NEUROCISTICERCOSE ASSOCIADA
A HIPOPARATIREOIDISMO Ε DOENΗA DE FAHR (?)
REGISTRO DE UM CASO
R. N. DELGADO-RODRIGUES *
Calcificaηυes cerebrais sγo achados radiogrαficos relativamente comuns, po dendo estar associados a grande n٥mero de causas, dentre as quais: traumas, infecηυes, infestaηγo por parasitos, anomalias congκnitas, desordens metabσ l i c a s1 0
. Em especial, as calcificaηυes dos gβnglios basais, quando ocorrem, sγo comumente bilaterais e quase invarialmente simιtricas 2
> s
>1 3
. Estas sγo conhecidas desde o tempo de Virchow e Bamberger, que as descreveram em estudos "postmortem". No entanto, foi apenas em 1935 pela apresentaηγo radio lσgica de Fritzsche que vieram a atrair a atenηγo dos neurologistas1 3
. A partir de 1939 comeηouse a associαlas a dist٥rbios da glβndula paratireσide, a saber, hipoparatireoidismo, e mais recentemente pseudohipoparatireoidismo e pseudo pseudohipoparatireoidismo 4
>1 3
. No tocante ao hiporatireoidismo, tal associaηγo chega, em estudos recentes, a 7080%8
. Existem descritos, se bem que espo rαdicos, casos sem etiologia definida2
» 8
» 1 ϋ
· 1 3
« e ainda outros familiares idio pαticos 2
.3
» 9
»1 2
. Encontrase aν o pomo da discσrdia, com o qual hα de defrontarse todo o que busca uma definiηγo para a chamada "doenηa de Fahr". Este epτnimo teve sua origem no caso relatado por Fahr em 1936 \ sob o tνtulo "calcificaηγo idiopαtica dos vasos cerebrais". Descreveu entγo um caso isolado, em adulto, de calcificaηγo bilateral e simιtrica dos gβnglios basais, sem qualquer traηo hereditαrio. Apesar disso, o epτnimo foi amplamente absor vido pela literatura especializada. Passouse entγo a classificar sob ele as calci ficaηυes bilaterais e simιtricas de gβnglios da base, acompanhadas ou nγo de calcificaηυes cerebelares, fossem elas de ocorrκncia familiar, idiopαticas, com evidκncia de transmissγo genιtica ou nγo. Igualmente encontramse sugestυes de que a assim chamada "doenηa de Fahr" seja, na verdade, um conjunto de entidades que incluiria atι as desordens endσcrinas mencionadas 3
>1 6
. Os casos apresentados por Babbitt e col.1
sob o tνtulo "ferrocalcinose cerebrovascular idio pαtica familiar" nos fazem delinear uma doenηa de inνcio na infβncia, grave, com manifestaηυes neurolσgicas pronunciadas, dist٥rbios severos do crescimento e deterioraηγo mental progressiva, de carαter autossτmico recessivo. Tal quadro tambιm foi observado por outros autores9
. Entretanto, diversos relatos existem de clara identificaηγo com a entidade citada como "doenηa de Fahr", nos quais
o dist٥rbio neurolσgico mais evidente era um dιficit na fala 10
> M
e a trans missγo, autossτmica dominante1 1
»1 2
.
Levando em conta todos esses fatores, procuramos uma forma de conceituar a doenηa. Descrevκlaemos ΰ luz dos critιrios sugeridos por Moskowitz e col.1 1
, citados por Millen em artigo recente1 0
. Sγo eles: 1) calcificaηυes simιtricas de gβnglios basais, sem outras caracterνsticas clνnicas de hipoparatireoidismo ou pseudohipoparatireoidismo; 2) nνveis sιricos de cαlcio e fosfato normais; 3 ) responsividade tubular renal ao hormτnio paratireσideo ( P . T . H . ) ; 4 ) evi dκncia de transmissγo hereditαria; 5 ) ausκncia de causas metabσlicas infecciosas ou tσxicas. A calcificaηγo familiar idiopαtica de gβnglios da base pode ter mani festaηυes neuropsiquiαtricas variαveis que, de modo geral, incluem as jα citadas por Babbitt1
e outros3
» 8
» 9
.1 0
.i a
» w
. Nada se pode afirmar a respeito de um prognσstico definido 1 0
. A fisiopatologia do processo de calcificaηγo foi sugerida por Eaton e col.6
. Haveria preliminarmente deposiηγo de material colσide nos vasos sangόνneos cerebrais e em torno deles, com posterior calcificaηγo e pre cipitaηγo de ferro. Todavia, jα se demonstrou tambιm a presenηa de zinco, alumνnio, manganκs, magnιsio e outros materiais em semelhantes depσsitos3
»1 0
.
OBSERVAΗΓO
Parasitolσgico de fezes: negativo, RaiosX de crβnio revelaram calcificaηυes intrace rebrais ΰ esquerda. Tomografia computadorizada: "calcificaηυes intracerebrais na subs tβncia branca do lobo frontal direito, n٥cleos cinzentos da base e do cerebelo. Este ٥ltimo fato sugere que nγo se trate de um processo metabσlico sistκmico e, sim, de uma alteraηγo de carαter familiar, como a doenηa de Fahr" (Dr. Luνs Antτnio P. Portela Instituto de Neurologia de Goiβnia). E.E.6.: raras pontas nas regiυes tem porais. E.C.G.: intervalo QT alargado e achatamento de ondas T. Biomicroscopia: discretas opacificaηυes em faixa no cristalino de ambos os olhos. Tratamento — dieta hipercαlcica; carbamazepina, fenitoνna e fenobarbital, associados; cαlcio; propericiazina;
vitaminas A e D3. Evolução — Durante a internaηγo a paciente apresentou labilidade emocional, dist٥rbios de comportamento e depressγo pronunciada, que cederam com o uso da propericiazina. A cefalιia e a tontura persistiram quase diαrias. Durante curtos perνodos padeceu de tremores finos das extremidades, obstipaηγo intenstinal, dores no membro inferior esquerdo, tetania (na vigκncia de dieta hipocαlcica) e otalgia; que cessaram com terapia adequada. Sofreu uma crise convulsiva apσs um mκs de internaηγo, e leucorrιia esbranquiηada e fιtida. Recebeu alta em 150783 e ainda nγo retornou ao ambulatσrio para controle.
COMENTΑRIOS
As evidκncias clνnicas e laboratoriais do caso ora apresentado nos fazem pensar num dist٥rbio endσcrino do tipo hipoparatireoidismo idiopαtico ou pseu dohipoparatireoidismo. Isto ι compatνvel com os dados obtidos na literatura que mostram a associaηγo destas entidades com as calcificaηυes cerebrais, parti cularmente as bilaterais e simιtricas de gβnglios da base. Os critιrios de Mosko witz nao foram preenchidos pela nossa paciente, apesar de nγo se ter avaliado a responsividade tubular renal ao P.T.H.. Da mesma forma, o quadro descrito difere em quase todos os seus aspectos mais significativos da calcificaηγo fami liar idiopαtica de gβnglios da base, conforme relatado por vαrios a u t o r e s1
'3
»6
, β, 9, ίο, ia, is. Dessa forma, nγo vemos razγo para classificarmos esta paciente
como portadora de "doenηa de Fαhr". O mau uso deste epτnimo jα vem de muitos anos e cremos necessαrio mais critιrios em sua aplicaηγo.
A paciente tambιm apresentava uma reaηγo de Weinberg positiva no lνquido cefalorraquidiano, o que nos leva a afirmar a presenηa de neurocisti cercose. Esta entidade comumente apresenta quadro clνnico muito v a r i a d o1 5
. Contudo, ao que se saiba, as calcificaηυes intracranianas da citada doenηa sγo nodulares, ٥nicas ou m٥ltiplas, sem o carαter de simetria e bilateralidade simul tβneas. Portanto, nγo se deve responsabilizar a neurocisticercose isoladamente pelas manifestaηυes clνnicolaboratoriais do presente caso.
RESUMO
SUMMARY
Neurocysticercosis associated to hypoparathyroidism and Fahr's disease(?). A case report.
The author reports a case of neurocysticercosis and hypoparathyroidism in a 28 yearold female with bilateral symmetric basal ganglia calcification demons trable by C.A.T.Scan. A brief review of the literature is made in order to show why the eponym "Fahr's disease" should not be applied to this case.
REFERÊNCIAS
1. BABBITT, D.P.; TANG, T.; DOBBS, J. & BERK, R. — Idiopathic familial cere brovascular ferrocalcinosis (Fahr's disease) and review of differential diagnosis of intracranial calcification in children. Amer. J. Roentgenol. 105:352, 1969.
2. BENNETT, J.C.; MUFFLY, R.H. & STEINBACH, H.L. — The significance of bilateral basal ganglia calcification. Radiology 72:368, 1959.
3. BOLLER, F.; BOLLER, M. & GILBERTY, J. — Familial idiopathic cerebral calcifications. J. Neurol. Neurosurg. Psychiat. 40:280, 1977.
4. DERAKCHAN, I . — Basal ganglia calcification and hypoparathyroidism: case report. Neurology 29:1191, 1979.
5. DONALD, P.R.; V A N BUUREN, A.J. & BURKE, J.E. — The spectrum of hypopa rathyroidism. South Afr. med. J. 61:322, 1982.
6. EATON; L . M . ; CAMP, J.P. & LOVE.J.G. — Simmetric cerebral calcifications, par¬ ticulary of the basal ganglia, demonstrable roentgenographically. Arch. Neurol. Psychiat. 41:921, 1939.
7. HYLDSTRUP, L . ; LADEFOGED, S.D. & ASTRUP, H. — Reversible dementia in idiopathic hypoparathyroidism. Danish med. Bull. 28:74, 1981.
8. KOLLER, W.C.; COCHRAN, J.W. & KLAWANS, H.L. — Calcification of the basal ganglia: computerized tomography and clinical correlation. Neurology 29:328, 1979.
9. MELCHIOR, J.C.; BENDA, C.E. & YAKOVLEV, P . I . — Familial idiopathic cerebral calcifications in childhood. J. Dis. Childr. 99:787, 1960.
10. MULLEN, S.J.; PULEC, J.L. & KANE, P.M. — Fahr's disease: an otolaryngologic perspective. Arch. Otolaryngol. 108:591, 1982.
11. MOSKOWITZ, M.A.; WINICKOFF, R.N. & HEINZ, E.R. — Familial calcification of the basal ganglia: a metabolic and genetic study. New Engl. J. Med. 285:72, 1971. 12. OKADA, J.; TAKEUCHI, K . ; OHKADO, M. & HOSHINA, K. — Familial basal
ganglia calcifications visualized by computerized tomography. Acta neurol. scand. 64:273, 1981.
13. PUVANEDRAN, K . ; LOW, C.H.; BOEY, H.K. & T A N , K . P . — Basal ganglia calcification on computer tomographic scan. Acta Neurol, scand. 66:305, 1982. 14. QUEIROZ, A.C. & MALBOUISSON, A.N.B. — Calcificaηγo de n٥cleos da base do
cιrebro. Arq. NeuroPsiquiat. (Sγo Paulo) 39:321, 1981.
15. SCAFF, M . ; TSANACLIS, A.M.C. & SPINAFRANΗA, A. — Hidrocιfalo com pres sγo normal e neurocisticercose: estudo de 3 casos. Arq. NeuroPsiquiat. (Sγo Paulo) 32:223, 1974.
16. TAFANI, B.; BOUDOURESQUE, G.; TURPIN, J.C. & K H A L I L , R. — Aspects actuels de la maladie de Fahr. Sem. Hop. Paris 57:1815, 1981.