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Campo de públicas no Brasil: definição, movimento constitutivo e desafios atuais

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Academic year: 2017

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ISSN 2175-5787

Correspondência/Correspondence: Valdemir Pires, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Departamento de Administração Pública. Rodovia Araraquara-Jaú, Km 1. 14800-901 - Araraquara, SP - Brasil - Caixa-postal: 174.

pires.valdemir@gmail.com

Avaliado pelo / Evaluated by review system - Editor Científico / Scientific Editor : Magnus Luiz Emmendoerfer Recebido em 05 de junho, 2013; aceito em 07 de julho, 2014, publicação online em 16 de julho, 2014. Received on June 05, 2013; accepted on July 07, 2014, published online on July 16, 2014.

ARTIGO CONVIDADO ORIGINAL / ORIGINAL INVITED ARTICLE

Dossiê - Campo de Públicas no Brasil: definição, movimento

constitutivo e desafios atuais

Dossier - Campo de Públicas in Brazil: Definition, Historical

Development and Current Challenges

Valdemir Pires

Doutor em Educação, Professor Assistente, Universidade Estadual Paulista, Brasil, pires.valdemir@gmail.com , http://lattes.cnpq.br/7083568892794411

Suylan de A. Midlej e Silva

Doutora em Sociologia, Professora Adjunta, Universidade de Brasília, Brasil, suylan@unb.br , http://lattes.cnpq.br/9693261612063921

Sérgio Azevedo Fonseca

Doutor em Administração, Docente Permanente, Universidade Estadual Paulista, Brasil, saf@fclar.unesp.br , http://lattes.cnpq.br/2879240108726907

Patrícia Vendramini

Doutora em Administração, Professora efetiva, Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil, patricia.vendramini@udesc.br , http://lattes.cnpq.br/7174087636748660

Fernando de Souza Coelho

Doutor em Administração Pública e Governo, Professor Doutor MS-3 (nível I), Universidade de São Paulo, Brasil, fernandocoelho@usp.br , http://lattes.cnpq.br/2038805993153668

Resumo: Este artigo apresenta o Campo de Públicas, que congrega professores e estudantes dos cursos de graduação em Administração Pública, Gestão Pública, Gestão de Políticas Públicas, Gestão Social e Política Públicas, no Brasil, em torno do ethos republicano e democrático como valores, e da visão multidisciplinar como proposta de construção do conhecimento. Baseado em pesquisa bibliográfica, análise documental e, sobretudo, na observação participante dos autores como atores na construção do Campo, o artigo é per se um dossiê. Inicia-se com a definição do Campo e descreve – pormenorizadamente – seu movimento constitutivo nos últimos 12 anos, que culminou na homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais de Administração Pública, em 2013. O texto mostra a concretização e o crescimento do Campo no país, diante da crescente oferta do ensino de graduação, perante a revalorização e a ampliação do setor público no país. Ao final, elencam-se alguns desafios, concernentes ao seu processo de institucionalização e identidade.

Palavras-chave: Ensino de Graduação; Setor Público; Diretrizes Curriculares Nacionais de Administração Pública; ENEAP; Área de Conhecimento Multidisciplinar.

Abstract: This article introduces the Public’s Field, which brings together teachers and students of undergraduate courses in Public Administration, Public

Management, Public Policy, Public Management and Social Policy in Brazil, around the republican and democratic ethos as values, and multidisciplinary approach as proposed construction of knowledge. Based on a literature review, documental analysis, and especially in participant observation of the authors as actors in the construction Field, the article is per se a dossier. It starts with the definition of the Field and describes - in detail - their constituent movement in the last 12 years, culminating in the approval of the National Curriculum Guidelines of Public Administration in 2013. The text shows the achievement and growth of Field in the country before the growing supply of undergraduate courses, stimulated by upgrading and expansion of the public sector. Finally, we list some challenges, concerning the process of institutionalization and identity.

Keywords: Undergraduate Studies; Public Sector; National Curriculum Guidelines for Public Administration; ENEAP; Area of Multidisciplinary Knowledge.

Texto completo em português: http://www.apgs.ufv.br Full text in Portuguese: http://www.apgs.ufv.br

"Tudo igual, nada! Gestão pública não é gestão privada!"

(Estudantes dos cursos do Campo de Públicas durante manifestação em reunião do CNE, Brasília, 1/10/2013)1.

Introdução

Este artigo apresenta o Campo de Públicas, um grupo de atores universitários (professores, gestores acadêmicos e estudantes) de várias partes do Brasil que há pouco mais de uma década vem realizando atividades comuns para tratar de temas científicos, organizacionais, de regulação e avaliação educacional, a partir de diferentes fundamentos epistemológicos, compondo um espaço

multifacetado, aqui considerado uma área de conhecimento multidisciplinar embrionária.

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Coordenadores dos Cursos do Campo de Públicas (FP3CP). Alguns desses fóruns ocorrem em paralelo aos Encontros Nacionais dos Estudantes do Campo de Públicas (Eneaps), organizados pelos estudantes com o apoio da Federação Nacional dos Estudantes dos Cursos do Campo de Públicas (Feneap). Esses docentes e coordenadores de cursos atuam, sobretudo, em programas de graduação (bacharelados e tecnológicos) que originaram e vem sustentando o Campo de Públicas nos últimos 10 anos. Muitos são, ao mesmo tempo, credenciados em cursos de pós-graduação, ativos membros de associações científicas e/ou frequentadores regulares de seus eventos, com publicações nos anais e periódicos por elas mantidos. Destacam-se entre os eventos que mais atraem esses pesquisadores o Encontro da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Enanpad), o Encontro Nacional da Divisão de Administração Pública da Anpad (EnAPG), o Encontro Nacional dos Pesquisadores em Gestão Social (Enapegs), o Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), o Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), o Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Enanpur), o Colóquio Internacional de Poder Local, entre outros.

O processo de elaboração do artigo abrangeu levantamento sistemático das informações históricas do Campo de Públicas, vivenciadas, em diferentes momentos, pelos autores, na busca pela construção e pelo reconhecimento das idiossincrasias do Campo junto à sociedade e, sobretudo, junto aos órgãos reguladores. Esse protagonismo se reflete na representação e na mobilização de uma rede, composta por aproximadamente duas centenas de professores e mais de mil estudantes de graduação2. Nesta pesquisa, estabeleceu-se um diálogo, ora presencial ora virtual, mediado pelos instrumentos propiciados pela internet, (dada a distância geográfica entre seus membros), com troca de textos parciais, sendo, ao final, reconstruídos de modo a resultar no presente documento. Ademais, pela extensão e nível de detalhe do trabalho, resultado da triangulação entre pesquisa bibliográfica, análise documental e observação participante, o texto se traduz em um artigo-dossiê.

O objetivo deste artigo-dossiê é dar início a uma reflexão acerca do significado e da importância da existência do Campo de Públicas no Brasil (do ponto de vista não só acadêmico-científico como, também, institucional e político-administrativo). Além de sistematizar o processo de seu surgimento e percurso, o artigo pretende registrar, aos seus atores, uma visão de seu passado e de seu presente e, aos demais, a percepção de um fato novo no ambiente acadêmico das Ciências Sociais Aplicadas e Humanas, com consequências sobre o fazer científico, sobre o ensino superior e sobre as potenciais relações universidade-sociedade/governos. Trata-se de texto elaborado por observadores e objetos de observação que, vez ou outra, se confundem, se aproximando do procedimento de uma pesquisa-ação sem, no entanto, reduzir sua importância para o

avanço dos fazeres científicos e educacionais do Campo de Públicas.

A sua estrutura contempla, na seção 1, a definição de Campo de Públicas, considerando-a como uma visão-síntese que o grupo tem de si próprio. Na seção 2, cerne do trabalho, é detalhado o histórico do Campo de Públicas, tomando por referência inicial o ano de 2002, prosseguindo até as mobilizações mais recentes para a sua autonomia. Na seção 3 analisa-se a oferta do ensino de graduação que ensejou a existência do Campo de Públicas e o sustentou, interpretando-o como o embrião de uma área de conhecimento multidisciplinar, uma vez que sua configuração une cursos com diferentes enfoques, mas todos compartilham o setor público como objeto de estudo e atuação profissional e o ethos republicano e a democracia como valores. Nas considerações finais, faz-se uma síntese dos desafios atuais a serem enfrentados pelo Campo de Públicas para atuar com esse caráter multidisciplinar e cumprir um papel no ambiente universitário, em diálogo com a sociedade, com os governos e com a Administração Pública no Brasil, mantendo o foco na produção de conhecimento e na solução de problemas nacionais.

Campo de Públicas: em busca de uma definição

Não é possível definir o Campo de Públicas senão de um modo provisório e em movimento, uma vez que se trata de conceber um grupo de atores cuja identidade ainda está em construção, iniciando-se, como se depreenderá do histórico apresentado na seção 2, por um esforço político-acadêmico para diferenciar objetos e objetivos de cursos de graduação focados na gestão pública daqueles voltados para a administração de empresas. Explica-se por este caminho a expressão Públicas, em oposição a Empresariais. Ou seja, procura-se delimitar dois campos que, embora técnica e cientificamente lidem com questões, temas e problemas de gestão, o fazem se relacionando com objetos distintos e objetivos não só diferentes, mas delineados por meio de processos e mecanismos completamente específicos. Isso compreendido, torna a denominação Campo de Públicas mais aceitável, reduzindo o estranhamento frente a uma expressão que, em princípio, pode parecer vaga e inconsistente, ou até mesmo gramaticalmente estranha.

Enquanto na língua inglesa o termo Public Affairs dá conta do significado da esfera pública no que concerne à sua abrangência e à sua diferenciação da arena do business management, na língua

portuguesa e, especialmente no Brasil, o termo administração pública não apresenta essa acepção pelo seu histórico aprisionamento institucional à área de administração empresarial. Logo, a terminologia Campo de Públicas contém uma ideia-força que foi relevante, em um determinado momento, para opor Administração Pública a Administração de Empresas (privada), por razões não só epistemológicas, mas de gestão e de avaliação educacional.

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ao aglutinar atores, gerar atividades e estabelecer ações em defesa de uma visão determinada a respeito do ensino, da pesquisa, da formação profissional e das relações Estado-sociedade.

Assim, Campo de Públicas é uma expressão utilizada por professores, pesquisadores, estudantes, egressos-profissionais e dirigentes de cursos de Administração Pública, Gestão de Políticas Públicas, Gestão Pública, Gestão Social e Políticas Públicas, de universidades brasileiras, para designar, essencialmente, um campo

multidisciplinar de ensino, pesquisa e fazeres tecnopolíticos, no

âmbito das Ciências Sociais Aplicadas e das Ciências Humanas, que se volta para assuntos, temas, problemas e questões de interesse público, de bem-estar coletivo e de políticas públicas inclusivas, em uma renovada perspectiva republicana ao encarar as ações governamentais, dos movimentos da sociedade civil organizada e das interações entre governo e sociedade, na busca do desenvolvimento socioeconômico sustentável, em contexto de aprofundamento da democracia.

Nesta definição foi, como se percebe, incluída a lista de cursos de graduação que compõem o Campo de Públicas. Note-se que aquilo que, inicialmente, era apenas Administração Pública no Brasil (contrapondo-se a Administração de Empresas), passou a ser um grupo de cursos de diferentes denominações, mas com afinidades com relação ao objeto de que tratam. De fato, como ficará patente na seção 3, na oferta da educação superior nacional na última década ocorreu uma diversificação de tipos de cursos de graduação presencial na temática de Gestão Pública, com o surgimento de bacharelados e cursos tecnológicos com novos designs curriculares, como os de Políticas Públicas, de Gestão de Políticas Públicas, de Gestão Social e mesmo de Gestão Pública, ao lado dos já tradicionais cursos de Administração Pública.

Enfim, com a homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Administração Pública em 2013 (Resolução n. 1, 2014), as quais se aplicam a todos os bacharelados do Campo de Públicas, a definição – supramencionada – obtém, formalmente, o seu reconhecimento no ensino de graduação no país. Agora, naturalmente, os desafios atuais e futuros do Campo de Públicas englobam a extensão gradual de sua definição para a arena da pós-graduação e do sistema de pesquisa, de forma a fortalecer seu

status de área de conhecimento multidisciplinar.

Surgimento e desenvolvimento do Campo de Públicas

Para se entender o surgimento e o desenvolvimento do Campo de Públicas, como antes definido, há que se levar em conta dois aspectos:

 As visões e ações dos atores do Campo de Públicas frente aos distintos momentos que marcaram o contexto acadêmico de 2002 a 2014; e

 As mobilizações mais recentes em defesa da autonomia dos cursos de graduação do Campo de Públicas.

Grosso modo, tendo como pano de fundo a redefinição do espaço público diante da crise e das transformações do Estado no Brasil nos últimos 25 anos, com alterações evidentes no perfil e na demanda de formação acadêmico-profissional para o setor público do país e na existência de um boom na oferta de cursos de graduação em território nacional na macro-área de gestão pública na década de 2000, os atores desse Campo se articularam e se organizaram, fortemente, ao longo do último quinquênio.

Nesse ínterim, o Campo de Públicas atuou defendendo alguns valores, uma visão normativa de bom governo, uma noção de ciência/conhecimento e de formação/atuação profissional específica, em torno dos quais veio a constituir-se o embrião de uma área conhecimento multidisciplinar, inicialmente identificada no ensino de graduação. A partir desse posicionamento, resultante da ação-reflexão cotidiana, passaram a dialogar entre si (aglutinando-se), com os órgãos de gestão educacional (aproximando-se), com o “Campo de Privadas/Empresariais” (de certo modo confrontando-se, seja no âmbito acadêmico, seja no âmbito da regulação da atividade profissional).

Visões e ações dos atores do Campo de Públicas frente ao contexto acadêmico de 2002 a 2014

Desde os anos 1980, as discussões teóricas a respeito das mudanças na Administração Pública e no Estado, além das diversas mobilizações de acadêmicos para a solução de problemas no novo padrão de governabilidade pós-Constituição de 1988, fortalecem a retomada da esfera pública como espaço de ação humana (Arendt, 2003). Adota-se aqui, no entanto, o ano de 2002 como o de início de um movimento que pode ser tomado como a mobilização acadêmico-científica do Campo de Públicas, inicialmente um movimento por autonomia do bacharelado de Administração Pública em relação à área de Administração de Empresas, avançando, posteriormente, na congregação de diferentes cursos com o denominador “Públicas”, a ser reconhecido no sistema de regulação e de avaliação educacional

Desde o final dos anos 1970 nos países anglo-saxônicos e desde o término da década de 1980 nos países latino-americanos, assistiu-se à supremacia de visões teóricas que defendiam a diminuição do papel do Estado diante da crise econômico-financeira e do endividamento público, despropositando, conjunturalmente, o ensino de Administração Pública. No Brasil, o fechamento do mais antigo curso de graduação em Administração Pública em 1983 (o bacharelado da EBAP-FGV), no entremeio da crise do Estado (e do paradigma da Administração Pública), simboliza esse período (Coelho, Olenscki e Prado, 2011).

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empresariais. O mimetismo da administração de empresas para a gestão pública tornou-se um dos principais problemas de organização do ensino dos cursos que subsistiam à época, o que era referendado pelo segundo currículo mínimo de Administração aprovado em 1993 (Coelho, 2008b).

Em linhas gerais, essa transposição se ramificou e invadiu a esfera do conhecimento, expressando-se numa articulação hegemônica dos cursos superiores de Administração de Empresas, implicando a subordinação dos cursos de Administração Pública a essa lógica. Isso se refletiu na estagnação quantitativa e na hibridização qualitativa desses cursos: subsistiram, ao longo da década de 1990, com problemas de sustentação, apenas três cursos de Administração Pública em nível de graduação no país, o da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e o da Universidade Estadual Paulista (FCL-Unesp), no Estado de São Paulo, e o Escola de Governo da Fundação João Pinheiro (EG-FJP/MG), em Minas Gerais3. Os projetos político-pedagógicos desses cursos eram orientados pelo Currículo Mínimo de Administração, resultando na incorporação, às suas grades curriculares, de conteúdos e disciplinas estranhos ao seu campo epistêmico, importados da estrutura de Administração de Empresas e determinados pelo parecer 433/93, da Comissão Central de Currículos do Conselho Nacional de Educação (CNE).

No plano formal, uma das principais expressões dessa articulação hegemônica foi a diplomação dos egressos dos cursos de Administração Pública como bacharéis em Administração, com a simples ressalva da “habilitação em Administração Pública” nos versos dos diplomas. Consumara-se a imposição da Administração Pública como uma sub-área ou mera especialização do campo de administração.

Tratava-se de uma subordinação que, no entanto, criava incômodos às até então escassas redes acadêmicas vinculadas aos cursos de Administração Pública existentes. Incômodos que passaram a motivar a busca pela conquista de espaço próprio nos meios acadêmicos e científicos. Em relação a esse movimento, é possível delimitar quatro períodos, ou momentos sequenciados, pela autonomia dos cursos do Campo de Públicas frente à lógica da Administração de Empresas e no âmbito do sistema de regulação e avaliação educacional brasileiro.

Primeiro período (anos 2002 a 2005): a afirmação das diferenças e o reconhecimento da identidade própria

A subordinação ao campo da Administração geral começa a ser questionada, por inadequada à área de Administração Pública, apenas no começo do século XXI, no curso de um novo contexto histórico e de dois eventos demarcatórios. O novo contexto histórico é aquele marcado pelo refluxo do pensamento hegemônico contrário à intervenção estatal e às políticas a ele inerentes (privatizações, reformas de cunho quase-empresarial etc.), acompanhado pelos desdobramentos em termos de implantação dos preceitos da

Constituição de 1998. Uma vez retomada a capacidade de investimento público após a estabilização econômica e ajuste fiscal conduzidos na segunda metade dos anos 1990, a pauta governamental volta-se para a ampliação das políticas públicas em um contexto de Estado-Rede e de aprofundamento da democracia. Os dois eventos embrionários do futuro Campo de Públicas tiveram lugar no ano de 2002: o II Encontro Nacional sobre Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Administração e o I Encontro Nacional dos Estudantes de Administração Pública (I Eneap).

O primeiro desses encontros ocorreu em 13 de junho de 2002, em Brasília. Convocado pelo Conselho Federal de Administração (CFA) e pela Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (Angrad), este evento contou com a participação de mais de 300 coordenadores de Cursos de Administração (dentre estes, apenas um coordenador de um curso especificamente de Administração Pública – o da Unesp) de todo o país e teve como objetivo debater o texto preliminar das diretrizes curriculares para os Cursos de Graduação – Bacharelado – em Administração.

Durante a assembleia final do encontro, o então coordenador do Curso de Administração Pública da Unesp manifestou, de público, a sua discordância quanto à proposta, defendida pelo CFA e pela Angrad, de manutenção da equiparação dos Cursos de Administração Pública aos demais pertencentes à área de Administração de Empresas. Isso implicaria, como acabou de fato ocorrendo posteriormente, a necessidade de observância, pelos Cursos de Administração Pública, dos conteúdos e orientações que vieram a constituir as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dos Cursos de Administração no país (algo que já ocorria desde o primeiro currículo mínimo de Administração, datado de 1966).

O segundo evento constitutivo do Campo de Públicas, o I Eneap, teve sua primeira edição realizada em Araraquara-SP, no início do mês de agosto de 2002, ou seja, logo depois do encontro promovido pela CFA/Angrad. Organizado pelo Centro Acadêmico de Administração Pública da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara da Unesp, em parceria com o Centro Acadêmico de Administração Pública da FGV-SP, o I Eneap contou com a participação de cerca de 150 estudantes, sobretudo dos dois cursos organizadores, além de outras pequenas delegações convidadas por meio de relações interpessoais dos organizadores. Esses dois eventos foram embriões de iniciativas posteriores que, por sua vez, culminaram na efetiva criação do Campo de Públicas.

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[...]”. Rendendo-se à evidência normativa apresentada, o CFA e a Angrad emitiram, após o encontro, em setembro de 2005, um Comunicado Nacional, reconhecendo que: fica definida a existência, exclusivamente, das denominações de “Curso de Administração” e de “Curso de Administração Pública”, este último fundamentado na própria origem dos cursos de Administração no Brasil, e ainda, com base no Parecer C.E.Su/MEC nº 307, de 8 de julho de 1966.

O mesmo reconhecimento foi oficializado no ano seguinte, ao ser publicado, no Diário Oficial da União de 17 de maio de 2006, o despacho do Diretor do Departamento de Supervisão do Ensino Superior do Ministério da Educação (Desup/MEC) estabelecendo a distinção entre o Bacharelado em Administração e o Bacharelado em Administração Pública. Firmava-se, neste ato, um novo marco regulatório, que daria suporte institucional a ao surgimento de novos cursos de Administração Pública, que passaram a ser criados a partir de 2004, sendo o primeiro o da Esag-Udesc.

Em adição, cabe destacar que, diante de um macroambiente favorável ao ensino de gestão pública e, utilizando-se do movimento de expansão das universidades públicas federais e estaduais nos anos 2000, observa-se, igualmente, a criação de bacharelados interdisciplinares em gestão/políticas pública(s) e/ou social, independentes das DCNs de Administração recém-aprovadas. Neste caso, a primeira experiência foi em 2005 com o curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP.

Assim, estavam criadas as pré-condições para o nascimento do Campo de Públicas.

Segundo período (2006 2009): o nascimento do Campo de

Públicas

O Campo de Públicas foi se estruturando como um movimento em torno dos Eneaps, reforçado pelos Fóruns de Professores e Coordenadores dos Cursos do Campo de Públicas (FP3CP).

Reconhecido como um dos principais embriões para o nascimento do Campo de Públicas, o I Eneap em 2002 se desdobrou em edições anuais ininterruptas, essencialmente itinerantes, com índices de participação de delegações, de estudantes e de docentes cada vez maiores e com níveis de organização sucessivamente aprimorados. Em 2003, o Eneap ocorreu em São Paulo, na FGV-SP; em 2004, em Belo Horizonte, organizado pela EG-FJP/MG; em 2005, em Santo André, realizado pelo curso de graduação tecnológica em Gestão Pública do Centro Universitário de Santo André; e, em 2006, retornou à FCL-Unesp em Araraquara.

A sexta edição do Eneap em 2007, sediada pela Esag-Udesc, proporcionou um upgrade do movimento estudantil da Administração Pública no Brasil, reunindo cerca de 370 participantes em Florianópolis. Na ocasião, foram criados dois espaços que passaram a institucionalizar o diálogo entre docentes e discentes do campo: a Feneap e o Fórum dos Coordenadores dos Cursos de Administração Pública. Posteriormente, os dois grupos modificaram as suas denominações de forma a refletir a expansão do campo: Federação

Nacional dos Estudantes do Campo de Públicas a partir de 2013 e Fórum de Professores e Coordenadores dos Cursos do Campo de Públicas (FP3CP) desde 2011. A expressão desse movimento é sistematizada por Vendramini (2013, p.76) quando, em sua tese de doutorado, sustenta que:

[Em 2007] o evento [ENEAP] alcança grande visibilidade no cenário nacional, amplia suas fronteiras ao sair do eixo São Paulo-Minas Gerais e atinge um público que há muito não se via. O cenário pouco animador das edições anteriores [pela baixa participação] dissipa-se e cria-se um ambiente favorável à congregação dos estudantes e professores em favor do fortalecimento do campo, com a participação de outros cursos, como o de Gestão de Políticas Públicas da USP.

Ressalta-se que o Fórum de Professores e Coordenadores foi co-criado por um professor da EACH-USP e por um aluno, na ocasião, da Esag-Udesc, com o apoio da ONG Oficina Municipal. A ideia inicial em 2007 era aproveitar o encontro dos estudantes (Eneap) para dar o primeiro passo para se formar um fórum acadêmico permanente entre as instituições de educação superior que ofertavam cursos de graduação em administração pública e correlatos, com os intuitos de: construir uma filosofia explícita e clara nesse ensino; produzir referências bibliográficas adequadas às várias realidades; e ensejar vínculos com o setor público. A partir de 2008 o Fórum entrou, definitivamente, na programação dos Eneaps; em 2008 e 2009 manteve o patrocínio da ONG Oficina Municipal e em 2010 e 2011 contou com a parceria do Instituto Henfil. Em 2012 e 2013, por sua vez, o Fórum foi realizado com o apoio institucional da Feneap.

O VII Eneap em Ouro Preto-MG, organizado pela EG-FJP/MG, foi marcado pela entrega da primeira edição do Prêmio Lice4 às melhores produções acadêmicas do país elaboradas por alunos de graduação em temas do Campo de Públicas. Assim, preocupações científicas começavam a avançar entre os atores do Campo, suplantando a sua condição de ser apenas um movimento relativo ao ensino. Já a oitava edição do Eneap ficou sob os cuidados do Curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes e Ciências Humanas (EACH) da USP. Apesar de o número de participantes não ter passado de 300, a pluralidade de instituições participantes foi comemorada com a presença de pequenas delegações dos novos cursos (UFMG, Unicamp, dentre outros).

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interdisciplinaridade, amplitude e complexidade do campo” (Vendramini, 2013, p. 81).

A Carta de Balneário Camboriú serviu de elemento catalisador para a disseminação do movimento junto às instâncias reguladoras da Educação Superior, como o CNE e o MEC, bem como à mídia, no intuito de dar ampla divulgação à sociedade da busca por legitimidade aos profissionais com potencial de atuarem na área pública.

Nos anos subsequentes foram realizados o X e XI Eneap, respectivamente, em Serra-Negra (SP) pela FCL-Unesp e em Florianópolis pela Esag-Udesc. Esses eventos representaram importantes momentos de expansão e diversificação da participação de estudantes e professores dos novos cursos do Campo de Públicas surgidos em anos anteriores: o encontro em Serra Negra, em 2011, reuniu 20 delegações; em 2012, em Florianópolis, atingiu 22 delegações. O encontro de 2013, sediado em Caeté (MG) e realizado pela EG-FJP/MG, alcançou 1.100 participantes, batendo o recorde de público e de delegações.

Ao longo desses Eneaps, o FP3CP foi, a cada ano, ganhando mais importância, com suas pautas sempre focadas em dois eixos temáticos fundamentais: mobilização de novos atores para integrarem o grupo e a construção de uma agenda unificadora (Vendramini, 2013).

O eixo da mobilização de novos atores representava o esforço (ainda presente) de mapeamento dos cursos correlatos e de identificação dos seus representantes, preferencialmente os respectivos coordenadores. Tratou-se de um conjunto de ações que buscava o fortalecimento interno do nascente Campo de Públicas, criando, ao mesmo tempo, condições para transformá-lo em um movimento nacional, com visibilidade e reconhecimento.

O segundo eixo temático recorrente nas primeiras reuniões do Fórum foi o da busca pela construção de uma agenda que fosse unificadora dos diferentes fazeres em torno do ethos republicano, comum às variadas denominações dos cursos que passariam a compor o campo: Administração Pública, Gestão de Políticas Públicas, Gestão Pública, Gestão Social e Políticas Públicas. Foram ênfases que permearam as reuniões do Fórum entre 2007 e 2010, e que ganharam um instrumento próprio no documento das DCNs (construído entre 2010 e 2011 e com esforços para sua aprovação nos anos de 2012 e 2013).

Terceiro período (2010 - novembro de 2013): o crescimento do

Campo de Públicas e a ameaça de retrocesso

O ano de 2010 representa o início de um novo período no percurso para a efetiva constituição do Campo de Públicas. O marco desse novo período foi uma reunião realizada em novembro de 2009, no Conselho Nacional de Educação (CNE), em que um grupo de professores de cursos de Administração Pública – sobretudo da FGV-SP e FGV-RJ – formulou uma primeira versão de texto para as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração Pública

para discussão e aprovação no CNE. Havia uma demanda interna da FGV para tal documento: a permanência do curso de graduação em Administração Pública em uma escola tradicionalmente de business, em tese, dependia dessas DCNs para reforçar os argumentos internos de separação do processo seletivo (vestibular) do curso de Administração de Empresas e a reformulação da matriz curricular do curso de Administração Pública.

O debate em torno dessa iniciativa e do texto proposto representou o principal ponto da pauta do então IV Fórum de Coordenadores de Cursos, realizado em agosto de 2010, no âmbito do IX Eneap, que teve lugar na cidade de Balneário Camboriú. O Fórum contou com a participação de representantes de 12 cursos de todo o país, que deliberaram, ao final, pela reivindicação de imediata aprovação das DCNs em tramitação no CNE, formuladas após audiência pública realizada em abril do mesmo ano. O texto final do evento foi a já citada (na subseção 2.1.1) Carta de Balneário Camboriú.

E foi a intensa mobilização em torno da defesa da aprovação definitiva das novas DCNs o evento marcante das ações do emergente Campo de Públicas nesse período, situado entre 2010 e 2013, melhor detalhado na subseção 2.2. Mobilização que se tornou imprescindível em virtude das pressões que passaram a ser exercidas sobre o Conselho Nacional de Educação pelo CFA e pela Angrad, para que o processo das DCNs fosse rejeitado. Como se tratava de pressões consideradas inusitadas em virtude da interposição de recurso, junto a um órgão regulador da educação, por entidades estranhas ao campo da educação, legítima se tornou a defesa exercida, junto ao CNE, pela rede vinculada aos cursos do Campo de Públicas – estudantes, professores e coordenadores dos cursos – para o arquivamento do recurso. Vale mencionar que foi a primeira vez na história do CNE que um órgão de regulação profissional, no caso, um conselho, impetrou um recurso e tentou interceder em um processo decisório tipicamente de formação acadêmica e, portanto, pertencente à arena educacional.

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implantadas pelas Instituições de Educação Superior, obrigatoriamente, no prazo máximo de dois anos.

Rede Virtual

A formação de uma rede virtual foi um passo acelerador da aglutinação dos atores do Campo de Públicas, dados os avanços tecnológicos e as novas formas de interação e comunicação disponíveis. Embora os participantes do Campo compartilhassem preocupações científicas, técnicas e analíticas que os aproximavam (discussões acadêmicas que travavam em eventos e periódicos onde as temáticas relacionadas à democratização, participação social e à reforma do Estado estavam acontecendo), não dispunham de espaços e momentos próprios de organização e debate.

A rede virtual do Campo de Públicas teve início com a criação de uma mailing-list (campo-publicas@googlegroups.com), em agosto de 2010, a partir de indicações de pessoas que se encontravam com certa regularidade em eventos como o Enanpad, EnAPG, Enapegs e Anpocs, tendo por base, no começo, alguns professores e dirigentes dos cursos de graduação do Campo. Esta mailing-list foi precedida e, de algum modo, motivada, por discussões anteriores realizadas por troca de e-mails, quando se começou a discutir sobre a audiência pública no Conselho Nacional de Educação (que aconteceu em 05 de abril de 2010), a fim de definir novas diretrizes curriculares nacionais para o curso de Administração Pública. Circulou por e-mail a proposta inicial de redação das DCNs elaborada pelo CNE, que foi muito criticada e terminou propiciando a aglutinação dos que pretendiam um documento que desvinculasse Administração Pública e cursos correlatos (Gestão Pública, Gestão de Políticas Públicas, Políticas Públicas e Gestão Social) do arcabouço institucional e da matriz curricular de Administração de Empresas.

A mailing-list Campo Multidisciplinar de “Públicas”, desde então,

passou a funcionar como canal permanente e sistemático de comunicação, mobilização e debate dos que a ela aderiram. Paralelamente a esta, foi criada também a mailing-list da Federação

Nacional dos Estudantes do Campo de Públicas

(feneap@googlegroups.com), composta por estudantes do Campo. As duas redes virtuais passaram a dialogar entre si, resultando numa interação virtual entre docentes e discentes que já era dinâmica nos eventos anuais paralelos (Eneap e FP3CP).

Posteriormente foram criados outros instrumentos de interação virtual do campo, como o blog Campo de Públicas em outubro de 2012, que é anunciado como: instrumento de aglutinação, mobilização e trabalho dos coordenadores, professores e estudantes do Campo de Públicas, que congrega os cursos de graduação em Administração Pública, Gestão Pública, Políticas Públicas, Gestão de Políticas Públicas e Gestão Social. Serve de repositório de informações, fonte de notícias e espaço virtual de interação para os atores e agentes do campo.

Ele é complementado por uma fan-page e por um grupo (que conta com mais de 2.500 membros) no Facebook, além de um Twitter. Resulta desses canais uma rede virtual muito ativa, com divulgação de posts e trocas de mensagens diariamente, que vão desde a divulgação de literatura, trabalhos acadêmicos, eventos, oportunidades de trabalho e estágio, até mobilização para as atividades em defesa dos interesses do campo, passando por trocas de opinião e formação de parcerias para trabalhos acadêmicos.5

Tanto a criação da mailing-list como dessas outras iniciativas virtuais resultaram do esforço de sistematização de um docente da FCL/UNESP de Araraquara. Trata-se de um trabalho árduo de formação e mobilização da rede virtual do Campo de Públicas, fundamental para o espraiamento das ideias e para a geração de um senso de pertencimento de professores e estudantes.

Atuação em eventos e publicações

Cabe destacar que, além da institucionalização do Campo de Públicas no que se refere ao ensino de graduação, os atores do Campo de Públicas foram se articulando e debatendo seus temas em eventos e periódicos científicos, sobretudo após os anos 2000. Entre os eventos, destacam-se os tradicionais EnANPADs e os EnAPGs – este último, derivado da divisão acadêmica de Administração Pública da ANPAD e organizado, bianualmente, desde 2004. Também tem sido importante para o Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social (Enapegs), promovido pela Rede de Pesquisadores em Gestão Social (RGS) e realizado anualmente desde 2007. Em adição, na área de Ciências Sociais, alguns pesquisadores do Campo de Públicas participam – ativamente – dos encontros da Anpocs e ABCP.

Em 2013 foi criada a Sociedade Brasileira de Administração Pública (SBAP), com expressiva participação de alguns atores pertencentes ou identificados com o Campo de Públicas. Este passo representa o início de um processo que cria, para o Campo de Públicas, um espaço no âmbito da pós-graduação e da pesquisa, embora permaneça aberto aquele representado pela ANPAD, na qual os atores do Campo se abrigam com a área acadêmica de Administração. Importante dizer que entre os objetivos da SBAP está a busca de um maior reconhecimento da Administração Pública como disciplina autônoma e, como visão de futuro, a criação de uma área na Capes de Administração/Gestão/Políticas Pública(s) que a torne independente das disciplinas-mãe no Brasil, a saber: a administração e a ciência política.

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subvalorização da gestão pública com impactos na identidade de sua formação acadêmica e nos processos avaliativos de seus cursos.

Quarto período (dezembro de 2013): O início da consolidação do Campo e seu reconhecimento no âmbito do sistema de

avaliação educacional

O período entre final de 2013 e início de 2014 dá início à nova etapa na trajetória do Campo de Públicas, com sua efetiva consolidação como área de ensino e pesquisa com vida própria no sistema de graduação. O primeiro passo em direção a essas novas conquistas foi dado no final de 2013, com a homologação das DCNs; o segundo ocorreu no primeiro trimestre de 2014, com uma audiência realizada na Diretoria de Avaliação da Educação Superior (Daes), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), sinalizando a abertura de um novo ciclo.

Esse novo ciclo tem início, de forma virtuosa, em 7 de março de 2014, com o recebimento na Daes de uma comissão composta por 11 docentes representantes do Campo de Públicas, para tratar de assuntos relativos ao processo de avaliação dos cursos do Campo. Ocasião em que também foi realizado o XII FP3CP na UnB. Além do reconhecimento da comissão como interlocutora legítima do Campo, foi proposta a constituição de um grupo de trabalho, composto por docentes indicados pelo Fórum do Campo de Públicas, para a discussão de parâmetros de avaliação dos cursos do Campo. Recomendou ainda que o Fórum procurasse se institucionalizar, até mesmo como meio para facilitar a interlocução com órgãos oficiais e outros espaços institucionalizados e também que os representantes do Campo buscassem agendar audiência na Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), para tratar de assuntos pertinentes à interlocução com aquele órgão.

É mister reconhecer o papel fundamental desempenhado por três professoras da UnB desde 2010 na interlocução, agendamento e organização de reuniões com os atores institucionais (MEC, CNE e CFA) para as negociações em torno da aprovação das DCNs. Essas atividades se tornaram tão importantes, que deram origem aos primeiros FP3CP fora dos Eneaps, a exemplo das edições VI (2011), IX (2013), XI (2013) e XII (2014), todas em Brasília, lembrando que outros Fóruns também realizados fora do Eneap foram: o VIII em São Paulo, organizado pela EAESP-FGV (2012) e o XIII em Matinhos, organizado pela UFPR-Litoral (2014).

Esse quarto período do movimento pela autonomia dos cursos do Campo é resultado de grande mobilização dos atores envolvidos em busca, não só de legitimidade frente aos órgãos reguladores do ensino superior, mas também de respeitabilidade acadêmico-profissional como área autônoma, caracterizada por uma multidisciplinaridade que inclui diversas áreas do conhecimento. A luta por essa legitimidade será melhor detalhada na subseção 2.2 e a multidisciplinaridade discutida na seção 3.

Do movimento em defesa da autonomia dos cursos do Campo de Públicas à legitimidade institucional

É neste momento, de ampliação e consolidação do Campo de Públicas, mobilizado por afirmar a identidade própria dos seus cursos, que começam a colidir, mais diretamente do que na fase anterior, os interesses do Campo com outros, alojados especialmente no sistema CFA/CRAs e na Angrad.

A luta por identidade própria e contra as resistências vindas do campo de Administração – aproveitando-se de um discurso gerencial no âmbito governamental e estatal, seus defensores a consideravam como o referencial na área de conhecimento da qual a gestão pública deveria se nutrir para melhorar seu desempenho, aproximando-se daquele observado nas empresas – impulsionou a constituição do Campo de Públicas como movimento já consciente de sua condição de área autônoma, distinta daquela à qual procuravam subordiná-la como subárea. Esta luta se deu, sobretudo, no campo da regulação educacional e de fiscalização do exercício profissional.

Desde 2007, o Conselho Nacional de Educação começou a discutir as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Administração Pública. Primeiro, foi instituída Comissão pela Portaria CNE/CES nº 7/2007, Posteriormente, esta Comissão foi recomposta pelas Portarias CNE/CES nº 8/2007, 1/2008 e 1/2010, culminando na realização de uma audiência pública histórica para a luta do Campo de Públicas, como já citada anteriormente.

Essa audiência pública foi realizada em abril de 2010 pelo CNE com o objetivo de discutir o documento preliminar que subsidiaria o texto das DCNs de Administração Pública. Tal documento, como dito anteriormente, foi construído a várias mãos por professores de Administração Pública durante reunião em 2009 no CNE. Alguns desses mesmos professores participaram da audiência, compondo a mesa e politizando o debate em torno das diferenças entre Administração Pública e Administração (de Empresas), com destaque para os docentes da FGV-SP. Inicialmente, o documento apresentado era tão somente uma adaptação das DCNs de Administração para o setor público. Em muitas passagens da minuta (original) observava-se apenas uma simples troca da palavra empresa por setor público, sem abordar as suas particularidades. Essa interpretação já se fazia muito nítida nos debates virtuais que antecederam a realização da audiência durante o mês de março de 2010, e acabou unificando muitos coordenadores de cursos para além dos professores da FGV-SP. A intenção desses outros professores, ao participarem da audiência no CNE, era que as Diretrizes contemplassem a multiplicidade do Campo de Públicas e não ficasse restrita à máquina administrativa do Estado representado pela denominação única de Administração Pública.

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CNE com a denominação Administração Pública e Políticas Públicas. No entanto, esta era uma versão “sem valor oficial”, sendo aprovado, por unanimidade, em 10/12/2010, o parecer CNE/CES nº 266/2010, referente às DCNs do Curso de Graduação em Administração Pública. Em seguida, os representantes do Campo de Públicas iniciaram diálogo com o CNE e com o MEC para acompanhar os trâmites. Descobriu-se, então, que as DCNs estavam no gabinete do Ministro da Educação para serem homologadas, porém, durante todo o ano de 2011 isso não ocorreu.

Em 2011, a questão da homologação das DCNs foi central nas pautas do V e VI Fóruns de Professores e Coordenadores do Campo de Públicas, este último ocorrido em Brasília, quando foi realizada audiência com a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres/MEC), no dia 9 de novembro. Na audiência foi sugerido pelo órgão, de antemão, que o grupo buscasse a versão final do Parecer das DCNs, já que a versão que se tinha em mãos era não oficial e ambivalente, pois enquanto o parecer se referia ao nome do curso como Administração Pública e Políticas Públicas, a resolução mencionava apenas Administração Pública. Foram fornecidas orientações quanto ao melhor caminho para a homologação imediata do documento pelo Ministro da Educação.

Poucos dias após essa audiência, mais precisamente em 18 de novembro de 2011, o Conselho Federal de Administração (CFA), os Conselhos Regionais de Administração (CRAs), a Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (Angrad) e o Sindicato dos Administradores de Goiânia interpuseram, junto ao CNE, recurso contra a homologação das DCNs de Administração Pública. Imediatamente, os representantes do Campo, por meio de docentes da UnB, marcaram nova audiência com a Seres para entender o que estava acontecendo, descobrindo que a diretora do órgão sequer tinha conhecimento do recurso.

Na ocasião, também foi realizado contato com o CNE, via Secretaria Executiva, que informou sobre a necessidade de o presidente do CNE se manifestar no prazo de 30 dias, a contar da publicação da súmula das DCNs, sobre a admissibilidade ou não do recurso. Neste caso, poderia o próprio presidente dar o parecer ou ir ao conselho pleno. Ao final, soube-se que iria ao pleno e que teria que haver novo parecer da Câmara de Ensino Superior.

Durante o ano de 2012, o Campo de Públicas se reuniu em dois Fóruns, VII (Florianópolis) e VIII (São Paulo) para se fortalecer como Campo e para reforçar suas convergências e diversidades. Concomitantemente, alguns representantes do Campo, em seus respectivos estados, buscaram diálogo com os CRAs para compreender qual seria o teor do recurso interposto por eles e para firmar a posição do Campo favorável à homologação das DCNs. Foi neste momento que os conflitos entre o Campo de Públicas e representantes dos cursos de Administração se acirraram ainda mais.

A posição inicial do grupo era de buscar o diálogo para entender as causas que levaram à interposição do recurso, fundamentado,

segundo trecho do Parecer CNE/CP nº 7/2013 (p. 1, 2013), na seguinte argumentação: “a decisão [da homologação das DCNs] poderá ter graves consequências para o exercício da profissão de Administrador em todo o país com a possibilidade concreta de divisão da profissão, criando uma outra categoria profissional, no caso, a de Administrador Público, interferindo, dessa forma, nos direitos e prerrogativas do Administrador”.

A busca desse diálogo teve como marco formal o agendamento de uma audiência no CFA, no dia 11 de abril de 2013, na qual compareceu uma representativa comitiva de estudantes e professores do Campo de Públicas. Na oportunidade, foi apresentado o histórico da constituição do Campo de Públicas e a demanda do registro profissional para os egressos dos cursos que o compõem. Foi ratificado o caráter estritamente acadêmico do Campo de Públicas e o reconhecimento do CFA como conselho profissional. Na ocasião, foi anunciada pelo CFA a criação, em 8 de março de 2013, da Câmara de Gestão Pública. No entendimento do grupo, essa medida só reforçava a visão do CFA da Administração Pública como subárea (ou curso conexo).

Essa audiência com o CFA foi precedida pela realização do IX Fórum de Coordenadores e Professores do Campo de Públicas, em Brasília, nos dias 11 e 12 de abril. Um dia antes, 10 de abril, alguns representantes do Campo se reuniram com o Conselheiro da Câmara de Ensino Superior do CNE responsável pelo parecer acerca do recurso contra as DCNs, para apresentar a ele o Campo de Públicas, para entender o teor do recurso CFA/CRAs/Angrad e para defender a homologação das DCNs. Posteriormente, foi enviada ao Conselheiro a Carta de Brasília, documento final do IX Fórum e que continha toda a argumentação sobre a defesa das Diretrizes e os referenciais epistêmicos e empíricos do Campo de Públicas.

Os representantes do Campo, incluindo os estudantes, viram a necessidade de intensificar as mobilizações para pressionar pela homologação das DCNs. No dia 22 de maio de 2013, docentes da UnB, em nome do Campo, realizaram nova audiência com o CFA para levar a Carta de Brasília em mãos e, mais uma vez, cogitar a possibilidade de retirada do recurso contra as DCNs. A reunião não foi amigável, uma vez que as docentes reiteraram o posicionamento do Campo de continuar na defesa das DCNs. A posição do CFA, por sua vez, era de que se deveria considerar as DCNs de Administração, de 2005, com possibilidade, a depender da concordância dos conselheiros, de incluir conteúdo proposto pelo Campo de Públicas e as cinco denominações AP, GP, GPP, GS e PP.

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reunião de trabalho, naquele mesmo dia, no qual contextualizava a situação para todos os conselheiros, incluindo o fato de se tratar de recurso inédito no CNE contrário à homologação de uma DCN. Na avaliação dele, houve uma compreensão da situação por parte dos conselheiros e o passo seguinte seria elaborar o parecer sobre o recurso CFA/CRAs/Angrad e submeter ao Pleno ainda neste ano. Na avaliação das representantes do Campo presentes na reunião, além das notícias serem animadoras, o fato de o grupo de trabalho ter se reunido naquele mesmo dia da audiência pode ter sido uma consequência das mobilizações do Campo, uma vez que tal audiência tinha sido marcada com bastante antecedência, o que pode ter forçado a reunião de trabalho para aquele dia.

O X Fórum de Coordenadores e Professores do Campo de Públicas realizado em agosto deste mesmo ano em Caetés (MG), durante o XII Eneap, foi fundamental para aproximar ainda mais os estudantes da luta pelas DCNs. Vale destacar que a diretoria da Feneap esteve em Brasília nos meses de junho e julho desse ano em diálogo direto e pessoal com conselheiros do CNE e com o secretário de Educação Superior do MEC, quando convidou e obteve o aceite do conselheiro-presidente da CES para compor a mesa de encerramento no XII Eneap. A participação do conselheiro no Encontro significou também a aproximação do Campo de Públicas do CNE. O referido conselheiro durante sua participação na mesa de encerramento do Eneap já dava indícios de que, provavelmente, o CNE não acataria o recurso do CFA/Angrad.

Os representantes do Campo continuaram acompanhando os trâmites no CNE e finalmente foi marcada a sessão que definiria os rumos das Diretrizes Curriculares Nacionais de Administração Pública. Nesse dia, 1º de outubro de 2013, estavam presentes vários professores e estudantes, quando ocorreu também o XI Fórum de Coordenadores e Professores, organizado por docentes da UnB e realizado nas dependências da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e da UnB.

O Conselheiro relator do processo começou narrando o seu parecer sobre o recurso CFA/CRAs/Angrad. O conteúdo versava sobre quais seriam as contribuições das DCNs de Administração Pública, a exemplo do fortalecimento da identidade do Campo, da realização de um trabalho diferenciado relativo ao perfil esperado do egresso, discussão de temas relativos ao Estado, ao interesse público e às questões sociais e do desenvolvimento de instrumentos próprios para a área pública. Também ressaltou que as Diretrizes orientariam a avaliação dos cursos e instituições por meio de um futuro Enade, constituindo-se como texto referencial para avaliação nas visitas in loco. Finalizou considerando as DCNs como instrumento político para atrair e desenvolver profissionais para transformar a administração pública no Brasil. O voto do relator em relação ao recurso interposto foi, então, “negar-lhe provimento”. Os demais conselheiros seguiram o debate sobre o tema, elogiaram o parecer do relator e acompanharam seu voto.

Na plateia, os representantes do Campo de Públicas ocupavam o auditório com faixas, cartazes e gritos de guerra, quase que em uníssono na espera do parecer e do debate advindo daí. Para a surpresa do grupo, além do relator, todos os outros conselheiros emitiam opinião favorável às DCNs, com discursos contundentes e firmes. Por fim, as comemorações não camuflaram a necessidade de estar em alerta sobre os próximos passos, afinal, aquela era mais uma etapa, mas não a definitiva, que seria a homologação.

Nos dois meses seguintes, foram realizadas articulações junto ao MEC para acompanhar os trâmites do processo e, principalmente, junto ao ministro, para que a homologação ocorresse o quanto antes, já que havia a previsão de sua saída do ministério em dezembro. Mais uma vez, as mobilizações obtiveram sucesso e no dia 19 de dezembro de 2013, como afirmado anteriormente, foi publicada no Diário Oficinal da União (DOU) o texto das DCNs de Administração Pública.

A homologação, sem dúvida, foi um passo essencial para o começo da consolidação do Campo como área de conhecimento multidisciplinar, iniciando pelo ensino de graduação. Mas a sua legitimidade vem sendo conquistada ao longo dos últimos doze anos, sobretudo a partir do ajuntamento de professores e estudantes em torno do seu fortalecimento. Isso tem ocorrido por meio de debates realizados internamente em espaços como FP3CP, Eneap, eventos acadêmicos ou dentro dos próprios cursos, além de externamente na articulação com diversas instituições. Porém, outro aspecto foi fundamental durante esse percurso, o que vem tornando possível, inclusive, o alargamento do Campo: a criação de inúmeros cursos de graduação na área pública, tal como relatado na seção a seguir.

A proliferação dos cursos de graduação do Campo de Públicas como embrião de uma nova área de conhecimento multidisciplinar no país

Uma análise do avanço quantitativo dos cursos do Campo de Públicas revela a ampliação do número de professores e estudantes e, por consequência, de uma massa crítica responsável por todo o debate sobre a necessidade de se construir uma área de conhecimento multidisciplinar diferenciada e inovadora, a partir da qual foi possível emergir o Campo de Públicas. Sem esse aumento, propiciado pelos cursos de graduação, não teria sido possível aglutinar suficiente rol de atores para a eclosão desta nova área. Por outro lado, uma análise qualitativa, revelando o avanço da heterogeneidade de denominações dos cursos e a natureza diversa de seus projetos pedagógicos, indica a importância da unidade na diversidade.

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Dos anos cinqüenta ao final da década de setenta, a formação acadêmica em Administração Pública [em nível de graduação] encetou sua trajetória no país. Grosso modo, tal ensino, moribundo vis-à-vis a crise do Estado nos anos 1980, revitalizou-se [com os desdobramentos da Constituição de 1988 e] com agenda de reforma do Estado. Assim, já se passaram meio século de história, desde o pioneirismo da EBAP-FGV que formou em 1954 os primeiros bacharéis em administração pública no país até o (re)surgimento de cursos [sob distintas nomenclaturas] nesse campo do saber em instituições de ensino como UDESC (2004), USP (2005), UNICAMP, UFMG, UnB, UFRGS e UFRN (2009), UFABC, UFLA, UFPB e UFRJ (2010), dentre outras. (grifos nossos).

Baseado em Fischer (1984), Coelho e Nicolini (2013) propõem três ciclos (ou estágios de construção) pelos quais os cursos de graduação em Administração Pública passaram entre a implantação do curso da EBAP-FGV em 1952 e meados dos anos 1990. Abaixo, o quadro 1 reproduz –ipsis litteris– essa cronologia proposta pelos

autores.

Quadro 1 – Cronologia do Ensino de Graduação em Adm. Pública no Brasil segundo Coelho e Nicolini

1º Ciclo A irradiação do ensino de graduação em adm. pública no Brasil (1952-1965)

Diante de um pró-ciclo estatal e favorecido pela assistência técnica norte-americana, o ensino superior de administração pública irradiou-se no Brasil. Nascido sob o signo da administração científica aplicada ao setor público na EBAP-FGV em 1952, o bacharelado em Administração Pública reproduziu-se em instituições de ensino superior pelo país, preponderantemente nas universidades federais, com a ascendência da administração para o desenvolvimento, na medida em que aos processos administrativos do governo agregavam-se às funções econômico-sociais do Estado. Na metade dos anos sessenta, dos 31 cursos de administração no país, dois terços eram de administração pública ou enfatizavam este campo do saber. A vivacidade e fluidez de tal ensino, naturalmente, desenvolveram nos cursos uma identidade coletiva de formar quadros de pessoal para a burocracia estatal.

2º Ciclo Do auge à retração: o ensino de graduação em adm. pública no Brasil (1966- 1982)

No quinquênio 1966-1970, o bacharelado em Administração Pública, em seu auge, reconhecido pelo MEC, divulgado entre os vestibulandos e regulamentado como profissão, ampliou suas vagas e ajustou seus currículos, diversificando-se com a administração para o desenvolvimento (planificação econômica e planejamento governamental) em voga na atividade do Estado e na agenda de pesquisa do campo do saber nesse período. Sem embargo, nos anos setenta, o enforcement do currículo mínimo de administração – com lógica de Administração de Empresas, a diluição do ethos de administração pública com a sobreposição da gestão empresarial no ‘Estado-Empresa’ e o milagre econômico (e o consequente boom do ensino de Gestão Empresarial), retraíram o ensino de graduação em administração pública no país; cada vez mais, a administração no Brasil tornava-se, então, sinônimo de administração de empresas.

3º Ciclo Da letargia ao (re)alento: o ensino de graduação em adm. pública no Brasil (1983- 1994)

A retração do ensino de graduação em administração pública no Brasil nos anos setenta converteu-se em letargia na década de oitenta, simbolizada pela descontinuidade do bacharelado da EBAP-FGV em 1982. Em um contexto de crise do Estado, subtendia-se uma perda da razão de ser e/ou desnecessidade de cursos de graduação em administração pública. Das experiências – tradicionais – dos anos 1969 e 1970, remanescia o curso da EAESP-FGV. É a partir da Constituição de 1988 que se retomaria o ensino de graduação em administração pública no país; mantido na EAESP-FGV desde 1969 e criado na EG-FJP/MG (1987) e na FCLAr-Unesp (1989), tal ensino realentaria a partir de meados dos anos noventa numa conjuntura de redefinição do Estado e ampliação do locus do setor público no país.

Fonte: Coelho e Nicolini, 2013, p. 406.

Em 1995, o cadastro da SESU/MEC registrava treze cursos de graduação em administração pública no Brasil; legalmente, de acordo com a Resolução nº. 2/1993 do Conselho Federal de Educação, eram cursos de graduação em Administração com habilitação em Administração Pública, representados, sobretudo, pela tríade desse ensino (EAESP-FGV, EG-FJP/MG e FCL-Unesp) formada no 3º Ciclo. Essas três instituições de ensino superior contribuíram para a subsistência da administração pública como curso de graduação no país e, a partir dos anos 2000, referenciaram o surgimento de novos e (re)novados bacharelados e graduações tecnológicas que, então, formaram o Campo de Públicas.

Indubitavelmente, a expansão dos cursos de graduação em administração pública e correlatos no país na década de 2000 é propiciada pelo macroambiente de revalorização e ampliação do espaço público, a qual se revigora como objeto de estudo (campo de especulação teórica) e como práxis (área de atuação profissional) no

bojo das transformações do Estado brasileiro. Coelho (2008a), analisando os projetos pedagógicos de alguns dos quase 80 cursos registrados pelo INEP/MEC em 2006, verifica que o trinômio

democratização-eficiência-profissionalização do setor público, além

da estruturação do setor público não-estatal, são alguns dos motivos que balizaram a retomada desse ensino.

Nesse processo de ressurgimento e aumento numérico do ensino de graduação voltado ao setor público na última década, dois fatores são de suma importância como condicionantes da formação do Campo de Públicas, a saber:

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emergentes, a formação acadêmica em administração/gestão/política(s) pública(s) entrou na pauta e se converteu em projetos de cursos em muitas instituições de ensino pelo país afora; e

 Em linhas gerais, esses projetos de curso tiveram origens a partir de múltiplas áreas de conhecimento (administração, ciência política, sociologia, economia, planejamento urbano, direito e serviço social) e distintos arranjos departamentais, resultando em novas propostas em termos de concepção acadêmico-profissional e design curricular. Em outras

palavras, observou-se um experimentalismo difuso na adoção de nomenclaturas de cursos e na elaboração da matriz de disciplinas, considerando a experiência prévia de grupos de pesquisa e o consórcio de áreas de conhecimento em torno de um formato multi/interdisciplinar.

Assim, além da criação de novos cursos dentro da tradição de Administração Pública (presenciais e na modalidade à distância), assistiu-se ao surgimento de cursos de graduação em Políticas Públicas pela abordagem da Ciência Política, bem como de bacharelados multi/interdisciplinares em Gestão Pública e Gestão de Políticas Públicas. Em adição, são observados também novos cursos

de graduação tecnológica em Gestão Pública e/ou Gestão Social e alguns bacharelados híbridos entre Administração Pública e Gestão Social. Vale mencionar que esse movimento de diversificação de nomes, propósitos e desenhos de cursos verificado no país, ajudou a romper com a subordinação institucional de longa data desse ensino como uma adaptação da Administração (de Empresas) e, igualmente, os aproximou da configuração internacional da educação superior para o setor público, caracterizada por um rol de formação acadêmica em nível de undergraduate e graduate como: Public Administration, Public Management, Public Governance, Public

Policy, Public Policy and Management, Public Affaris, Public Service,

Government and Public Sector, entre outros6.

A tese de doutorado de Vendramini (2013, p. 90-100) organiza, a partir do banco de dados do INEP, um quadro com os 76 cursos de graduação – bacharelados e tecnológicos – presenciais que compunham, nacionalmente, o Campo de Públicas em 2012. Abaixo, o quadro 2, utilizando-se do levantamento dessa autora, anota alguns cursos para ilustrar a heterogeneidade de denominações e a distribuição regional que perfazem tal campo.

Quadro 2 – Amostra de 25 Cursos de Graduação – modalidade presencial – do Campo de Públicas

Bacharelado

Curso Inst. de Ensino Município/UF

Administração Pública UNESP Araraquara/SP

Administração Pública FJP/MG Belo Horizonte/MG

Administração Pública UDESC Florianópolis/SC e Bal. Camboriú/SC

Administração Pública FGV-SP São Paulo/SP

Administração Pública UFLA Lavras/MG

Administração Pública UNICAMP Limeira/SP

Administração Pública UFRRJ Seropédica/RJ

Administração Pública UNILAB Redenção/SP

Administração Pública UENF Campos/RJ

Administração Pública UNEAL Arapiraca/AL

Administração Pública UNIFAL Varginha/MG

Administração Pública e Gestão Social UFRGS Porto Alegre/SP

Administração Pública: Gestão Pública e Social UFCA Juazeiro do Norte/CE

Gestão de Políticas Públicas USP São Paulo/SP

Gestão de Políticas Públicas UnB Brasília/DF

Gestão de Políticas Públicas UFRN Natal/RN

Gestão Pública UFMG Belo Horizonte/MG

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Gestão Pública para o Desen. Econ. Social UFRJ Rio de Janeiro/MG

Políticas Públicas UFABC São Bernardo do Campo/SP

Políticas Públicas UFRGS Porto Alegre/RS

Graduação Tecnológica

Curso Inst. de Ensino Município/UF

Gestão Pública UFPB João Pessoa/PB

Gestão Pública UFRB Cachoeira/BA

Gestão Pública UFCG Sumé/PB

Gestão Social UFBA Salvador/BA

Fonte: adaptado de Vendramini (2013), p. 90-92. Complementando, indica-se as três edições especiais – 2010, 2011 e 2012 – da Revista Temas de Administração Pública (TAP) da FCL-Unesp para uma apresentação, em artigos, da história e da organização pedagógica de 17 desses cursos supracitados.

Atualmente, de acordo com o INEP (2013), o ensino de graduação do Campo de Públicas envolve um pool demais de 200 cursos pelo país e tem – aproximadamente – 49 mil alunos matriculados. Esses números incluem, além dos cursos de graduação presenciais (como os ilustrados no quadro 2), os bacharelados e os tecnológicos ofertados na modalidade de educação a distância (EAD), destacando-se as graduações em Administração Pública da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Esses cursos são apoiados pelo Programa Nacional de Formação em Administração Pública (PNAP) da CAPES e ministrados pelos pólos de EAD de universidades federais e estaduais.

Em suma, a homologação das DCNs e a proliferação dos cursos de graduação no Campo de Públicas são evidências de um movimento bottow-up e incremental de delineamento de uma nova

área de conhecimento multidisciplinar no país, marcada mais pelo adjetivo Pública (e pelos valores formativos atinentes à esfera pública, tais como o ethos republicano e a cultura democrática) e

menos pelo substantivo (administração, gestão, política etc). A seguir, na subseção 3.1, interpreta-se – brevemente – esse processo de construção à luz de alguns documentos afirmativos do Campo de Públicas.

A construção do Campo de Públicas sob os contornos de uma nova área de conhecimento multidisciplinar

No decorrer do movimento constitutivo do Campo de Públicas, descrito na seção 2, muitos são os sinais que expressam seu cunho

de unidade na diversidade sob os contornos de uma nova área de

conhecimento multidisciplinar. Além das ações e mobilizações dos atores universitários do Campo de Públicas demonstrarem o caminhar para um primeiro nível de coordenação de diversas áreas de conhecimento, os documentos que defendem e referenciam o seu ensino de graduação (Carta de Balneário Camboriú, Carta de Brasília e DCNs) mostram a intenção de comungar as disciplinas constitutivas em torno de alguns elementos comuns.

A Carta de Balneário Camboriú (CBC), mencionada na seção 2, é o primeiro documento redigido coletivamente e com fins afirmativos do Campo de Públicas. Escrita como resultado das discussões e deliberações do IV FP3CP, a cartadestacou a definição do Campo de Públicas e, em adição, defendeu intransigentemente a aprovação de DCNs próprias para o seu rol de formação acadêmica em nível de graduação. No que tange à definição do Campo de Públicas, tal carta buscou afirmar sua identidade como campo multidisciplinar de ensino e pesquisa; em seu item 4 (p. 3), a CBC apresenta um diagrama – reproduzido na figura 1 –, em que se ilustram as contribuições das áreas de conhecimento das ciências sociais, da economia, da administração e do direito.

Baseado neste diagrama, pelo texto da CBC (p. 3), seus signatários afirmam:

Em linhas gerais, a figura ilustra (...) a conformação do campo do saber de 'Públicas' no Brasil, a partir da confluência – multi ou interdisciplinar – das áreas de conhecimento das Ciências Sociais, Economia, Administração e Direito, as quais, segundo Mezzomo Keinert (1998), sobressaíram no decorrer do século XX na aplicação de seu referencial teórico para a formação acadêmica e produção científica em Administração Pública no país. Nas últimas décadas, o diálogo entre essas áreas de conhecimento gerou um locus (na acepção de objeto de estudo e de formação acadêmica) caracterizado pelo interesse público, repercutindo no surgimento de (...) sub-campos como Políticas Públicas, Gestão Pública e Gestão Social, que, inclusive, originaram e sustentam programas de pós-graduação – nas áreas de Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Multidisciplinar. Em nível de graduação, esse movimento ensejou nos últimos anos o (re)surgimento de bacharelados em Administração Pública, bem como a concepção de cursos

– multi ou interdicisplinares – em Gestão Pública, Gestão de Políticas Públicas, Gestão Social e Políticas Públicas, cuja identidade é a formação acadêmica e a profissiografia tecnopolítica (grifos nossos).

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