ESPASMO HEMIFACIAL: RESULTADOS DO TRATAMENTO
CIRÚRGICO EM 14 CASOS
Rui R. D. CARVALHO*; SALVADOR V . O L I V E I R A * * ; JUAN R. C . RODRIGUES**
O espasmo hemifacial é uma hipercinesia paroxística limitada aos
mús-culos da face inervados pelo 7.° nervo craniano. Caracteriza-se por contrações
clónicas, às vezes adquirindo aspecto tônico semelhante à excitação farádica
do nervo facial. Em geral, inicialmente afeta o músculo orbicular das
pál-pebras, porém, com o tempo, se difunde comprometendo todos os músculos
de um só lado da face. Estas contrações independem da vontade do paciente,
mas podem ser desencadeadas pelos movimentos faciais e exacerbadas sob
tensão psíquica. Difere da sincinesia pós-paralítica porque a contratura
per-siste após cessado o movimento facial voluntário. Raramente é bilateral
6e
não é acompanhada de paralisia ou paresia facial. Pode ser observada
du-rante o sono
1.
A fisiopatologia desta doença tem apresentado aspectos conflitantes.
W i l s o n
2 0escreve: "comum como é, ambos causa e patogênese são obscuros,
enquanto dados patológicos são raros e ambíguos." Wartenberg
1 9concluiu
que tanto no espasmo hemifacial como na sincinesia pós-paralítica a lesão
estaria ao nível do núcleo do facial. Esta opinião é corroborada por
Green-wood
9. Teasdal e Salman
1 8baseados em estudos eletromiográficos de 8
pa-cientes com sincinesia pós-paralítica concluíram por um maldirecionamento
das fibras regeneradas, enquanto Magun e Esslen
1 4, em estudos semelhantes
de 15 pacientes de espasmo hemifacial (não paralítico), concluíram pela
exis-tência de estímulos transaxonais devidos a lesão da bainha isolante do axônio
normal. Este curto-circuito far-se-ia entre as porções sensitivas e motora do
facial sendo, portanto, localizado no seu segmento intracraniano.
Krause
1 2, em 1912, observou tremores na face de pacientes com tumor
do ângulo ponto-cerebelar. Cushing
2, em 1917, relatou 4 casos de espasmo
hemifacial em 30 neurinomas do acústico afirmando que "os sintomas
irrita-tivos referentes ao nervo facial têm sido mais freqüentemente observados do
que é geralmente acreditado". Outros autors relatam malformações
vascula-res em contato com o nervo facial no ângulo ponto-cerebelar
x.
3.
5>
7.
n,
pre-sença de doença de Paget
6e aracnoidite
13. O espasmo hemifacial poderá
ser acompanhado de nevralgias do trigêmeo
6.
1 0ou do geniculado
n.
A neurotomia seletiva de ramos do f a c i a l
8.
1 5>
1 6ou secção parcial do
tronco do mesmo
1 7, em seu segmento extracraniano, são acompanhadas de
recidiva assim que a regeneração do nervo se estabelece. Na secção do facial
no forame estilomastóideo e anastomose com o espinhal e hipoglosso a
rege-neração não é acompanhada de recidiva do espasmo
4. Em ambos os casos a
melhora do espasmo se faz a custa de paralisia. Tais fatos sugerem que o
curto-circuito causador do espasmo esteja localizado nos segmentos
infra-temporal ou intra-craniano do nervo.
Gardner e Sava
7exploraram o nervo facial no ângulo ponto-cerebelar de
19 pacientes com espasmo hemifacial, tendo encontrado compressão do nervo
em 14 casos: a simples neurolise produziu a cura em 12 pacientes e melhora
satisfatória em mais 3. Não houve melhora em 2 e outros 2 apresentaram
recidiva.
Este trabalho tem o propósito de apresentar os achados cirúrgicos e
re-sultados na exploração e neurolise do facial no ângulo ponto-cerebelar de
14 pacientes (Tabela 1) por nós observados.
C A S U Í S T I C A E R E S U L T A D O S
E m 6 pacientes (casos 1, 2, 4, 10, 13, 1 4 ) n a d a de a n o r m a l foi encontrado na fossa posterior; destes pacientes, u m permaneceu inalterado (caso 1 ) e outro apresentou recidiva 1 0 meses m a i s tarde (caso 4 ) ; o paciente P . B . S . ( c a s o 1 4 ) e s t a v a b e m 4 meses após o a t o cirúrgico e os restantes 3 pacientes (casos 2, 1 0 e 1 3 ) e s t a v a m b e m 1 a n o após o ato cirúrgico.
E m u m paciente ( c a s o 1 1 ) e n c o n t r a m o s aracnoidite crônica inespecífica e n v o l -vendo o nervo facial e o resultado terapêutico foi bom.
E m 7 pacientes (casos 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 1 2 ) e n c o n t r a m o s u m a alça da artéria cerebelar anterior e inferior em íntimo c o n t a t o com o nervo facial (Fig. 1 ) . U m destes pacientes ( c a s o 6 ) a p r e s e n t a v a t a m b é m m a l f o r m a ç ã o d e Arnold-Chiari. E m 5 pacientes deste grupo o espasmo foi t o t a l m e n t e abolido; em u m (caso 5 ) o espasmo permaneceu inalterado. U m paciente ( c a s o 9 ) faleceu em conseqüência d e h e m a t o m a e x t r a - d u r a l por queda e t r a u m a t i s m o craniano no 3 o
dia pós-operatório; desde o a t o cirúrgico não apresentava espasmo h e m i f a c i a l .
C O M E N T Á R I O S
passa-gem de estímulos trans-axonais. Parece-nos que a intensidade desta
mas-sagem é ideal quando produzir discretíssima paresia facial no pós-operatório
imediato, a qual desaparecerá em poucas semanas. Se o massageamento for
insuficiente não produzirá paresia facial, porém corre-se o risco de não abolir
o espasmo. Acreditamos que isso tenha acontecido na paciente S . M . R .
(caso 1). Ao contrário, sendo muito intensa poderá ocasionar paralisia ou
paresia acentuada: isso ocorreu em 2 pacientes (casos 6 e 13), porém, com
recuperação espontânea quase total; em um destes pacientes (caso 13) ocorreu
também hipoacusia.
Havendo malformação vascular em contato com o nervo, este deve ser
isolado com um fragmento de Gelfoam.
Nos casos inalterados após ato cirúrgico corretamente conduzido e,
prin-cipalmente, naqueles em que não é encontrada compressão do nervo, deve-se
ter em mente a possibilidade da lesão estar situada no segmento
infra-temporal do facial. Então, a secção do intermediário de Wrisberg
6aliviaria
o espasmo.
R E S U M O
Quatorze pacientes c o m espasmo hemifacial foram submetidos a
explora-ção cirúrgica e neurolise do 7º par craniano no ângulo ponto-cerebelar. E m
7 pacientes havia indubitável compressão do nervo facial por alça anômala
da artéria cerebelar anterior e inferior sendo que um paciente também
apre-sentava malformação de Arnold-Chiari. E m um paciente havia aracnoidite
envolvendo o nervo. E m 6 outros, o nervo achava-se aparentemente livre.
Houve alívio imediato e duradouro do espasmo em 10 pacientes, 2
permane-ceram inalterados e um apresentou recidiva após 10 meses. Houve um óbito
no pós-operatório imediato, conseqüente a traumatismo craniano por queda
do paciente.
S U M M A R Y
Hemifacial spasm: report of 14 cases submitted to surgical treatment
Fourteen patients with hemifacial spasm were submitted to surgical
exposure and neurolysis of the seventh nerve at the cerebellopontine angle.
Seven patients had an anomalous anterior inferior cerebellar artery pulsating
on the nerve, being present in one patient also Arnold-Chiari malformation.
Another patient had chronic arachnoiditis involving the facial nerve. In
6 patients no abnormalities were found in the posterior fossa. There was
complete relief of the spasm in 10 patients, 2 were unchanged, 1 had
recur-rence 10 months later and 1 died in the post-operative period due to head
injury sustained during a fall.
R E F E R Ê N C I A S
1 . C A M B E L L , E . & K E E D Y , C. — H e m i f a c i a l s p a s m : a n o t e o n t h e e t i o l o g y i n t w o c a s e s . J. N e u r o s u r g . 4 : 3 4 2 , 1 9 4 7 .
3 . E C K M A N , P.; K R A M E R , R . A . & A L T R O C C H I , P . H . — H e m i f a c i a l s p a s m . A r c h . N e u r o l . ( C h i c a g o ) 2 5 : 8 1 , 1 9 7 1 .
4 . E H N I , G . & W O L T M A N , H . W . — H e m i f a c i a l s p a s m . A r c h . N e u r o l . P s y c h i a t . ( C h i c a g o ) 5 3 : 2 0 5 , 1 9 4 5 .
5 . G A R D N E R , W . J. — T r i g e m i n a l n e u r a l g i a . In C l i n i c a l N e u r o s u r g e r y , V o l . 1 5 , E d i t e d b y O j e m a n , R . G . . T h e W i l l i a m s & W i l k i n s C o . , B a l t i m o r e , 1 9 6 8 . 6 . G A R D N E R , W . J. & D O H N , D . F . — T r i g e m i n a l n e u r a l g i a , h e m i f a c i a l s p a s m ,
P a g e t ' s d i s e a s e . S i g n i f i c a n c e o f t h i s a s s o c i a t i o n . B r a i n 8 9 : 5 5 5 , 1 9 6 6 .
7 . G A R D N E R , W . J. & S A V A , G . A . — H e m i f a c i a l s p a s m — a r e v e r s i b l e p a t h o -p h y s i o l o g i c s t a t e . J. N e u r o s u r g . 1 9 : 2 4 0 , 1 9 6 2 .
8 . G E R M A N , W . J. — S u r g i c a l t r e a t m e n t o f s p a s m o d i c f a c i a l t i c . S u r g e r y 1 1 : 9 1 2 , 1 9 4 2 .
9 . G R E E N W O O D , J. — T h e s u r g i c a l t r e a t m e n t o f h e m i f a c i a l s p a s m . J. N e u r o s u r g . 3 : 5 0 6 , 1 9 4 6 .
1 0 . H A R R I S , W . & W R I G H T , A . D . — T r e a t m e n t o f c l o n i c f a c i a l s p a s m . L a n c e t 1 : 6 5 7 , 1 9 3 2 .
1 1 . K E M P E , L . G. & S M I T H , D . R . — T r i g e m i n a l n e u r a l g i a , f a c i a l s p a s m , i n t e r ¬ m e d i u s a n d g l o s s o p h a r y n g e a l n e u r a l g i a w i t h p e r s i s t e n t c a r o t i d b a s i l a r a n a s -t o m o s i s . J. N e u r o s u r g . 3 1 : 4 4 5 , 1 9 6 9 .
1 2 . K R A U S E , F . — C h i r u r g i e d u C e r v e a u e t d e l a M o e l l e É p i n i è r e . T o m e I I . S o c i é t é D ' É d i t i o n s S c i e n t i f i q u e s e t M é d i c a l e s , P a r i s , 1 9 1 2 .
1 3 . L A I N E , M . E . & N A Y R A C , M . — H é m i s p a s m e f a c i a l g u é r i p a r i n t e r v e n t i o n s u r l a f o s s e p o s t é r i e u r e . R e v . N e u r o l . ( P a r i s ) 8 0 : 3 8 , 1 9 4 8 .
1 4 . M A G U N , R . & E S S L E N , E . — E l e c t r o m y o g r a p h i c s t u d y o f r e i n n e r v a t e d m u s c l e a n d o f h e m i f a c i a l s p a s m . A m e r . J. P h y s . M e d . 3 8 : 7 9 , 1 9 5 9 .
1 5 . N O S I K , W . A . & W E I L , A . A . — S e l e c t i v e p a r t i a l n e u r e c t o m y i n h e m i f a c i a l s p a s m a n d t h e e l e c t r o p h y s i o l o g i c s e l e c t i o n o f p a t i e n t s . J. N e u r o s u r g . 1 3 : 5 9 6 , 1 9 5 6 .
1 6 . P O P P E N , J. L . — A n A t l a s o f N e u r o s u r g i c a l T e c h n i q u e s . W . B . S a u n d e r s C o . , P h i l a d e l p h i a - L o n d o n , 1 9 6 0 .
1 7 . S C O V I L L E , W . B . — P a r t i a l s e c t i o n o f p r o x i m a l s e v e n t h n e r v e t r u n k f o r f a c i a l s p a s m . S u r g . G y n e c . O b s t e t . 1 0 1 : 4 9 5 , 1 9 5 5 .
1 8 . T E A S D A L , R . D . & S A L M A N , S. D . — M a s s f a c i a l m o v e m e n t s : e l e c t r o m y o g r a p h i c e v i d e n c e f o r m i s d i r e c t i o n . N e u r o l o g y ( M i n n e a p o l i s ) 2 1 : 6 5 2 , 1 9 7 1 .
1 9 . W A R T E N B E R G , R . — H e m i f a c i a l s p a s m . A c l i n i c a l a n d p a t h o p h y s i o l o g i c a l s t u d y . O x f o r d U n i v e r s i t y P r e s s , N e w Y o r k , 1 9 5 2 .
2 0 . W I L S O N , S. A . K . — E d i t e d b y B r u c e , A . N . — N e u r o l o g y , V o l u m e 3. B u t t e r ¬ w o r t h & C o . L t d . , L o n d o n , 1 9 5 5 .