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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

THIAGO HINOJOSA BELMAR

Grupos de interesse e o processo de

modernização do futebol brasileiro: da

redemocratização ao Bom Senso Futebol

Clube

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Volume I

Versão corrigida

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THIAGO HINOJOSA BELMAR

Grupos de interesse e o processo de modernização do

futebol brasileiro: da redemocratização ao Bom Senso

Futebol Clube

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política, da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.

Orientador: Prof. Dr. Wagner Pralon Mancuso

Volume I

Versão Corrigida

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Agradecimentos

Agradeço, primeiramente, ao meu orientador, Wagner Pralon Mancuso, pelas críticas, sugestões e pelo apoio de sempre. Também à banca de qualificação, composta por Sergio Praça e Bernardo Buarque de Holanda, que fizeram comentários essenciais para a dissertação.

Não poderia deixar de agradecer aos funcionários da secretaria de pós-graduação do Departamento de Ciência Política da USP, especialmente Vasne, Rai e Márcia. Sem a contribuição deles, nada disso seria possível.

Por fim, agradeço aos amigos Caio, Marília, Daniela, Davi e Daniel, pelo apoio que sempre me deram; à minha família (Airton, Leila, Bruna e Francisca) que sempre acreditou e nunca deixará de acreditar em mim; e à minha companheira de todos os momentos, principalmente dos mais difíceis, Ana Paula, a quem devo tudo. Não seria possível realizar essa dissertação sem seu apoio.

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Resumo

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Abstract

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Lista de Figuras

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Lista de Tabelas

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Conteúdo

INTRODUÇÃO . . . 10

CAPÍTULO 1:LITERATURA E MÉTODO . . . 16

CAPÍTULO 2: HISTÓRICO DO FUTEBOL NO BRASIL . . . 24

2.1) Modernização do futebol brasileiro .. . . 30

CAPÍTULO 3: MODERNIZAÇÃO DO FUTEBOL NO PROCESSO POLÍTICO . . . 35

3.1) Período Liberal .. . . 36

3.1.1) Lei Zico . . . 37

3.1.2) Lei Pelé . . . 50

3.1.3) Lei Maguito Vilela . . . 64

3.1.4) CPIs do Futebol . . . 69

a) CPI da CBF/Nike na Câmara dos Deputados . . . 69

b) CPI do Futebol no Senado . . . 80

3.2) Período Regulatório .. . . 84

3.2.1) Estatuto do Desporto e Projeto de Lei 5186/05 . . . 85

3.2.2) Timemania . . . 99

3.2.3) Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte . . . 104

CAPÍTULO 4: GRUPOS DE INTERESSE E MODERNIZAÇÃO DO FUTEBOL BRASILEIRO . . . 110

4.1) Os grupos de interesse envolvidos .. . . 110

a) CBF . . . 110

b) Federações estaduais . . . 111

c) Clubes . . . 112

d) Jogadores . . . 113

e) Meios de comunicação . . . 114

4.1.2) Bancada da Bola .. . . . . . . 114

4.2) Atuação dos grupos de interesse .. . . 119

CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . 130

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Introdução

O esporte é um fenômeno cultural com lógica e história próprias, e pode ser entendido como um conjunto de práticas e consumos oferecidos a agentes sociais por instituições para cumprir alguma demanda social (Bourdieu, 1983). Pode ser praticado tanto de forma livre, bem como um espetáculo de massas. Ele pode criar espaços de sociabilidade, nas interações que se dão nos clubes, entre atletas, ou entre associados, e na identificação que acaba sendo criada com os elementos pertencentes ao clube. Mas pode ir além e se tornar um evento com caráter de espetáculo e, a partir daí, entrar na lógica da comercialização (Haag, 2013), que pode ser cada vez mais intensificada, tornando o fenômeno praticamente todo voltado para a mercantilização e para atividades voltadas para a geração de lucro, por meio de diferentes estratégias, como a utilização do marketing (Gonçalves e Carvalho, 2006). Um esporte que se destaca bastante nesse tipo de desenvolvimento, e que será alvo desta dissertação, é o futebol, que começa a ser praticado de forma amadora, logo passa a se tornar uma atividade profissional e, cada vez mais, se torna atração de forças econômicas e políticas.

Esta dissertação aborda, amplamente, o futebol como tema de estudo. Dentro do futebol, o interesse principal é analisar um processo de "modernização" do futebol brasileiro, caracterizado por transformações no esporte que o levaram de um fenômeno restrito ao lazer e à competição esportiva, ligado à paixão pelos clubes, para um fenômeno correspondente ao mundo do entretenimento, cada vez mais tomado pelo marketing e pelos negócios, envolvendo quantias relevantes de dinheiro, transformando aquilo que era apenas lazer, competição e paixão em atividade lucrativa e profissional, inclusive sendo foco de esquemas de corrupção, desvios de dinheiro, enriquecimento ilícito de dirigentes, estelionato, etc.1

1 Como relatado nos mais diversos meios de comunicação, como em:

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A proposta é analisar o processo de modernização, através de dois de seus aspectos sobressalentes, que representam seu movimento transformador, a saber: as relações de trabalho entre clubes e atletas, que aproximou o futebol ao profissionalismo, equiparando os jogadores aos trabalhadores comuns; e a administração dos clubes de futebol, que trouxe o esporte para mais perto do mundo dos negócios, passando de algo amador, de pequenas receitas, que pouco se envolvia com questões tributárias, para algo que passou a movimentar muito dinheiro, a gerar lucro, atrair investidores e, por consequência, ações de marketing, passando a se tornar um negócio, e, por tal, se envolvendo em questões tributárias, mudando sua relação com o Estado, sendo cada vez mais alvo deste, no sentido de ser cobrado por ele para que fosse taxado de acordo com a nova realidade.

No entanto, não se estudam esses elementos de maneira geral. Há um recorte e um contexto teórico que permeia a análise. Especificamente, o recorte foi estudar como entram os grupos de interesse no desenvolvimento desses dois elementos pertencentes ao mundo do futebol. Estes elementos reúnem uma série de atores com interesses distintos e que lutam por eles de acordo com seus recursos. Então, como os diferentes grupos de interesse atuam em cada uma dessas áreas? Qual o tamanho da influência, ou da responsabilidade deles nas decisões tomadas pelos diferentes âmbitos do poder político brasileiro nas questões que dizem respeito às relações de trabalho entre jogadores e clubes, e também à administração dos clubes de futebol nacionais?

O trabalho de Hirata e Junior (2014) a respeito da atuação dos grupos de interesse durante a tramitação do projeto que culminou com a lei Pelé é uma das poucas tentativas (se não a única), ao menos na ciência política, de estudar as mudanças ocorridas no futebol por esse aspecto, ressaltando o papel da política e dos grupos envolvidos nela. Os autores se valem de documentos oficiais referentes à tramitação do projeto para identificar a participação dos grupos e argumentam que, de fato, houve atuação, mas que os documentos não mostram um papel decisivo daqueles. A intenção aqui é dialogar com tal trabalho, reconhecendo a característica inovadora do artigo, ao procurar entender a participação dos grupos de interesse num José Maria Marin está entre dirigentes da Fifa presos na Suíça. BBC Brasil, 27 de maio de

2015. Disponível em:

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processo legislativo relativo ao futebol, e buscando complementar tal estudo, utilizando não apenas as informações encontradas nos documentos oficiais, mas também em fontes secundárias importantes, como os relatos de meios de comunicação da época, e expandindo a análise para eventos relevantes posteriores à aprovação da lei Pelé, como o próprio artigo sugere, em seu fechamento.

Em primeiro lugar, deve-se saber o que aconteceu em todo o processo de mudança no futebol brasileiro. Quais foram as transformações ao longo do desenvolvimento do esporte no Brasil e quais foram os momentos-chave que provocaram alterações? Quais foram os atores que idealizaram as mudanças? Instituições foram utilizadas nesse sentido? As mudanças propostas inicialmente foram efetivadas conforme idealizadas? Se sim, por quais motivos? Quem foi determinante para que o desenrolar dos eventos se desse como tal? Se não, por quê? Quais atores foram relevantes, ou determinantes, para que as mudanças não ocorressem, ou ocorressem parcialmente, com uma série de contrapartidas? Que meios esses atores utilizaram?

Após verificar o que aconteceu ao longo do processo, importa explicar como e por quê. Responder às perguntas que aparecem conforme se revelam os acontecimentos. O que a pesquisa propõe é que houve, sim, transformações importantes nas duas áreas que abrangem a modernização do futebol brasileiro, que é foco do estudo. O futebol passou por uma série de mudanças, em todo o mundo, acompanhando as dinâmicas sociais e econômicas, especialmente do sistema capitalista e do processo de globalização, e no Brasil não foi diferente.

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por uma mudança no sentido de aproximar o esporte ao mundo dos negócios e à forma de administrá-lo ao modo empresarial. Inicia-se esse discurso com as mudanças significativas ocorridas na década de 1980, que inserem o futebol no mundo do capital, e, de acordo com os acontecimentos e os momentos-chave que diziam respeito a essa questão, tanto no meio político como apenas no meio futebolístico, forma-se um novo paradigma, completamente voltado para a modernização de tal esporte que, ao menos na sua forma mais visível, integra-se totalmente ao mundo do marketing e dos negócios, afetando, inclusive, a forma de torcer para os clubes e pela seleção.

Nesse sentido, a hipótese é que os grupos de interesse foram determinantes desse resultado, de formas diferentes quanto aos dois eixos da modernização aqui analisados, porém, de qualquer maneira, mesmo que de forma mais truncada e lenta em determinados casos do que em outros, promovendo mudanças importantes. Não significa dizer que os esforços no sentido de barrar ou adiar certas alterações não tenham sido importantes. Pelo contrário, são muito importantes e também será atribuído aos grupos o sucesso nesses esforços.

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Já na questão da administração dos clubes, a hipótese é que as disputas envolvendo diferentes interesses foram muito mais acirradas. Trabalhou-se muito e conseguiu-se, em diversos momentos, por vezes adiando ou amenizando, provocar decisões desfavoráveis às grandes transformações, principalmente pela atuação dos clubes e da CBF, no sentido de tentar manter o status quo, ainda que tivessem que acatar pequenas mudanças para que ele fosse mantido. Estes grupos, se relacionando de maneira muito próxima com parlamentares, doando dinheiro para campanhas políticas, se reunindo internamente, assim como com o governo, e, se aproximando fortemente com a TV Globo, conseguiram benefícios fiscais e parcelamento de dívidas, sem ter de arcar com grandes contrapartidas e sem sofrer sanções rigorosas. Os jogadores e associações não conseguiram grandes vitórias perante aos clubes nessa área. Foi criado um movimento de representantes de destaque da categoria, o Bom Senso FC, cujos esforços ainda têm resultados incertos, pois as disputas ainda estão em andamento. As grandes vitórias não vieram de forma explícita, na prática, mas o discurso de que o futebol e os clubes devem ser administrados como empresas e deve ter dirigentes que tenham tal mentalidade cresceu bastante e ainda cresce, inclusive em novas gerações dos próprios dirigentes de clubes, que se voltam contra federações, contando com o apoio de diversos meios de comunicação, que se mostram, constantemente, favoráveis a mudanças desse tipo, juntamente com essa nova organização dos atletas. Há de se acompanhar como se darão os resultados das discussões atuais, que preveem uma lei mais rigorosa aos dirigentes de clubes, de federações e da CBF.

Os dois aspectos se dão de forma conjunta, dentro do processo de "modernização" e, a pesquisa, através deles, mostrará que houve um processo de mudança no futebol brasileiro, que trouxe a formação de um novo paradigma, o de tornar o esporte um bom negócio. No entanto, esse processo se deu ao longo de muitos anos, muito porque alguns grupos de interesse resistiram a ele, atuando para barrar medidas importantes nas arenas decisórias e obtendo vitórias e derrotas durante esse período. Portanto, tanto a atuação de grupos a favor das mudanças, quanto de grupos contra elas foram decisivos para a configuração dos resultados finais do processo de mudança no futebol no Brasil.

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Capítulo 1: Literatura e Método

O trabalho tem como inspiração teórica debates que envolvem o papel dos grupos de interesse perante as decisões em torno das mais variadas políticas públicas. O caso do processo de modernização do futebol no Brasil, especificamente representado pelas relações de trabalho entre clubes e atletas, e pela administração das entidades desportivas, é interpretado aqui dentro do viés teórico da importância dos grupos de interesse nos processos políticos que dizem respeito a decisões sobre políticas públicas. O futebol passou a ser assunto, se não dos principais, pelo menos de grande importância (maior do que já teve em outras épocas), da agenda política nacional, sendo alvo de uma série de discussões na arena política – e também fora dela. Como qualquer outra política, muitos grupos de interesses ligados ao esporte, atentos a decisões que poderiam alterar seus destinos, acabaram adentrando ao universo político, procurando fazer prevalecer decisões que provocassem benefícios ou que barrassem prejuízos a eles. Em diversas ocasiões, de fato, como a pesquisa pretende mostrar, eles obtiveram sucesso e foram atores chave no resultado final.

Todavia, antes de abordar como o fizeram, é interessante situar o que se entende por grupo de interesse, quais são suas características principais e como atuam. Existe uma extensa literatura que trata do tema dos grupos de interesse na política. Não se pretende esmiuçar toda essa literatura neste trabalho, mas sim destacar a parte da mesma que é enxergada como um horizonte teórico da pesquisa e que se aproxima do que é entendido aqui como fator explicativo para o que se deu no âmbito empírico do tema estudado.

Em primeiro lugar, grupos de interesse serão definidos como conjuntos de indivíduos ou de organizações que compartilham características – como ideias, desejos e objetivos –, podendo contar com alguma organização formal ou não, e que tentam influenciar as decisões públicas, podendo atuar sobre o Estado tanto para mudar a situação presente quanto para preservá-la, se for o seu interesse (Baird, 2012).

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por financiamentos de campanhas, ou apenas relações próximas por meio de reuniões, físicas ou não (Rasmussen e Lindeboom, 2013). Por vezes, o próprio poder público convoca os grupos para debater as questões envolvidas, por meio de audiências ou ofícios enviados. Em outros momentos, as relações são menos claras, não aparecem em ambientes públicos e se dão em relações mais próximas entre poder público e representantes de grupos (Pedersen, 2013).

De qualquer maneira, os grupos de interesse procuram atuar diante das possibilidades de criação, manutenção ou mudança de determinadas políticas públicas. Estas, por sua vez, em geral, são compostas de diversas fases, ligadas entre si e os grupos podem atuar durante todas elas, bem como nas diferentes etapas do processo legislativo (Mancuso, 2004). Eles procuram influenciar funcionários de diferentes níveis de governo para alcançar seus objetivos, tentando fazer com que prevaleça suas crenças em relação às políticas públicas, sabendo que as regras das esferas de governo serão importantes para sua atuação, pensando suas estratégias as considerando, por exemplo, prevendo que os votos de parlamentares seguirão as orientações das lideranças partidárias (Mancuso, 2004).

À primeira vista, acompanhando, sem um estudo mais rigoroso, a atuação dos grupos nas diversas fases das políticas, é comum se ter a impressão de que tal atuação se dá apenas nos momentos de formulação das mesmas, como reação à política oferecida pelo governo. Uma vez adotada essa política, pode parecer que os grupos não atuam mais. Mas eles podem atuar tanto antes como depois da formulação, procurando influenciar a maneira como a política é planejada, e também quando tal política passa por alguns ajustes, como nas regulamentações de leis (Ripley, 1995).

Os grupos de interesse podem ir além de uma atuação que abrange apenas as movimentações de um grupo em si e formar coalizões de militância, que travam embates em torno das negociações em torno de uma política, cada uma defendendo aquilo que acredita ser o melhor para a política em questão. Eles fazem escolhas racionais em torno de seus interesses e formam coalizões para defendê-los (Olson, 1999).

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suas visões (Sabatier e Jenkins Smith, 1999). Os embates se dão principalmente em processos de mudança de políticas públicas, o que exige que se adote uma perspectiva de tempo de uma década ou mais, como no caso do processo de modernização que ocorre no futebol brasileiro, a partir da década de 1980, o qual será analisado nesta pesquisa. É interessante, pensando nessa perspectiva de longo prazo, que se considere a intenção de um conjunto de atores individuais ou coletivos, de organizações públicas e privadas, de se preocuparem com uma questão específica de alguma política pública e de tentarem, regularmente, influenciar as decisões a respeito da questão.

As questões de política pública, nesse modelo de Sabatier e Jenkins Smith (1999), envolvem a participação não somente do legislativo, de agências do Executivo e grupos de interesse atuando em apenas um nível de governo. É importante também o papel da comunidade científica, como acadêmicos, analistas e consultores. Informações científicas podem ser uma boa base para dar legitimidade aos discursos das coalizões, criando novos paradigmas para determinados temas, que podem se tornar vigentes por um bom tempo. Os novos paradigmas podem estabelecer um novo sistema de valores, concretizados com a criação de elementos institucionais, como leis, decretos e políticas.

A formação dos novos paradigmas se dão como resultado daqueles embates entre duas ou mais coalizões que competiram, em uma arena política, pela hegemonia de um determinado pensamento e de valores em relação a uma política. Nesse sentido, a coalizão até então dominante seria representada pelo paradigma anterior e a coalizão desafiante traria uma nova perspectiva, que alteraria o status quo, formando um novo paradigma.

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versão tem boas chances de ser aceita caso conte com respaldo científico, o que não impede que uma narrativa tenha ampla divulgação sem a base científica. Nesse caso, o que definirá o resultado será a forma como a versão é contada.

Uma perspectiva prática dos resultados dos embates entre os grupos ou entre as coalizões de interesse, pode ser encontrada em Mancuso (2004), através da noção de “sucesso” e “insucesso”, baseada na observação de convergência entre as demandas explícitas de um grupo de interesse (no caso do artigo, o setor industrial) e as decisões tomadas pelo poder público. Tanto os sucessos como os insucessos podem ser pontuais ou definitivos, bem como completos ou parciais.

Serão sucessos pontuais quando a decisão tomada em qualquer instância do processo legislativo de nível federal convergir com a posição apresentada pelo grupo, antes da deliberação final. Serão completos os sucessos pontuais nos casos em que o que foi decidido e a posição da indústria convergirem totalmente. Se não convergirem totalmente, os sucessos pontuais são parciais. Os sucessos pontuais ocorrem em decisões de comissões legislativas que não encerram a tramitação da matéria, em votações em plenário de uma Casa, seguida por alguma instância da outra Casa, e em votações em plenário das duas Casas, com caráter de encerramento de uma determinada questão, e que podem receber vetos da presidência. Os sucessos definitivos ocorrem nos casos em que a convergência entre determinado grupo e as decisões tomadas se dão numa decisão final de alguma matéria. São definitivos completos quando as duas posições são totalmente convergentes e definitivos parciais quando não forem totalmente convergentes.

Serão insucessos pontuais os casos em que houver divergência entre a decisão tomada e a posição do grupo, em decisões parciais, e insucessos definitivos quando houver divergência em decisões finais. Quando a divergência for total, os insucessos definitivos serão completos, e quando não for total, os insucessos definitivos serão parciais.

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no sistema político brasileiro, detém prerrogativas importantes, como poder de veto, possibilidade de propor matérias em caráter de urgência e proposição do orçamento (Limongi e Figueiredo, 1998). É importante, portanto, para os grupos, tentar fazer com que as preferências do Executivo coincidam com as suas. Se as preferências convergirem, os grupos atuarão juntos a tal poder. Caso contrário, os grupos lutarão para que os objetivos se aproximem, o que significa dizer que o considerável poder que o Executivo detém pode muito bem ser compatível com a atuação dos grupos de interesse organizados, mesmo a condicionando, e abrir espaço para que estes tentem dividir a participação nos resultados de uma determinada questão.

A ideia é que essas referências teóricas funcionem como uma inspiração teórica para tentar entender o que se deu na atuação dos grupos de interesse a partir do processo de modernização do futebol no Brasil, por vezes argumentando que a explicação do caso empírico e a teoria são quase que perfeitamente encaixadas, e por outras, que a teoria serve como uma referência de explicação, mas que o caso empírico não se deu exatamente daquela forma. De qualquer maneira, esses temas da bibliografia serão utilizados aqui, desde a definição do que são os grupos, até como atuam, as coalizões formadas e os resultados da atuação deles. Em resumo, a ideia é, a partir das referências, estudar um processo de mudança de uma determinada política, no caso a relativa ao futebol, e como os grupos de interesse e as coalizões de interesse atuam nesse processo e quais grupos ou coalizões tiveram sucesso ou insucesso e por quê.

A pesquisa realizada foi de natureza predominantemente qualitativa, tratando-se de um estudo de caso. As principais fontes de análitratando-se foram dados oficiais referentes à tramitação da Lei Zico, da Lei Pelé e das leis, decretos e regulamentos subsequentes, uma busca no acervo digital dos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, bem como notícias de outros veículos de mídia – em geral e esportivos, como o jornal “O Lance!” e a revista “Placar” -, a leitura de artigos e livros referentes às leis, e ao esporte, em geral, encontrados em arquivos tais como Scielo, Dedalus e Ludopédio, e, por fim, uma entrevista com o relator do projeto da Lei Pelé na Câmara dos Deputados.

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Diários Oficiais, que apresentavam discussões nas comissões e outras arenas, que foram palco das análises dos projetos de lei.

Para que fossem obtidas informações adicionais, foi feita uma pesquisa no acervo digital dos jornais Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, buscando pelas palavras-chave “Lei Pelé”, “Eurico Miranda”(ator importante, na época deputado federal e vice-presidente do Clube de Regatas Vasco da Gama), “dívidas clubes futebol”, “lobby clubes futebol”, “Zico”, “Lei Maguito Vilela”, “Estatuto do Desporto” e “Timemania”. Todas as notícias encontradas que faziam referência ao debate sobre os temas aqui estudados, envolvendo atores políticos e grupos de interesse serviram como informação e foram organizadas num arquivo, que foi analisado e foi base para captar as movimentações realizadas pelos diferentes grupos de interesse e pelos atores políticos, o que foi comparado ao que se passou na tramitação do projeto e com informações trazidas pela bibliografia lida.

Artigos e livros sobre legislação esportiva, sobre esportes, sobre importância econômica do futebol, sobre relações de trabalho no futebol, sobre gestão no futebol e sobre grupos de interesse e relações entre estes e o poder político, foram outras fontes de grande importância, encontradas em acervos como o do Scielo, Dedalus, Ludopedio e Ludens, que trouxeram informações sobre os dispositivos legais, sobre questões técnicas e também sobre dados relativos aos assuntos, por exemplo, números e informações sobre a administração dos clubes de futebol.

Por fim, foi utilizada uma entrevista realizada com o relator do projeto da lei Pelé na Câmara dos Deputados, Antônio Geraldo (então PFL-PE), com perguntas de caráter discursivo, em profundidade.

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Autores como Jones e McBeth (2010), McBeth, Shanahan, Arnell, Hathaway (2007), Stone (2002) e Roe (1994), de maneira geral, apontam que a narrativa política tem uma estrutura, que envolve o contexto em que uma política está sendo debatida, o enredo ou desenrolar dos debates, as personagens envolvidas e as soluções políticas dadas. Nesse processo, os atores tentam direcionar seus discursos a um resultado político de sua preferência (Jones e McBeth, 2010).

A análise da narrativa política se encaixa no estudo das mudanças políticas, que envolvem os embates das diferentes coalizões de defesa (Sabatier e Jenkins-Smith (1999), pois as narrativas podem ser documentadas durante um longo período de tempo e elas apresentam crenças políticas fundamentais, diante das quais os diferentes atores interessados nas questões disputarão para que suas crenças prevaleçam (McBeth, Shanahan, Arnell, Hathaway, 2007). O discurso que se torna vencedor acaba impulsionando a mudança política, institucionalizando a política preferida pelos vencedores (Hajer, 1993). As narrativas podem, ainda, influenciar na aprendizagem política, embasadas ou não na informação científica possível (Shanahan, Jones, McBeth, 2011).

Tal ferramenta permite que se identifiquem as diferentes ideias e estratégias utilizadas pelos atores na tentativa de fazer prevalecer seus objetivos nos resultados finais de um processo decisório que resulta em alguma mudança de paradigma de determinada questão ou política. Os discursos em si podem ser indicativos do que as coalizões diretamente pensavam nos momentos específicos, como também podem ser estratégias para que conseguissem chegar a determinados objetivos (McBeth, Shanahan, & Jones, 2005), mesmo que aquilo que estivesse no conteúdo dos discursos não fosse o que realmente os atores desejavam, mas sim apenas uma ferramenta para alcançar algum outro objetivo (Stone, 2002). Aqui, a intenção é não tanto tentar desvendar interesses escondidos nas palavras dos representantes dos grupos, mas mais aquilo que pronunciaram publicamente, tanto nas arenas decisórias como fora delas.

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Capítulo 2: Histórico do futebol no Brasil

O futebol surge no país, no final do século XIX, como atividade amadora, caracterizado por pagamentos de salários ainda muito baixos, quando existia tal pagamento. Na maior parte dos casos, eram pagas gratificações não exatamente na forma de um salário, mas certa quantia por participar dos jogos. As receitas dos clubes eram, exclusivamente, vindas da bilheteria dos jogos e pouco existia de relações comerciais (Aidar e Faulin, 2006). A necessidade de profissionalização começava a ser discutida desde meados da década de 1930, quando passavam a se desenvolver, entre jogadores e seus empregadores, relações que eram próprias do universo do trabalho (Gonçalves e Carvalho, 2006). Ainda assim, o período foi marcado por princípios como associacionismo, finalidade não lucrativa, dirigentes não pagos e clubes, federações e confederações livres da intervenção do Estado (Manhães, 1986).

A partir do final da década de 1930, e começo da de 1940, começa a se estabelecer uma interferência do governo, por conta do crescimento da profissionalização, que gerava conflitos de competência entre as diferentes federações que desejavam administrar o futebol, a saber, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) – mais antiga e defensora do amadorismo -, e uma confederação de futebol, - mais nova, que buscava a ampla profissionalização dos jogadores (Manhães, 1986). O decreto-lei 3199, de 1941, é assinado durante o governo Vargas e cria o Conselho Nacional de Desportos (CND), órgão que controlaria praticamente todas as atividades relacionadas ao esporte no país, presidido pelo jurista João Lyra Filho.

Tratava-se de um órgão burocrático, vinculado ao Ministério da Educação e Saúde, que objetivava incentivar o amadorismo e monitorar o profissionalismo. Como destacado anteriormente, o órgão foi criado com o objetivo de colocar ordem nas disputas entre as confederações citadas anteriormente, que queriam assumir a administração do futebol perante o crescimento do profissionalismo. O CND passa a centralizar todas as atividades, mediando os mais diversos conflitos (Manhães, 1986).

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movimentações financeiras das entidades, por meio da indicação dos livros necessários para o registro delas (Manhães, 1986), também nas mãos do órgão. Além disso, proibia o emprego de capitais para geração de lucro (Melho Filho, 1995).

Até a década de 1950, as entradas para os jogos ainda eram a principal fonte de receita para os clubes – e continuam sendo até a década de 1980 - e começa a aumentar a ligação entre torcedor e clube (Marques, 2005). A partir dos anos 1960, o profissionalismo vai tomando forma, mas, ainda assim, os salários continuam baixos e as relações entre clubes e atletas, informais.

Na década de 1970, o poder do CND é ampliado com a lei 6251/75, tornando-se o órgão legislativo, executivo e judiciário do esporte. As interferências do governo militar se mostravam claras, como em dois exemplos. Primeiramente, nas relações estabelecidas entre o então presidente da República, Costa e Silva, e o presidente da Confederação Brasileira de Desportos, João Havelange, no sentido de aumentar o poder financeiro e de influência deste último e, ao mesmo tempo, o prestígio do Governo Federal, através de sucessos da seleção brasileira de futebol (Chaim, 2014). Posteriormente, no afastamento de Havelange, realizado pelo então presidente da República, Ernesto Geisel, que fez a troca pelo almirante Heleno Nunes, membro do Diretório Nacional da ARENA, partido do governo (Alves e Pieranti, 2007).

Ainda na década de 70, a interferência estatal demonstra sua força, na questão da relação entre atleta e clube, que passa a ser regulada pela lei n. 6354/76, assinada por Ernesto Geisel, e estabelece o mecanismo do passe, depois de muitos debates, vindos desde 1971, dentro do universo esportivo e da sociedade civil, sobre a profissionalização dos jogadores de futebol e sua possível equiparação ao trabalhador comum (Correia, 2010).

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desportivas pertinentes”.2

O passe era um mecanismo, presente no contrato dos jogadores com seus clubes, que garantia a estes que, caso um jogador quisesse quebrar o contrato, seja para atuar em outro clube, seja para simplesmente não jogar mais pelo primeiro clube, este seria ressarcido por tal quebra, recebendo uma quantia em dinheiro. É diferente do que existe hoje, a multa rescisória, porque atualmente a quebra do contrato em vigência prevê um valor a ser pago por quem quer que rompa o contrato. Tanto clube como jogador – ou outro clube, interessado em contar com o jogador -, devem pagar tal valor. No caso do passe, se o clube rompesse o contrato, não tinha a obrigação de pagar nenhuma indenização, apenas o jogador, caso quisesse sair. Outra diferença é que, hoje, se o contrato chegar ao fim, o jogador pode assinar contrato com outro clube, sem precisar pagar nada ao clube com o qual tem vínculo. Quando existia o passe, mesmo que o contrato chegasse ao fim, a indenização ao clube ainda deveria ser paga. Por fim, o jogador só poderia ter passe livre, ou seja, ser dono do seu passe, a partir dos 32 anos de idade. Hoje, o jogador pode se tornar profissional a partir dos 16 anos, e não tem idade para ser dono de seus direitos. O que existe é um período mínimo para o tamanho do contrato e um máximo para o término (6 meses e 5 anos, respectivamente).

A lei 6.354 abarcava diversos elementos referentes à profissão de jogador de futebol, incluindo o passe. Todas as questões envolvendo o contrato de trabalho dos atletas e suas obrigações com os clubes empregadores eram reguladas por essa lei, como transferências e empréstimos para outros clubes, as penalidades por descumprimento de contrato, além de questões técnicas da profissão, como período para preparação física. A prática do futebol profissional passa a ser regulamentada através do decreto 80.228/77 (Boudens, 2000).

A regulamentação do profissionalismo abriu algumas oportunidades para organização da categoria dos atletas de futebol. Em 1977, é formada a Associação Profissional de Atletas de Futebol, com o jogador do Vasco da Gama, Zé Mário, como liderança, auxiliado por Zico. Além desta associação, também aparecem a Associação de Garantia ao Atleta Profissional (AGAP) e o Fundo de Garantia de Amparo ao Atleta (FUGAP), os quais, juntamente com a primeira associação, ainda

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que de forma tímida, apenas por meio de auxílio aos atletas, procuravam lutar pelos direitos dos mesmos (Correia, 2010). Em 1979, é formado o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, também liderado por Zé Mário, que se relacionava bem com alguns dirigentes e procurou representar os direitos dos jogadores em muitas oportunidades, em negociações com tais dirigentes (Correia, 2010). Esses foram, portanto, os primeiros movimentos de organização dos atletas de futebol, ainda pouco atuantes.

Os anos 1970 ainda viram um novo ator passar a fazer parte do cotidiano futebolístico, a televisão. De início, as transmissões dos jogos eram livres, e a TV pública era detentora dos direitos de transmissão. Inicialmente, nenhum valor era pago aos clubes; posteriormente, começou-se a pagar valores muito baixos. O período apresentava características, como a exposição de marcas em placas de publicidade nos estádios, que, posteriormente, resultariam no surgimento dos patrocinadores em larga escala, expandidos para as camisas dos clubes. (Aidar e Faulin, 2013; Marques, 2005).

Depois do crescimento da participação da televisão nos jogos de futebol, durante a década de 70, outro ator relevante entra no jogo, na década de 80. Já que o futebol passa a gerar grande exposição, principalmente através das transmissões na televisão – já nas mãos da iniciativa privada -, os patrocinadores passam a ganhar força, e aumentam sua participação na geração de receitas dos clubes e também das ligas. Os direitos de transmissão dos jogos passam a envolver pagamento de grandes valores (Marques, 2005). Ao mesmo tempo em que os recursos aumentavam, devido à participação da televisão e dos patrocínios, os salários dos jogadores também aumentavam e o aumento passa a se dar de maneira constante. A dinâmica mercadológica já está instalada e toma boa parte do ambiente do esporte. Os clubes começam a busca para vender suas marcas, procurando novas receitas e parcerias, visando ampliar mais ainda seus mercados, angariando mais torcedores, que, já se pode dizer, eram uma espécie de consumidores. (Haag, 2013).

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os valores dos passes – e em arcar com as crescentes exigências nos contratos. A venda dos passes dos atletas era uma considerável fonte de receita, visto que muitos clubes, se não contassem com essa verba, dependeriam somente das arrecadações de bilheteria - as quais nem sempre rendiam muito, pois já ocorria queda no público pagante dos jogos – e das contribuições de seus associados (Proni, 1998).

Nas décadas anteriores, desde os anos 1930, já aconteciam transferências de jogadores brasileiros para clubes estrangeiros. Mas tal cenário de complicações financeiras, causadas em grande parte pela crise econômica – e também pela má administração dos clubes, ainda muito caracterizada por atividades amadoras, contrastantes com o ambiente profissional e de negócios que se desenvolvia -, fez com que o volume de negociações, na década de 80, fosse muito maior, com os clubes estrangeiros pagando valores cada vez maiores, e tendo facilidade em contratar os atletas brasileiros, dada a desvalorização da moeda nacional na época (o cruzeiro) (Proni, 1998).

Já no final da década de oitenta, o ímpeto por interesses comerciais se intensifica, o CND passa a não ter mais influência nos destinos das federações e clubes, e o Clube dos 13 é criado para organizar o campeonato nacional, em 1987, depois de a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) alegar não ter condições de dar conta do campeonato brasileiro naquele ano. A televisão aparece como a fonte de receita mais importante (Aidar e Faulin, 2013). A década de 80 acaba e a de 90 se inicia, portanto, com o crescimento vertiginoso dos interesses comerciais, a valorização dos passes dos jogadores, juntamente com seus salários, o que colocava o futebol no mundo dos negócios, não compatível com as práticas de organização de épocas anteriores, ainda presentes. O momento atraía incentivos para uma reestruturação legal e institucional, até mesmo para criar um ambiente jurídico novo, que permitisse a adaptação dos clubes à nova lógica que adentrava no cenário futebolístico, amplamente influenciado pelo contexto neoliberal que passava a penetrar nos mais diversos setores da economia brasileira (Proni, 1998). Os contratos de parceria entre clubes e empresas se tornavam cada vez mais comuns, não só nas alianças destinadas a patrocínios (Gonçalves e Carvalho, 2006), mas também nas gestões comerciais dos clubes, com o objetivo de dividir os lucros com as entidades, como no caso da parceria entre Palmeiras e a multinacional Parmalat - mesmo que boa parte não tenha durado até o fim dos contratos (Leoncini e Silva, 2005).

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futebol americano, possuir representatividade financeira muito menor do que comumente é considerado (Gaspareto, 2013), o futebol se transformou, e é até hoje, de acordo com o relatório final do Plano de Modernização do Futebol Brasileiro (2000) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) (Leoncini e Silva, 2005), um negócio que envolve a circulação de bilhões de dólares em todo o planeta e gera disputas para administrar as entidades que regem a modalidade, em busca do controle de um negócio cujos valores vêm se multiplicando (Proni, 1998). Trata-se de um produto de grande valor para o sistema capitalista, já que, como muito se argumenta, o futebol se trata de uma paixão, para a qual o torcedor não vê substitutos (Aidar e Faulin, 2013). Os próprios casos de corrupção, recentemente descobertos por ação do FBI e da polícia suíça, exemplificam o poder econômico que esse esporte desenvolveu e que, cada vez mais, ele pode ser um assunto relevante a ser estudado.

O caminho para a profissionalização da gestão se abre e, no discurso de pessoas de negócio, de agentes públicos, de alguns parlamentares, de alguns dirigentes de clubes e de boa parte dos meios de comunicação, torna-se uma necessidade que o futebol seja tratado como negócio e os clubes sejam geridos como empresas.

Porém, muitos deles acabaram resistindo a fazer a transição para uma gestão profissional, mantendo certos laços sociais e comunitários, muito comuns nas administrações em décadas passadas. As práticas dessas décadas não foram deixadas de lado e passaram a conviver com as práticas voltadas aos negócios. Os dirigentes queriam as duas coisas. Por outro lado, o Estado, que antes pouco se posicionava e mantinha leis que abrigavam mecanismos não condizentes com o profissionalismo, como o passe, passa a ser agente regulador e legitimador da mudança institucional. A própria Constituição de 1988 já havia incluído o esporte como assunto de interesse estatal e com objetivos sociais3. Ao mesmo tempo, são incentivadas as práticas de mercado e da gestão empresarial (Gonçalves e Carvalho, 2006), até porque uma parte dos clubes, sozinhos, como se viu, não estava totalmente empenhada em passar por transformações, e ainda convivia com os problemas que apareceram nos anos oitenta.

Esse, portanto, é um período que de grande movimentação no sentido de transformar o futebol numa atividade econômica, de marketing, etc, e será tema no próximo capítulo, que explicita o processo de “modernização” do futebol brasileiro.

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1.1) Modernização do futebol brasileiro

O futebol brasileiro passou por um desenvolvimento histórico que culminou com sua popularização e, em determinado momento, com a atração do interesse da televisão e de patrocinadores. A década de 1980 foi um momento de muita intensidade desse processo. O dinheiro e as marcas passam a fazer parte do dia a dia do futebol no país. Ocorre uma mudança na forma de organizar e administrar o esporte. O Estado deixa de exercer a influência dos tempos de CND, tanto com Vargas como com os militares. Os destinos começam a ser definidos pela televisão, pelos patrocinadores, investidores, juntamente com os dirigentes dos clubes, das federações e da CBF (Mezzadri et al., 2011).

O que é entendido nesta dissertação como o processo de “modernização” do futebol brasileiro é o caminho histórico de tal esporte, que parte de uma atividade amadora, ligada aos clubes e seus associados, profissionaliza-se, recebe intervenção estatal por um longo período e, por fim, passa a responder de maneira positiva, por grande parte de seus atores, aos incentivos do mundo financeiro e do marketing, cada vez mais se tornando um negócio.

Está relacionado ao que Martins (2012) entende por “modernização” do futebol, a saber, a alta integração e incorporação do esporte à valorização do capital, diferente do conceito de modernização trabalhado por Florenzano (1998), que trata das mudanças ocorridas dentro do jogo em si - que se torna mais voltado à força física em países europeus na década de 1960 -, não de suas relações com a sociedade e o mercado.

O futebol entendido como negócio passa a ser o foco. Essa adequação ao mundo da valorização do capital é representada pelo aumentos nos investimentos na modalidade, através dos patrocínios de camisa e de campo de jogo, pelas transmissões pela televisão de partidas, representando investimento das emissoras, pelo mercado futebolístico nacional criado, e pela valorização dos jogadores famosos e suas transferências para o exterior, formando um mercado de jogadores (Martins, 2012). O processo, no mundo futebolístico, é visto como no mundo social e econômico. A intenção é se basear no que é visto nos países mais influentes4 e buscar

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transformações voltadas para os interesses destes países, como a exportação de jogadores.

O paradigma do futebol como negócio passa a ser adotado como o novo grande discurso da área. Há muita resistência por parte de diversos setores, como dirigentes de clubes e federações, que eram acostumados ao estilo amador de administrar os clubes e os campeonatos. O que não significa dizer que todos os dirigentes se voltaram contra tal discurso. Administrar o clube à maneira de uma empresa interessava a alguns dirigentes (Martins, 2012).

O exemplo estudado no trabalho de Martins (2012), o da chamada “democracia corintiana”, é um dos primeiros a adotar a mentalidade “moderna”. O Sport Club Corinthians Paulista passava por um momento conturbado, tanto dentro como fora de campo, e a modernização era vista como a saída para superar a crise. O clube já possuía grande torcida e sua direção queria aproveitar o potencial mercadológico que o nome do time trazia, especializando a gestão nos departamentos de futebol, organizando-os financeiramente, trazendo rentabilidade e viabilidade nos negócios (Martins, 2012).

O dirigente Waldemar Pires trazia novidades gerenciais, como a organização de um conselho de orientação, que contava com empresários de diversas áreas, como psiquiatria, representada por Flávio Gikovate; publicidade, com o nome de prestígio de Washington Olivetto, quem, inclusive, cunhou o termo “democracia corintiana”; e jornalismo, com José Roberto de Aquino.

Outro ponto era o pagamento de salários generosos, especialmente para jogadores considerados “estrelas”, os quais a direção do clube acreditava que seriam fundamentais para a rentabilidade do mesmo. Foram feitos contratos publicitários que ajudavam a pagar estes salários e também estampavam a camisa com suas marcas, casos de Bradesco (contrato de publicidade de Cr$200 milhões, o primeiro com esses valores no Brasil), e da Bombril, que representou Cr$10 milhões ao clube, por um jogo, a final de um campeonato paulista (Martins, 2012).

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jogos ao vivo, gerava uma ótima oportunidade para as marcas serem exibidas, além dos próprios atletas. Também contribuiu para o tratamento do torcedor como consumidor, com ideiais de oferecer um bom “espetáculo” para quem assiste, atraindo ainda mais patrocinadores e investidores.

A nova administração procurava, ainda, implementar uma nova maneira de se relacionar com os atletas, buscando ter o mínimo possível de conflitos, e dando liberdade para os jogadores se posicionarem e tomarem decisões que dizia respeito a eles. No entanto, não conseguiu modernizar por completo tal esfera, pois a relação de trabalho ainda não era marcada pela liberdade nos contratos de trabalho (Martins, 2012), ou seja, o mecanismo do passe ainda vigorava.

Tal gestão foi pioneira no futebol brasileiro, mesmo que ainda não tivessem provocado alguma reação que significasse alterações na legislação e na estrutura esportiva. Mas, certamente, contribuiu para que se começasse a discutir tais mudanças. Além disso, influenciou o Clube de Regatas Flamengo a tentar uma direção progressista (Martins, 2012), com a presidência de Márcio Braga, também, à época, deputado federal, atuante não só no Flamengo como no Congresso, na causa da modernização do futebol brasileiro.

Outros, ao longo do tempo, aderiram e colocaram seus clubes dentro do processo de modernização, firmando parcerias com empresas, que, em alguns casos, resultaram em sucesso, como a parceria Palmeiras-Parmalat, as relações, em determinados momentos, entre Corinthians e Excel; Cruzeiro e Corinthians, e Hicks Muse; Vasco da Gama e Nations Bank, que acabaram, alguns deles, trazendo resultados positivos dentro de campo. De qualquer maneira, houve resistência e também houve compra do discurso e ainda hoje é assim, porém com mais dirigentes aderindo ao discurso e procurando, na linguagem que eles e muitos veículos da imprensa utilizam, modernizar a gerência dos clubes.

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O processo de modernização culmina com o que o futebol é hoje no Brasil, com papel de exportador de jogadores para países da Europa, para o Japão e, mais recentemente, para países do Oriente Médio, do Leste Europeu, para a China e para os Estados Unidos. Também cumpre o papel de país que foi sede da última Copa do Mundo, que, aliada ao já existente movimento de transformação do cenário futebolístico, potencializou grandes mudanças nos estádios pelo país, transformados em arenas modernas, ao estilo das grandes europeias, com cadeiras ao longo de praticamente todo o estádio, estruturas atualizadas, conforto ao torcedor, oferecimento de serviços não comuns ao típico torcedor de arquibancada e políticas de preços elevados de ingressos para os jogos.

Por fim, e não menos importante, chega-se também ao acirramento da profissionalização dos jogadores e incentivos cada vez maiores para a administração dos clubes ser voltada para características empresariais, o que não significa estritamente transformar os clubes em empresas, mesmo que alguns tenham passado por tal processo em alguns momentos, mas uma gestão voltada para o mercado, racionalizando decisões, especializando departamentos e criando estruturas burocráticas parecidas com as de empresas (Martins, 2012).

Nesse cenário se inserem os dois elementos estudados na pesquisa, que têm importância fundamental para o processo de mudança citado. As relações de trabalho entre clubes e atletas se tornam cada vez mais profissionalizadas, por meio do fim do passe - ainda que se tenha passado por um período de convivência entre as formas mais profissionais de relações entre eles e a existência do passe, extinto após a regulamentação da lei Pelé (Martins, 2012). Por outro lado, a administração dos clubes, por maior resistência que possa ter ocorrido e continue ocorrendo, segue num movimento de profissionalização voltado ao pertencimento ao mundo dos negócios. A especialização, a profissionalização e a produtividade se tornam elementos cruciais, voltados para o mundo financeiro (Mezzadri et al., 2011).

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debates sobre o futebol brasileiro, do qual participaram dirigentes da CBF, das federações, de clubes, jornalistas e o então jogador do Corinthians, Sócrates. Estes últimos e alguns dirigentes, como os da democracia corintiana, apontavam para um cenário de desorganização, amadorismo e divisão de poderes desigual entre federações e clubes, com o instituto do voto unitário para eleições da CBF, o que dava peso igual para os clubes grandes e para os pequenos, o que, segundo aqueles atores citados anteriormente, prejudicava os grandes e o futebol nacional, em favor dos campeonatos locais, que não trariam receitas significantes para os grandes (Martins, 2012). Outras discussões no âmbito político se deram ao longo do tempo e serão discutidas mais à frente, inclusive passando pelo ímpeto de se transformar o status jurídico dos clubes, a fim de adequá-los à maneira empresarial.

O universo político, por conseguinte, não discutiu todos esses temas de forma isolada, sem receber as opiniões e a influência dos atores envolvidos nas discussões, que podem gerar mudanças significativas para eles. É nesse ambiente que os grupos de interesse tentam influenciar as possíveis decisões do poder público, que podem ter efeitos positivos ou negativos para eles.

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Capítulo 3: Modernização do futebol no

processo político

A partir daqui, é necessário mostrar como o processo de modernização, descrito no capítulo anteriores, se deu dentro do ambiente político brasileiro. Como ele, especificamente pelos dois temas que o representam – relações de trabalho e administração dos clubes -, passou pelos diferentes âmbitos do poder e, especialmente, como os grupos de interesse atuaram dentro desse contexto, mantendo o status quo ou alterando-o, procurando influenciar as decisões do poder público, nos momentos decisivos dessas áreas dentro do processo político.

O capítulo irá apresentar o desenrolar dos eventos referentes a dois períodos distintos da trajetória recente do futebol no Brasil: um primeiro período, chamado aqui de liberal, que vai do governo de Fernando Collor de Mello (PRN) até o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e que abrange momentos decisivos na liberalização do futebol brasileiro, como as discussões sobre o fim do passe e a formação dos clubes-empresas, trazidas à tona durante a tramitação da Lei Zico, da Lei Pelé e suas alterações, da Lei Maguito Vilela e das CPIs do futebol, na Câmara e no Senado; e o segundo período, aqui denominado regulatório, que abarca os dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), caracterizado por medidas mais diretas de ação governamental nas políticas esportivas, como a criação de um estatuto que daria as diretrizes da política de esportes do país (Estatuto do Desporto), a negociação de dívidas das entidades esportivas com o governo, a criação da Timemania e o debate sobre uma Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, ainda em discussão no legislativo.

Os capítulos anteriores mostraram como o futebol brasileiro começou a entrar no processo de modernização, embalado pelo contexto internacional, em que as maiores forças do futebol vinham se modernizando há algum tempo. Como foi visto, o mundo do futebol passou a ser envolvido pelo mundo econômico e do marketing, que trouxe para o esporte a mentalidade empresarial, que se intensifica com o passar dos acontecimentos. Foi criado o Clube dos 13 e a Constituição de 1988 inseriu o esporte em seu conteúdo, como preocupação estatal, voltada para o caráter social.

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geral, e o futebol, especificamente, na liberalização, depois de muitos anos de regime militar autoritário, com a proposição, nos anos seguintes, de medidas que alterariam a lei da década de 70, trazendo maior liberdade na relação trabalhista para os atletas. Depois do ciclo de debates proposto pelo então deputado federal e dirigente do Flamengo, Márcio Braga, e realizado na Câmara dos Deputados, em 1983, citado no capítulo anterior, a primeira tentativa de liberalização se dá durante o governo Collor (1990-1992), em que é criada uma Secretaria de Esportes, que teve como responsável o ex-jogador Zico5 (Artur Antunes Coimbra), simbolicamente um nome expressivo nessa nova fase, pois foi um jogador muito admirado e visto como alguém que possuía uma visão crítica e moderna sobre o futebol, tendo, inclusive, feito críticas à CBF em 1989, afirmando que a Copa do Brasil se tratava de um torneio “caça -níqueis”6. Inicia-se uma discussão em torno de medidas que mudariam a realidade do esporte no Brasil, especialmente as relações de trabalho entre clubes e atletas.

3.1) Período Liberal

O que se deu nesse período foi uma tentativa de inserir o esporte numa lógica de transformações liberais pelas quais o Brasil passou após a redemocratização, com os governos de Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Estes governos procuraram implementar políticas de abertura de mercado no país, abrindo espaço para empresas multinacionais entrarem no mercado brasileiro, além de praticarem políticas de privatização de empresas estatais, em áreas como telefonia, energia, dentre outras.

O esporte não deixou de fazer parte desse plano de liberalização da economia por parte do governo. O que será abordado aqui é que o esporte, que já vinha, como visto, passando por transformações que o inseriam na lógica do mercado e do marketing, será alvo de esforços do governo e também do Congresso Nacional – não sem sofrer resistências de alguns setores -, para também ser efetivado como um esporte liberal, que seja amparado por leis e regulamentos que garantem a liberdade

5 Zico foi o escolhido de Collor, após serem cogitados nomes como o de Carlos Alberto Torres e de Paulo Roberto Falcão. Carlos Alberto Torres será o novo secretário de Esportes, diz Bebeto. Folha de São Paulo, Especial II-Era Collor, 06 de março de 1990.

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de trabalho dos atletas, equiparando-os a trabalhadores comuns, e que procuram dar aos clubes uma estrutura empresarial, sob a justificativa de que tal medida resolveria o problema de uma suposta desorganização administrativa dos mesmos, que ocasionaria diversas perdas financeiras, dívidas com o governo, falta de pagamentos a jogadores e, consequentemente campeonatos deficitários e fracos tecnicamente.

3.1.1) Lei Zico

Nesta seção, será reconstituído o debate que se deu em torno do projeto de lei que resultou na chamada “lei Zico”. As principais ideias iniciais eram a regulamentação das relações de trabalho entre clubes e jogadores, por meio da proposição de extinção do mecanismo do passe, e a adequação da gestão dos clubes à dinâmica profissional e mercadológica, por meio da proposta de opção de transformação dos clubes em empresas.

Quanto ao passe, a proposta era que fosse extinto de imediato, para os jogadores já profissionalizados, e, definitivamente em 1994, e os contratos de trabalho tivessem, no máximo, três anos de vigência. No entanto, depois de passar pela Comissão de Educação e Esportes da Câmara e pela votação em plenário da Câmara e do Senado, o fim do passe foi aprovado para ocorrer de maneira gradual. Os jogadores teriam passe livre a partir dos 28 anos de idade, conquistando 15% a partir dos 23 anos, com mais 15% a cada ano, e os 25% restantes aos 28 anos.

No caso das mudanças na administração dos clubes, por meio da transformação dos clubes em empresas, o modelo inicial previa as possibilidades dos clubes se transformarem totalmente em sociedades comerciais, constituir sociedades comerciais independentes para administrar os esportes ou contratar empresas para tal realização. A Comissão de Educação e Esportes da Câmara dos Deputados, o plenário da Câmara e do Senado aprovaram a possibilidade de os clubes escolherem se tornar empresas ou não.

As decisões sobre o projeto, como um todo, foram adiadas por diversos momentos. Zico queria a aprovação do projeto ainda em 1991. Não conseguiu e a apreciação ficou para 1992, passando pelas comissões e sendo levada para a votação em plenário, que ocorreu somente no início de 1993.

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legislação para o esporte, a fim de, principalmente, modernizar e democratizar as instituições esportivas, com algumas ideias7 como a do ex-presidente do Santos Futebol Clube e então candidato a deputado federal pelo PDS, em São Paulo, Miguel Assad, de separar o futebol profissional da parte social dos clubes, deixando o futebol sob responsabilidade da iniciativa privada. Por outro lado, também havia propostas de políticos ligados a clubes que iam na direção contrária ao discurso modernizante, como a de fortalecer os pequenos clubes e os campeonatos regionais, se diferenciando do que era feito em países europeus, considerados modelo. Era a proposta de Eurico Miranda, à época candidato a deputado federal pelo PL-RJ e vice-presidente do Vasco da Gama.

A principal proposta, no entanto, veio através do denominado “Projeto Zico”, que, inicialmente, foi denominado “Lei de Normas Gerais do Desporto”, que, a princípio, propunha acabar com o voto unitário nas federações esportivas. Cada entidade vinculada às federações possuía um voto, com peso igual nas eleições de seus representantes e na tomada de decisões. Zico acreditava que tal mecanismo favorecia os pequenos clubes, provocando um inchaço no número de clubes nos campeonatos, trazendo problemas técnicos e financeiros. Ele queria que os votos dependessem de critérios técnicos, baseados no desempenho dos clubes, o que consideraria como fator relevante, por exemplo, a conquista de títulos. O advogado especialista em legislação esportiva, Valed Perry, previa uma batalha jurídica em torno da questão8, pois as federações se apoiariam no artigo 217 da Constituição Federal, o qual tratava da autonomia das entidades esportivas em relação às suas organizações. Por outro lado, o secretário adjunto de Esportes, Antonio Simões da Costa, argumentava que autonomia não significava soberania nem independência frente às leis. Zico ainda iria propor o fim do Conselho Nacional de Desportos9, com o objetivo de deixar o fomento ao esporte para a Secretaria dos Desportos e a organização de campeonatos para as federações, tirando de vez o poder centralizador do CND, já amenizado na década de 1980, deixando o órgão apenas com poder consultivo.

7Esportistas apresentam propostas vagas. Folha de São Paulo, Eleições, 25 de setembro de 1990.

8 Zico já tem pronto projeto contra voto unitário. Folha de São Paulo, Esportes, 25 de agosto de 1990.

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O projeto foi elaborado e entregue ao presidente da república em 1990, inicialmente com previsão para tramitar no Congresso ainda neste ano, porém foi encaminhado para tal em 1991. O secretário dos esportes10, Zico, proporia uma série de mudanças no futebol nacional. Havia pressão da própria Fifa, por meio do então presidente João Havelange11, para que o futebol brasileiro se adaptasse ao que a entidade entendia por uma nova lógica financeira e técnica, o que significaria seguir o que os clubes europeus faziam. Várias das mudanças, na realidade, já vinham ocorrendo, conforme relatado no capítulo anterior, mas o governo, por meio da secretaria de esportes, pretendia regulamentar as novas tendências, inseridas numa lógica liberal. Os principais pontos do projeto de lei eram a regulamentação das relações de trabalho entre clubes e jogadores, por meio da proposição de extinção do mecanismo do passe, e a adequação da gestão dos clubes à dinâmica profissional e mercadológica, por meio da proposta de opção de transformação dos clubes em empresas.

Em respeito às relações de trabalho, a ideia original era que o passe fosse extinto, para os jogadores já profissionalizados, definitivamente em 1994 e os contratos de trabalho tivessem, no máximo, três anos de vigência. No caso dos jogadores que ainda iriam se profissionalizar, o projeto previa que os clubes teriam direito ao primeiro contrato, que teria duração de quatro anos. No caso das mudanças na administração dos clubes, por meio da transformação dos clubes em empresas, o modelo inicial previa as possibilidades dos clubes se transformarem totalmente em sociedades comerciais, constituir sociedades comerciais independentes para administrar os esportes ou contratar empresas para tal realização12. O projeto ainda vinculava a filiação a uma confederação à transformação em empresa13, dentro das possibilidades oferecidas, mas deixava livre a filiação a federações.

Essas alterações, no entanto, contrariavam muitos interesses de boa parte dos clubes e federações de futebol. A Confederação Brasileira de Futebol reagiu pouco

10De início, enfrentando falta de recursos para a respectiva secretaria: Secretaria de Zico não tem nem orçamento. Folha de São Paulo, Esportes, 8 de abril de 1990.

11 Para a Fifa, Brasil tem que evoluir. Folha de São Paulo, Esportes, 24 de julho de 1990. 12 Projeto de Zico põe fim ao passe e ao CND. Folha de São Paulo, Esportes, 31 de outubro de 1990.

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tempo depois da apresentação da primeira proposta, após a realização de uma reunião da diretoria de entidade, com a participação de alguns presidentes de federações, como a de Eduardo Viana, do Rio de Janeiro, que considerou o projeto “um atentado contra a estrutura do futebol brasileiro”.14 O argumento utilizado foi justamente aquele previsto pelo advogado Valed Perry, sobre a constitucionalidade de medidas como a do fim do voto unitário das federações, baseando-se no artigo 217 da Constituição. O diretor jurídico da CBF, Carlos Eugênio Lopes, alegava que a entidade tinha autonomia garantida pela lei máxima do país e somente seu estatuto poderia intervir em sua organização, por se tratar de uma associação civil. Havia, no entanto, dirigentes que apoiavam o projeto, como Marcio Braga, então candidato à presidência do Flamengo e deputado federal não reeleito, que considerava que o projeto mudaria a estrutura do futebol e, por isso, assustaria muita gente15. Alguns jogadores também se mostravam a favor, como Toninho, então zagueiro do Palmeiras e presidente do Sindicato dos Jogadores de São Paulo, que achava que os clubes deveriam apoiar o projeto16.

Muitos dirigentes não queriam que retirassem uma das principais fontes de renda de seus clubes, que era o dinheiro vindo das vendas dos passes dos jogadores – principalmente para clubes do exterior - e entendiam que a medida elevaria ainda mais os salários e as reivindicações dos atletas empregados. Além disso, argumentavam que a extinção do passe provocaria falência de muitos times pequenos, o que, consequentemente, causaria desemprego de muitos atletas e treinadores. No entanto, em reunião17 com a União dos Grandes Clubes Brasileiros (também conhecida como “Clube dos 13”), o vice-presidente do CND, Álvaro Mello, garantiu aos clubes que a ideia era apenas tirar o poder intervencionista que a lei 6251/75 continha e que a questão do fim passe não acabaria com a receita vinda dos valores dos passes dos atletas, só flexibilizaria, sem prejudicar os clubes, uma lei que não dava liberdade aos atletas.

O projeto inicial foi discutido num seminário organizado pela secretaria de esportes e, neste evento, Zico adotava o discurso de que não faria alterações na

14 Diretoria da CBF rejeita proposta de Zico para mudança no futebol. Folha de São, Paulo, 6 de novembro de 1990.

15 Folha de São Paulo, Acontece/Esportes, Frases. 13 de novembro de 1990.

16 Clubes agora querem conciliação com Zico. O Estado de São Paulo, Esportes, 16 de novembro de 1990.

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proposta, que somente a CBF havia declarado oposição, especificamente em relação ao ponto da possível mudança nas eleições para presidência da entidade, e que os principais eixos do projeto não seriam alterados, como a transformação dos clubes em empresas e a extinção do passe, medidas que o secretário acreditava que fossem capazes de eliminar “pessoas que sempre se aproveitaram do esporte em benefício próprio, além de acabar com a escravidão imposta ao jogador brasileiro”18, sem especificar quais pessoas. No entanto, o próprio Zico admitia que sofria pressões fortes de “pessoas que tinham medo de perder o poder”, sem novamente especificar quem seriam tais pessoas19. Além disso, pode-se considerar que o então secretário já havia sofrido uma pequena derrota, pois pretendia que a proposição fosse votada pelo Congresso ainda em 1990, porém a votação só ocorreria no ano seguinte, após o recesso parlamentar.

A assinatura pelo presidente da República e o envio ao Congresso ocorreu no dia 22 de abril de 1991. Dois dias depois, Zico pedia demissão da secretaria de esportes, alegando não conseguir conciliar as atividades de secretario com seu tempo com a família. Em seu lugar, assumiu Bernard Rajzman, ex-jogador da seleção brasileira de vôlei. O novo secretário dizia apoiar o projeto de Zico e teria apoio, assim como Zico, de atletas profissionais, parte dos clubes e entidades que dirigiam esportes amadores, e resistência por parte da CBF, federações estaduais e parte dos grandes clubes do país20.

Mesmo com a demissão, Zico continuou atuando a favor do seu projeto. Em junho de 91, o ex-secretário foi até Brasília para defender a proposição e criticar a suposta tentativa de antecipação das eleições para presidente na CBF21, que teria como tentativa manter Ricardo Teixeira no cargo, o que não aconteceria, segundo o próprio Teixeira, se os 84 clubes das duas primeiras divisões pudessem votar22, como previa o projeto de Zico.

A ideia seria antecipar a eleição de janeiro de 1992 para setembro de 1991,

18 Anteprojeto sofre resistências. Folha de São Paulo, Cidades/Esportes, 01 de dezembro de 1990.

19 Zico diz que não muda projeto para o esporte. Folha de São Paulo, Esportes, 30 de novembro de 1990.

20Zico pede demissão; Bernard é o novo secretário. Folha de São Paulo, Brasil, 24 de abril de 1991.

Referências

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