerâmicas tanto de influência nativa quanto de europeus.

1.3.1. Ceramistas Brasileiros Contemporâneos

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produtores e também como professores. Alguns deles se destacaram também em outras modalidades artísticas.

- Udo Knoff (1912-1994) – nascido na Alemanha, trabalhou na Cerâmica Duvivier, no Rio de Janeiro. Mudou-se para Salvador (BA), onde abriu um ateliê de cerâmica e trabalhou até sua morte. Foi professor de cerâmica na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Se dedicou em especial à azulejaria, publicando o livro “Azulejos da Bahia”, em 1986. Reuniu azulejos de todos os períodos do Brasil (séculos XVII, XVIII, XIX de XX), hoje na coleção do Museu Udo Knoff. Atuou na pintura de azulejos, tanto como criador como executor de painéis de projetos de outros artistas, como Lênin Braga, Carybé, Jenner Augusto, Genaro de Carvalho, Floriano Teixeira, Calazans Neto, dentre outros.

- Abelardo Germano da Hora (1924-2014), pernambucano, trabalhou com Francisco Brennand de 1943 a 1945, produzindo jarros florais e pratos. Criou e presidiu, durante 10 anos, a Sociedade de Arte Moderna do Recife. Executou, a pedido da Prefeitura do Recife, esculturas de tipos populares inspirados na cerâmica popular que estão em praças da cidade: O Sertanejo, Os violeiros, O Vendedor de Caldo de Cana e o Vendedor de Pirulitos. Foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura Popular (MCP), através do qual construiu e dirigiu a Galeria de Arte, o Centro de Artes Plásticas e Artesanato e as Praças de Cultura, no Recife. Foi eleito delegado de Pernambuco na Seção Brasileira da Associação Internacional de Artes Plásticas, da Unesco, em 1956. Expôs em vários países da Europa, Ásia e Américas.

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- Armando Sendin (Rio de Janeiro, 1928) – trabalhou na Manufatura Nacional de Sèvres, na França, e desenvolveu pesquisas com o ceramista Zuloaga e técnicas de cerâmica de origem oriental com Guardiola e com Gonzalez-Marti, na Espanha. Publicou, em 1965, o livro didático “Cerâmica Artística”.

- Celeida Tostes (1929-1995) – ceramista carioca. Atuou como professora em escolas de belas artes no Rio de Janeiro. Ministrou curso de cerâmica utilitária em penitenciária feminina em Belo Horizonte e coordenou o projeto de formação de centros de cerâmica utilitária na periferia do Rio de Janeiro. Explorou o tema da feminilidade em sua obra, como fertilidade, maternidade, sexualidade, fragilidade e resistência, nascimento e morte.

Fig. 7: Celeida Tostes 7

O Brasil possui uma cerâmica popular muito rica. Através dela, os artistas populares revelam sua cultura, suas crenças, sua visão de mundo, sua religiosidade, e, geralmente, mostram sua luta diária pela sobrevivência, na labuta da atividade.

7 “Aldeia Funarius Rufus”. Instalação exibida na I Bienal do Barro de América, em Caracas, 1992.

Foto Divulgação?Acervo Suzete Muzeraqui. Disponível em

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No Brasil, costuma-se chamar de “arte popular” a produção de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que, sem jamais terem freqüentado escolas de arte, criam obras de reconhecido valor estético e artístico. Seus autores são gente do povo, o que, em geral, quer dizer pessoas com poucos recursos econômicos, que vivem no interior do país ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem “arte” significa, antes de mais nada, trabalho (Arte Popular Brasileira – Texto do Museu do Pontal).8

Dentre os artistas populares ceramistas, o mais famoso é Mestre Vitalino (1909-1963), de Caruaru (PE). Começou a modelar figuras no barro ainda criança, como brincadeira. Profissionalmente, retratou figuras do povo sertanejo, como vaqueiros, cangaceiros, violeiros, caçadores, trabalhadores em geral, inspirando a formação de novos artistas na região onde viveu. Obras suas estão expostas em museus no Brasil e no exterior, inclusive no Louvre. Em Pernambuco ainda temos Mestre Galdino (1923-1996), ceramista e poeta, e seu trabalho é composto de duas grandes séries: figuras de cangaceiros hieráticos e alongados e a das figuras fantásticas. Mestre Nuca, de Tracunhanhém (1937-2014) desde cedo fazia e vendia pequenas esculturas de cerâmica nas feiras, e mais tarde cria uma marca individual, produzindo figuras com cabelos encaracolados, lembrando jubas de leões. Ana das Carrancas (1923-2008) produziu carrancas de barro inspiradas nas embarcações do Rio São Francisco, recebendo o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco. Era conhecida também como a “Dama do Barro”. Todo o nordeste brasileiro contribuiu, e contribui, com grandes ceramistas populares, tanto figurativos quanto utilitários como vasos, panelas, moringas, cada local com suas particularidades impressas em suas criações.

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Disponível em <http//:www.///f:arte%20popular%20-%20museu%20do%20pontal. Acesso em:

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Fig. 8: Mestre Vitalino9 Fig. 9: Mestre Galdino10

No Pará, não podemos deixar de falar de Mestre Cardoso (1930-2006), renomado ceramista que nasceu no interior do estado. Ele foi o responsável pelo surgimento da cerâmica marajoara contemporânea na década de 70, juntamente com Mestre Cabeludo, se encantando por esta arte após uma visita ao Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, que possui uma rica coleção de cerâmica arqueológica que o encantou, fazendo-o se dedicar ao estudo das técnicas de produção indígenas (o estilo marajoara pertence à quarta fase arqueológica da Ilha de Marajó, geralmente em preto, vermelho e branco e modelagem em relevo, incisões e cortes e o tapajônico tem origem na cerâmica produzida na região do Rio Tapajós até o século XVIII, caracterizada por estatuetas, muiraquitãs, pratos e cachimbos). Pediu permissão ao museu para copiar suas peças e passou a reproduzi-las. Despertou o interesse dos ceramistas locais pelas cerâmicas marajoara e tapajônica, e hoje a cidade é a maior produtora e divulgadora da cerâmica indígena amazônica. Mestre Cardoso passou grande parte de sua vida produzindo estas réplicas, mas produzindo também suas próprias obras.

9 “Retirantes” – cerâmica. Acervo Museu de Arte Popular do Recife, foto de autoria desconhecida.

Disponível em <http://www.artepopularbrasil.blogs.com.br.html>. Acesso em 20/09/2015.

10

“Símbolo de Salomão” – cerâmica. Acervo do Memorial Mestre Galdino, Caruaru (PE). Foto de

Luciana Chagas. Disponível em:

<http://wwwartepopularbrasil.blogspot.com.br/search/label/mestre%galdino.html>. Acesso em 20/09/2015.

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Fig. 10: Mestre Cardoso11 Fig. 11: Mestre Cardoso12

No Espírito Santo, temos as famosas panelas de barro, de fabricação herdada dos índios, que alia sua função a produção de famoso e tradicional prato da culinária capixaba, a moqueca de peixe, apreciado por turistas atraídos por suas praias.

Fig. 12: Paneleiras de Goiabeiras13 Fig. 13: Panelas sendo queimadas14

11 “Vaso” - cerâmica marajoara. Disponível em:

<http://wwwartepopulardobrasil.blgspot.com-401x640.html>. Acesso em 20/09/2015.

12

“Mulher”. Reprodução em nome do autor, Proposta Editorial, São Paulo, 2008. Disponível em <http://wwwartepopulardobrasil. blogspot.com-116x500.html>. Acesso em 20/09/2015.

13 Foto g1.globo.com. Pesquisa por imagem. Disponível em:

<http://www.arteblog.net12014/02/16/conheça-panelas-barro-feitas-espirito-santo-artblog.net -300x225.buenalech-buenalech-.html>. Acesso em 20/09/2015.

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A cerâmica popular está presente também nos outros estados brasileiros. Onde houver uma argila trabalhável, o ceramista se instala, e sua tradição é passada de uma geração a outra cada local possuindo uma identidade própria, conseguida através dos costumes, religião, tipos de argila e equipamentos utilizados e o aprimoramento das técnicas.

1.3.2. A Cerâmica em Minas Gerais

Podemos considerar que Minas Gerais possui uma cerâmica representativa, tanto popular como erudita.

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preços altos no mercado. Foi homenageada na Unesco, em 2004. Noemisa (1947), como tantas outras, aprendeu o ofício com a mãe, ceramista utilitária. Sua temática é bastante variada, modelando cenas do cotidiano, arte religiosa, ritos religiosos, como casamentos, batizados e funerais, igrejas e santuários. Ulisses Pereira (1924-2006) produz figuras humanas e animais em seu cotidiano. Foi um dos primeiros homens a se dedicar a arte da cerâmica do Vale. Sua obra é baseada na cerâmica escultórica antropozoomorfa de grandes dimensões, alcançando mais de um metro, e foi descrita como expressionista, surrealista, mística, onírica, sobrenatural: figuras com várias cabeças, lobisomens, pássaros com pés humanos, Minotauro, etc. Estes três artistas aprenderam a função com as mães, paneleiras, como acontece com a maioria dos ceramistas populares.

Fig. 14: Dona Izabel 15 Fig. 15: Dona Noemisa16 Fig. 16: Ulisses Pereira 17

15 “Mulher Amamentando” - cerâmica policromada. Reprodução fotográfica desconhecida. Disponível

em <http://www.artepopularbrasil..blogspor.com.br/2010/11-isabel-mendes-da-cunha.html>. Acesso em 21/09/2015.

16

“Ceramista” - cerâmica policromada. Foto de Ana Bratke. Disponível em <http://www.artepopularbrasil.blogspot.com.br/search/label/noemisa.html>. Acesso em 21/09/2015.

17 Título desconhecido – cerâmica. Acervo do Pavilhão das Culturas Brasileiras, São Paulo, SP.

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A cerâmica Saramenha começou a ser produzida no século XIX, na chácara de mesmo nome, próximo a Ouro Preto, trazida de Portugal entre 1802 e 1808, pelo padre Viegas de Menezes, tendo quase sido extinta. Passou a ser valorizada quase um século depois, através das pesquisas de estudiosos e colecionadores, como o marchand paulista Paulo Vasconcelos, após encontrar um exemplar num antiquário carioca. Conseguiu recolher castiçais, bilhas, paliteiros, saleiros, formas refratárias, candeias e urinóis.

Era bárbara, grosseira [...] Ela possuía cores que variavam entre o amarelo-ouro e o avermelhado, sendo decorada com desenhos ingênuos e recoberta com desenhos ingênuos e recoberta com uma camada leve de verniz. Mas seu traço mais marcante é o vitrificado, obtido à custa de óxido de ferro e pedra moída derretidos em panelas de ferro adaptadas aos rústicos fornos da época. Notadamente, a sua concepção tem influência portuguesa, mas não só. Algumas vezes os utensílios tomam formas nitidamente chinesas, lembrando sagradas vasilhas de chá. Em outras, as formas remetem a produções mexicanas, configurando jarras ou bilhas com três saídas de água. Antoniette Fay, pesquisadora do Museu Nacional de Cerâmica, em Sèvres, ressaltou a semelhança de etilo com a louça antiga e do mesmo gênero da região francesa de Bouvais. (MACEDO, Edelma). 18

A cerâmica Saramenha foi exibida nos anos 70 do século passado na exposição Internacional de Bruxelas, e foi projetada internacionalmente. Apesar disso, quase desapareceu. Nas últimas décadas, sua produção era encontrada nas cidades de Ouro Preto, Sabará, Santa Luzia, Mariana, Caeté, Barão de Cocais e Santa Bárbara, mas a Casa do Artesão Mestre Bitinho, em Ouro Branco, é considerada a única unidade atualmente a produzir a Saramenha. Mestre Bitinho foi um ceramista que se dispôs a ensinar a técnica, quase extinta, que antes era passada de pai para filho, desde seu bisavô (técnica mantida em segredo), graças a um projeto do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, em convênio com a Prefeitura de Ouro Branco,

18

PROJETO EXPERIMENTAL: Arte e Artesanato – A Arte Saramenha. EBA-UFMG/BDMG Cultural. MACEDO, Edelma. Disponível em: <http//:www.eba.ufmg.br/alunos/kurtnavigator/artesanato/saramenha.html>. Acesso em 02/10/2015.

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onde morava. Mestre Bitinho faleceu em 1998, deixando 18 artesãos seguidores de seu ofício.

Fig. 17: Cerâmica Saramenha 19 Fig. 18: Cerâmica Saramenha 20

Em Brumadinho, a ceramista Toshiko Ishii, nascida no Japão, introduziu em Minas Gerais a cerâmica “Bizen”. Esta técnica apareceu na cidade do mesmo nome, localizada em uma ilha na província de Okoyama. É derivada da cerâmica medieval japonesa Sueki, fruto da incorporação da cerâmica japonesa com a coreana, cozida a altas temperaturas em fornos de buraco, construídos em encostas, por volta do século V d.C. Em meados do século VII d.C. a cerâmica Sueki sofreu novamente influência coreana e chinesa, passando a ser banhada com esmaltes. A cerâmica Bizen não utiliza esmaltes, e suas características, dureza, cores, manchas e sombras, são conseguidas com a longa cozedura, cerca de 70 horas ininterruptas, a alta temperatura (atingindo até 1.300 °C), e das cinzas depositadas sobre as peças, originadas da palha de arroz e conchas do mar colocadas entre as peças para a queima. O forno é aberto uma semana depois, quando as peças estão frias. Após morar em São Paulo, na década de 70 do século passado Toshiko veio para Minas. Aqui pesquisou as técnicas japonesas, após constatar que a argila da Fazenda

19

Pote com tampa, Diamantina (MG), Séc.XIX. Pesquisa por imagem: 250 x 320. Acervo EBA/UFMG. Disponível em: <http://www.eba.ufmg.br/alunos/kurtnavigator/arteartesanato/imageml-ceramica.html>. Acesso em 22/09/2015.

20 Jarras e potes. Minas Gerais, século XIX. Coleção Paulo Vasconcelos, SP. Disponível em

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Palhano (Distrito de Paraopebas), onde morava, era trabalhável. Suas experiências e obras chamaram a atenção de outros ceramistas, e cinco anos depois, na década de 80 do século passado, Erli Fantini, Adel Souki e Inês Antonini instalaram ateliers na região, criando assim um expressivo núcleo de cerâmica contemporânea. Toshiko Ishii faleceu em 2007, aos 96 anos. Erli Fantini nasceu em Sabará e atua também em BH, ministrando cursos de formação para ceramistas, organizando exposições e promovendo a divulgação da cerâmica. Adel Souki, natural de Divinópolis, usa de metáforas, através de objetos, esculturas e instalações. É professora de cerâmica na UEMG e coordena o Programa Residência da Cerâmica da ONG Programa da Juventude. Inês Antonini, belorizontina, é considerada uma das maiores ceramistas mineiras. Anualmente, desde 2006, acontece o Circuito da Cerâmica de Minas Gerais, realizado pela C/Arte Projetos Culturais e C/Arte Educativa, em Brumadinho, onde são oferecidas oficinas de cerâmica e encontros com ceramistas.

Fig. 19: Cerâmica Bizen21 Fig. 20: Cerâmica Bizen22

Em Belo Horizonte, Gianfranco Cavedone Cerri (1928-2008), professor de cerâmica da Escola de Belas Artes da UFMG, teve grande importância no ensino, produção e difusão da Cerâmica, além de atuar também como muralista, escultor, pintor, fotógrafo e restaurador. Suas obras encontram-se expostas principalmente em

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Toshiko Ishii: Vaso (fundo), Oribê, 8 x 20 x 30 cm, coleção Adel Souki. PEDRO, Fernando, www.comarte.com. Disponível em <http//:www.novalimaperfil.com.br/site-nlperfil/index.php?option=com-content&view=article&id=536:toshiko-ishii-e-o-circ.html>. Acesso em 22/09/2015.

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espaços públicos, como escolas e igrejas, espalhadas pelo Brasil afora. Com seu jeito bonachão, ministrava suas aulas de forma coloquial, quase não havendo distinção entre professor e aluno. Trouxe uma enorme bagagem de conhecimentos da Itália, onde nasceu, e a repartiu em terras mineiras, agora sua terra de coração. Foi através do Professor Cerri que adquiri gosto por esta atividade, assim como muitos outros alunos durante sua longa carreira de mestre nesta Instituição. Participou de minha empolgação pela descoberta das inúmeras possibilidades desta alquimia, de uma matéria tão simples como a argila se transformar em objetos carregados de significados, enchendo de satisfação o seu realizador.

Fig. 21: Gianfranco Cavedone Cerri23

23 “Jesus Consola as Mulheres de Jerusalém” – terracota em tamanho natural. Obra integrante da Via

Sacra da Basílica de São José Operário, em Barbacena, MG, década de 60. Disponível em <http://www.sabercultural.com/template/artebrasilespeciais/cerri-gianfranco-cavedone-2.html>.

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37 CAPÍTULO 2

2.1. O Ensino da Cerâmica em Ateliers

Atelier é uma palavra de origem francesa, que significa “oficina”. Normalmente o termo é utilizado para oficinas voltadas às atividades de arte e de artesanato, como pintura, escultura, desenho, gravura, moda. No atelier se encontram todos os equipamentos, ferramentas e insumos necessário ao seu funcionamento. Alguns se dedicam também ao ensino de sua atividade, tanto para pessoas em busca de um hobby como para aprendizes interessados em se capacitarem profissionalmente.

Para o artista ou artesão, o atelier representa a conquista de um espaço particular, cheio de significados, como um reduto de criação, reflexões e descobertas, quase um santuário. Para muitos, é a satisfação de um sonho. Porém, assumir um atelier exige grandes responsabilidades, entre elas o compromisso de resultados concretos e contínuos, sendo o ensino, muitas vezes, um meio de sobrevivência do empreendimento.

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Na Idade Média as oficinas passaram a funcionar nos mosteiros, verdadeiras cidadelas, protegidos de guerras e assaltos, onde os monges assumiram a tarefa do ensino dos segredos da pintura de iluminuras (ilustrações em livros de temas religiosos, doutrinários e de fundo moral), carpintaria, fabricação de vidros, cerâmica, fundição de metais, preparação de pedras de cantaria para construções, etc., de acordo com regras da Igreja e a seu serviço. Segundo Hauser24, por volta do séc. V os mosteiros, surgidos inicialmente na Irlanda, haviam se espalhado por toda a Europa, tomando dos bispos o controle da Igreja, o que contribuiu para que estes se tornassem centros culturais. Após o séc. IX os mosteiros centralizam as artes, a literatura, as ciências e os ensinos. As oficinas monásticas funcionavam como escolas de arte, fornecendo mão de obra qualificada aos próprios mosteiros, às catedrais e aos grandes senhores da época. Ainda segundo Hauser, não era só nos mosteiros que se produzia arte. Muitos artesãos independentes, que exerciam o ofício herdado dos antigos romanos, trabalhavam de maneira mais rudimentar, em estabalecimentos mais modestos, formando pequenos e livres mercados de trabalho, e outros, mais especializados, em palácios reais e grandes estabelecimentos, porém ainda considerados como pessoal doméstico. Foi nos mosteiros que aconteceu a separação das artes manuais do ambiente doméstico.

Com a riqueza crescente dos monges e a demanda por produtos, devido ao renascimento das cidades e o aparececimento de um grande mercado de trabalho, movimentado pelo dinheiro disponível, estes deixaram de executar o ofício e passaram a administrá-lo, contratanto oficinas de proprietários laicos, treinados nos mosteiros, ou trabalhadores ambulantes, determinando o surgimento de associaçãoes cooperativas de artistas e artesãos, chamadas Lodges. As Lodges eram grupos autônomos, com conteúdos próprios e governos indepedentes, que funcionavam junto à obra a ser executada. Reforçaram a noção de hierarquia entre as funções, estabelecendo campos de atuação distintos para arquitetos, mestres e operários. Eram contratadas para a construção de catedrais e igrejas, seguindo regras estabelecidas, sob direção artística e administrativa indicada pelo contratante. A organização do trabalho dos artistas e artesãos promovida pelos mosteiros influenciou o desenvolvimento da arte e da cultura, contribuindo para uma

24 HAUSER, Arnold:

História Social da Arte e da Cultura. Vol. 1, Jornal do Foro, Lisboa, 1994. Págs.

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relação mais positiva de seu ofício, numa época em que o trabalho manual era desprezado.

Com o aumento do poder aquisitivo da burguesia nas cidades e um novo mercado de trabalho surgindo, os artista e artesãos puderam, então, abandonar as Lodges e se estabelecerem como mestres indepedentes. Com isto aumentou a competição entre eles, sendo necessária a criação de mecanismos que organizassem e regulassem a atividade, surgindo, então, as Guildas ou Corporações de Artes e Ofícios (entre os séculos XII e XV). Eram associações cooperativas voltadas para a formação profissional de seus integrantes, o controle de qualidade de seus produtos e para a defesa de seus interesses, regulamentando e padronizando a produção e promovendo a venda de suas mercadorias. No topo da organização estava o mestre de ofício, que era o proprietário da oficina, com suas ferramentas e produtos. Dominava todo o processo de produção, contratava trabalhadores e estipulava os salários. A seu serviço trabalhavam os oficiais, profissionais com boa experiência, recebendo salários e executando as tarefas ordenadas pelo mestre, e os aprendizes, jovens em início de carreira que frequentavam a oficina para aprenderem o ofício. Haviam guildas das mais diversas modalidades de ofícios, como de arquitetos, pedreiros, carpinteiros, ceramistas, pintores, escultores, etc. Funcionavam nas cidades, junto a mercados e bazares, e negociavam seus produtos diretamente com o consumidor. Estas associações formavam verdadeiras irmandades, e são o embrião dos modernos sindicatos de trabalhadores e cooperativas.

O surgimento das academias de arte, a partir do séc. XVI, marcou a separação entre o artista e o mestre de ofício. As chamadas belas artes passaram a ser desenvolvidas nas academias e os ofícios continuaram a ser ensinados em oficinas particulares, em escolas profissionalizantes mantidas pelo poder público ou pela sociedade, através de ações de beneméritos e de igrejas.

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reafirmando a importância do trabalho artesanal, de acordo com o ideal das guildas medievais. O legado do movimento pode ser observado até hoje, em todo o mundo, com a propagação de oficinas de cerâmica, tecelagem, joalheria, etc., e a criação das escolas de artes e ofícios. Liga-se, em 1890, ao movimento internacional Art

Nouveau.

O estilo Art Nouveau empregava linhas curvas e retorcidas, em motivos ligados à natureza, integrando Arte, Artesanato e indústria. Agregava materiais como ferro, vidro e cimento, valendo-se da racionalidade das ciências e da engenharia. A intenção era aliar beleza e funcionalidade à produção em massa.

No início do séc. XX é criada na Alemanha a Escola Bauhaus (1919), resultado da fusão da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar. Propunha a associação entre Arte, Artesanato e indústria e a complementaridade das diferentes artes ao design e à arquitetura, sendo o aprendizado e o objetivo da Arte ligados ao fazer artístico, numa reintegração dos moldes medievais de Artes e Ofícios. Pretendia a formação das novas gerações de artistas comprometida com um ideal de sociedade civilizada e democrática, e estava ligada às vanguardas, especialmente ao Construtivismo russo, pelo seu caráter estético e político e a idéia de que a arte deve ser funcional, aliada à arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos.

Na década de 1920, aparece no cenário das artes aplicadas o Art Deco, retomando os valores do estilo Art Nouveau, porém com linhas retas e estilizadas, formas geométricas e design abstrato.

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41 2.1.1. Relato da Visita ao Atelier de Erli Fantini

A visita ao atelier de Erli Fantini25, que funciona no primeiro andar de um sobrado em um tradicional bairro de BH, foi realizada no horário em que ela ministrava sua aula. Ao entrar, um pequeno jardim com algumas obras suas já nos introduz à atmosfera do local. Na varanda, do lado esquerdo, um forno com peças queimadas e por serem retiradas, e do lado oposto várias peças, em forma de torres, causando um impacto estranho, misterioso, identificando a dona. Dentro do atelier, todo o aparato necessário ao funcionamento do atelier, tanto para seu uso como artista como para o ensino da cerâmica, como ferramentas, prateleiras com potes de esmaltes e pigmentos, pincéis, mesas, cadeiras, etc. E, absorvidos no trabalho, seus alunos executam trabalhos diversificados.

Obras de Erli Fantini 26

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O atelier funciona na Rua Quimberlita, no Bairro Santa Teresa.

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Erli me recebe muito gentilmente, como se fôssemos velhas conhecidas. Sinto uma empatia de parceria de sonhos e interesses comuns. O respeito pelo seu trabalho me inibe. Fico pensando se o questionário que preparei está à sua altura, porém agora é tarde para pensar em perguntas inteligentes para fazer, pois ela está à minha frente, sorrindo, e, então, me sinto mais à vontade.

Eu já conhecia um pouco de seu trabalho, sabia de sua importância para a cerâmica em Minas e no Brasil, comprovada pelas referências a seu trabalho por pesquisadores nesta área. Sabia, também, do seu extenso currículo como professora e expositora, mas quando penetrei em seu habitat, povoado por suas obras, tive a sensação de estar num mundo irreal, com figuras enigmáticas, misteriosas, carregadas de significados ocultos. Figuras que lembram habitantes de outros planetas, desconhecidos ainda. Formas ogivais, cilíndricas, retangulares, com uma unidade no conjunto e personalidades diferenciadas entre si. Ao mesmo tempo que vejo suas esculturas como figuras vivas, vejo também como habitações de tempos perdidos na memória, a espera de uma regressão para serem lembradas. Acho que Erli viajou no tempo e esculpiu na argila suas lembranças, que só poderiam ser transmitidas com a ação misteriosa do fogo, domado por ela através do bizen.

Painel de azulejos 27

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Suas placas de azulejos lembram escritas de nossos ancestrais, ainda esperando para serem decifrados.

Começo minha entrevista com Erli. Ela pergunta se eu elaborei um questionário e eu afimo que sim, mas que talvez, no decorrer de nossa conversa eu acrescente mais alguma pergunta. Pretendo ser bem objetiva , pois sei que seus alunos podem precisar dela a qualquer momento. Erli, então, fala, com paciência, do ensino da cerâmica em seu atelier. Diz que o perfil de seus alunos é de pessoas com profissões definidas ou aposentadas e donas de casa. No momento frequentam o atelier um arquiteto, uma psicóloga e algumas donas de casa. O curso é direcionada a adultos, e é livre, tanto na duração como na escolha da técnica a ser desenvolvida.

Oleiro em seu ofício no atelier28

O atelier oferece modelagem em argila plástica, manual, e dispõe de um torno, onde um oleiro torneia as peças que serão trabalhadas pelos alunos em variadas modalidades, como decoração com engobe, intervenções em sua forma, como aplicação de detalhes, recortes, furos, incisões, texturas, etc. O aluno aprende as

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técnicas de decoração da peça depois de queimada, a utilização dos vidrados, óxidos, pigmentos e corantes. Erli diz que estes produtos são adquiridos prontos devido à sua praticidade, mas que suas fórmulas são encontradas facilmente em livros especializados, caso algum aluno queira desenvolvê-las.

Pergunto a Erli a respeito da participação de seus alunos em eventos difusores da arte da cerâmica. Ela diz que eles participam de mostras e exposições, Diz também que organizou durante alguns anos a exposição de cerâmica do Mercado Distrital do Cruzeiro, agora realizada no Mercado Central, mas que agora deixou esta função para outros ceramistas. Segundo ela, a participação de seus alunos nestas exposições avalia sua participação no curso.

Questionada se o atelier tem algum envolvimento social, Erli diz que ministra palestras a alunos de escolas públicas sempre que solicitada, oferecendo visitas ao seu atelier, onde conhecem as obras expostas e têm um envolvimento maior ao entrar em contato com os materiais e equipamentos e observarem os procedimentos empregados. Estas visitas proporcionam aos alunos a oportunidade de vivenciarem a realidade de um artista em sua atividade, desmistificando-o, podendo despertar neles o interesse em seguir os caminhos da Arte, especialmente através da Cerâmica.

Encerro minha conversa com Erli Fantini, pedindo autorização para algumas fotos. Ela, então, gentilmente, presenteia-me com seu livro “Cidades”.

2.1.2. Relato da Visita ao Atelier Ceramicano

O atelier funciona em um pavimento da residência da professora Regina29. O espaço é muito organizado, limpo, claro e arejado. Logo na entrada fica um cabideiro com vários aventais para uso dos alunos. Nas paredes e estantes, objetos de cerâmica esmaltados, como pratos e potes, oferecem um mostruário aos alunos. Outros

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objetos, produzidos por alunas, aguardam a queima, que será feita no forno elétrico do atelier, a 1.000 graus (esmalte de baixa temperatura de queima), uma mesinha com pincéis e outros materiais para a execução da decoração das peças, adquiridas de terceiros no estágio de biscoito (primeira queima). Os esmaltes utilizados estão expostos em uma prateleira, identificados e acondicionados em pequenos potes. Por todo o atelier há peças de cerâmica, de variadas formas e estilos de decoração, principalmente motivos figurativos. Há também uma prateleira com potes de variados modelos e tamanhos, esperando serem escolhidos para que possam mostrar seu encanto. Regina explica que são fornecidos por um oleiro da região.

Mostruário de técnicas

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função do emprego do marido, há 38 anos. Esta amiga havia se matriculado em um curso de cerâmica em um atelier de cursos livres e a convidou a assitir a uma aula, e ela se encantou com a arte. A partir daí, não parou mais, pesquisando técnicas, frequentando lojas de materiais cerâmicas, onde encontrava indicações de pessoas que ensinavam as técnicas que eram apresentadas por elas, inclusive no exterior. Disse que herdou a paixão pelos trabalhos manuais da avó, que bordava e tecia. De volta a BH, começou a ensinar. Conta que foi proprietária de uma fábrica de cerâmica decorativa e utilitária que produzia através de formas de gesso, confeccionadas pela cunhada, e qual funcionou durante 12 anos, atividade que exercia paralelamente ao ensino de esmaltação em cerâmica. Pergunto a razão da escolha desta técnica, e ela diz que, de todas as técnicas de decoração, foi sempre esta a sua preferida, e a que despertou maior interesse às pessoas que a procuravam. Diz que, no início, ensinava a modelagem com argila, mas resolveu se dedicar predominantemente à esmaltação. Me mostra então peças modeladas por ela, algumas esperando a queima, outras esmaltadas, em exposição no atelier.

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repetí-lo posteriormente. Oferece aulas de fevereiro a junho e de agosto a meados de dezembro.

Esmaltes e pigmentos do atelier

Segundo a professora Regina, seus alunos participam de feiras, exposições e bazares, sendo orientados e encentivados a isto. O atelier procura, também, cumprir seu papel social, e todo final de ano participa de alguma ação para isso. Neste ano vai arrecadar doações para a compra de suplemento alimentar para as crianças com câncer da Fundação Sara.

A professora Regina disse que adora ensinar, e mesmo não tendo formação acadêmica, desempenha bem sua tarefa de professora.

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49 CAPÍTULO 3

3.1. Relato de Atuação em Oficina de Cerâmica

Quando fui convidada a ensinar cerâmica para os internos de uma instituição de recuperação de dependentes químicos30, fiquei, durante algum tempo, indecisa se devia aceitar ou não, pois tinha uma idéia preconcebida a respeito destas pessoas. Achava que iria encontrar seres agressivos e revoltados por estarem ali, mas eu estava equivocada. Encontrei pessoas comuns, que passariam despercebidas se encontradas em outras circunstâncias, e em outros ambientes. O que as diferenciavam, olhando-as mais atentamente, eram os olhos angustiados ou tristes. Aceitei a tarefa, incentivada pelo colega que trabalha com teatro e desenvolveria dinâmicas de grupo com eles, e propôs que inicialmente fôssemos no mesmo horário, intercalando suas atividades com a minha. Ele já contava com bastante experiência como professor em oficinas de teatro.

Logo no primeiro dia, minha resistência caiu. Senti que poderia desenvolver um trabalho satisfatório para eles e enriquecedor para mim, eu que estava precisando de uma maneira de começar a ensinar. Não tinha como objetivo ajudar no tratamento diretamente, pois não era minha função como professora de Arte, nem formar artistas, porém proporcionar momentos de experienciação em Arte.

Ficamos, meu colega e eu, desenvolvendo as duas atividades paralelamente durante dois meses. Eu observava a desenvoltura dele ao trabalhar com as dinâmicas de grupo, e peguei um pouco de jeito, também devido à colaboração dos alunos, muito receptivos, ávidos por atividades que tornassem seu tempo menos entediante. Eles se interessaram, de verdade, pelas novidades apresentadas, visto que apenas um entre os doze já havia experimentada um pouco do fazer artístico. Às vezes, fico imaginando quantas obras de arte poderiam ser criadas se houvesse oportunidade para isso, nesta terra de tanto talento para a criação em outras áreas, como por exemplo, nos vídeos postados na internet. Mas, para que isso venha a

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acontecer, precisaria de uma maior eficiência das escolas formais neste conteúdo, através de maiores investimentos na formação de professores e sua manutenção na função, através de melhores salários e condições de trabalho.

Nossa primeira atividade em comum envolveu a confecção de máscaras, que poderia contemplar a atividade teatral e a criação com a materialidade. Fundimos no gesso o rosto de todos em dois dias de aula, com todos participando ativa e coletivamente. Para isso, utilizamos faixas gessadas, compradas em farmácia, molhadas e colocadas sobre o rosto, besuntado de vaselina, para copiar sua forma. Tivemos algumas situações divertidas, como, por exemplo, de um dos alunos cochilando durante o processo, roncando ruidosamente (com o movimento da bochecha por causa do ronco, sua máscara ficou com uma deformação em um dos lados). Depois da fundição dos rostos, trabalhamos com argila sobre eles, acrescentando verrugas, chifres, deformações e outros elementos estranhos, dando forma às máscaras, e fizemos novamente as formas para que fossem confeccionadas. Produzimos máscaras empapeladas e em cerâmica. As máscaras empapeladas foram confeccionadas com papel craft e cola branca, com as imperfeições corrigidas com massa acrílica e massa corrida, e pintadas com tinta acrílica de paredes branca pigmentada com corante líquido.

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Antes de executar a pintura nas máscaras, utilizamos um dia de aula para ensinar um pouco da teoria das cores, e eles tiveram oportunidade de aprender sua magia, misturado as tintas primárias para conseguir as outras cores. Esta aula foi muito interessante. Os alunos ficaram encantados com as faixas coloridas pintadas com as cores preparadas por eles, considerando-as verdadeiras obras de arte.

Quando trabalhamos com as máscaras em cerâmica eu já estava atuando em dias diferentes do meu colega do teatro, já tendo ensinado algumas técnicas de modelagem aos alunos.

Para executar as máscaras em cerâmica utilizamos a técnica de placas, estendendo-as sobre a forma com a ajuda de uma bucha de espuma, molhada, e também a técnica de rolinhos, usando engobe para a decoração. Os alunos aprenderam a preparar os engobes utilizando argila da própria região. Os engobes verde, azul, preto e marrom foram feitos com corantes minerais comprados. Como a clínica não possui forno para a queima da cerâmica, eu as queimei em meu forno.

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A esta altura eu já havia passado aos alunos os principais fundamentos da cerâmica. Trabalhamos com as técnicas de rolinhos, placas, blocos esculpidos e depois ocados, a utilização das estecas e seus recursos para efeitos de decoração, como ranhuras, texturas, incisões, etc., e também a utilização de palitos, gravetos, talheres e outros objetos, explorando suas possibilidades também para imprimir texturas pressionando-se sobre a superfície da argila. Às vezes algum aluno tenta resolver o assunto abordado de forma simplista ou negligente, e, então, dificulto o trabalho, para que ele se esforce mais, exercitando sua imaginação e raciocínio. Este artifício usado por eles pode ser devido à sua doença, quando falta firmeza nas mãos, ou elas tremem. Alguns têm dificuldades de manter informações recentes, esquecendo rapidamente as orientações, tendo que ser repetidas várias vezes em pouco espaço de tempo. Sentem uma grande necessidade de aprovação, ficando orgulhosos com suas realizações.

Apesar da dificuldade motora e neurológica de alguns alunos, o resultado tem sido satisfatório, com uma produção razoável de trabalhados. Mesmo um determinado paciente, portador de Alzeheimer, que conseguia somente amassar a argila nas mãos, mostra satisfação em participar das aulas, também pelo fato de acompanhar os colegas até o local das atividades.

O tempo de internação é variável, de acordo com a condição do paciente e sua resposta ao tratamento prescrito. Por isso, é necessário ir adaptando as tarefas de acordo com o andamento do tratamento. Quando o paciente tem um tempo maior de internação, é possível desenvolver um programa bem amplo. Cada vez que chega novo aluno, este recebe as orientações básicas sobre as técnicas. Agora, temos também duas mulheres na turma, o que está fazendo bem ao grupo, pois proporciona uma dinâmica diferente, mas leve e mais alegre. Elas mostram uma grande intimidade com a argila, remetendo-me ao fato de ser das mulheres a tarefa da produção da cerâmica em muitas culturas primitivas.

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Algumas atividades podem ser retomadas depois de certo período, quando todos que a desenvolveram já tiveram alta médica, geralmente seis meses depois. Outras podem ser retomadas sob outro contexto, como no exemplo da confecção de máscaras. Depois da primeira atividade, retomamos ao assunto com o uso das formas de gesso para o estudo da técnica de placas e rolinhos em cerâmica.

A clínica funciona em uma casa adaptada, em uma grande área verde, que vai da rua até a margem de uma das lagoas do município. Antes da clínica, este sítio era alugado para fins de semana. O local é muito agradável e inspirador, onde a natureza está presente. Por todo lado, árvores enormes, frutíferas e nativas. Vários animais silvestres frequentam o local, como micos, esquilos e gambás, além de uma grande variedade de pássaros, como tucanos, bem-te-vis, sabiás, todos cantores, além de uma arara azul, pássaro abandonado por um antigo morador da casa e que se tornou mascote dos atuais ocupantes. E muitas borboletas. A oficina de cerâmica funciona, provisoriamente, em um quiosque de sapé e madeira, com algumas mesas e bancos de pedra ardósia, ao lado de uma pequena piscina, com a lagoa ao fundo, depois de um campinho de futebol. Nossos materiais e ferramentas ficam guardados em um anexo onde eram guardadas coisas sem utilidade.

Imagem

Foto  Divulgação?Acervo  Suzete  Muzeraqui.  Disponível  em
Fig. 12: Paneleiras de Goiabeiras 13                         Fig. 13: Panelas sendo queimadas 14
Fig. 14: Dona Izabel  15                       Fig. 15: Dona Noemisa 16     Fig. 16: Ulisses Pereira  17
Fig. 17: Cerâmica Saramenha  19                  Fig. 18: Cerâmica Saramenha  20

Referências

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