UNIVE RSI D AD E FEDER AL DE GOI ÁS
F ACULD ADE DE C IÊNCI AS HUM AN AS E FILOSOFI A
URB ANIZAÇÃO E ARQ UITE TU R A N A REGI ÃO D A ESTRAD A DE FERRO GOIÁS – E.F.GOIÁS: CID AD E DE PI RES DO RI O,
UM EXEMPLAR EM ESTUDO
AROLDO MÁRCIO FERREIRA
UNIVE RSIDADE FEDERAL DE GOIÁ S
F ACULD ADE DE C IÊNCI AS HUM AN AS E FILOSOFI A
UR B ANIZ AÇÃO E ARQ UITE TUR A N A REGIÃO D A ESTRAD A DE FERRO GOIÁS – E. F.GOI ÁS: CI DADE DE PIRES D O RIO,
UM EXEMPL AR EM ESTUDO
A
RO LDOM
ÁRCIOF
ERREIR ADi ss ert ação apr es ent ada ao P r ogr ama de M est r ado em Hi st ór i a d as S oci ed ad es A gr ár i as, co mo r equi si t o par ci al p ara obt en ção do Gr au d e M est r e, sob a or i ent a ção do Pr of. Dr . Bar sa nuf o Gomi d es Bor ges.
URB ANI Z AÇÃ O E ARQUI TET UR A N A R EGIÃO D A E S TR AD A D E F E RR O
GOIÁS – E.F.GOIÁS : CI D AD E D E PI RE S DO RI O,
UM EXE MPL AR E M EST UD O
AROLDO MÁ RCI O F ERREIRA
Dis ser tação de Mest rado subm etida em 22 de de zem br o de 1999,
à banca exam inador a com posta pel os se guintes pr of essores:
Pr of . Dr. Barsanuf o Gom ides Bor ges
( Or ie ntador )
Doutor em Histór ia E conôm ica
Pr of . Dr. Noé Fr eir e Sand es Doutor em História da Cu ltura
Profa. Dra Regina Be atr iz Guim ar ães Neto Doutor a em Histór ia
Ao meu pai, d e quem ouvi orgulhosos “cau sos” de sua
juventude, n a mesa da
varanda de nossa casa em Pires do Rio.
À minha mãe, sensível e de grande sabedor ia ina ta que,
tenho certeza, gostaria
também de ter escrito algo assim.
À Márcia, companheira que me
apoiou, i ncentivou-me e
Ag r adeci ment os
À Már cia, m inha m ulher, que em prestou seu co nhec im ento e sensibil idade adm ir áveis par a ess e traba lho e em quem m e apoie i par a obter sucesso nessa j or nada.
Ao p esqu is ador Jac y Siqueira, dedica do histor iador de P ir es do Rio, que m uito contr ib uiu m ostr ando-m e cam inhos a tr ilh ar nessa pesquisa e gentilm ente cedendo -m e seu r ico acer vo.
À El za, que s ensi velm ente apreci ou e m uito contr ibu iu para o m eu tr abal ho.
À am iga Adr ian a, com petente, prestativa e adm ir ável colega.
Aos depoentes q ue pac ientem ente contar am suas histór ias, possibil itando que ess e tr abalh o alcançasse um a dim ensão m ais hum ana.
Aos co legas do m estrado que na conv iv ênc ia m e m ostr ar am um univer so m últiplo que eu ainda não havia vivenc iado.
Aos pr of essor es Leandr o, Heliane, Maur ide s e Noé por f ornecer em -m e os subsídios ind is pens áveis par a a elabor aç ão dess e tr abalho.
Ao m eu orientador Bar san uf o, estudioso da E.F .Goiás, com quem com par tilhei esse apaixonant e e inesgotável as sunto.
À Pr of .ª Dulce, pelo carinhoso a co lhim ento no Curso de Mestr ado.
À Fabiana e E lian e, pelo apo io e com pr eensão na m inha aus ênc ia.
À D. Adél ia, p or seus silenc io sos cuid ad os.
À Elane que m esm o distante esteve sem pr e per to.
À am iga Lêda.
Índ ice d as Ilu st raç õ es
FIGURA I. 1 - Trajetória da E.F.Goiás ... 55
FIGURA II. 1 - Propagandas na imprensa local ... 124
FIGURA II. 2 - Propagandas das casas comerciais na imprensa local .... 125
FIGURA II. 3 - Programa da Inauguração de Melhoramentos Municipais – 1938 ... 126 FIGURA II. 4 - Convite para o “Soireé dansante” ... 237
FIGURA II. 5 - Circular do Departamento da Administração Municipal – Goiânia ... 152
FIGURA III. 1 - Etapas de crescimento de Pires do Rio ... 179
FIGURA III. 2 - Planta de Pires do Rio em 1940 e o “centro urbano” ... 180
FIGURA III. 3 - Primeiro plano urbano para Pires do Rio – 1922 ... 187
FIGURA III. 4 - Plano urbano de Goiânia – 1933 ... 187
FIGURA III. 5 - Residência Manoel Cavalcanti Nogueira – 1923 ... 19 8 FIGURA III. 6 - “Vila Sagrado Coração de Jesus” – 1931 ... 19 8 FIGURA III. 7 - Residência contígua à “Vila Sagrado Coração de Jesus” ... 198
FIGURA III. 8 - “Bangalô” Dr. Taciano ... 199
FIGURA III. 9 - Residência Dr. Taciano (após reforma) ... 199
FIGURA III. 10 - Residência Sr. Geminiano Carneiro de Mendonça ... 200
FIGURA III. 11 a III. 13 - Platibandas ... 201
FIGURA III. 14 a III. 16 - Platibandas ... 202
FIGURA III. 17 a III. 18 - Platibandas ... 203
FIGURA III. 19 - Grupo Escolar Martins Borges ... 204
FIGURA III. 20 e III. 21 - Complexo dos silos do Ministério da Agricultura 204
FIGURA III. 22 - Pórtico do estádio de futebol ... 205
FIGURA III. 23 - Praça Dr. Cavalcanti ... 205
FIGURA III. 24 - Igreja Católica – Matriz ... 206
FIGURA III. 25 - Comércio com esquina curva na Praça Dr. Cavalcanti 207
FIGURA III. 26 - Sobrado na Praça Dr. Cavalcanti – 1931 ... 207
FIGURA III. 27 - Sobrado com marquise de vigas ondulantes ... 208
FIGURA III. 29 - Uso do lambrequim como adorno ... 209
FIGURA III. 30 - Casa com meio porão ... 209
FIGURA III. 31 a III. 33 - Exemplares Art Déco ... 210
FIGURA III. 34 - Casas em série ... 211
FIGURA III. 35 - Agência Ford - 1928 ... 211
FIGURA III. 36 - Residência Sr. Daguer ... 211
FIGURA III. 37 - Casa neocolonial ... 212
FIGURA III. 38 - Detalhe de coluna ... 212
FIGURA III. 39 - Residência Sr. José Alves Moreno ... 220
FIGURA III. 40 - Armazém Sr. Vasco & Amorim ... 221
FIGURA III. 41 - Residência Sr. Anízio Jorge ... 222
FIGURA III. 42 - Residência Sr. Joaquim Bernardino ... 224
FIGURA III. 43 - Residência Sr. Guilhermino Nunes ... 226
FIGURA III. 44 - Residência Sr. Guilherme ... 227
FIGURA III. 45 - Residência Sr. Herculano Inocêncio de Oliveira ... 228
FIGURA III. 46 - Residência Sr. Gentil Sisterolli ... 229
FIGURA III. 47 - Residência Sr. Felício José ... 230
FIGURA III. 48 - Residência Sr. Donaciano A. Ferreira ... 231
FIGURA III. 49 - Residência Sr. Sebastião Pitaluga ... 232
FIGURA III. 50 - Residência Sr. Cylleneu de Araújo ... 233
FIGURA III. 51 - Açougue Sr. Jocelino Siqueira ... 234
FIGURA III. 52 - Casa estilo normando – França 1909 ... 243
FIGURA III. 53 - Ponte Epitácio Pessoa (Rio Corumbá) ... 244
FIGURA III. 54 - Esquema de implantação das estações ... 244
FIGURA III. 55 - Praça em Anhanguera (local da estação) ... 245
FIGURA III. 56 - Estação de Cumari ... 245
FIGURA III. 57 a III.59 - Estação de Goiandira ... 246
FIGURA III. 60 e III 61 - Estação de Catalão ... 247
FIGURA III. 62 - Estação de Veríssimo ... 248
FIGURA III. 63 e III.64 - Estação de Ipameri ... 248
FIGURA III. 65 - Ruínas da estação de Inajá ... 249
FIGURA III. 66 e III. 67 - Estação de Urutaí ... 249
FIGURA III. 68 a III. 70 - Ruínas da estação de Roncador ... 250
FIGURA III. 71 - D. Maria Cândida “a dona do Roncador” ... 251
FIGURA III. 72 e III.73 - Estação de Pires do Rio ... 252
FIGURA III. 75 - Estação de Soldado Esteves ... 253
FIGURA III. 76 - Estação de Egerineu Teixeira ... 253
FIGURA III. 77 - Residência de ferroviário em Egerineu Teixeira ... 253
FIGURA III. 78 - Ruínas da estação “quilômetro 265” ... 254
FIGURA III. 79 - Estação de Caraíba ... 254
FIGURA III. 80 - Residência de ferroviário em Caraíba ... 254
FIGURA III. 81 a III. 83 - Ruínas da estação de Ponte Funda ... 255
FIGURA III. 84 e III. 85 - Estação de Vianópolis ... 257
FIGURA III. 86 e III.87 - Residência de ferroviário em Vianópolis ... 258
FIGURA III. 88 e III.89 - Estação de Silvânia ... 259
FIGURA III. 90 - Residência de ferroviário em Silvânia ... 260
FIGURA III. 91 - Demolição de residência em Silvânia ... 260
FIGURA III. 92 - Estação de Leopoldo de Bulhões ... 261
FIGURA III. 93 - Residência de ferroviário em Leopoldo de Bulhões ... 261
FIGURA III. 94 - “Auto-motriz” em Leopoldo de Bulhões ... 261
FIGURA III. 95 - Ruínas da estação de Engº Valente ... 262
FIGURA III. 96 - Residência e estação de General Curado ... 262
FIGURA III. 97 - Estação de Engº Castilho (Jundiaí - Anápolis) ... 262
FIGURA III. 98 - Estação de Anápolis ... 263
FIGURA III. 99 e III.100 - Estação de Anápolis ... 263
FIGURA III. 101 - Estação de Anápolis (detalhe das colunas) ... 264
FIGURA III. 102 - Estação de Anápolis (detalhe do torreão) ... 264
Índice dos Quadros
QUADRO I. 1 – E.F.GOIÁS – Primeira etapa: estações inauguradas (1911-1914)... 56
QUADRO I. 2 – E.F.GOIÁS – Segunda etapa: estações inauguradas
(1922-1954)... 57
QUADRO I. 3 – E.F.GOIÁS – Resultados financeiros das operações do
tráfego (1948-1958)... 58
QUADRO I. 4 – Imigrantes estrangeiros em Goiás – 1920... 91
QUADRO I. 5 – Quantidade de estrangeiros em alguns municípios da
E.F.Goiás em 1940... 91
QUADRO I. 6 – Quadro demográfico de alguns municípios em Goiás 1940 e
1950... 91
QUADRO II.1 – Migrantes e imigrantes em Pires do Rio – 1924 a 1929 ... 123
QUADRO II.2 – P.M. de Pires do Rio – Movimento financeiro no período de
1930 a 1938... 123
QUADRO III.1 – Análise dos projetos em geral... 219
Sumário
RESUMO
...,000...
11 AB STR ACT ... 12
IN TR ODUÇÃ O ... 13
C API TUL O I – E.F. GOI ÁS : M AGI A D A MO DE RNIZ AÇ AO NO CE RR ADO ... 32
1.1 – Im plantação e oper aç ão da E.F.G OIÁS ... 37
1.2 – E.F .GOIÁ S: veículo da m igr ação, ur banização e m oder nização ... 59
C APÍ TU LO II - P I RES DO RIO: A CONS OLID AÇ ÃO DE UM A CID ADE – F ER ROVIÁRI A ... 92
2.2 – S ingular id ades da estrutur ação da sociedad e pioneir a ... 108
2.3 – A estaç ão: port al do concr et o e do im aginár io ... 128
2.4 – Em ancipação e li deranças política . ... 136
2.5 – A c idad e nos tr ilhos do des envolv imento m oder no ... 145
C APÍ TU LO III – A ARQUI TE TUR A DE PI RES DO RIO E D A E.F.GOIÁ S ... 153
3.1 – Có digos e sím bolos urbanos ... 162
3.2 – Desenh os da cida de ... 181
3.3 – A ar quitetur a da Cidad e ... 188
3.4 – Projetos d as edif icações: asp ir aç ões dos pioneir os ... 213
3.5 – A ar quitetur a típic a da E.F. GOI ÁS .. ... 235
CONSIDE R AÇÕ ES F IN AIS ... 266
F ONTE S C ONSU L TAD AS ... 273
Resum o
O Esta do de G oiás desperto u- se d o isolam ento decorr ente da
estagnação da extr ação aur íf er a, desde o f inal d o séc ulo X VIII, com a
chegada da Estrada de Ferr o Go iás no iníc io do séc ulo X X , em
consequê ncia da expans ão das f r onte ir as agr íco las dem andada pela
caf eicultur a centr ali za da no Centr o- sul do Br asil, m ais pr ecisam ente no
Estado de São Paulo.
Essa f r ente, enten dida com o modernizador a pe las sua s
r adic ai s tr ansf orm ações no “ ar ca ico” panor am a existente, p rocesso u de
iníc io um a m udança na econom ia e na conf igur aç ão espac ial d as r eg iões
atingid as pela f er r ovia. Lentam ente, a m oder nização m anif estou-se
tam bém nos aspectos super estr ut urais, ou seja, das m entalidades.
A m igr ação e im igr ação oc or r er am em gr ande escala. As
cid ades existentes e xpandiram - se e novas cidad es surg ir am das estações
im plantadas em lugar es erm os, dem anda ndo soluç ões urbanísticas
condi zentes c om o proce sso ace ler ado. Muitas tam bém , em bora
exper im entando o pr ogr esso, desapareceram . A m odernidade f azia- se em
todos os seus es pec tros: o f azer e o dest ruir .
Pir es do Rio, um a estação q ue se tor nou um a signif icativa
cid ade no Estado, f oi o objeto escolh id o para a análise dos v ár ios f atores,
de âm bito externo e loca l, que cor r ob or ar am a sua af irmação. Em seu
estudo é contem plado o pr oc esso de conso lidaç ão, por m igr antes e
im igr antes, os pl an os urbanos d esenhados para sua im plantação, suas
norm as de or d ena ção ur bana, sua ar quitetur a expr es sada por essa
m odernizaç ão e a r epr esentação da f err ovia no im aginár io. Er a a busca de
um a nova im agem par a as cidades goianas. Inser ida n essa pesquis a est á
a ar quitet ur a típica da f er rovia que veio a inf luenc iar , no pri ncípio, as
construções l ocais.
Esse estu do e luc ida parte de um a história a inda encober ta: o
Abstr act
The State of Goiás revived from the isolation resulting from the
stagnation of the auriferous extraction, from the end of the century XVIII, with the
arrival of the Railroad Goiás in the beginning of the century XX because of the
expansion of the agricultural borders demanded by the coffee growing centralized
in the Center - South of Brazil, in fact in the State of São Paulo.
This movement, understood as modernist because its radical
transformations in the “archaic” existent scenery, processed at first a change in the
economy and in the space configuration of the areas reached by the Railroad.
Slowly, the modernization was showed up also in some ideological aspects, that is
to say of the mentalities.
The migration and immigration happened in a large scale. The
existent cities expanded and new cities appeared from the railway stations
implanted in solitary places, demanding urbanistic solutions adequeted to the
accelerated process. Many cities although trying the progress, disappeared. The
modernity was made in all its aspects: the building and the destroying.
Pires do Rio, one of the railway stations that became a significant city
in the State of Goiás was the chosen object for the analysis of the several factors,
of external and local ambit, that corroborated its statement. In its study the
consolidation process is contemplated, by migrants and immigrants, the urban
plans drawn for its implantation, its rules of urban ordering, its architecture
expressed by that modernization and the representation of the Railroad in the
imaginary. It was the search of a new image for the “goianas” cities. Inserted in
this research, it is the typical architecture of the Railroad that came to influence, at
the beginning, the local constructions.
This study elucidates part of a history that is still hidden: the
I N T R O D U Ç Ã O
A nossa hist ori ografia urbana tradic ional t em, geralment e,
conc entrado seus est udos nas c idades grandes ou “históricas” que
abarc am os t em as de grande int eress e ness e fim de século, que
são, entre outros, suas def ormações urbanas e sociais dec orrent es
do cresciment o acelerado e as preserv ações de patrimônios
hist óricos. Ainda de grande int eress e dos est udi osos estão, também,
as rec ent es cidades planejadas que nasceram com o status de
sediarem capitais, est aduais ou f ederais . A generalizaç ão desses
est udos, no entanto, não se apl icam para as inúmeras ci dades do
i nt erior brasileiro, pequenas e médias, que em s ua formação ou
desenvolv iment o t êm ex press ado a di nâmica da modernização
urbaníst ica do início do séc ulo XX.
Embora ess e projet o de trabalho f oss e fruto de um grande
i nt eresse pela hist ória da f ormação e af irmação urbana de Pires do
Rio em G oiás, ocorrida no perí odo de 1920 a 1940, no princí pio
houve a barreira de um sentimento de int imi dação por se trat ar de
um objet o de est udo onde sua relevânc ia c omo f enôm eno urbano
deveria ser bast ante convincent e, não bastando para t al apenas a
i nt uição confirmativa. Mas, c onst at ando ess e v azio hist oriográf ico e
considerando o resultado, acredita-se que ess e trabal ho venh a
oferec er import ant es elementos para av eriguação dessas
generalizações e também criar ref erências para est udos
O aprender a v er a ci dade além de sua est rutura es paci al,
pelo rec onhec imento da multi discipli nari dade que seu est udo pode
envolver, entendendo-a portant o, t ambém c omo es paço urbano –
cenário das manif estaç ões do homem - permit iu que, no perc urs o da
pesquisa, es se objeto de est udo f os se af irmado com o um
significat iv o f enômeno urbano e que f ossem encontrados os motivos
para justif ic á-lo.
É dent ro dess a visão ampliada que se bus ca desenvolver
o est udo da cidade de Pires do Rio, sem c ont udo haver um a
pres unç ão de que s e cons iga t razer uma abordagem c ompl et a e
esgot ada referent e ao univ ers o de uma cidade. Não, nem tudo será
dit o. Cert ament e ainda f icarão f acetas a s erem percebi das. A própria
magia das ci dades, em suas const ant es transformações, despert ando
encantos e des enc ant os, não permit e um ponto f inal em seu estudo,
e dev erá s empre hav er um f ato a s er desvendado e por is so elas
cont inuam s endo de interesse dos pesquis adores.
A concepção de cidade c omo criaç ão humana t em sido de
i nt eresse às v árias áreas da c iênc ia, sendo abordada s ob diversos e
polêm icos pontos de vist a, s em c ontudo c ons eguir contemplar as
diversas f ac et as exist ent es na com plex idade desse art ef ato. A ess e
res peito, o arquiteto e pes quis ador Aldo Ros si c onsidera que,
embora est eja relac ionado com as ciênc ias humanas, o est udo
urbano ou ciênc ia urbana possui uma aut onom ia própria. Para tanto
ele justific a que, independent ement e do pont o de vist a, a análi se dos
f atos urbanos pelo que s ão - c ons truções últimas de uma elaboração
com plex a e que não podem ser c ompreendidos pel a hist ória da
arquitetura, nem pela s ociologia, nem pelas out ras ciênc ias
separadament e - a cidade emerge de modo autônom o, c omo dado
último, c omo c onstruç ão, com o arquit et ura.1
1
A metodologi a aqui adot ada prende-s e ao pens ament o de
R oss i, onde a cidade é por s i mes ma depositária de hist ória e,
port ant o, o método hist órico parece s er o mét odo c apaz de of erecer
uma verif icação mais segura de qualquer hi pót ese sobre ela, sem
cont udo cons tit uir o estudo da cidade sim plesment e como est ud o
hist órico. Ess e método é visto s ob dois pont os de vist a diferent es,
mas complement ares, correlat os e at é confundidos em seus
res ult ados: o primeiro diz respeit o ao est udo da c idade como fato
mat erial, onde ela, como art ef at o, é o t ext o dess a história. Ness e
pont o de vist a, os registros bibliográf icos, a hist ória da arquit et ura e
os document os muni cipais, entre outros, nos proporcionam uma
docum ent aç ão ampla porque as cidades nos são apres ent adas
atrav és dos f at os urbanos det erminant es, em que é preeminent e o
element o hist óric o. O segundo pont o de vi st a c onc erne à hist ória
com o est udo do próprio fundament o dos f at os urbanos e da sua
est rutura. Concerne diret am ent e não apenas à est rut ura material da
cidade, mas também aos aspect os s ocioec onômicos e polític os que
sustent aram seu proc ess o de f ormação e expansão e, at é mesmo, a
i déia que t emos dela como sí nt es e de uma série de valores: a
imagi nação coletiva. A cidade, com o palc o de manif estações dos
f atos urbanos e espaço de const rução de v idas de s eus c itadinos,
torna-se ela própria “ a memória c oletiv a dos povos ; e como a
memória est á ligada a fatos e lugares, a c idade é o locus da memóri a
coletiv a. ”2
A hist ória de Pires do Ri o é recente, iniciada na t erc eira
década do século XX e of icialment e marcada pela i nauguraç ão da
est aç ão f errov iári a de mesm o nom e, em 9 de nov embro de 1922. A
com eçar pela est ação, cujo nom e homenageia o ent ão Ministro da
Viaç ão e O bras Públ icas do Bras il, Dr. José Pires do Rio, é uma
hist ória de pes soas, anônimas ou não, que acredit ando no
desenvolv iment o da cidade que s e form ava no local para ela
2
conv ergiram, est abelecendo at ividades com erciais e de prest aç ão de
serviç os. D ess as atividades, surgidas pela economia organizada em
bases c apit alist as que avançav a junt amente com os trilhos da
Estrada de Ferro Goiás - E.F.G oiás , desenv olveram-s e as demais
relaç ões soc iais e polític as que, assent adas em uma estrut ura
urbana planejada, consoli daram uma cidade em prazo muit o rápido,
se t omam os c omo ref erência o t empo demandado para a f orm ação
das dem ais cidades dos séculos ant eriores em Goi ás.
Vários fatores , pertinent es ao quadro da realidade
brasileira e ao âmbito l ocal, c orroboraram ess e proces so de
f ormação e af irmaç ão da cidade, levando-a a c onstituir-se em
exem plo de um a est aç ão im plantada pela E .F.G oiás, que t ev e um
significat iv o progress o3. Nas déc adas de 40 e 50, vinc ulada aos
benef ícios da f errovia, f oi uma relev ant e c idade em G oiás,
sobressaindo-s e não só pela s ua economia, mas também e
princ ipalment e, pela sua cons olidação urbana em bases
modernizadoras para o c ont exto regional. Tais benef ícios ainda s e
f izeram at é 1960, apes ar das freqüent es e cresc ent es c ri ses da
E.F.G oi ás e, em geral, das f errov ias brasileiras dec orrent es,
princ ipalment e, da s upremacia do sistema de trans porte rodov iári o
no país.
A ferrovia traduziu-se em import ant e c anal de
com unic ação, vi nculando a cidade aos f enôm enos de ordem nacional
e c ons equent em ent e mundial, que se express avam de maneira
conc entrada na região C ent ro-Sul do país, s obret udo em São Paul o.
Ess e f at o, que f oi f undament al para o des env olviment o de Pires do
Rio, f ornece também, com relevância máxima, um import ant e c ampo
de es t udo ref erente ao embate do progresso t ranspl ant ado para
3
regiões tradicionais, c ri ando, de maneira abrupt a, a dic ot omia
hist órica entre m odernidade e s ertão.
Moderno, modernidade, modernizaç ão e modernism o.
Termos que nos remet em ao progres so, ao desenvolviment o, ao
novo. Mas quant a c omplex idade nes se tema de transformação
hist órica da humanidade ao longo de séculos!
David Harvey c ons idera que o mov imento da modernidade
ent rou em f oco no séc ulo XVI II, pel o pens amento il uminist a:
O pensamento il umi nista (...) abraçou a idéia do progresso e buscou ati vamente a rup tura com a h istór ia e a t radição esposada pela mod ernidade. Foi, sobr etudo, um mo vimento secular que pr ocuro u desmistificar e dessacralizar o conhecimento e a or gani zação social para libe rtar os ser es humanos de seus grilhões.4
O moderno, um “turbilhão de mudanç a”, é permeado pelo
sent ido das c ont radições, do fugidio, do efêmero, do f ragm ent ário e
do contingent e, trazendo c om isso prof undas c onseqüênc ias, não
podendo sequer respeitar s eu próprio pass ado ou qualquer ordem
social pré-m oderna:
Se há al gum sentido na história, há que descobri -lo e def ini-lo a partir de de ntr o do tur bilhão da muda nça, um turbilhão que afeta tanto os term os da discussão como o que está sen do discutido. A mode rni dade, por conse guint e, não apenas en volve uma implacável ruptura com todas e quaisquer condiçõ es histó ricas preceden tes, como é caracterizada por u m intermi nável processo de rupturas e f ra gmentações i ntern as inerentes.5
Ai nda no âmbit o dess a c ont radição, outro as pecto
import ant e para se compreender o m oderno, é a “destrui ção criativa”:
4
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1993, p. 23.
5
Af inal, como poder ia um no vo mundo ser criad o sem se destruir boa parte do que viera antes? Sim plesmente não se pode faze r um omelete sem quebrar os ovos, com o o observ ou toda uma li nha gem de pensad ores m odernis tas de Goethe a Mao.6
A partir de 1850, o modernismo s e manif estou
significat iv ament e como fenômeno urbano, at rav és da “ experiência
do cresc imento urbano explosivo (...), da fort e migração para os
cent os urbanos, da indus trial i zação, da mec ani zação, da
reorgani zaç ão mac iça dos ambientes const ruídos. .. ”.7
Para Mars hall B erman, a experiência moderna, es palhada
por todas as partes do m undo, t ev e s eu perí odo mais brilhant e e
criativo da hist ória da humanidade no s éculo XX. S egundo ele, o
pensament o at ual sobre a m odernidade s e divi de em duas part es
dist int as: “m odernização em economia e polít ica, m odernismo em
art e, cultura e s ensi bilidade. ”8
A concretude do movimento moderno, ainda no sécul o
XI X, é mostrada por B erman:
a primei ra coisa q ue obse rvamos se r á a nova paisage m, altamente desenvol vida, diferenciada e dinâmica, na qual tem lugar a expe riência moderna. T rata-se de uma paisa gem de engenhos a vapor, fábricas automatiza das, f errovias, ampl as no vas zonas in dust riais; prol íficas cidades que cresceram do dia para a noite, quase sempre com aterradoras consequênci as para o ser humano ; j ornais diár ios, t elégraf os, telefones e outros inst rumento de media, que se comunicam em escala cada vez maio r; Estado s nacionais cada vez mais fortes e con glomerados mult inacionais de capita l; mo vi mentos socia is de massa, que lutam contra essas mode rnizações de cima para
6
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1993. p. 26.
7
Idem, ibidem, p. 33.
8
baixo, contando só com seus própri os meios de moderni zação de baixo pa ra cima; um mercado m undial que tudo abarca, em crescente expansão, capaz de um estar recedor desperd ício e devastação, capaz de tudo exceto solidez e estabilidade.9
Eram as font es aliment adoras dos turbilhões da
modernidade:
(...) dirigind o e manipulando todas as pessoas e institu içõ es, um mercado capitali sta mundial, drasticamente f lutuante, em permanente expansã o. No século XX, os processo s sociais que dão vida a esse turb ilhão, mantendo -o n um perpét uo estado de vir -a-se r, vêm a chamar-se mode rnização”.10
Nesse processo, a burguesi a mostrou sua capaci dade de
reali zaç ão, at ravés dos grandes projet os de c ons trução f ísi ca –
f ábric as, f errov ias, trabalhos públicos - como t ambém dos enormes
movimentos de pessoas – para as cidades, para f ronteiras, para
novas t erras.
As ferrovias, m aiores símbolos dess a era moderna depois
da máquina a v apor, c onstituíram-s e em est eiras propagadoras das
transformações, c omo verdadeiros out-doors do “turbil hão de
mudança”. Através delas f oram diss eminados os prec eitos da
modernidade em todos os seus espect ros, sendo int erpret adas sob
vários pont os de vista pelos est udios os do ass unt o.
Eric Hobs bawm ac rescenta à f errov ia uma c ons iderável
f onte ins piradora, além do próprio sí mbolo do t ri unf o do homem pela
tec nologia:
Nenhuma out ra inovação da re vol ução industrial i ncendiou tanto a imaginação quanto a ferro via, como testem unha o f ato
9
BERMAN, Marshal. Tudo Que é Sólido Desmancha no Ar. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. p.18.
10
de ter sido o único pro duto da ind ustrialização do século XIX totalmente abso rvid o pela ima gí stica da poesia e rudita e popula r.11
Pela sua import ânc ia e repercussões na vida s oci al,
econômic a, política e militar, Fernando de A zev edo c onsi dera o
séc ulo XI X c omo o “s éc ulo do caminho de f erro”. Em seu t rabalho
sobre a E.F. Noroeste do B rasil ( Baurú-SP à Corumbá-MT), a f errovi a
torna-se um c orol ário de f undaç ão de cidades, denomi nadas “bocas
de sert ão”, t endo c omo s ement es as est aç ões-f ant asmas por el a
l ançadas. A es pant os a rapidez c om que s e povoavam, se constituí am
em um dos mais interessantes f enômenos.12
Em uma vis ão volt ada para a realidade trágic a, Francisco
Foot Hardman c oloc a a dicotomia entre o moderno, em manif est ação
no exterior, e a selva bras ileira, tendo a f errovia Madeira – Mam oré
com o objeto de estudo: “A rot a do des conhecido, c alcada em um
sonho amnésico, l eva-nos a ess e reino dos f ant as mas, em que
represent ações c ulturais do t empo e do espaço adversas entram em
choque. Nessa perspect iva, o progress o aparece como magia ”.13
Vista com o um a das obras f araônicas do univ erso burguês em
expansão e considerando seus efeit os f ísic os e es piri tuais à f errovia,
o aut or em prega t ermos com o “fant asm agórico”, “babél ico”,
“sublim e”, chegando ao “f etiche”:
É que a animação ilusória dos fetiches n a sociedade produtor a de mercadorias, embora j á entranhada na maneira de os home ns fazerem a sua vida e inerente à forma moderna das relações
11
HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções, Europa 1789 - 1848. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982. p. 61.
12
AZEVEDO, Fernando de. Um Trem Corre Para o Oeste. S ão Paulo, Melhoramentos, 1948, p. 76.
13
materiais de existência, acabou por m obilizar mitos e rit uais d e linhagem as mais diversas.14
Borges, em seu estudo s obre a E.F.Goiás, considera as
f errovias c omo progress o – símbolo do homem pela tec nologia - que
i nt ensificou a propagação de idéi as, ass imil ação e unidade s ocial,
lingüís tica e cultural, f ecundando as civili zações umas pelas out ras.
Af irma-as c omo instrument o de c olonizaç ão e dominaç ão:
A histó ria nos revel a que as vias férreas sempre estive ram sob a tutela do po der econômico e polític o de Estado s ou d e grupos, e sempre ser viram de elemento modernizador e civil izad or, se gund o os i nteresses dom ina ntes; portan to, não h á como abor dar o tema sem relacioná-lo à expansão capitalista ou imperialista.15
As transf ormaç ões modernizadoras, ev ident ement e, se
deram de form as dif erent es nos países e também no âmbito regional.
Mas de uma f orm a geral, no séc ulo XX, se f izeram pres ent es em
todo pl anet a e s e tornaram susc eptíveis a questionamentos, próprios
do disc urs o moderno, abert o em sua am pla perspectiva, às
divergências , c ont radições e dualidades. No Brasil, as vicissit udes
dos t empos modernos, em todos os s eus as pectos, s e deram a partir
da s egunda met ade do séc ulo XI X, c onf igurando mais concret ament e
no iníc io do s éc ulo XX. Com: “ as transformações da economi a
brasileira, representadas principalmente pela expansão da economia
caf eeira – que se organi zou em bases c apit ali st as – e pel a
i ndustriali zaç ão na regi ão Cent ro-S ul a part ir do iní cio do séc ulo16,
houve, c onseqüent em ent e, uma modif icação t ambém na estrut ura
social e urbana no Centro-Sul, s endo em s eguida disseminada para
14
HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasm: A modernidade na Selva. São Paulo, Companhia das Leras, 1988, p. 25.
15
BORGES, Barsanufo Gomides. O Despertar dos Dormentes. Goiânia, Cegraf-UFG, 1990. p. 19.
16
out ras regiões, uma v ez que essas transform ações da economi a
“exigiram a expansão da frent e pioneira rumo ao i nterior do País,
ocupando e inc orporando extensas áreas interioranas à produção
capit al ist a, as quais se encont ravam, até ent ão, f ora do âmbito da
economia de mercado”.17
As ferrovias desempenharam um papel de im port ância
imens urável nesse proces so:
Numa p rimeira etap a, ou seja, até o f inal do século passado, quase que exclusivamente à econo mia agro-exportad ora, li gando os centr os p rodutores aos p ort os de exportação. Nu m segundo momento, a partir das primeiras décadas deste século, as ferrovias passa ra m a servi r também, como vias de expansão das relações capitalistas de produção.18
A prim eira metade do século XX f oi de f reqüent es c rises
na econom ia prim ária ex port adora nacional, dev ido às duas Grandes
Guerras Mundiais e à Grande Depressão Econômica, colocando em
evidência os limites e ao mesmo t em po as possi bilidades do si st ema
econômic o e polít ico brasileiro, propiciando o s urgimento do set or
i ndustrial, a ex pansão do set or t erciário, a urbanizaç ão e o progress o
da divisão s ocial do trabal ho. A rev oluç ão de 1930, dando início à
era Vargas (1930-1945), implic ou na derrot a ainda que parc ial das
oligarquias domi nant es at é ent ão. Os anos pos teriores c riaram
condições para o des env olviment o do Es t ado burguês, c omo um
sistema que engl obou padrões e valores s ociais e cult urais
tipicam ent e burgueses onde, aos poucos, as c lass es sociais de
ment ali dade e interesses c aract eristic am ent e urbanos f oram-se
impondo por sobre as ment alidades e int eress es enraizados na
17
BORGES, Barsanufo Gomides. O Despertar dos Dormentes. Goiânia, Cegraf-UFG, 1990. p. 11.
18
economia primário export adora, consoli dando uma im portante
vit ória, ainda que parcial, da cidade s obre o cam po.19
Em Goiás, a penetração da Est rada de Ferro em 1912
prov ocou uma signif icativa t ransf ormação nas regiões Sul e S udest e,
com a modernização da ec onomia agrária e, s imultaneament e, out ros
aspect os da vida social, polít ic a e cultural t ambém pass aram a
experim ent ar mudanças. O pov oam ent o e, conseqüent ement e, o
proc esso de acel erada urbanização f oram part e des sa lógic a,
ocorrendo a expansão das cidades exist ent es e o surgim ent o de
novas ci dades. Pires do Rio, entre out ras, é um ex emplo de cidade
surgida ness e processo e, at rav és de seu es tudo, es pera-s e
cont ribuir para a elucidaç ão do t odo, c omo um a part e rev elada de
uma hist óri a ainda encobert a.
O es tudo da cidade de Pires do Rio se prende à anális e
de s ua f orm ação e af irmaç ão urbana, no perí odo de 1920 à 1940,
atrav és da inv es ti gação dos f at ores que c orroboraram esse process o,
bem como da nat ureza do seu desenv olviment o, t endo c omo pano de
f undo o av anço da modernizaç ão, a Est rada de Ferro, a
transformação da economia brasileira e a Revolução de 1930. N a
verdade, ess as manif est ações, desdobradas no int enso moviment o
migrat óri o rumo às f ront eiras agrícolas, s e cons tit uí ram nos fatores
pertinent es ao quadro da realidade bras ileira que, s omados aos
f atores de âmbit o loc al, t ornaram possível o desenv olvimento do
proc esso.
O objeti vo é c onhecer e inv est igar de que m aneira se
deram os f at os capazes de conf erir à cidade sua formação e
afirm ação, c onsiderando por um lado as dic ot omias inerent es ao
proc esso de moderni zaç ão em um meio tipic am ent e rural, e por out ro
19
l ado, o res ult ado positiv o desse proces so. A part icularidade do
objeto de est udo está no f at o de t er tido sua f ormação e af irm ação
tão dif erenciada das demais cidades at é ent ão ex ist ent es em G oiás,
l evando em cont a s ua f ormação c onstit uí da por c omerc iant es
migrant es, o pouco t empo que demandou para s e em anc ipar
polit ic amente e o rec onheciment o de um a estrut ura urbana
planejada, assegurada por instrument os ordenadores emanados
pelas administ rações munici pais.
Pret ende-se registrar, ainda, as transf ormações na
arquitetura local, expressadas nas diversas m anif est ações de est ilos
das const ruções que vão desde as interpret ações sem apurament o
arquitetônico at é alguns exem plares de signif icativa express ão do
art-déco. De grande int eres se t ambém é a doc ument ação da
arquitetura tí pic a da E.F. G oiás, represent ada pelas suas estaç ões e
pelas residênci as dos f uncionários. Ess e acervo enc ont ra-se hoj e
em proces so de destruição, s ubestimado em seus valores artí sti cos e
hist óricos.
O result ado dessa anális e nos lev a a reconhec er ess e
f enômeno urbano c omo um exem plar por exc elência em G oiás,
res ult ant e das prof undas transf ormações no Est ado bras ileiro,
marcadament e após 1930.
Nesse est udo, ref erências à elite dominant e f azem -s e
bast ant e pres ent es. Rossi c onsidera que:
a histór ia da arquitetura e dos fatos urbanos realizados é sempre a histó ria da arquitetura das classes dominantes. Se ri a necessário ver dent ro de que limites e com que sucesso as épocas de re vol ução contrapõem seu modo concreto d e or gani zar a cidade.20
20
A própria bi bliograf ia loc al de apoio é ref erenci ada a
partir da class e dominante. Em bora limit ada, é de grande peso
emocional, por terem seus aut ores vi vido nessa époc a, ou em parte
dela, const it uindo-se em m emórias ricas de s ignificado hist órico.
Esse ref erencial bibl iográf ico extrapol a o senti do da
emolduraç ão históric a, uma vez que, ref erenci ando no pont o de vis t a
de Angela Mendes de Alm eida, f ornece, al ém dos f at os hist óri cos,
um conheciment o das ment alidades, através dos v alores ét ic os e dos
padrões morais dominant es e suas f ormas desv iant es:
Numa hist ória das mentalidades, o recurso ao pensamento da classe dominante é inevitá vel po r uma série de or dens de ra zã o. Em p rimeiro luga r porque é sobre ela que ve rsam as f ont es conservadoras. Além disso, os te xtos nor mativos, veio centra l dessas análises, têm como parâmetro ideal as f amílias da classe dominante. Em se gundo lu ga r porque, mesmo no caso de classes domi nadas que gestam lon gament e passo a pas so com a preparação de sua ascensão, f ormas de vi ve r exp licitamente alternati vas e cont rárias à da classe dom inante (.. .), o produt o desta gestação, esta nova mentalidade, não é elaborado isoladamente. Ao contrário, em cada sociedade, num momento dado, as diver sas mentalidades constituem uma rede de vasos comunicantes onde a da classe d om inante tem um papel determinante.21
Essa rede, compos ição das ment alidades, ultrapass a seu
sent ido individualizado, e bus ca em sua ex press ão coletiv a a
i dentidade do local, ou s eja, a individualidade da cidade, em sua
conf ormaç ão e aspiração. Essa relaç ão da col etividade com o lugar e
com a idéia que se f az dele, é uma quest ão que s e pret ende t ambém
cont em plar no present e estudo, na abordagem da metodologia em
seu segundo pont o de vist a, ou seja, a cidade c omo uma sí nt es e de
uma s érie de valores: a mem ória c oletiv a.
21
A literatura da Am éric a Latina colonizada s oube explorar
criativam ent e na linguagem do realismo fant ást ic o, a mem ória
coletiv a, onde novas dimensões se acresc ent am ao mundo
perc eptível. De m aneira suave e met af óri ca não pass ou des perc ebido
o impact o da modernização na c ult ura regi onalizada, para alguns
aut ores com o Gabriel G arcí a Márquez, Julio C ort ázar e Jos é J.
Veiga, entre out ros. Em s ua obra, “A Máquina Extraviada”, J osé J.
Veiga apresent a ent re outros cont os, o de tít ulo homônimo, t endo
com o início o diálogo:
Você sempre pe r gu nta pelas no vidades daqui desse sertão, e finalmente posso lhe contar uma importa nte. Fique o compadre sabendo que ago ra temos aqui uma má quina im ponen te, que está entusiasmando todo mun do. Desde que aqui ela che gou , não me lembro quan do, não so u muito b om em lembrar datas, quase não temos falado em outra coisa; e da maneira que o po vo aqui se apaixona até pelos assuntos mais inf antis, é de admirar que ninguém tenha bri gado ainda por causa dela, a não ser os políticos.22
O c ont o se des envolve sobre a magia da máquina, na
verdade s uas inúmeras part es que, desc arregada na f rente da
Prefeit ura local e c oberta c om encerados, t ornou-se o c ent ro de
atenção de t odos da cidade, desde as crianç as aos velhos. Ni nguém
sabia quem enc omendou a t al da máquina, m as como ela est av a al i
misterios am ent e por t ant o tempo, passou a ser uma parte im portante
das f est iv idades nas dat as cív icas, havendo mesmo um moviment o
para declará-la como monumento municipal. E assim t ermina o cont o:
O meu receio é que, quando menos esp erarmos, desembar que aqui um moço de fora, desses despachados, que entendem de tudo, olhe a má quina por fo ra, por dentro, pense um po uco e comece a explicar a f inalidade dela, e para mostrar que é habilidoso ( eles são sempre muito habilido sos) peça na gara gem um j ogo de ferramentas, e sem liga r a nossos protest os se meta por baixo da máquina e desande a apertar, martelar,
22
engatar, e a máquina comece a trabalhar. Se isso acontecer, estará quebrado o encanto e não existirá mais máquina.23
Essa repres ent aç ão de uma c omunidade em torno de um
f enômeno que transf orm a seu c ot idiano, t ornando-se em encant o
coletiv o e at é mesmo monum ent o, most ra metaforicamente, além do
significado do impact o da modernidade em s eus di versos espec tros ,
a const ruç ão de uma memória coletiv a e seu loc us, ou lugar da
memória.
Apoiando-s e em Halbwachs24, Pierre Nora, mais
rec ent ement e, nos ex põe a dist inç ão ent re memória e hist ória:
A memória (...) é, por natureza, múl tipla e desacelerada, coletiva, plu ral e i ndi viduali zada. A história, ao contrári o, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o uni ver sal. A memó ria se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na ima gem, no objeto. A hi stória só se li ga às continuidades temp orais, às e vol uções e às relações da s coisas.25
À medida em que desaparec e a m emória t radici onal, os
monument os , mus eus, datas e festas c om emorat iv as, etc. se
transformam nos lugares de mem ória, mat eri alizada pela hist ória, em
nome de uma legit imaç ão do passado.
A important e c oloc ação de R oss i quant o ao mét odo
hist órico em seu segundo pont o de vista, c it ado no iníc io desse
tex to, remet e à consideraç ão da relevant e cont ribuição da mem óri a
no est udo da cidade, c ons iderada por el e o lugar da memóri a. Nesse
23
VEIGA, José J. A Máquina Extraviada. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974, p. 78.
24
NA: Halbwachs fala da memória coletiva, inserida em um contexto social ao qual pertencemos, da memória individual e de suas interpenetrações freqüentes: a memória individual, para confirmar e precisar suas lembranças, pode se apoiar na memória coletiva e por outro lado, a memória coletiva, embora envolvendo as memórias individuais, não se confunde com elas , evoluindo segundo suas leis e conformando com uma consciência que não seja pessoal. Cf.: HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo, Vértice Editora, 1990.
25
aspect o, os est udos desse it ali ano, datados de 1966, se prendem às
hist óricas c idades européias, cuja memória enc ont ra-s e conti da nos
monument os c onst ruí dos, f at os legados por um a anti ga c oletiv idade
e que nos dá hoje, a idéia da cidade. Mas, sua v isão da hist ória,
ref erenci ada al ém do paradigm a es trut uralist a, permit e rev er ess a
“memória”, t endo em vist a o est udo que hoje se f az dos perí odos
rec ent es, def inidos por alguns historiadores c omo His tóri a do Temp o
Present e: “Ess e tipo de História t em como característic a básica a
pres enç a de test emunhos vivos, que podem vigiar e cont est ar o
pesquisador, afirmando s ua vantagem de t er est ado presente no
moment o do des enrolar dos fat os ”.26 A narrativ a dos f atos pelo
homem, com o objeto da ex peri ênci a, passou a s e constit uir então
em mat erial de pesquis a pelos hist oriadores, desdobrando-se com
iss o as controvérsias a res peito do s eu val or c omo doc ument ação, da
l egit imidade da Hi stória Oral ou Fontes Orais e até m esm o de seu
status c omo t éc nic a, disc ipli na ou metodologia.
As transf orm ações oc orridas no campo da história em
geral e particul arment e na hist ória dess e s éc ulo, “ abrindo es paço
para o est udo do presente, do político, da c ult ura, e reincorporando o
papel do indiví duo no proc esso s oci al ”27, v em não só t razer o
debat e”28 mas t ambém dar maior oport uni dade ao us o dos
depoim ent os orais.
26
FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral e Tempo Presente. In: MEIHY, José Carlos Sebe Bom (Org). (Re)Introduzindo História Oral no Brasil. São Paulo, USP, 1996, p. 15.
27
FERREIRA, Marieta de Moraes. História Oral: Um Inventário das Diferenças. In: FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.). Entre-Vistas: Abordagens e Usos da História Oral. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1994, p. 10.
28
A dif erença t emporal do objet o de est udo, permit e
analis ar e relaci onar os fatos urbanos c om a v ida dos prot agonist as
da hist ória, insc revendo o trabalho “numa li nha hist oriográfica que
denominamos história loc al ou microhistóri a, e em si nt onia com ess e
posic ionament o nos vimos (vemos) obrigados a reflet ir sobre a
positividade da utili zação das font es orais no proc es so de
i nvest igaç ão”.29
A parti r do momento em que se fez uso dos depoim ent os
de pessoas que vivenciaram o período de es tudo da cidade,
perc ebeu-se uma represent ação às vezes dif erenc iada dos f at os
l evantados em doc um ent os, criando dessa f orma algumas
cont radiç ões. Se a princípio ess e fato parec eu prejudic ial, por não
est ar indo na direção da im agem construí da at rav és das f ont es
docum ent ais, viu-se em s egui da sua grande v alia para o trabalho. Os
depoim ent os enriqueceram ess e est udo, no s entido de poder ser
mostrado em paralelo, a dist ânc ia entre um m odel o de planejamento
do “viver urbano” apli cado por vias dos dit am es legais e a sua
viabi lidade prát ic a experim ent ada na real idade c ot idiana do cidadão.
É reconhecido o valor da doc umentação escrit a existent e,
que t em servi do enormemente com o suporte para o est udo de Pires
do Ri o e t ambém f ornecido pist as para as questões abordadas.
Embora parte des sas quest ões poss a ser percebi da na hist oriograf ia
l ocal, ac redita-s e que o uso de depoimentos de prot agonistas venha
trazer um enriquecimento humano no relat o de uma hist óri a cuj o
pass ado est á ao alcance. E também,
Facilita(r ) o estudo de atos e situações que a racionalidade de um momento histó rico concreto impe de que apareçam nos documento s escritos. Assim, po rtant o, as fontes orais possi bilitam inco rp orar não apenas indi víduos à const rução do
29
discurso do hist oriado r mas no s permite conhecer e compreende r situaçõ es insuficientemente estudadas até agora.30
Não s e espera que os depoiment os v enham afi rmar “c omo
acont ec eu realmente”, m as que v enham, nas palav ras de Thompson,
contri bui r para uma reconstr ução mais realista do passado. A realidade é complexa e multifacetada; e um mérito p rincipal d a histó ria oral é que, em muito maio r ampli tude do q ue a maiori a das fontes, permite que se recrie a multiplicidade ori ginal d e ponto s de vista.31
A exposiç ão do c ont eúdo desse est udo se constit uirá na
apres ent aç ão de t rês capítulos.
O primeiro capítulo enf oc a a E.F. Goiás: s uas cris es e
tam bém res ult ados , s ua divisão c ronológica em s uas duas et apas e o
mapeament o de s eu t rajet o. S erá ress alt ado o s egundo t rec ho da
f errovia, Ronc ador-Anápolis, por t er sido im plantado em um momento
novo na hist ória brasileira, por c ont er em sua m argem o objeto de
est udo e, f inalm ent e, pelo f at o da bibliograf ia exist ent e não
cont em plar com maior int eresse ess e t recho. A realidade
socioec onômica e urbana do Est ado, na époc a, será abordada,
ressalt ando a transf ormaç ão com a oc upaç ão da regi ão ati ngida pela
f errovia, c omo veí culo da migração, urbanização e modernização,
considerando os novos povoament os s urgidos e os progres sos
urbanos para as cidades já exist ent es. E ss a abordagem tem c omo
f inalidade f undam ent ar o desenv olv iment o de Pires do Rio ,tomando
com o parâmet ro as dem ais cidades.
30
GARRIDO, Joan Del Alcàza i. As Fontes Orais na Pesquisa Histórica: Uma Contribuição ao Debate. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, Set.92/Ago.93. p. 36.
31
A origem, f ormaç ão e afirm ação de Pires do Ri o, em s eus
aspect os s ociais, ec onômic os e políticos, serão o cont eúdo do
segundo capít ulo. Pret ende-se investigar os f at ores inerent es ao
quadro da realidade bras ileira e de âmbit o local, que c orroboraram o
proc esso de f ormação e af irmaç ão da cidade no perí odo consi derado,
bem c omo a natureza de seu desenvolviment o. Será abordada a
plena part icipaç ão dos migrant es e imi grantes na c onsolidaç ão da
cidade que, pelas suas part iculari dades, deu-s e dif erent em ent e das
demais do Estado, tendo a f errovi a c omo c ent ro das ati vidades, para
a qual não f alt aram as repres ent aç ões de devotament o.
O terc eiro capít ulo, t ratará das manifest aç ões da
arquitetura em Pires do Rio at rav és de s eus planos urbanos, das leis
e decret os para a ordenação da cidade e das edificaç ões c onstruí das
no período. Será analis ada a morfologia urbana e as manif est aç ões
arquitetônicas s urgi das, c ont extualizando-as na história do
urbanism o e da arquitetura em que se manif est aram. Com a
apres ent aç ão das medidas administ rat iv as ordenadoras do es paço
urbano, pret ende-s e most rar o empenho para a c onstruç ão de um a
nova im agem de c idade em detrim ent o, muit as vezes, de uma c ult ura
tradicional. Atrav és de análise das plantas arquitetônicas de casas
construí das na époc a, busca-se levantar um perf il dessa soc iedade
pioneira, expressado pelas aspirações de “morar m elhor” reveladas
nos projetos. Finalmente, será abordada a arquitetura tí pic a da
C APÍ TULO I
E.F.GOI ÁS: M AGIA D A MODERNI ZAÇÃO NO CERR AD O.
A magi a, no sentido do sobrenat ural, nasc eu com a
humanidade. Do s écul o XIII ao XI X a sociedade dominant e, at ravés
da “sant a” inquisi ção, l evou magos e ci entist as à fogueira e à
exc omunhão. Mas, nunca um públic o f oi t ão recept iv o aos
espet ác ulos de magia, perpetrados pelo av anç o tecnológico, c omo na
modernidade. Ao cont rário de outras épocas, f oram aplaudidos,
copiados e diss eminados na superf ície do planet a.
Tendo o séc ulo XI X c omo palco das primeiras s ublimes
manif est ações m odernas, o homem assistiu, entre out ras, à mágica
da máqui na a v apor, da f ot ograf ia, do ci nema, da energia el ét ric a, do
tel ef one, da v eloc idade, t ransf ormando de maneira “lógic a e natural”,
suas vidas . O ilus ionism o mágic o at ingiu s ua mais alta ef iciênci a,
onde não c abia s er quest ionado o proc es so e seu ef eit o, e sim
usuf ruir hipnotic ament e s eus res ult ados. Era, parec ia, a chegada do
aguardado e nele todos est av am pront os para embarcar em um a
viagem sem volta e sem destino.
Não f alt aram as vit rines para expor as vantagens dess a
viagem. As doze exposiç ões univ ersais realizadas des de meados do
séc ulo XI X at é princí pios do XX, em grandes cidades européias e
americanas, “iluminam (iluminaram ) de forma ímpar vários
atmosfera da soc iedade burgues a em formação”1 Tanto a
arquitetura dos pavilhões, sant uári os destinados ao f et ic
he-mercadoria, c om o os produt os em exposiç ão es pelhavam
sedut oramente as conquist as da R evol ução I ndust rial. O prim eiro
pavil hão Crys t al P alac e, em Londres (1851), ost ent av a grandes
vãos liv res assegurados pela utilização da est rut ura em f erro e um a
i nt ensa luminos idade int erior, graç as aos grandes panos de v idro,
i nusitados ef eit os advindos de recent es c onquist as t ec nológicas para
a c onstruç ão.
Dentre as m aravilhas mecani zadas estava o t rem de ferro,
grande sím bolo dess a modernidade, por repres entar não só a
veloc idade e dem ais vantagens, c omo t am bém a magia ins piradora.
As f errovi as, em seu com plex o, f oram temas para a pint ura,
f otograf ia, lit eratura e cinema, ent re as art es. Foi t am bém f ont e do
“f ant asmagóric o” para aqueles que t iveram a ex periment aç ão dessa
i novação, c omo procura ex plic ar H ardman:
Essas ob ras nascida s do pr ogresso técnico apresentam-se d e modo fantasma góric o quando percebi das, simultaneamente, à luz de doi s f eixes conexos de relações: (a) em suas ruptur as espaços-temporais c om o mund o circundante, no sentido dos impactos tecnoló gic os que n ovos mecanismos e procediment os são capazes de desencadear no p lano das chamadas “mentalidades”; (b) em suas articulações internas, à medida que características como tamanho, movimento, j ustaposição de ferramentas simples numa estru tura mecânica complexa, ritmo, ruídos, automatism o acabam compondo em si mesmas, no seu conj unto, f igu ras em que o exercício da mimesi s redu ndou em construções monst ruosas.2
As ferrovi as t iveram seu impuls o na primeira met ade do
séc ulo XI X na Europa e Est ados U nidos, pass ando a repres ent ar com
1
HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: A Modernidade na Selva. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. p. 49.
2
seu cresc imento uma indúst ria de grande port e que ,
i nt ernacionalizada, se constit ui u em um dos f at ores básicos para a
artic ulaç ão do mercado mundial na s egunda met ade do séc ulo.
No Bras il as f errovias s urgiram em meados do séc ulo XIX,
sendo f ortaleci das com a ex pans ão do c af é e o prestí gio da nov a
elit e plant adora no Cent ro S ul, levando à abert ura de novas est radas
e ramais, como recurso impresc indível ao t ransport e do produt o,
ent re os c af ezais e as casas import adoras e export adoras . A
modernização do proc esso de produção dependent e dinamizou a
construç ão de f errovi as no país que, por sua v ez, t inham c omo
f inalidade adequá-lo e ajustá-lo ao capit alismo em expansão.
Serviram, à princípi o, para a ex pans ão da produção agro ex portadora
e depois , nas primeira déc adas do séc ulo XX, t ambém à expansão
das f ront eiras int ernas do capitalismo.
As iniciativas f errovi árias, predes ti nadas que est av am ao
esc oament o do café, s e concentravam na região paulist a, cuja
economia c af eeira s e organizava em bases c apital istas. Nessa
dinâm ica, nov as t erras para pl antio eram busc adas c ada vez mais
dist ant es e novas estradas de f erro eram im plant adas, servindo à
expansão das f rent es do capitalism o em di reç ão ao int erior do país.
N o i nício de s éculo XX, c om o des env olvimento da industriali zaç ão, o
papel da f errovia se ampliaria, pass ando também a orient ar-s e no
sent ido dos c entros consumidores e de fornecedores de mat
éria-prim a e de ex cedent es alimentí cios.
As f errov ias imprimiam mudanç as na organização
espacial, j á observáv eis no Centro-Sul des de o final dos oitocent os.
Atingindo de iníc io as cidades mais antigas, ess as s of reram
transformações imediatas em sua urbanizaç ão, e quando novas
regiões foram al canç adas, as atividades urbanizadoras foram
se i nt ensificou no início do s éculo XX, à medida que as f errovias se
est enderam para o int erior do paí s, conj ugadas às f rent es pioneiras,
i nserindo nov as áreas na ec onomia de merc ado e trazendo o
povoament o para regiões des ert as at rav és do movimento migrat ório.
Nesse as pect o, a Est rada de Ferro Goiás f oi um
exem plar. Com uma hist ória regional marcada pelo is olam ent o,
devido à f alt a de trans port es e de comunicaç ão, essa E strada f oi um
dos agent es m odernizadores e int egradores da economia do Est ado à
divis ão regi onal do trabalho, nos int eress es da expansão capit alist a.
Paralelament e, outros aspect os da vida s oc ial, polít ic a e cult ural de
Goi ás pas saram também a se t ransf ormar.
Fruto “do empenho polí tico de uma fração da classe
dominant e li gada a novos grupos oligárquicos, os quais s e
i nt eressavam pela moderni zação do Estado, e pela integraç ão da
economia regional nos quadros da ec onomia de mercado ”3 a ferrovi a
era part e de um discurs o voltado ao pens amento modernizant e de um
grupo denominado “progressist a”. A s ex pect ativ as depos it adas na
E.F.G oi ás, com o indut ora de um proces so de transformação regional
e c om f orça c apaz de romper gri lhões, realm ent e f oram sat isf eit as,
conf orme relat a B orges:
Com a penetração da via férrea em territóri o goiano, os gril hões que prendiam a economia agrária regional a uma situação de quase estagnação, f oram quebrados ao ritmo d a expansão dos trilhos. No Sul do Estado avança va o pr ocesso de urbani zação. Al gum as cidades se modernizaram e no vo s centros u rbanos sur gi ram. O mo vimento mi gratório iniciado no século passado se intensificou com a melhoria do s meios de transportes. A terra, em algumas regi ões do Estado, se val ori zou na medida em que a E stra da de Fer ro incrementa va a produção de uma re nda dif erencial, desenvolvendo incl usive, na região da estrada de f erro, uma certa especulação fundiária.4
3
BORGES, Barsanufo Gomides. O Despertar dos Dormentes. Goiânia, Cegraf-UFG, 1990, p. 120.
4
A E.F.G oiás, hoje Rede Ferrovi ária Federal S/A – RFFSA,
com o a maioria das Estradas de Ferro brasilei ras, t ransita na rot a do
“progress o superado”, c om um desempenho que a f az parec er est ar
andando rumo ao pas sado, na contramão de t udo que lhe c oube ser,
cont er e propiciar. O “futuro” repres ent ado pelos t ril hos, esvai u-s e,
suc at eou-se no séc ulo da voraci dade e s obrepos ição, da
efemeridade e do desc artável. A E.F.Goiás, em seus símbolos, s ó
não desmat erializou-se porque ainda subs ist e c omo um monument o
que a memória processa em rem inis cências.
A linha permanece em seu ant igo trajeto, apenas no
trecho A nápolis - Pires do Rio, est ando t ot alment e alt erado dess a
cidade até A raguari. O quadro em que se encontram, no entant o, não
é diferent e a não ser no det alhe quase imperceptí v el: a ausênc ia dos
trilhos nas ant igas est aç ões entre Pires do Rio e Araguari. Algumas
est aç ões e loc alidades ainda exist ent es s ão a m at erialização do
desc aso e do abandono. Lugares perdi dos à margem da euf oria
dess e mundo moderno, aos pouc os se apagando t ambém as marcas
de uma época irresgat áv el:
Com as ferrovias, m uito claramente, a técnica se desga rra das formas que a produzi ram e assume feição sobrenat ural. A paisagem dos camin hos de fer ro tor na-se, assim, remota, cuj o duplo sentid o dá co nta das r uptu ras operadas sim ultaneamente nas relações com o tempo e com o e spaço, poden do -se aí configurar tant o c omo localidade perdida quant o époc a irresga tá vel.5
5
1. 1 - I MP LANTAÇÃ O E OPERAÇÃO D A E.F.GOIÁS
Uma ferrovia que integras se o Cent ro-O este ao Rio de
Janeiro, ligando Ri o-G oiás-Cuiabá, já era des de meados do s écul o
XI X, uma int enç ão vis ionária de algumas aut oridades do Império. N o
f inal do século, es sa reiv indic aç ão, partindo de alguns poucos
goianos com ment ali dade “m odernizant e”, t omou espaç o nos m eios
de comunic aç ão, ressalt ando s ua v ant agem em vist a das
pot enci alidades econômic as regionais. Af inal, os trilhos da
E.F.Mogiana s e encont rav am paralizados desde 1896 em Araguari,
no Triângulo Mineiro, c ent ro de comerci alização da inc ipient e
produção goiana. Mas é no iní cio do Século XX que, ef et ivam ent e, a
reiv indic aç ão da ferrovia t om ou corpo, ins eri da que estava nas i déias
“modernizantes” da f acç ão oligárquica li derada por Xav ier de
Almeida, pret endent e ao poder est adual. Em m eio às disput as ent re
mineiros e goianos, pelos int eress es cont idos no proj et o da f errovi a,
decidiu-s e pela criaç ão da Companhia Estrada de Ferro de G oiás,
conect ada c om a E strada de Ferro Mogiana em Araguari.
O que não se poderia imaginar, na época, era a dif ícil
cruzada desse empreendiment o diante dos f at os concatenados que
viriam const ant em ent e s e antepor ao seu prosseguim ento. O v eículo
da modernizaç ão quant o à est rut ura técnic a, ainda em sua
implant ação, era a corporif icaç ão do ant agonismo: mat éria sucat eada
que, mesmo as sim, vestiu-s e de símbolo da “modernidade” legada ao
Estado de G oiás .
A lent a t raj etória da E.F. Goiás constit uiu-se em duas
etapas, s endo a primeira o trecho c orres pondente a Araguari –
R oncador, no perí odo de 1909 à 1914, e a segunda, o t recho
R oncador – Anápolis, no perí odo de 1922 à 1935. Em 1950 o ramal,