• Nenhum resultado encontrado

Se inicia oração com pronome clítico? Atitudes linguísticas, na escola, em relação aos padrões brasileiros de colocação pronominal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Se inicia oração com pronome clítico? Atitudes linguísticas, na escola, em relação aos padrões brasileiros de colocação pronominal"

Copied!
124
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

SE INICIA ORAÇÃO COM PRONOME CLÍTICO? ATITUDES LINGUÍSTICAS, NA ESCOLA, EM RELAÇÃO AOS PADRÕES BRASILEIROS

DE COLOCAÇÃO PRONOMINAL

ELISABETH SILVA DE VIEIRA MOURA

(2)

SE INICIA ORAÇÃO COM PRONOME CLÍTICO? ATITUDES LINGUÍSTICAS, NA ESCOLA, EM RELAÇÃO AOS PADRÕES BRASILEIROS

DE COLOCAÇÃO PRONOMINAL

Por

ELISABETH SILVA DE VIEIRA MOURA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Estudos da Linguagem. Área de Concentração: Linguística Aplicada.

Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Martins

(3)

Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Moura, Elisabeth Silva de Vieira.

Se inicia oração com pronome clítico? Atitudes linguísticas, na escola, em relação aos padrões brasileiros de colocação pronominal / Elisabeth Silva de Vieira Moura. – 2013.

121 f.: il. -

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Letras. Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, 2013.

Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Martins.

1. Língua Portuguesa. 2. Gramática – Ensino - Natal, RN. 3.Variação linguística. 4. Sociolinguística – Natal, RN. I. Martins, Marco Antonio. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

(4)
(5)
(6)

Agradeço, primeiramente, ao Pai Celestial, que, além de me permitir chegar até aqui, fortaleceu-me e iluminou meus passos nos momentos em que eu quis sucumbir.

Aos meus pais, José Arnaud e Maria Marinete, que me deram as bases da educação, dos valores e convicções que carrego, guiando-me, cada um a seu modo, desde minha infância, na busca pelo conhecimento.

Ao meu esposo Jorge e aos meus filhos Cassiel e Paloma, razão de minha felicidade, raios de sol que clareiam qualquer dia nebuloso, impulsionando-me, cada vez mais, a ir além de onde eu pensava ir.

Aos familiares queridos que vibraram comigo a cada obstáculo superado e a cada vitória alcançada.

Ao Prof. Dr. Marco Antonio Martins, exemplo de profissionalismo e força de vontade, que me possibilitou conhecer a Sociolinguística, sempre muito atencioso e humano mesmo antes de eu ser sua orientanda de mestrado.

À Prof.ª Dr.ª Maria Alice Tavares e ao Prof. Dr. Dermeval da Hora, pelas sugestões e orientações que tanto contribuíram com minha pesquisa.

À Prof.ª Dr.ª Silvia Rodrigues Vieira, pelas significativas reflexões sobre o ensino de língua portuguesa.

Aos docentes do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e aos da graduação em Letras, pelos conhecimentos compartilhados, em especial, ao Prof. Dr Marcos Costa, que me inaugurou nos estudos linguísticos na graduação e ao Prof. Dr. Paulo Duque, que me acolheu com paciência nos estudos iniciais em Linguística Cognitiva.

Às companheiras Ocirema Pacheco e Oracilda Pacheco, que contribuíram para tornar meus dias mais leves e produtivos na época da Especialização em Linguística e Ensino de Língua Portuguesa, na qual iniciei a elaboração do meu projeto de mestrado.

(7)

testes desta pesquisa.

(8)

Quando o português chegou

Debaixo de uma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português.

(9)

RESUMO

Com foco no problema empírico de avaliação, proposto pela teoria da Variação e Mudança (cf. Labov, 2008), esta pesquisa contribui para o esclarecimento das atitudes do professor de Língua Portuguesa, em Natal – RN, em relação à próclise em três contextos específicos, na escrita, assim como em relação aos alunos que usam tais padrões de colocações: em início de oração/período (V1), depois de sujeitos (SV) e a próclise ao segundo verbo dos complexos verbais (V1V2). Tais contextos de próclise foram selecionados para o estudo porque, apesar de constituírem a norma culta do Português Brasileiro, geralmente, não são aceitos pelas gramáticas normativas. A pesquisa teve por objetivos: (i) verificar, por meio de um teste de correção de sala de aula, se professores de Português corrigem a próclise nos referidos contextos; (ii) identificar, por meio de um teste de atitude, que atitudes os professores têm em relação aos padrões de colocação citados, assim como aos alunos que utilizam tais padrões. Vinte professores de Língua Portuguesa, escolhidos aleatoriamente em escolas públicas diversas de Natal-RN, responderam a um teste de correção de sala de aula e a dois testes de atitude. Os resultados obtidos com a pesquisa mostram que o índice de correção da próclise em início de oração/período é alto (50%), embora essa variante linguística esteja implementada nos padrões de colocação pronominal do Português Brasileiro. Esse contexto de colocação foi avaliado, em geral, de forma negativa, porém não houve correspondência entre essa avaliação e a avaliação – neutra – do aluno que a utiliza. Diferentemente do contexto anterior, a próclise depois de sujeito não recebeu nenhuma correção por parte dos vinte professores, o que foi coerente com a avaliação positiva que a variante e os estudantes que a utilizam obtiveram. A correção da próclise ao segundo verbo dos complexos verbais apresentou resultados diferenciados, porém parecidos, com índices de correção de 20% (complexo de infinitivo), 10% (complexo de gerúndio) e 25% (complexo de particípio). A avaliação desses contextos de próclise oscilou entre positiva e neutra, assim como a avaliação dos estudantes que a utilizam. Isso significa que a próclise em início de oração/período ainda é marcada no contexto escolar escrito, provavelmente, devido à avaliação negativa dos professores, que não coincide com a avaliação dos estudantes que a utilizam. Depois de sujeitos e antes do segundo verbo dos complexos, a próclise já é aceita em textos escolares escritos sem nenhuma marca, o que se reflete na avaliação dos estudantes, que foi, em geral, positiva ou neutra.

(10)

Focusing on the empirical assessment issue, proposed by Language change theory (cf. cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006; LABOV, [1972] 2008), this research

assists to clarifying Portuguese teacher’s attitudes in Natal- RN, regarding (a) to

proclisis in three specific contexts: in the beginning of a simple/compound sentence (V1), after the subjects (SV), and proclisis after the secondary verb in complex verbal structures (V1V2); (b) to students who use such patterns in usage. Specific contexts were gathered thanks to their representing of the standard variety, as many studies have proven (Martins, 2012; Schei, 2003; Biazzoli, 2010, 2012). The research aims at: (i) verifying by means of a classroom assessment test, whether Portuguese teachers correct proclisis on referred contexts; (ii) identifying, via attitudinal tests what actions teachers take regarding to the usage of standards above mentioned, as well as students as users of those. Twenty Portuguese teachers, picked at random out of different of public schools in Natal-RN, responded to a classroom assessment test in addition to other two attitudinal ones. Results achieved point to a recurring high proclisis correction index of 50% in simple/compound sentences, even though such variety has been implemented to pronominal usage standards in Brazilian Portuguese. This setting of usage was generally assessed negatively, having no commonality between this assessment and the neutral one used by students. Unlike previous setting, the proclisis after subject did not receive any correction of the twenty teachers, what proves coherence with the positive evaluation both the varieties and the students attained. As for the second verb of complex verbal structures, proclisis correction went negative on presenting single results, despite their proximity, with correction indexes of 20% (infinite structures), 10% (present progressive structures) and 25% (participle structures). The assessment on these contexts of proclisis ranged between positive and neutral, also valid for the one students utilized. It means that proclisis in the beginning of simple/compound sentences are yet seemingly spotted in writing school scenario, much likely due to the negative

evaluation, opposite to students’. Later to subjects and earlier to secondary verbs in

structures, proclisis appears to be acknowledged in writing school scenarios, which

reflects on teachers’ assessment as compared to students who use proclisis in these

contexts; being in general either positive or neutral.

(11)

Gráfico 1 – Frequência de correção da colocação pronominal nos contextos

pesquisados ... 85

Gráfico 2 – Comparação entre as colocações quanto a serem bonitas ... 92

Gráfico 3 – Comparação entre as colocações quanto a serem corretas ... 94

Gráfico 4 – Comparação entre as colocações quanto a serem adequadas ... 95

Gráfico 5 – Comparação entre as colocações quanto a serem agradáveis ... 97

Gráfico 6 – Comparação entre as colocações quanto a serem cuidadas... ... 98

Gráfico 7 – Comparação entre as colocações quanto à escolaridade ... 105

Gráfico 8 – Comparação entre os alunos quanto à classe social ... 106

Gráfico 9 – Comparação entre os alunos quanto ao nível de instrução ... 107

Gráfico 10 – Comparação entre os alunos quanto à competência ... 108

Gráfico 11 – Comparação entre as colocações quanto ao nível de atenção ... 109

Gráfico 12 – Comparação entre os alunos quanto à inteligência... 110

(12)

Quadro 1 – Categorias de erros linguísticos propostas por Bortoni-Ricardo ... 35

Quadro 2 – Exemplos de colocação pronominal nos complexos segundo Luft... 67

Quadro 3 – Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos complexos verbais segundo Bechara ... 68

Quadro 4 – Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos complexos verbais segundo Cunha e Cintra. ... 68

Quadro 5 – Regras gerais de colocação dos pronomes clíticos em relação aos complexos verbais segundo Rocha Lima ... 70

Tabela 1 – Variação próclise/ênclise em início de período ... 51

Tabela 2 – Frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto V1... 51

Tabela 3 – Frequência de próclise a V1 a partir do ano de nascimento dos autores ... 53

Tabela 4 – Número de ocorrências e percentuais dos pronomes clíticos em lexias verbais simples, de acordo com o tipo de clítico, nos jornais da cidade de Rio Claro, de 1880 a 1920 ... 54

Tabela 5 – Frequência de próclise e ênclise no contexto SV ... 57

Tabela 6 – Frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto SV ... 57

Tabela 7 – Frequência de próclise a SV a partir do ano de nascimento dos autores ... 58

Tabela 8 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise em início de oração/período ... 87

Tabela 9 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise depois de sujeito. ... 88

Tabela 10 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao infinitivo da locução verbal ... 89

Tabela 11 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao gerúndio da locução verbal ... 89

Tabela 12 – Distribuição percentual das notas do julgamento da próclise ao particípio da locução verbal ... 90

(13)

pronominais utilizadas quanto a serem bonitas ... 93

Tabela 15 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem corretas. ... 93

Tabela 16 – Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações pronominais utilizadas quanto a serem corretas ... 94

Tabela 17 – Estatísticas descritivas e teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem adequadas. ... 95

Tabela 18 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem adequadas ... 96

Tabela 19 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem agradáveis. ... 96

Tabela 20 – Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações pronominais utilizadas quanto a serem agradáveis... 97

Tabela 21 – Teste de Friedman na comparação das colocações pronominais utilizadas quanto a serem cuidadas. ... 97

Tabela 22 – Valor-p do teste de Wilcoxon na comparação dois a dois das colocações pronominais utilizadas quanto a serem cuidadas ... 98

Tabela 23 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise em início de oração/período ... 99

Tabela 24 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise depois de sujeito ... 100

Tabela 25 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise ao infinitivo do complexo verbal ... 101

Tabela 26 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise ao gerúndio do complexo. ... 102

Tabela 27 – Distribuição percentual das notas do julgamento em relação ao aluno que utiliza a próclise ao particípio do complexo. ... 103

Tabela 28 – Teste de Friedman na comparação do julgamento dos alunos quanto à escolaridade. ... 104

Tabela 29 – Teste de Friedman na comparação das colocações, quanto à classe social ... 105

Tabela 30 – Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto ao nível de instrução ... 106

Tabela 31 – Teste de Friedman na comparação dos alunos quanto à competência ... 107

(14)
(15)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA ... 22

2.1 INTRODUÇÃO ... 22

2.2 VARIAÇÃO E MUDANÇA LINGUÍSTICA: A QUESTÃO DA HETEROGENEIDADE ... 22

2.3 PRESTÍGIO E PRECONCEITO LINGUÍSTICOS: O PROBLEMA DA AVALIAÇÃO ... 28

2.3.1 Da problemática noção de erro ... 33

2.4 A SOCIOLINGUÍSTICA NO ENSINO DE GRAMÁTICA ... 35

2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ... 43

3 NORMAS DE COLOCAÇÃO DOS PRONOMES CLÍTICOS EM PORTUGUÊS ... 45

3.1 INTRODUÇÃO ... 45

3.2 OS PADRÕES DE COLOCAÇÃO PRONOMINAL EM TRÊS CONTEXTOS SOB AS PERSPECTIVAS DA NORMA CULTA E DA NORMA GRAMATICAL ... 46

3.2.1 Contextualização sobre autores e obras estudados ... 48

3.2.2 Os padrões de colocação com verbos em início de oração (V1)... 50

3.2.3 Os padrões de colocação depois de sujeitos (SV) ... 56

3.2.4 Os padrões de colocação nos complexos verbais (V1V2) ... 60

3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ... 71

4 METODOLOGIA ... 74

4.1 INTRODUÇÃO ... 74

4.2 METODOLOGIA ... 75

4.3 O TESTE DE CORREÇÃO DE SALA DE AULA ... 77

4.4 OS TESTES DE ATITUDE ... 78

5 ATITUDES LINGUÍSTICAS EM ESCOLAS POTIGUARES ... 84

5.1 INTRODUÇÃO ... 84

5.2 RESULTADO E ANÁLISE DO TESTE DE CORREÇÃO DE SALA DE AULA ... 84

5.3 RESULTADO E ANÁLISE DOS TESTES DE ATITUDE ... 86

5.3.1 Resultado e análise do teste de atitude em relação às variantes ... 86

5.3.1.1 Distribuição percentual das notas do julgamento das variantes ... 87

5.3.1.2 Teste de Friedman na comparação da colocação pronominal utilizada quanto aos adjetivos ... 92

5.3.2 Resultado e análise do teste de atitude em relação ao aluno ... 99

5.3.2.1 Distribuição percentual das notas do julgamento em relação aos alunos ... 100

5.3.2.2 Teste de Friedman no julgamento em relação ao aluno quanto aos adjetivos ... 104

5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ... 113

6 CONCLUSÕES ... 115

(16)

1 INTRODUÇÃO

As aulas de colocação pronominal, assim como as de muitos outros fenômenos gramaticais, na Educação Básica brasileira, na maioria das vezes, provocam grande estranhamento ao estudante, pois este não vê, nessas aulas, descrição nem análise da colocação por eles conhecida, daquela de que eles fazem uso. A única informação sobre a variedade do estudante costuma ser a de que ela é “errada” e “feia”

e, por isso, deve ser prontamente corrigida e substituída pelo uso “correto” apontado

pelos livros didáticos e gramáticas tradicionais. Esse tipo de aula já não responde mais aos objetivos de ensino de Língua Portuguesa atualmente; por isso, chamamos a atenção para alguns desses objetivos apontados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que tratam, de uma forma ampla, do problema aqui relatado:

 compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade,cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;  conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,

materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país;

 conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;

 desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania; (BRASIL, 1998, p.7)

 utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do discurso;( BRASIL, 1998, p.32)

(17)

interações com pessoas de outros grupos sociais que se expressem por meio de outras variedades;(BRASIL, 1998, p.33)

Podemos afirmar que, geralmente, o ensino de muitos dos aspectos gramaticais (senão todos), incluindo o ensino dos padrões de colocação dos pronomes clíticos no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, nem visa a esses objetivos citados, nem os respeita. Justificaremos nossa opinião.

O primeiro objetivo citado nos remete a atividades de solidariedade, combate às injustiças e respeito ao outro – o que, muitas vezes, nos falta quando se trata de ensino de língua (na verdade, isso se refere ao ensino brasileiro em geral, mas esse não é o foco de nossa discussão). O desrespeito à maioria das variedades linguísticas brasileiras pode ser um ato comumente visto na escola. A escola passaria, então, a ser o espaço onde se desprezariam os falares diferentes, principalmente se esses falares forem oriundos das camadas mais pobres da população,ou melhor, desprezam-se os alunos que se utilizam de variedades diferentes da utilizada pela escola.

Referente ao segundo objetivo, o que, às vezes, se faz é levar o estudante a desenvolver um sentimento de identidade nacional e pessoal vergonhoso:

“corrompemos” a língua portuguesa, somos o país da corrupção até nesse sentido... Se pensarmos assim, ficará clara a falta de conhecimento das características do nosso país, incluindo da nossa língua.

Depois, os PCNs apontam para o conhecimento e a valorização do nosso patrimônio sociocultural em toda a sua pluralidade. A língua faz parte desse patrimônio, mas como valorizar o que nem sequer existe? Na fala de muitos professores, diante de determinadas variedades, o que, comumente, ouvimos são frases do tipo: “Isso não

existe! Isso não é português!” E lá vai o mestre continuar a tentar executar seu árduo

trabalho de ensinar português aos “sem-língua” (precisamos organizar um “Movimento

dos sem-língua” para que esses possam ter direito a um pedacinho de língua para se comunicar na escola).

(18)

Os dois últimos objetivos, referentes, especialmente, ao ensino de língua portuguesa, nos interessam mais e, por isso mesmo, nos causa mais indignação perceber, através de pesquisas (cf. ANTUNES, 2003) e do exercício docente na escola básica por mais de dez anos, que, fora situações isoladas, essas metas não são atingidas. Esses objetivos se referem aos usos da língua em diversos contextos e, para que o aluno aprenda esses diversos usos, ele precisa entrar em contato com uma bela diversidade de textos. Mas aí está o problema, normalmente se reduz o ensino de língua ao trabalho com frases e palavras soltas, independente do uso. O que se faz é trabalhar, exaustivamente, uma gramática descontextualizada através de atividades de frases soltas, de gramática descontextualizada, de nomenclatura e classificação apenas. Como se a gramática de uma língua fosse algo separado dos textos que produzimos, sejam eles orais ou escritos. Sem falar na falta de tempo para o trabalho com a leitura na sala de aula, conforme aponta Antunes (op. cit.).

Dessa forma, o estudante sai da escola sem as competências básicas de leitura, escrita, fala e escuta em muitas situações necessárias para sua atuação social. E mais, ele sai sem aprender a refletir sobre as regras gramaticais e seus usos, pois o foco das aulas de gramática está na memorização de nomenclaturas e na classificação de frases, orações, períodos e termos sintáticos. Realmente, toda essa nomenclatura sem reflexão não deve fazer sentido para quem, muitas vezes, não sabe sequer ler, para quem apenas decodifica frases.

Sendo assim, é dever de todos nós – professores e pesquisadores de língua portuguesa – auxiliar para que o último objetivo citado, compreendido aqui como fundamental e incorporado aos demais, seja atingido.

Mas isso não quer dizer que devemos abandonar o ensino da norma gramatical nas escolas. Devemos incluir nessas aulas informações e reflexões sobre as demais variedades linguísticas e explicar ao aluno porque a sua variedade, muitas vezes, não está representada nos livros didáticos.

(19)

fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical etc.). A larga extensão territorial do Brasil e a grande diferença social do nosso povo são alguns dos fatores que geram diversidade e variabilidade linguística.

Sobre o fenômeno da variação linguística, os Parâmetros Curriculares Nacionais afirmam, ainda, que

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em ‘Língua Portuguesa’ está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. [...] A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre ‘o que se deve e o que não se deve falar e escrever’ não se sustenta na análise empírica dos usos da língua. (BRASIL, 1998, p.29)

Mas como podemos admitir os vários usos linguísticos na escola se, nela, é privilegiado apenas um uso como correto? A partir disso, então, como ajudar a combater o preconceito linguístico existente na sociedade, principalmente na escola? Devemos, afinal, ensinar uma ou várias normas, ou seja, aquilo que é “normal” em determinados contextos?

Essas questões são algumas, entre tantas outras que, há tempos, se discutem no meio acadêmico. A preocupação com o ensino de língua portuguesa no país não é nova, mas ainda temos muito a fazer nessa área para que o seu ensino se desprenda das amarras do certo e errado e se torne um momento de reflexão sobre os usos linguísticos, fazendo com que o estudante amplie sua capacidade linguística e se torne consciente da influência social que sua variedade linguística tem na sua vida.

(20)

precisam ser revistos para que o ensino da norma gramatical se dê sem que as outras variedades linguísticas sejam estigmatizadas no meio escolar.

Sendo assim, esta pesquisa se justifica como mais uma contribuição no sentido de incorporar os novos olhares oriundos dos resultados das pesquisas na área da Linguística às aulas de Português, mais especificamente, às aulas de gramática e de colocação pronominal, fazendo com que seja revista a noção de erro – que gera preconceito a usos linguísticos tipicamente brasileiros. Seria a partir da compreensão das atitudes de professores a certos padrões linguísticos da linguagem dos alunos que poderíamos pensar formas eficientes de intervenção, caso essas atitudes sejam negativas. Além disso, uma pesquisa que aborda a questão da avaliação linguística contribui para a compreensão de como se dão as mudanças linguísticas. Apesar da importância de se compreender a influência da avaliação nas mudanças que ocorrem na língua, esse tema tem sido pouco pesquisado no Brasil. Especificamente, no campo da sintaxe, essa falta de atenção ao tema é ainda maior. Urgente, então, é que demos a atenção merecida ao assunto, retomando as discussões já feitas e agregando a elas novas questões e informações.

Advoga-se, aqui, por uma metodologia segundo a qual o estudante não veja, na escola, a língua portuguesa como uma língua estrangeira, difícil e muito distante da sua realidade. Reafirmamos que a aula de Português não deve ser orientada por ações corretivas preconceituosas às formas não-padrão da língua, e, sim, para a admissão das variedades utilizadas pelo aluno e por muitos outros brasileiros por meio de uma descrição real da língua brasileira, inclusive de sua colocação pronominal, já que esse é um contexto de diferenciação significativa entre as variedades do Português Brasileiro (PB) e do Português Europeu (PE).

(21)

(i) Diante do uso, preferencialmente, em alguns contextos, da próclise em textos cultos e coloquiais, falados e escritos no Brasil, será que professores de Português a corrigem em início de oração/período, depois de sujeitos e ao verbo principal nas locuções verbais, aceitando como válida apenas a colocação referente aos usos do português europeu? Ou seja, apenas o uso da ênclise nesses contextos é aceito?

(ii) Como os professores avaliam os padrões de colocação pronominal nos contextos sintáticos citados acima?

(iii) Que atitudes linguísticas os professores podem ter em relação aos estudantes que se utilizam da próclise nos contextos sintáticos citados acima?

Diante dessas questões, nossos objetivos serão os seguintes:

(i) Verificar, por meio de testes de correção de sala de aula, se professores de Português irão corrigir a próclise em início de oração/período, a próclise depois de sujeitos e a próclise ao verbo temático nos complexos verbais; ou seja, verificar se a próclise, nesses contextos, é aceita.

(ii) Identificar, por meio de testes de atitude, que atitudes os professores têm em relação aos padrões de colocação citados.

(iii) Identificar, por meio de testes de atitude, que atitudes os professores têm em relação aos estudantes que se utilizam da próclise nos contextos citados.

Nossas hipóteses em relação às questões apontadas são as seguintes:

(22)

temático sejam aceitas. Nesses dois últimos contextos (SV e V1V2), esperamos que as correções vão de encontro ao que dizem as gramáticas tradicionais.

(ii) Como esperamos que a próclise a V1 seja uma variante marcada, na escola e, portanto, corrigida, acreditamos que encontraremos atitudes negativas a tal colocação. Nos contextos SV e V1V2, esperamos atitudes positivas à próclise depois de sujeitos e à próclise ao verbo temático nos complexos.

(iii) Acreditamos que as atitudes dos professores, nesse caso, em relação aos alunos, seja um reflexo das atitudes em relação às variantes estudadas, ou seja, aos que utilizam a próclise no contexto V1, a atitude será negativa, porém aos que utilizam a próclise nos contextos SV ou V1V2, a atitude será neutra ou positiva.

Na busca de elucidar nossas questões, esta dissertação foi dividida em quatro capítulos. Após a introdução, no segundo capítulo, retomamos as bases teóricas, de uma forma mais ampla, para a nossa pesquisa: a sociolinguística variacionista. Buscamos em Labov, dentre outros, os esclarecimentos para a discussão acerca da heterogeneidade linguística e de questões relativas tanto ao preconceito quanto ao prestígio linguísticos, remetendo-nos, assim, a um dos problemas a serem perseguidos pela teoria laboviana – o problema da avaliação. Ainda nesse capítulo, trazemos as considerações de Bortoni-Ricardo, entre outros, sobre a noção de erro em língua – noção de grande relevância quando se trata de pensar sobre o problema da avaliação linguística. Encerramos o capítulo, mostrando o quanto a sociolinguística tem a contribuir para um ensino de língua mais produtivo e eficiente, na medida em que nos faz refletir sobre nossas variedades linguísticas, fazendo com que pensemos num ensino que parta da realidade linguística do aluno e que a respeite, sem deixar, é claro, de ampliá-la.

(23)

Contrastamos os resultados dessas pesquisas às regras de colocação apontadas por quatro gramáticas tradicionais.

(24)

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA

2.1 INTRODUÇÃO

Podemos dizer, de uma forma simplificada, que a sociolinguística variacionista, também conhecida como teoria variacionista, teoria da variação e mudança e sociolinguística laboviana, é um ramo da linguística que concebe e estuda a língua a partir do uso que dela seus falantes fazem em suas comunidades de fala. As relações entre língua e sociedade são, nessa perspectiva, o ponto de partida e/ou de chegada para análises de fatos linguísticos heterogêneos. Neste capítulo, abordamos a questão da heterogeneidade linguística, com especial atenção ao problema empírico da avaliação, assim definido por Weinreich, Labov e Herzog (WLH) ([1968], 2006) e à noção de erro em língua. A partir daí, trazemos algumas contribuições da teoria variacionista para o ensino de língua.

2.2 VARIAÇÃO E MUDANÇA LINGUÍSTICA: A QUESTÃO DA

HETEROGENEIDADE

Para algumas correntes linguísticas, os conceitos de variabilidade e sistematicidade são incompatíveis. WLH, na comunicação apresentada em 1966 na Universidade do Texas (Empirical Foundations for a Theory of Language Change-EFTLC), chamam-nos a atenção para a identificação problemática entre estruturalidade

(25)

Nem sempre a linguística inclui no seu escopo os aspectos sociais da linguagem. Quando Saussure (1916), em seu Curso de Linguística Geral, estabeleceu a dicotomia langue/parole e determinou que o objeto da linguística seria apenas a langue, deixou de fora a maioria dos fenômenos variáveis, colocando em evidência apenas um objeto, de certa forma, homogêneo. A língua era entendida como um fenômeno abstrato, independente do uso que os falantes faziam dela.

Depois de Saussure, de acordo com Monteiro (2008), as primeiras tentativas de inaugurar uma linguística que levasse em consideração, nas suas análises, os aspectos sociais da linguagem – a sociolinguística – foram com Bright (1966) e Fishman (1972). Mesmo sem conseguir definir a nova teoria com precisão, Bright teria sido o primeiro a apontar a diversidade linguística como objeto de estudo da sociolinguística. Mas, é somente a partir dos estudos de Uriel Weinreich, William Labov e Marvin I. Herzog, na década de 60, que se teve êxito nas tentativas de descrever a heterogeneidade linguística e de verificar a influência dos fatores sociais sobre a língua. Nessa perspectiva, a língua é considerada heterogênea e em constante variação, sendo condicionada por fatores (extra)linguísticos e estilísticos.

WLH (2006) iniciam suas reflexões sobre variação e mudança linguística com o seguinte questionamento: “se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como é que as pessoas continuam a falar enquanto a língua

muda, isto é, enquanto passa por períodos de menor sistematicidade?” (p. 35). A partir

daí, os autores vão argumentar a favor da ideia de que a língua é sempre sistemática, mesmo em períodos de variação ou mudança linguística.

Labov não consegue conceber uma linguística divorciada do social, de tal forma que o termo sociolinguística é considerado, por ele, redundante. Seguindo o modelo laboviano, o pesquisador sociolinguista obterá seus dados de pesquisa não de um único falante, mas, sim, de um grupo deles, representantes de uma comunidade de fala. Segundo Labov ([1972], 2008), o conceito de comunidade de fala se aplica a grupos que possuem normas e avaliações comuns relativas ao uso da língua. Sendo assim, por exemplo, Brasil e Portugal são diferentes comunidades de fala, apesar de ambas se utilizarem do português, e cada uma delas é constituída por uma grande quantidade de outras comunidades de fala.

(26)

que apontam para usos linguísticos uniformes, em um dado momento histórico da língua ou em uma determinada comunidade de fala. Essas regras referem-se a um fenômeno que tenha apenas uma possibilidade ou forma de ocorrência numa língua. Uma regra categórica do português que podemos, facilmente, exemplificar é a anteposição do artigo ao substantivo a que se refere. Não há possibilidade alguma de variação nessa regra; o artigo vem sempre antes do substantivo. A essas leis, às quais não podemos infringir, dá-se o nome de invariantes. Em oposição às regras categóricas, há as regras variáveis, que existem em maior quantidade e são os casos em que temos duas ou mais formas de apresentar um dado linguístico num mesmo contexto, cuja escolha vai depender de fatores de ordem linguística, estrutural ou de ordem social. Um exemplo, entre tantos, de regra variável é a colocação do pronome átono em início de oração/período. Tanto é possível a construção “Me empreste seu caderno” como a

concorrente “Empreste-me o seu caderno”. Nos casos de regra variável, dizemos

também que temos uma variável linguística. A variável linguística é constituída de variantes linguísticas. Para definir uma varável linguística, Labov ([1972], 2008) afirma que é necessário:

(a) estabelecer o espectro total de contextos linguísticos em que ela ocorre; (b) definir tantas variedades fonéticas quanto for possível distinguir; (c) estabelecer um índice quantitativo para medir valores das variáveis (p.92).

Em relação ao item (b), o autor se refere, especificamente, às variantes fonológicas, mas, salvo as devidas proporções, podemos dizer que o conteúdo do item pode ser aplicado também a outros tipos de variantes associados a outros níveis da estrutura linguística.

(27)

ocasionando uma variação linguística, que pode ou não levar à mudança na língua. Labov afirma que

não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança linguística sem levar em conta a vida social da comunidade em que ela ocorre, ou, dizendo de outro modo, as pressões sociais estão operando continuamente sobre a língua, não de algum ponto remoto no passado, mas como uma força social imanente agindo no presente vivo (LABOV, 2008, p. 21).

Da mesma forma, há variantes estigmatizadas pela sociedade. Numa sociedade de classes, as diferenças linguísticas nem sempre são bem aceitas. Normalmente, usos que se distanciam da variedade de prestígio são discriminados e seus falantes também. Variação linguística e avaliação social estão relacionadas. Assim, variantes utilizadas por falantes da parte inferior da pirâmide social são altamente discriminadas, mas, à medida que essas variantes migram para outras classes e chegam à classe dominante, o preconceito deixa de existir (cf. BORTONI RICARDO, 2004, regras graduais). Variantes conservadoras e inovadoras disputam seu lugar na língua, passando por restrições e/ou estigma até que uma prevaleça sobre a outra e gere mudança ou, simplesmente, as duas convivam em constante variação. As variantes inovadoras são as que, na maioria das vezes, recebem uma marca social negativa, fazendo com que o falante tenha que encontrar estratégias para evitá-la. Um exemplo muito interessante, atualmente, pode ser a representação do objeto direto anafórico em Português: a variante padrão ou prestigiada é representada pelo clítico acusativo; a variante inovadora, no PB, é o uso do pronome tônico, mas, como esse uso inovador, aparentemente, sofre estigma em certas situações de uso, outra alternativa adotada é o

objeto direto nulo. Se a construção “eu o comprei”, tida como artificial, já não é utilizada pela maioria dos falantes brasileiros e a construção “eu comprei ele” recebe

estigma, a solução para evitar as formas anteriores é adotar a estrutura “eu comprei ϕ”,

aceita por todas as classes.

(28)

usos linguísticos, temos o sexo, a idade, a escolaridade, a profissão, a classe social e a origem do falante.

Uma consequência possível da variação é a mudança linguística. O fenômeno de mudança linguística é de caráter universal e não aleatório. Não é difícil perceber que as línguas sofrem constantes modificações, mas não é simples identificar as causas de uma mudança e como ela ocorre. Labov aponta três problemas envolvidos

na explicação da mudança linguística: “a origem das variações linguísticas; a difusão e

propagação das mudanças linguísticas; e a regularidade da mudança linguística” (LABOV, [1972], 2008, p. 19). Afirma, ainda, o autor que a propagação de novos usos linguísticos está na origem de uma mudança e, depois disso, há somente uma continuação do padrão.

WLH, ao destacar que a comunidade de fala é heterogênea, não consideram como objeto de descrição linguística o idioleto. Isso traz implicações para a nova teoria linguística. Conforme afirma Lucchesi (2004), o objeto de análise linguística, na perspectiva de WLH, deixa de ser a língua em sua concepção estruturalista para ser a gramática da comunidade de fala. Esses objetos teóricos se opõem na medida em que a língua, na visão estruturalista, é considerada homogênea, um sistema autônomo e sem história; já a comunidade de fala, numa perspectiva sociolinguística, é um objeto essencialmente heterogêneo. O que não quer dizer que a variação seja livre. Todo e qualquer processo de variação é condicionado por fatores internos e externos à língua; por isso, nessa abordagem teórica, falamos em heterogeneidade estruturada ou ordenada. Essa visão do objeto linguístico, proposta por WLH, segundo Lucchesi, exigia que se integrasse

o conjunto da relações sociais, culturais e ideológicas nas quais a língua se atualiza. E, para dar conta da heterogeneidade e pluralidade dessa realidade sociocultural, a língua devia ser formalizada, não como um sistema homogêneo e unitário, mas como um sistema heterogêneo e plural (LUCCHESI, 2004, p. 171).

(29)

de forma consciente ou não, uma forma linguística a depender da situação e de sua intenção.

Essa nova abordagem linguística também contribuiu muito para as reflexões sobre preconceito e prestígio linguísticos – temas de muito interesse à sociolinguística, que podem ser abordados à luz de um dos cinco problemas fundamentais contemplados na investigação sociolinguística. Conforme WLH ([1968], 2006), são cinco esses problemas: os condicionamentos ou restrições, a transição, o encaixamento, a implementação e a avaliação linguística, sendo este último o foco de nossa pesquisa.

O problema das restrições ou dos condicionamentos diz respeito às condições que favorecem ou restringem as mudanças em uma língua, e também ao conjunto de suas mudanças possíveis. Esse problema pode conduzir a teoria à ideia de que as mudanças seguem princípios gerais/universais, como acreditou Labov (LABOV, 1982, p. 26-27 apud LUCCHESI, 2004, p. 173). Porém, posteriormente, o próprio Labov observa que essa ideia pode nos conduzir a incompatibilidades com a visão histórica da abordagem da mudança. Buscar restrições universais seria buscar por uma faculdade da linguagem isolada, que não se sustenta através das pesquisas feitas até então; logo, a questão dos princípios universais acabou sendo desconsiderada por Labov.

O problema da transição diz respeito ao percurso percorrido pela mudança, esclarecendo quanto ao processo por meio do qual a mudança ocorre, se esse processo ocorre em estágios discretos ou em um continuum. Partindo do pressuposto de que a mudança se dá no decorrer de um continuum, seria possível superar tanto a concepção estrutural da mudança linguística quanto a concepção estruturalista da língua.

O problema do encaixamento refere-se à inserção da mudança no sistema linguístico que ela afeta e à natureza e extensão dessa inserção/encaixamento. Ou seja, como conceber a própria estrutura linguística e a mudança dentro dela; e mais, a mudança deve ser concebida mediante relações internas ao sistema ou através da interação entre esse sistema e a estrutura social da comunidade de fala? Nessa perspectiva teórica, o problema do encaixamento se desmembra em dois: o encaixamento na estrutura linguística e o encaixamento na estrutura social, sendo esse último um grande avanço do modelo sociolinguístico.

(30)

momento e em um lugar determinados, e não em outro momento e/ou lugar?” (p. 179).

Numa abordagem sociolinguística, a explicação da mudança está relacionada à descrição dos seus mecanismos de implementação.

Finalmente, o problema da avaliação nos leva a observar o papel do falante em relação à própria língua e às mudanças que nela ocorrem. Diante dessa questão, a sociolinguística se opõe à visão estruturalista adotada por Saussure de que o falante, passivamente, aceita o processo de estruturação da língua. As reações subjetivas dos falantes tanto podem interferir no curso da realização de uma mudança, quanto podem fazê-la retroagir. Isso porque, além dos elementos distintivos e funcionais, os elementos variáveis da estrutura da língua também atingem o nível da consciência dos falantes. As variantes de determinado fenômeno são avaliadas socialmente, adquirindo, assim, sua significação social, seu valor social. A questão aqui levantada é a de determinar o quanto essa avaliação subjetiva afeta a mudança linguística. Para que se perceba, empiricamente, a avaliação dos falantes a determinados elementos linguísticos, são aplicados testes específicos a esse fim. É interessante observar que, num estágio final, há uma consciência grande da mudança e, na maioria das vezes, as reações diante das formas inovadoras são negativas. Essas formas são comumente associadas a atributos sociais negativos. Esse problema será esclarecido mais detalhadamente na próxima seção.

2.3 PRESTÍGIO, PRECONCEITO E ATITUDE LINGUÍSTICOS: O PROBLEMA DA AVALIAÇÃO

Como já foi dito, uma língua é o conjunto de suas variedades, sendo, portanto, intrinsecamente heterogênea. Quando falamos sobre uma língua, no nosso caso o português, estamos nos remetendo a uma realidade constituída de uma gama de variedades linguísticas construídas histórica, política e culturalmente por um grupo de falantes.

(31)

acaba, então, por reproduzir essa concepção de língua identificada como a norma padrão. Como consequência dessa identificação, havia certa dificuldade de a linguística geral incorporar aos seus modelos teóricos a heterogeneidade linguística constitutiva de toda e qualquer língua. Sendo assim, coube a outras disciplinas como a sociolinguística, a dialetologia, a linguística histórica, dentre outras, o trabalho com a língua numa perspectiva heterogênea (FARACO, 2008).

Segundo Faraco (2008), no início da década de 50 do século XX, o linguista Eugênio Coseriu formula o conceito de norma, fazendo com que a dicotomia saussuriana langue/parole desse lugar à tricotomia sistema/ norma/ fala. Pode-se

entender norma aqui “como cada um dos diferentes modos sociais de realizar os grandes

esquemas de relações do sistema." (FARACO, 2008, p.36). Norma, então, diz respeito a um conjunto de elementos linguísticos ditos "normais", habituais em uma comunidade de fala. Numa perspectiva sociolinguística, norma pode ser equiparada à variedade; logo, se toda norma possui organização, toda variedade linguística também é dotada de organização.

Partindo do pressuposto de que toda norma tem uma organização, tem uma gramática, seria incoerente afirmar que analfabetos ou falantes de variedades populares falam "sem gramática". É partindo desse mesmo pressuposto, que acabamos por questionar o conceito tradicional de erro em uma dada língua. Estando os enunciados linguísticos inseridos em determinada variedade, não podemos avaliá-los a partir das regras de outra variedade. O que acontece é que há falantes que não dominam determinadas normas linguísticas, e não falantes que não sabem a língua.

É comum fazermos julgamentos, positivos ou negativos, a respeito dos outros; isso quer dizer que, constantemente, avaliamos e somos avaliados por determinadas características que tenhamos ou não, inclusive pelo nosso modo de falar. Quando nos referimos à questão da avaliação, referimo-nos às reações subjetivas que temos em relação ao outro, seja ele uma pessoa, um objeto, uma ideia.

Em relação às reações subjetivas aos modos de falar, constantemente ouvimos que determinada pessoa fala mal, que fala errado, que fala bem, que fala melhor que outro etc. Ouvimos que em um determinado lugar se fala melhor, em outro se fala arrastado, em outro se fala cantando... Isso pode revelar um preconceito a determinadas pessoas que falam de um ou outro modo.

(32)

Uma atitude é uma maneira organizada e coerente de pensar, sentir e reagir a pessoas, grupos, problemas sociais ou, de modo mais geral, a qualquer acontecimento no ambiente. Os componentes essenciais de atitudes são pensamentos e crenças, sentimentos e emoções, bem como tendências para reagir. Podemos dizer que uma atitude se forma quando tais componentes estão de tal modo inter-relacionados que as tendências de reação e os sentimentos específicos se tornam coerentemente associados ao objeto da atitude (p. 100).

A definição de atitude de Lambert e Lambert nos auxilia na compreensão do termo, apresentando-nos a relação estrita entre atitude e crença, pois termos como crença, atitude e avaliação podem ser facilmente confundidos devido a essa relação

existente entre eles. Tentaremos, então, deixar claro o que entendemos por cada um deles e quais são suas relações.

Santos (1996) afirma que

Crença seria uma convicção íntima, uma opinião que se adota com fé e certeza. Para deixar bem claro que se trata de uma apropriação do objeto sem uma percepção clara, sem análise, sem validade científica ou filosófica; que se trata, enfim, de uma forma de assentimento objetivamente insuficiente, já foi usado na literatura linguística o nome superstição (p. 8).

Seria a partir de nossas crenças sobre os usos linguísticos, sobre que construções seriam boas ou ruins que temos determinadas atitudes em relação e elas, pois, ainda conforme Lambert e Lambert, nossas crenças são componentes das nossas atitudes. Lambert e Lambert também apontam os sentimentos como componentes afetivos das atitudes, ou seja, a avaliação – que pode ser positiva ou negativa. Santos (1996) diz que o termo atitude, num sentido amplo, teria três componentes: o afetivo, o cognitivo e o conativo, sendo que o componente afetivo responderia pela avaliação. A avaliação seria o componente alvo do interesse de pesquisas sobre atitude; por isso, muitas vezes, temos esses dois termos como sinônimos nesta pesquisa.

(33)

orientação avaliativa para um objeto social de algum tipo, quer seja um língua, ou uma nova política governamental etc. E assim, como uma ‘disposição’, uma atitude pode ser vista como tendo um grau de estabilidade que permite-lhe ser identificada (p.3).

O autor chama a atenção para o fato de que o modo como pensamos nossa língua é influenciado pela ideia da existência de uma língua padrão. Ele afirma que línguas muito conhecidas como o Inglês, o Francês, o Espanhol e o Português são línguas de cultura da língua padrão. Nesse tipo de cultura, posições ideológicas de poder dominariam as atitudes linguísticas do falante sem que este tivesse consciência dessas posições. Quando pensamos em uma língua padrão, referimo-nos a uma variedade uniforme, heterogênea, desde aspectos fonético-fonológicos a aspectos sintáticos ou semânticos, a uma língua, portanto, invariável, imutável. A ideologia do padrão seria, então, constituída por fatores externos ao próprio processo de padronização. Logicamente, essa uniformidade só pode ser concebida num nível de abstração da língua, pois, na prática, esse ideal não se concretiza.

É senso comum, pelo menos nas línguas da cultura do padrão, que se acredite em formas variantes mais certas que outras, ou seja, em fenômenos variáveis, uma variante é aceita como legítima enquanto a(s) outra(s) é(são) tida(s) como errada(s), sendo, assim, rejeitada(s). Grupos sociais menos favorecidos acabam por ser

discriminados por utilizarem as variantes “erradas” ou não-padrão.

No processo de seleção do que faz parte ou não da língua-padrão, a noção de prestígio é muito importante. O prestígio tem relação direta com o status social do falante. Comumente, confere-se prestígio às variantes presentes nas falas da população de classe alta, deixando clara a influência de fatores socioeconômicos na seleção de uma ou outra variante. Contrariamente a essas formas linguísticas prestigiadas, temos as formas estigmatizadas, normalmente formas linguísticas rejeitadas no processo de escolarização e de uso das camadas mais pobres da sociedade.

Concordando com Hora (2012), percebemos que a padronização linguística é umas das grandes responsáveis, se não a maior, pelas reações dos falantes em relação a uma língua; consequentemente, é a grande responsável pelo preconceito linguístico.

(34)

de um mesmo falante bilíngue, cada um em uma língua (francês e inglês) e os apresentava a um grupo de pessoas como textos produzidos por pessoas diferentes. O grupo ouvia os textos e recebia a orientação de descrever os falantes, através das vozes, em relação à altura, à beleza física, à aptidão para dirigir, ao senso de humor, à inteligência, à religiosidade, à confiança em si, à confiabilidade, à jovialidade, à bondade, à ambição, à sociabilidade, ao caráter e à simpatia. Os resultados mostraram que, primeiramente, o grupo não percebeu que os textos eram de um mesmo falante; depois, que o grupo não avaliava as vozes, e, sim, as línguas. Esse teste foi muito interessante, pois nos confirmou que somos avaliados pela língua que utilizamos. A partir disso, podemos inferir que também somos avaliados pela variedade linguística utilizada e, em algumas vezes, essa avaliação é tão negativa que se torna preconceito.

O preconceito linguístico não é novidade na história do homem. Segundo Calvet, há uma história que diz que, quando Carlos V (1500-1558), rei da Espanha e imperador da Alemanha, queria falar aos homens, utilizava o francês; quando falava aos cavalos, usava o alemão; e a Deus, falava em espanhol. Se as línguas sofrem esse tipo de julgamento, não deixariam de sofrê-lo as variedades geográfico-sociais das línguas. É muito comum, em todos os países, ouvir que há um lugar em que se fala melhor a língua. No caso do Brasil, é comum ouvirmos que esse lugar seria São Luís do Maranhão. Isso se dá pelo fato de que há, no imaginário popular, uma ideia de que há

modos de “bem falar” a língua e modos não tão bons de fazê-lo. Há, no mínimo, duas

consequências para isso: a primeira diz respeito ao julgamento que o falante faz do seu próprio modo de falar, a segunda diz respeito ao julgamento da fala do outro. Calvet (2002) fala ainda de segurança/insegurança linguística para referir-se ao sentimento de valorização ou não da variedade utilizada pelo falante. Há falantes que consideram o seu modo de falar legítimo, ao contrário de outros, que mantêm um sentimento de inferioridade em relação a seu uso linguístico, procurando substituí-lo pelo uso de prestígio. Essa segurança/insegurança pode influenciar as práticas linguísticas do falante, assim como o modo como o discurso do outro é percebido.

A crença de que há um modo mais “certo” de falar leva o falante que não

(35)

contrário ao pretendido. A hipercorreção pode ser identificada por falantes que se utilizam da variedade de prestígio, fazendo com que eles ridicularizem tanto a hipercorreção quanto o falante que dela se utiliza. Essas reflexões nos levam a perceber o quanto é importante que mantenhamos o linguístico e o social ligados na teoria e na descrição linguística, se não queremos reforçar esse sentimento de insegurança de alguns falantes em relação à sua língua materna.

Não é fácil combater o preconceito linguístico, assim como não é fácil combater nenhum tipo de preconceito, mas o conhecimento mais detalhado da língua e a consequente derrubada de alguns mitos podem ser o início dessa história.

2.3.1 Da problemática noção de erro

Quando as noções de certo e errado se referem ao uso linguístico dos falantes, o que existe é a noção de diferença, como nas frases seguintes em que alguém

diz “nós vamos à escola amanhã” e outro diz “nós vai pra escola amanhã”. Essas

diferenças linguísticas, ao contrário dos erros, são muito fáceis de serem percebidas, pois a língua é um fenômeno social e dinâmico e, portanto, variável. Na escola, porém, a variação ainda é vista através das noções de certo e errado, sendo certa a variedade da escola e erradas as outras que os alunos trazem de casa, quando estas diferem muito da primeira.

As variedades linguísticas do aluno e a da escola são, na maioria das vezes, bem diferentes. Isso acaba por causar dificuldades de aprendizagem e, por isso, a avaliação dos problemas linguísticos dos alunos deve levar em consideração o funcionamento da língua e seus usos. Muitos dos chamados "erros" dos alunos do ensino básico em fase de aprendizado da língua padrão são influências fonéticas e morfossintáticas da variedade linguística utilizada por eles, já que muitos dos estudantes têm acesso restrito à norma-culta em outros contextos fora da sala de aula. Cagliari

(1992) traz uma explicação sobre os tipos de “erro” que os alunos cometem na escrita.

(36)

letras, uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas, acentos gráficos, sinais de pontuação e, finalmente, problemas sintáticos. Se o professor conhece as variantes linguísticas não-padrão, perceberá facilmente que muitos desses “erros” são previsíveis e de possível sistematização. Ainda se referindo à escrita, Oliveira e Lopes (1998) assim definem a noção de erro:

um fenômeno linguístico cujo uso não foi ainda interiorizado, cabendo ao professor a tarefa de promover situações de uso e de reflexão sobre a língua escrita que favoreçam ao sujeito/escritor a habilidade de construir, paulatinamente, níveis mais complexos de representação deste objeto de conhecimento (OLIVEIRA; LOPES, 1998 apud OLIVEIRA, 2006, p.81).

Semelhante à classificação de Cagliari, Bortoni-Ricardo (2005) propõe um modelo de análise e diagnóstico dos erros. O quadro das categorias de erros proposto pela autora está reproduzido abaixo:

Quadro 1: Categorias de erros linguísticos propostas por Bortoni-Ricardo

1. Erros decorrentes da própria natureza arbitrária do sistema de convenções da escrita 2. Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas categóricas no dialeto estudado.

3. Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis graduais.

4. Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis descontínuas.

Erros decorrentes da transposição dos hábitos da fala para a escrita.

Fonte: (BORTONI-RICARDO, 2005, p.54)

(37)

escrita. A maioria desses erros decorre da relação não totalmente equivalente entre letras e fonemas. Em português, temos letras que representam mais de um fonema, como também temos fonemas representados por mais de uma letra. O segundo grupo decorre da interferência de regras fonológicas na escrita e depende dos antecedentes sociolinguísticos do aluno.

A análise e a diagnose dos erros devem se basear em um conhecimento detalhado das variantes linguísticas que permita o estabelecimento de um perfil sociolinguístico do aluno, para, a partir daí, serem elaborados estratégias e materiais didáticos adequados. De posse desse material e das estratégias didáticas, o professor poderá ter um retorno dos resultados de seu trabalho.

Cabe, então, à escola trabalhar com as variedades padrão e não-padrão em pé de igualdade, respeitando a forma como o aluno utiliza a língua, sem discriminá-lo por isso. O professor deve discutir com a turma o funcionamento da língua e o seu valor social, deixando claras para o estudante as consequências sociais, políticas e econômicas dos usos que se faz da língua.

2.4 SOCIOLINGUÍSTICA E ENSINO DE GRAMÁTICA

(38)

objetivos atribuídos à educação básica (preparar para a vida ou para o vestibular, para o Enem...), e, finalmente, sobre as diferentes concepções de gramática. Apesar de essa discussão ser muito antiga, ela ainda não se esgotou, porque a prática escolar continua, em sua maioria, da mesma maneira, há muitos anos, embora os avanços no discurso científico sejam claramente visíveis e significativos.

Para que possamos discutir sobre o ensino de gramática, é necessário que, primeiramente, definamos o que é gramática. Vamos considerar, aqui, conforme Possenti (1996), gramática como sinônimo de conjunto de regras, para, a partir daí, distinguirmos duas diferentes concepções de gramática, fundamentais para a reflexão aqui proposta.

O autor diz que a palavra gramática pode ser entendida como um “1) conjunto de regras que devem ser seguidas; 2) conjunto de regras que são seguidas;” (POSSENTI, 1996, p.64). Em consequência desse entendimento, há, no mínimo, duas diferentes perspectivas de gramática, respectivamente, a gramática normativa (GN) e a gramática descritiva (GD).

A gramática normativa, conjunto de regras que devem ser seguidas, é a mais conhecida na comunidade escolar, pois é a definição mais adotada nos materiais didáticos, cujo objetivo é fazer com que o leitor fale e escreva “corretamente”. Essa concepção de gramática traz um conjunto de regras que, se dominadas, podem auxiliar, em alguns pontos, no uso da variedade padrão da língua, tanto na modalidade escrita, quanto na modalidade oral. Podemos utilizar como exemplo a regra que diz que não se deve iniciar oração/período com pronome oblíquo átono, ou a regra que diz que para uma determinada pessoa gramatical só existe uma forma verbal correspondente para cada tempo e modo, ou seja, para a 2ª pessoa do singular (tu); o verbo cantar no

presente do indicativo só pode assumir a forma “tu cantas”, e não “tu canta”, forma

muito comum no uso informal da língua.

A gramática descritiva, conjunto de regras que são seguidas, é a definição orientadora dos trabalhos de alguns linguistas, cujo objetivo é descrever e/ou explicar a língua como ela é usada pelo falante, e não em ditar que tipo de construção é “certa” ou

“errada”, como faz a gramática normativa. Vejamos um exemplo muito claro no qual as

(39)

que, em Portugal, essa colocação é comumente utilizada por pessoas dos mais diversos estratos sociais, econômicos, etários e geográficos; porém, no Brasil, esse padrão é raro na escrita e praticamente não existe mais na fala. Apesar dessa realidade, a GN aponta essa colocação como a “correta” com verbos no futuro, desde que não haja motivo para o uso da próclise. Na perspectiva descritivista de gramática, não há pretensões prescritivas e constata-se, por exemplo, que, no Português Brasileiro, inicia-se oração e/ou período com pronome oblíquo átono. A GD, apesar de não estar preocupada em

apontar “erros”, vai além da descrição, atentando para o fato de que pessoas de

diferentes grupos sociais, etários, econômicos, geográficos e históricos utilizam-se de formas diferentes de se dizer “a mesma coisa” e que um mesmo falante, em situações comunicativas diferentes, também se utiliza de formas alternativas para comunicar-se. De acordo com essa teoria gramatical, também se constata que há resistência ou preconceito no uso de algumas dessas formas linguísticas alternativas se elas não forem utilizadas por pessoas cultas; logo, o critério de avaliação dessas unidades é social, e não linguístico propriamente.

Observamos que as concepções de gramática citadas anteriormente referem-se a regras; porém, o conceito de regra em cada uma delas é também diferente. A regra referida pela GN é algo que se deve seguir, obedecer como a uma lei, expressando uma avaliação do certo e do errado. Se o falante não a segue, é avaliado negativamente nos meios social e escolar, sendo considerado “ignorante”, uma pessoa menos capaz de exercer determinadas funções na sociedade. Já a GD refere-se à regra como regularidade, constância. Nesse sentido, não há avaliações de certo ou errado. Nessa abordagem, observa-se que há regras na língua, embora algumas variáveis, como, por

exemplo, a concordância entre sujeito e verbo: podemos ouvir construções do tipo “nós vamos” ou “nós vai”, mas não ouvimos construções do tipo “nós vou”. É fundamental

que se compreenda que o fato de uma pessoa seguir uma ou outra regra gramatical não indica que ela é superior ou inferior intelectualmente a outra, embora sua escolha possa

produzir avaliações sociais do tipo “isso é culto/inculto”, “isso é certo/errado”, “isso é feio/bonito”.

(40)

literária da língua as consideradas modelos de bom uso. Em casos extremos, chega-se a confundir essas variedades com a própria língua, deixando-se de fora fatos linguísticos pertencentes a outras variedades. Já a GD não deixa de fora nenhum fato linguístico produzido pelo falante. Tanto a modalidade escrita da língua quanto a modalidade oral são consideradas fatos dignos de descrição e explicação. A língua é concebida em suas regularidades variáveis. A variedade culta é apenas uma das variedades da língua a ser estudada e as outras variedades não são consideradas linguisticamente inferiores ou incapazes de expressar o pensamento.

De acordo com as concepções apresentadas acima, já podemos antecipar o quanto as gramáticas normativas e os estudos linguísticos de base descritivista divergem em relação ao objeto linguístico. Quando o assunto é a colocação pronominal no português, não é diferente: as gramáticas tradicionais normativas e os estudos linguísticos não abordam o tema de forma consensual, chegando até, em alguns momentos, a se oporem completamente.

É papel da escola conscientizar a comunidade e conscientizar-se de que, assim como toda e qualquer língua natural, o português não é uma língua homogênea,

havendo, portanto, mais de uma forma de dizer “a mesma coisa” e que essas formas

diferentes de dizer são avaliadas de modo diferente dependendo da situação interacional. À escola cabe, então, valorizar o conhecimento linguístico do aluno e promover o aprendizado significativo das variantes prestigiadas, o que, infelizmente, muitas vezes não acontece. Nas palavras de Bortoni-Ricardo,

não é raro que professores elejam estruturas da linguagem coloquial, de uso generalizado, no presente ou em estágios pretéritos da língua, e as combatam com veemência, o que às vezes implica distorções nas prioridades pedagógicas do ensino da língua pátria e suas manifestações literárias. A escola brasileira ocupa-se mais em reprimir do que em incentivar o emprego criativo e competente do português (BORTONI-RICARDO, 2005, p.16).

(41)

não sendo menos complexa a sua língua. Falhas no acesso ao processo de escolarização tendem a conservar ou acentuar as diferenças linguísticas. Embora a escola seja “uma força corretiva e unificadora da língua" (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 23), o acesso restrito à norma-culta se contrapõe a essa força.

Desde as primeiras décadas do século XX, pesquisas identificam e reconhecem diversas variedades linguísticas brasileiras, porém essas variedades, muitas vezes, são consideradas pela sociedade como desvios, erros, pois suas características comuns não são reconhecidas. Bortoni-Ricardo (2005) propõe uma distinção dessas variedades a partir de um continuum de urbanização, que vai desde as variedades rurais mais isoladas geograficamente até as variedades urbanas cultas, podendo se encontrar o falante em qualquer lugar desse continuum. Nesse continuum rural-urbano, existem dois tipos de regras variáveis: regras variáveis descontínuas, que são características de variedades regionais mais isoladas e que sofrem mais estigma na sociedade urbana, e regras variáveis graduais, que pertencem ao repertório de praticamente todos os falantes do continuum. O contínuo de urbanização pode ser representado da seguinte forma:

variedades área variedades rurais isoladas rurbana urbanas padronizadas

Nessa linha imaginária, temos, de um lado, as variedades linguísticas mais isoladas; na outra ponta, estão as variedades urbanas que, no decorrer do tempo, sofreram influência da ortografia, da ortoépia, dos dicionários e das gramáticas normativas. Entre um ponto e outro, temos a zona rurbana.

Imagem

Tabela 1: Variação próclise/ênclise em início de período
Tabela 2: Frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto V1
Tabela 3: Frequência de próclise a V1 a partir do ano de nascimento dos autores.
Tabela 6: Frequência de próclise dos diferentes pronomes em contexto SV
+7

Referências

Documentos relacionados

6 Consideraremos que a narrativa de Lewis Carroll oscila ficcionalmente entre o maravilhoso e o fantástico, chegando mesmo a sugerir-se com aspectos do estranho,

O desenvolvimento das interações entre os próprios alunos e entre estes e as professoras, juntamente com o reconhecimento da singularidade dos conhecimentos

2. Identifica as personagens do texto.. Indica o tempo da história. Indica o espaço da história. Classifica as palavras quanto ao número de sílabas. Copia do texto três

1- A vida das comunidades recoletoras era muito difícil, devido ao frio intenso e aos animais ferozes, mas também porque era difícil encontrar comida e lugares onde se abrigarem.. 2-

Um senhorio é um território, pertencente a um Senhor (do Clero ou da Nobreza), em que podemos encontrar terras cultivadas pelos camponeses que vivem no senhorio,

Em janeiro, o hemisfério sul recebe a radiação solar com menor inclinação e tem dias maiores que as noites, encontrando-se, assim, mais aquecido do que o hemisfério norte.. Em julho,

Navegando por mares e oceanos desconhecidos pelos Europeus, os Portugueses descobriram ilhas no Atlântico, contornaram África e chegaram à Índia e ao Brasil..

O empregador deverá realizar a avaliação ambiental de poeira de asbesto nos locais de trabalho em intervalos não superiores a seis meses.. Os registros das avaliações deverão