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Eis que livrarei da prisão o meu povo Israel e Judá: As palavras de salvação em Jr. 30-31 como projeto de retribalização

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Academic year: 2017

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(1)

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LUCIANO ROBSON PETERLEVITZ

“EIS QUE LIVRAREI DA PRISÃO O MEU POVO ISRAEL E

JUDÁ”: AS PALAVRAS DE SALVAÇÃO EM JR 30

-

31 COMO PROJETO

DE RETRIBALIZAÇÃO

(2)

LUCIANO ROBSON PETERLEVITZ

“EIS QUE LIVRAREI DA PRISÃO O MEU POVO ISRAEL E

JUDÁ”: AS PALAVRAS DE SALVAÇÃO EM JR 30

-

31 COMO PROJETO

DE RETRIBALIZAÇÃO

Tese de Doutorado apresentada em cumprimento às exigências do curso de Pós Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Doutor.

Área de Concentração: Linguagens da Religião Linha de Pesquisa: Literatura e Religião no Mundo Bíblico

Orientador:Dr. Tércio Machado Siqueira

(3)

FICHA CATALOGRÁFICA

P441e

Peterlevitz, Luciano Robson

“Eis que livrarei da prisão o meu povo Israel e Judá”: as palavras

de salvação em Jr 30-31 como projeto de retribalização /Luciano Robson Peterlevitz -- São Bernardo do Campo, 2014.

298fl.

Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo

Bibliografia

Orientação de: Tércio Machado Siqueira

1. Bíblia – A.T. – Jeremias – Crítica e interpretação 2. Tribalismo I. Título

(4)

A tese de doutorado sob o título “‘Eis que livrarei da prisão o meu povo Israel e Judá’ – As palavras de salvação em Jr 30-31 como projeto de retribalização”, elaborada por Luciano

Robson Peterlevitz, foi defendida e aprovada em 27 de outubro de 2014, perante a banca examinadora composta por: Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira (Presidente/Universidade Metodista de São Paulo), Prof. Dr. José Ademar Kaefer (Titular/ Universidade Metodista de São Paulo), Prof. Dr. Edson de Faria Francisco (Titular/ Universidade Metodista de São Paulo), Prof. Dr. Antônio Renato Gusso (Titular/Faculdade Teológica Batista do Paraná) e Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Souza (Titular/ Universidade Presbiteriana Mackenzie).

__________________________________________ Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião Área de Concentração: Linguagens da Religião

(5)

Agradecimentos

Ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.

À minha esposa, Paula.

Aos meus pais, Sergio e Rita.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

(6)

Resumo

A presente tese propõe uma interpretação exegética da profecia de Jr 30-31 na perspectiva social. Jr 30-31 forma uma unidade literária no livro de Jeremias, composta por subunidades que podem ser designadas de perícopes. Grande parte das expectativas salvíficas deste trecho literário devem ser atribuídas à literatura originária do livro, e provém das articulações sociais engendradas por Jeremias no fim do século 7 e início do século 6 a.C. em prol dos empobrecidos da antiga sociedade palestina Israel/Norte e de Judá/Sul. Os primeiros ditos salvíficos de Jr 30-31 surgiram na época de Josias (Jr 30,10-11.18-21; 31,2-5). Nessa época,

originaram-se as expectativas de salvação dirigidas para as populações israelitas do Norte.

Outro intenso surgimento das expectativas salvíficas aconteceu nos anos imediatamente posteriores à queda de Judá, em 587 a.C., quando Jeremias novamente direcionou uma palavra de esperança aos pobres do Israel/Norte, e incluiu também em sua mensagem aqueles que permaneceram na terra de Judá/Sul depois do saque babilônico. Nesse cenário podem ser localizadas as seguintes perícopes: 30,3.5-7.12-17; 31,15.16-20.21-22.27-28.31-34. A

presente tese supõe que, de modo geral, Jr 30-31 seja uma reconfirmação da desmilitarização

e da desurbanização de Jerusalém ocorridas naquele período, já que esse novo cenário político e econômico favoreceu os desprestigiados da Palestina. O tribalismo é o moto das expectativas salvíficas da literatura jeremiana original. No engendramento de uma nova sociedade, retribalizada, livre do jugo monárquico e dos imperialismos, Jr 30-31 defendem a posse da terra aos camponeses que sofreram espoliações do império assírio e dos reis judaítas. Com a queda do Estado de Judá, os empobrecidos poderiam retomar suas vidas e possuir a terra como meio de produção e subsistência. A relação entre as palavras de salvação e o tribalismo também pode ser notado em outros trechos do livro de Jeremias. A estruturação

verbal proponente de ‘destruição’ e ‘reconstrução’ de 31,28 pode ser encontrada em Jr 1,10;

18,7.9; 24,6; 42,10 e 45,4. As promessas de salvação contidas em Jr 1,10, 31,27-28 e 42,10 anunciam a continuidade da vida na terra de Judá depois da catástrofe de 587 a.C. Essa ideia também pode ser percebida em Jr 23,5-6, 30,8-9. Em Jr 24,6, por sua vez, lê-se uma promessa para os exilados de Judá, que viviam na Babilônia sob o sistema tribal. Em Jr 3,6-13.19-25; 4,1-2, as expectativas salvíficas de Jeremias apresentam o caminho para a reorganização social através da conversão para Javé.

(7)

Abstract

The purpose of this thesis is to provide an exegetical interpretation of the prophecy from Jeremiah 30-31 from a social perspective. Jeremiah 30-31 forms a literary unit in the book of Jeremiah, composed of subunits that can be designated as pericopae. A large part of the salvific expectations from this literary text needs to be attributed to the book’s literary origin and comes from the social articulations produced by Jeremiah at the end of the 7th century and the beginning of the 6th century B.C., in support of the poor of the ancient Palestine society, Israel/North and Judah/South. The first salvific statements appearing in Jeremiah 30-31 occurred during the era of Josiah (Jer 30,10-11.18-21; 31,2-5). Salvific expectations originated during this period aimed at the Israelite population of the North. Another intense occurrence of the salvific expectation happened during the years immediately after the fall of Judah in 587 B.C., when Jeremiah again directed a word of hope to the poor of Israel/North, and also included in his message those who remained in the land of Judah/South after the Babylonian destruction. The following pericopae can be found in this scenario: 30,3.5-7.12-17; 31,15.16-20.21-22.27-28.31-34. This present thesis assumes that, in general, Jeremiah 30-31 is a reconfirmation of the demilitarization and breakdown of the urbanization of Jerusalem that happened during that period, being that this new political and economic scenario favored the under privileged people of Palestine. Tribalism is the model of the salvific expectations of the original Jeremiah literature. In the development of a new society, with renewed tribalism, free from the yoke of the monarchy and the imperialists, Jeremiah 30-31 defends the ownership of the lands by the rural people who suffered from the plunder under the Assyrian Empire and the kings of Judah. With the fall of the state of Judah, the poor could resume their lives and possess the land as a means of production and livelihood. The relationship between the words of salvation and tribalism can also be noted in other texts from the book of

Jeremiah. The structural verbal proponent of “destruction” and “reconstruction” in 31,28 can

be found in Jer 1,10; 18,7.9; 24,6; 42,10 e 45,4. The promises of salvation contained in Jer 1,10, 31,27-28 e 42,10 announce the continuity of life in the land of Judah after the catastrophe of 587 B.C. This idea can also be seen in Jer 23,5-6, 30,8-9. In Jer 24,6, on the other hand, we read about a promise for the exiles of Judah that lived in Babylonia under the tribal system. In Jer 3,6-13.19-25; 4,1-2, Jeremiah’s salvific expectations present the path for

a social reorganization through the conversion to Yahweh.

(8)

Resumen

En esta tesis se propone una interpretación exegética de la profecía de Jeremías 30-31 en la perspectiva social. Jer 30-31 forman una unidad literaria en el libro de Jeremías, compuesto

por subunidades que pueden ser designadas perícopas. Gran parte de las expectativas salvíficas de este tramo literario se debe atribuir a la literatura original del libro, y proviene de las articulaciones sociales engendradas por Jeremías en el final del siglo séptimo y el comienzo del siglo sexto antes de Cristo, en favor de la sociedad palestina empobrecida del antiguo Israel / Judá y del Norte / Sur. Los primeros dichos salvíficos de Jer 30-31 surgieron en la época de Josías (Jer 30,10-11.18-21; 31,2-5). En ese momento, se originan expectativas de salvación dirigidas a la población israelí del Norte. Otra intensa aparición de expectativas salvíficas que sucedió en los años inmediatamente después de la caída de Judá en el año 587 aC, cuando Jeremías dirigió de nuevo una palabra de esperanza para los pobres de Israel / Norte, y también se incluye en el mensaje de los que se quedaron en la tierra de Judá / Sur después del saqueo de Babilonia. En este escenario las siguientes perícopas se pueden localizar: 30,3.5-7.12-17; 31,15.16-20.21-22.27-28.31-34. En esta tesis se asume que, en

general, Jer 30-31 es una reconfirmación de la desmilitarización y de la desurbanización de

Jerusalén que ocurrió en ese período, ya que este nuevo entorno político y económico favoreció los desacreditados de Palestina. El tribalismo es el lema de las expectativas salvíficas de la literatura original jeremiana. Una nueva sociedad siendo engendrada, retribalizada, libre de la opresión monárquica y del imperialismo, Jr 30-31 defienden la

posesión de la tierra a los campesinos que sufrieron el saqueo del imperio asirio y reyes judaítas. Con la caída del estado de Judá, los empobrecidos podrían reanudar sus vidas y poseer la tierra como medio de producción y subsistencia. La relación entre las palabras de salvación y el tribalismo también se puede notar en otras partes del libro de Jeremías. La estructuración verbal que propone la "destrucción" y "reconstrucción" de 31.28 se puede encontrar en Jer 01:10; 18,7.9; 24,6; 42.10 y 45.4. Las promesas de salvación contenidas en Jer 1,10, 42,10 y 31,27 a 28 anuncian la continuidad de la vida en la tierra de Judá después de la catástrofe del año 587 a.C. Esta idea también se puede percibir en Jer 23,5-6, 30, 8-9. En

Jer 24,6, a su vez, se lee una promesa a los exiliados de Judá, que habitaban en Babilonia bajo el sistema tribal. En 3,6-13.19-25 Jer; 4,1-2, las expectativas salvíficas de Jeremías muestran

el camino para una reorganización social a través de la conversión a Yahvé.

(9)

Sumário

Sistema de Transliteração ... 10

Introdução ... 12

CAPÍTULO 1. Jr 30-31 na Pesquisa Bíblica ... 21

1.1 Teorias sobre composição do livro de Jeremias... 21

1.1.1 A literatura deuteronomista ... 21

1.1.2 A relação entre a literatura deuteronomista e o livro de Jeremias ... 26

1.2 Teorias sobre a composição de Jr 30-31 ... 31

1.2.1 Siegfried Herrmann ... 31

1.2.2 Robert P. Carrol ... 32

1.2.3 Nelson Kilpp ... 36

1.2.4 William L. Holladay ... 41

1.2.5 Bob Becking ... 42

1.2.6 Walter Brüggemann ... 43

1.2.7 Outros trabalhos ... 44

1.3Avaliação geral ... 45

CAPÍTULO 2. A forma e o lugar de Jr 30-31 ... 49

2.1Tradução... 49

2.2Delimitação ... 68

2.2.1 A estrutura literária de Jr 30-31 ... 69

2.2.2 Identificação das perícopes ... 70

2.2.3 As perícopes analisadas na presente tese ... 74

2.3Contexto histórico da atuação de Jeremias ... 74

2.4Análise da Forma e do Lugar de Jr 30-31 ... 76

2.4.1 Jr 30,1-3 ... 76

2.4.2 Jr 30,4-7 ... 79

2.4.3 Jr 30,8-9 ... 85

2.4.4 Jr 30,10-11 ... 89

2.4.5 Jr 30,12-17 ... 96

2.4.6 Jr 30,18-21 ... 105

2.4.7 Jr 31,2-6 ... 111

2.4.8 Jr 31,7-9 ... 115

2.4.9 Jr 31,10-14 ... 121

2.4.10 Jr 31,15-22 ... 128

2.4.11 Jr 31,31-34 ... 131

2.5 Considerações finais ... 136

CAPÍTULO 3. As palavras salvíficas de Jr 30-31 como projeto de retribalização ... 138

(10)

3.2As palavras salvíficas de Jr 30-31 como projeto de retribalização ... 146

3.2.1 Jr 30,1-3: “eu os farei retornar à terra” ... 146

3.2.2 Jr 30,4-7: Jacó “serásalvo” ... 149

3.2.3 Jr 30,8-9: “Davi, o rei deles” ... 154

3.2.4 Jr 30,10-11: “E tu, não temas, meu servo Jacó” ... 158

3.2.5 Jr 30,12-17: “eu te curarei” ... 163

3.2.6 Jr 30,18-21: “Eis-me revertendo a prisão das tendas de Jacó” ... 173

3.2.7 Jr 31,2-6: “plantarão vinhas nas montanhas de Samaria” .. 182

3.2.8 Jr 31,7-9: “Porque eu sou para Israel como um pai” ... 191

3.2.9 Jr 31,10-14: “Javé resgatou Jacó” ... 198

3.2.10 Jr 31,15-22: “haverá recompensa para o teu trabalho” .... 207

3.2.11 Jr 31,31-34: “uma aliança nova” ... 214

3.3Considerações finais ... 233

CAPÍTULO 4. A relação entre a salvação e o tribalismo no livro de Jeremias... 235

4.1 A profecia de Jeremias e sua relação com o tribalismo – Palavras de ameaça e salvação em Jr 1,4-19 ... 235

4.2 Ruína e salvação em Jr 1,10; 18,7.9; 24,6; 31,28; 42,10 e 45,4 ... 249

4.2.1 Jr 1,10; 18,7-8 e 31,28... 250

4.2.2 Jr 24,6; 42,10 e 45,4 ... 255

4.3 A conversão como condição para a salvação em Jr 3,6-13.19-25; 4,1-2 ... 258

4.4 O novo Davi em Jr 23,5-6 ... 266

4.5 Considerações finais ... 274

Conclusão ... 275

(11)

Sistema de Transliteração do Hebraico

Para a transliteração da língua hebraica, a presente tese segue o sistema proposto por Milton Schwantes, que em seus cursos e orientações sempre sugeria a representação de cada letra hebraica por apenas uma letra latina. A tese opta por essa orientação, com exceção das letras duplicadas pelo daguesh forte.

Esse mesmo sistema de transliteração é aplicado às vogais (sinais massoréticos). Cada sinal massorético é representado por uma vogal, sem diferenciação entre vogais longas, vogais breves e semivogais. Atenção especial deve ser dada às “mães da leitura”/matres lectionis (

h

,

w

e

y

), que podem representar os sons das vogais: a (

h

'

), e (

y e

), i (

y i

), o (

wO

), u

(

W

). A primeira vogal será transliterada como ah (

h

'

, qames com he, no final da palavra), já que o “h” também pode alongar a vogal em português.

Forma Nome Transliteração

a

’aleph 

b B

beth 

g G

gimel 

d D

daleth 

h

he 

w

waw 

z

zayin 

x

heth h

j

teth t

y

yodh 

k K %

& ^

kaph 

l

lamedh 

m ~

mem 

n !

nun 

s

samekh 

[

‘ain

p P @

pe 

(12)

q

qoph 

r

resh 

v

shin 

sin s

(13)

Introdução

A presente tese investiga o conceito de salvação no texto profético de Jr 30-31. Essa unidade literária é uma composição de vários ditos proféticos, cada qual contendo promessas de salvação que foram direcionadas para os exilados de Israel/Norte e de Judá/Sul, e não somente para esses, mas também para aquelas populações que permaneceram na Palestina1

depois das invasões dos assírios sobre Israel (século 8 a.C.) e da Babilônica sobre Judá (final do século 7º a.C. e início do século 6º a.C.).

O autor da tese foi motivado a escrever quando se deparou com o conceito de tribalismo no Antigo Testamento e com as possibilidades hermenêuticas que se abrem a partir deste conceito para a leitura dos textos proféticos. O tribalismo pode ser definido como o modo de produção que propõe o usufruto comunitário da terra como meio de produção. O conceito fundamental do tribalismo é que a terra é um dom de Javé, e todas as famílias tem o direito de usufruir igualitariamente de sua produção. O que despertou interesse no autor da tese foi perceber, especialmente através das leituras dos livros de Milton Schwantes, que o tribalismo não se restringiu àquele período pré-estatal, que antecedeu a formação da monarquia no

antigo Israel, antes, sobreviveu ao longo de toda a antiga história de Israel e de Judá no âmbito do interior das terras da Palestina. Schwantes defendia que grande parte da literatura do Antigo Testamento, especialmente aquela da época do exílio (século 6 a.C.), como a Obra Historiográfica Deuteronomista (Dr-2Rs), Jeremias, Sofonias e Habacuque, apresenta a ótica do campesinato tendo o tribalismo como fundamento.2 Nessa perspectiva, esses textos

bíblicos esboçam um projeto político contra o sistema monárquico que promovia violências e injustiças contra os pobres. No dizer de Schwantes: “A organização política prevista não tem marcas de um estado. Não se conta com sua restauração, pois não está prevista a reconstrução de cidades. Conta-se antes com uma retribalização do campo judaíta. As novas estruturas sociais serão bem mais clânicas do que citadinas.”3

1 A palavra “Palestina” é uma palavra de origem grega (Philistia) traduzida do hebraico

~yTiv.lip.

pelixtim, e

originalmente foi uma designação dos gregos à planície litorânea, já que naquela região moravam os

~yTiv.lip.

pelixtim“filisteus”. Os romanos aplicaram a palavra não somente à faixa litorânea, mas também às montanhas da

Cisjordânia. Na presente tese, o termo será utilizado no sentido da definição de Donner: “Sob ‘Palestina’

entende-se em geral o palco da história bíblica, portanto preferencialmente a Cisjordânia, mas também as partes da Transjordânia: os territórios dos atuais estados de Israel da Jordânia, e os territórios palestinos.” Herbert Donner, História de Israel e de seus povos vizinhos (vol.1 “Dos primórdios até a formação do estado”), São

Leopoldo, Editora Sinodal, p.50.

2 Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século VI a.C.,

3ª edição, São Leopoldo, Oikos, 2009, p.52.

(14)

Assim, o tribalismo não é pré-estatal, mas anti-estatal.4 Portanto, seria possível afirmar

que muitos textos bíblicos propõe um projeto de retribalização, ou seja, uma volta àquele governo sistematizado pela liderança clânico-tribal, pertencente ao período das tribos que

antecedeu à formação da monarquia, e existente na forma de projeto ideológico na pregação de muitos profetas (como Sofonias, Habacuque e Jeremias).

O ponto importante a notar é que o tribalismo não é meramente um sistema político alternativo à monarquia, mas sim, principalmente, um programa humanitário proponente de relações sociais justas e fraternas.

Desse modo, o autor da tese percebeu que o conceito do tribalismo poderia se tornar uma chave de leitura para interpretação de muitos daqueles textos proféticos que apresentam esperança e salvação. Isso porque se esses textos estiverem vinculados a um projeto tribal, então, a salvação anunciada por eles poderia ser interpretada como um projeto de reestruturação daquelas classes sociais que tanto foram oprimidas pelas monarquias de Israel e Judá.

Na busca daqueles textos proféticos proponentes da retribalização, o autor deparou-se

com Jr 30-31. A grande questão é: as palavras de salvação nesse trecho literário não

apresentariam um projeto de esperança para aqueles que foram oprimidos pelas monarquias e pelos imperialismos contemporâneos de Jeremias?

O objetivo da presente tese é responder a essa questão.

O livro de Jeremias contém predominantemente oráculos de denúncias contra os pecados de Judá e Israel. A crítica aos reis, aos falsos sacerdotes e aos falsos profetas é a ênfase da mensagem de Jeremias.

Contrastando com os anúncios de juízo divino, há poucos trechos no livro de Jeremias contendo promessas de salvação e restauração para Judá e Israel. Jr 30-31 é justamente um

desses trechos. Trata-se de um conjunto literário chamado de “Livro da Consolação”, pois

desenvolve a esperança de restauração para um povo sofrido, e, bem no início do conjunto, se diz que a mensagem de Jeremias deveria ser registrada em um

rp,se

seper “livro”5 (Jr 30,2).

4 Milton Schwantes, As monarquias no antigo Israel: um roteiro de pesquisa histórica e arqueológica, São Paulo,

Paulinas/CEBI, 2006, p.11.

5 A presente tese optou pela seguinte padronização no sistema de transliteração e tradução: caracteres hebraicos

(15)

Daí a suposição de que Jr 30-31 tratar-se-ia de um pequeno livreto que propõe salvação e

esperança.

Assim, Jr 30-31 é um livro, e passou a ser designado pelos pesquisadores como o “Livro da Consolação”6. Assim também será designado pela presente tese.

Inicialmente a tese supõe que grande parte do Livro da Consolação procede do próprio Jeremias, que atuou no território benjamita e em Jerusalém, entre 627 a.C. e 587 a.C. Muitas unidades literárias de Jr 30-31 emergem da experiência do profeta e do seu grupo social no contexto das ameaças babilônicas sobre a terra de Judá. Jeremias, que tanto sofrera nas mãos da política imperialista dos reis de Judá, finalmente articulou uma mensagem de esperança aos pobres da terra, quando o Estado judaíta sucumbiu ao ataque da Babilônia.

A partir dessa análise, a presente tese almeja contribuir com a pesquisa acadêmica em torno do livro de Jeremias, mais especificamente ao que diz respeito a Jr 30-31. De maneira

geral, os pesquisadores dos últimos decênios, como Siegmund Böhmer7, Winfried Thiel8 e

Robert Carrol9, influenciados pelos trabalhos de Bernhard Duhm10 e Sigmund Mowinckel11

do início do século 20, afirmam que os ditos poéticos do livro de Jeremias provêm do próprio profeta e são autênticos, enquanto a prosa provém de outra fonte, e deve ser atribuída a autores da época exílica e pós-exílica. Esses pesquisadores praticamente definem a salvação apresentada em Jr 30-31 como sendo a volta dos exilados para a terra de Judá.

A preocupação central desses trabalhos é a identificação do processo de composição do livro de Jeremias, e notadamente desconsideram os fatores sociais que certamente contribuíram para a constituição do texto. Mas, qual o significado das palavras de salvação em Jr 30-31 se elas forem interpretadas na perspectiva do tribalismo?

Além disto, pode-se questionar: é possível afirmar a dicotomia entre prosa e poesia no

símbolos de co-inspiração – Um estudo sobre a mulher em textos de Provérbios, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2007, 232p. (tese de doutorado); Fernando Cândido da Silva, Uma aliança abominável e pervertida? Anotações subalternas sobre o arquivo deuteronômico, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2011, 331p. (tese de doutorado).

6 Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant: Uses of Prophecy in the Book of Jeremiah, Londres, SCM Press,

1981, p.204.

7

Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund - Studien zu Jeremia 30-31, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1976, 160p. (Göttinger Theologische Arbeiten; 5).

8

Winfried Thiel, Die deuteronomistische Redaktion von Jeremias 26-45, Neukirchen, Neukirchener Verlag, 1981, 138p. (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament; 52).

9Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant Uses of Prophecy in the Book of Jeremiah, Londres, SCM Press,

1981, 344p.

10 Bernhard Duhm, Das Buch Jeremia, Tübingen, J. C. B. Mohr, 1901, 391p. (Kurzer Hand-Commenter zum

Alten Testament; 11).

(16)

livro de Jeremias? É possível separar, rigidamente, esses dois estilos literários? Não seria possível afirmar que a forma literária dos oráculos de salvação apresenta uma poesia caracteristicamente prosaica, a tal ponto que os textos até então considerados como pós jeremianos, na verdade, possuem um estilo próprio de Jeremias, que poderia ter escrito uma poesia com traços prosaicos?

A partir dessa problematização, a presente tese procurará responder a outras questões específicas:

1) As palavras salvíficas de Jr 30-31 são endereçadas a “Israel” (Jr 30,2.4.10; 31,1.2), “Jacó” (30,7.10.18; 31,7), “Efraim” (30,6), “Judá” (30,2), “Sião” (30,17b). Quem são esses interlocutores para os quais o texto é dirigido? Quem é o “povo sobrevivente da espada” (31,2)?

2) Alguns trechos dos oráculos de salvação foram dirigidos para Israel/norte: 30,5-7; 30,12-15; 30,18-21 + 31b; 31,2-6 = 9b; 31,15-17; 31,18-20; e

31,21-22. Qual é o significado destes textos?

3) “Sião” é mencionado em Jr 30,17b; 30,6.12. Qual a relação entre o

projeto tribal desenvolvido em Jr 30-31 e a tradição sionita?

4) A análise do verbo

bWv

xub “voltar” será de fundamental importância para o desenvolvimento da presente tese (Jr 30,3.10.18; 31,8.16.17.18.19.21.23.24.). Quem são os sujeitos sociais deste verbo?

Referencial Teórico

O instrumento teórico a ser utilizado na presente tese é a exegese literária e histórica das ciências bíblicas. O modelo é o método da leitura sociológica da Bíblia12 relacionado

intimamente com o método histórico crítico13 e com a leitura popular. Na presente tese, o

método histórico crítico será instrumentalizado em sua aplicação da crítica literária e da história das formas.

É importante explicitar que a abordagem sociológica da Bíblia Hebraica tem como objeto de estudo a literatura e a realidade social do antigo Israel, bem como as forças

12 Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico. São Paulo: CEDI, 1993. 28p. (Mosaicos da

Bíblia; 12); Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson, “Aleitura sociológicadaBíblia”, em Estudos Bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal, 1984, n.1, pp.7-19; Airton José da Silva, “Leitura sociológica da Bíblia”, Estudos Bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal, n.32, 1991, p.74-84.

(17)

econômicas e ideológicas subjacentes à produção desta literatura. Busca-se não somente o

sentido do texto, mas também a identificação dos sujeitos sociais por trás do texto, para se chegar, em última instância, nos “modos de pensar” que constituíram os textos bíblicos.14 A

leitura popular, beneficiando-se dos instrumentos de análise das Ciências Sociais, observa

quatro lados da situação subjacente ao texto: os lados econômico (organização da produção e do trabalho), social (organização das classes sociais), político (organização do poder) e ideológico (organização do sistema de valores e ideias).15 Aliado a isto, o método sociológico

busca identificar os conflitos em torno dos quais gira o texto.16 No caso dos textos proféticos,

como o de Jeremias, o conflito se estabelece contra reis, sacerdotes e profetas corruptos e descompromissados com os valores éticos da Palavra de Javé.

A vantagem deste método é a possibilidade de uma reflexão de Deus a partir do cotidiano dos autores do texto.17 Ou seja, Deus está na nossa realidade nua e crua, e está

interessado nas nossas dores e tristezas. A leitura sociológica focaliza aquelas tristezas geradas por estruturações sociais injustas e opressoras.

A aplicação do método histórico-crítico será utilizado de forma cautelosa. A presença de

inserções tardias e exílicas é inquestionável, segundo o parecer da exegese histórica da maioria dos biblistas atuais. Contudo, incorre-se num sério problema, ao afirmar a presença

da teologia exílica e pós-exílica em Jeremias. É que essa afirmativa, defendida por inúmeros

exegetas contemporâneos, inflacionou-se a tal ponto que a mensagem jeremiana quase é

completamente descaracterizada. Portanto, é preciso ter cautela. O mero desmembrando de unidades literárias, considerando somente o processo compósito do texto, incorre-se num

desconstruir quase infinito, sem perspectivas de uma análise global da textualidade.

Na presente tese, as palavras salvíficas jeremianas serão observadas pelo viés da literatura que as constituem. Neste caso, a análise se efetuará pela exegese. A exegese pergunta pelo significado do texto.18 Isto, apesar das inquietantes questões levantadas pelas

novas metodologias científicas, as quais, tendo Michel Foucault como um dos grandes representantes, descontrói os discursos positivistas fundantes do pensamento ocidental pela

14 D. J. Chalcraft,Introduction, em D. J. Chalcraft (editor), Social Scientific Old Testament Criticism. A Sheffield

Reader, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1997, p.16-17.

15 Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.6; Airton José da Silva, “Leitura sociológica

da Bíblia”, p.81. Veja também AA.VV.,“Sociologia das Comunidades Paulinas”,em Estudos Bíblicos,

Petrópolis, Vozes/Metodista/Sinodal, n.25, 1990.

16 Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.10.

17 Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.11. Veja também Pablo Richard,

“Ofundamento material da espiritualidade(Rm 8,1-17 e 1Cor 15,35-58)”, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, n.7, p.73-85, 1985.

18 Grant R. Osborne, A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica, tradução de Daniel

(18)

negação da objetividade científica. A presente tese, contudo, perseguirá o significado da passagem bíblica em questão (Jr 30-31), a despeito das limitações relacionadas à distância

entre o texto bíblico e o intérprete.

Portanto, a “exegese é o esforço da ciência para tornar o texto inteligível”.19 De modo

mais específico, a presente tese sustenta a seguinte definição de exegese bíblica,

referenciando-se na proposta de Milton Schwantes: é a análise dos conteúdos de um texto

bíblico, a partir de um conjunto literário em questão devidamente delimitado (observando-se as diferenciações literárias) e à luz da situação histórica de sua composição e dos seus agentes sociais.20 Nesse instrumento de análise, nota-se que cada perícope21 tem sua relevância e cada

qual dinamiza um jeito próprio de exprimir uma afirmação teológica. A exegese precisa esboçar o texto, no caso de Jeremias, a narrativa e/ou a poesia, percebendo seu significado através da estruturação literária.

É notável a relação entre o instrumental utilizado por Milton Schwantes e a crítica das formas. Mas é preciso considerar que, nos trabalhos de Schwantes, os gêneros literários não ocupavam o lugar primordial, mas sim, os conteúdos do texto bíblico. Portanto, a presente pesquisa se fundamentará em comentários bíblicos, dicionários bíblicos e teológicos, livros de teologia do Antigo Testamento, e, principalmente, livros e artigos que explicitem o conteúdo de Jr 30-31.

Metodologia

O instrumento de análise exegética da presente tese será aquele proposto por Milton Schwantes22. Este pesquisador latino-americano sugeriu os seguintes passos metodológicos

para a análise exegética do texto hebraico: a forma, o lugar e os conteúdos do texto.

A forma é “o rosto, o jeito do texto”23. Trata-se da análise da disposição literária do

texto. Na análise da forma, serão observados os seguintes elementos: a tradução, a delimitação das unidades literárias, e, em cada uma delas, a coesão interna, o estilo e o

19 Josef Schreiner, “O estudo científico do Antigo Testamento”, em Josef Schreiner, Palavra e mensagem do

Antigo Testamento, 2a edição, tradução de Benôni Lemos, São Paulo, Editora Teológica, 2004, p.75 (559p.).

20 Essa é a percepção do autor da tese a respeito da exegese exercitada nos livros de Milton Schwantes. Milton

não escreveu nenhuma definição de exegese em seus trabalhos exegéticos.

21O termo “perícope” será usado nesta tese no sentido de uma subunidade literária inserida dentro de uma

unidade maior. A perícope é uma pequena unidade de sentido.

22 Haroldo Reimer, “Não há dabar sem contexto: Apontamentos sobreHermenêuticaBíblica emMilton

Schwantes”, em Caminhos, Goiânia, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, vol.1. n.2, jul./dez.2013, p.232

-245.

(19)

gênero.24

A tradução preferencialmente é literal, sendo fundamentada no TM da Biblia Hebraica Stuttgartensia25.

A delimitação é a fixação das unidades literárias. Trata-se de perceber as fórmulas

introdutórias e conclusivas, que demarcam uma unidade de sentido.

A coesão interna é a análise das conexões internas da perícopes. O estilo é a definição da qualidade literária do texto, e pode ser poético ou narrativo. Para a observação do estilo poético ou narrativo do texto, é necessário acompanhar a disposição literária do texto.26 Isso

significa notar as ‘estrofes’ que compõe a poesia, ou, no caso de textos prosaicos, os ‘parágrafos’. Na concepção de Milton Schwantes, a ‘estrofe’ é “uma unidade de sentido na poesia”.27 ‘Parágrafos’ e ‘estrofes’ são “parcelas diferentes”28 dentro de uma perícope. Em

muitos dos seus trabalhos exegéticos, Schwantes analisava o estilo do texto bíblico na medida em que as ‘estrofes’ eram identificadas, sendo também observadas as constituintes de cada estrofe, a saber, suas frases.29 Portanto, a coesão interna era observada juntamente com o

estilo do texto.30

A grande marca da poesia hebraica, segundo Milton Schwantes, é a repetição de frases. Ou seja, “um pensamento é expresso em duas ou mais formulações frasais similares (paralelas, na linguagem usual), sendo que a segunda parte pode descrever ou intencionar mais ou menos o mesmo que a anterior, ou o contrário e antitético, ou ainda ser um acréscimo ou uma complementação”31.

Comumente os trabalhos exegéticos de Milton Schwantes analisam outros elementos da forma, como a disposição dos verbos e a disposição da estrutura da perícope. A estrutura verbal da passagem é importante, já que são “os verbos que dão a dinâmica do texto”32. Isso

significa identificar os tempos dos verbos (perfeitos e imperfeitos, particípios). A disposição da estrutura, por sua vez, é a percepção dos temas da perícope.33 Mas, esses dois elementos, a

24 Veja Lucas Merlo Nascimento, “A Bíblia e a vida: O método exegético de Milton Schwantes”, em Revista

Caminhando, v. 17, n. 2, jul./dez. 2012, p.55-63.

25 Karl Elliger; Wilhelm Rudolph (editores), Bíblia Hebraica Stuttgartensia, Stuttgart, Deutsche

Bibelgesellschalft, 1997, 1574p.

26 Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.403. 27 Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.404. 28 Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.95.

29 Veja, por exemplo, Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.404.

30 Veja, por exemplo, a análise de Is 9,1-6, onde Schwantes analisa o estilo identificando as ‘estrofes’ do texto;

depois analisa a ‘estrutura’, e finalmente pergunta pelo gênero literário. Milton Schwantes, Da vocação à

provocação, p.403-415.

31 Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.403. 32 Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.409.

(20)

disposição dos verbos e a estrutura, nem sempre são notados por Schwantes, havendo, em alguns dos seus trabalhos exegéticos a ausência da análise da disposição verbal.34

Finalmente, o último passo na análise da forma é identificação do gênero literário.35 O

gênero é um padrão formal encontrado num conjunto de textos. Os seguintes gêneros são encontrados na literatura profética: dito profético, fórmula do mensageiro, hinos, lamentações. De fundamental interesse para a presente tese é a “palavra de promessa”36 ou “oráculo de

salvação”37 que anuncia a intervenção salvífica de Deus, já que Jr 30-31 fundamentalmente

contém palavras salvíficas.

O lugar é “o chão do texto, suas raízes na realidade”38. Trata-se da análise da datação do

texto e do seu “lugar vivencial”, o Sitz im Leben. De maneira geral, na pesquisa bíblica, mais especificamente no método histórico-crítico, o Sitz im Leben pertence à crítica das formas, e tenta perceber a relação entre a fixação de fórmulas literárias e as situações concretas dos seus escritores.39 No entanto, nos trabalhos de Milton Schwantes, e na leitura sociológica da Bíblia, o “lugar vivencial” procura muito mais identificar os agentes sociais por detrás dos textos do que simplesmente perceber a relação entre um gênero literário e uma determinada situação concreta.40 Esse item também indaga sobre os autores do texto. No caso de Jr 30-31, a pergunta é se o texto pode ser atribuído ao profeta Jeremias ou a redatores da época exílica ou pós-exílica.

Os conteúdos compõem “o coração do texto”41. No dizer de Schwantes, é a ‘palavra’, o

significado teológico do texto. É o ápice da análise exegética. A análise dos itens anteriores (a forma e o lugar) encaminham as descobertas dos conteúdos. O significado do texto é abordado a partir de sua estruturação literária, respeitando-se os parágrafos ou estrofes, caso

sejam identificados no texto. O lugar do texto também lança luzes para a compreensão dos conteúdos, pois o estudo do contexto histórico evidencia “que não é suficiente ler as palavras como formulações idealizadas pela intenção de um autor, mas que se faz necessário perceber

v.1 refere-se ao problema e à solução; a solução é a novidade de Deus; o v.2 descreve a ‘consequência’ da novidade, ao passo que os v.3-6 enumeram suas três causas, terminando com uma promessa.

34 Por exemplo, na análise exegética de Ageu 1.1-15a, Schwantes abordou a estrutura desta subunidade, mas não

analisou sua disposição verbal. Veja Milton Schwantes, Ageu, Petrópolis/São Bernardo do Campo/São Leopoldo, Vozes/Imprensa Metodista/Sinodal, 1986, p.26-27 (Comentário Bíblico).

35 Claus Westermann, Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1987, p.48-71 e p.117-127. 36 Josef Schreiner, “O estudo científico do Antigo Testamento”, p.67.

37 Grant R. Osborne, A espiral hermenêutica, p.343. 38 Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.52.

39 Uwe Wegner, Exegese do Novo Testamento, São Leopoldo/São Paulo: Editora Sinodal/Paulus, 1998, p.171. 40 Veja as diferenciações do conceito de “lugar vivencial” entre o método histórico-crítico e o método

sociológico, em Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.21-23.

(21)

através delas as lutas sociais da época”42.

Portanto, a presente tese propõe-se a analisar as palavras salvíficas de Jr 30-31

utilizando-se dos instrumentos metodológicos de Milton Schwantes. O primeiro passo é a

percepção da forma de Jr 30-31. O segundo passo é a datação deste texto, identificando o seu

lugar histórico e os agentes sociais que constituíram o texto. E o terceiro passo é análise do conteúdo das palavras salvifícas de Jr 30-31. Embora a forma e o lugar lancem luzes sobre o

sentido da passagem bíblica, é só no item ‘conteúdos’ que se explicará o seu real significado.

Estrutura da tese

A presente tese está dividida em quatro capítulos. O primeiro descreve as principais pesquisas em torno do livro de Jeremias e do Livro da Consolação (Jr 30-31), com o objetivo

de situar o leitor no estado atual do debate. O segundo analisará a forma e o lugar de Jr 30-31,

sob a pressuposição hermenêutica de que a compreensão da estrutura literária e da época de sua escrita incide diretamente na interpretação dos oráculos de salvação de Jr 30-31. O terceiro focalizará os conteúdos das palavras de salvação de Jr 30-31, notando o tribalismo

como moto do projeto de esperança da literatura jeremiana original. O quarto buscará analisar outros trechos do livro de Jeremias que apresentam ditos de salvação e que elucidam o sentido social das promessas de Jr 30-31.

(22)

Capítulo 1. Jr 30-31 na Pesquisa Bíblica

Introdução

Neste primeiro capítulo a tese propõe uma breve descrição das pesquisas acadêmicas sobre Jr 30-31. O objetivo principal desta descrição é a identificação dos principais autores que defenderam hipóteses concernentes à origem e à composição do Livro da Consolação (Jr 30-31), situando assim os leitores no estado atual da pesquisa.

Contudo, antes de focalizar as pesquisas em torno de Jr 30-31, é necessário descrever as teorias sobre a composição do livro de Jeremias, para familiarizar o leitor com alguns termos

e expressões da academia bíblica, tais como “literatura deuteronomista” e “estilo literário” (“prosa” e “poesia”) como fator determinante para a identificação autoral do livro. Depois,

num segundo momento, poderemos focalizar as pesquisas sobre Jr 30-31, com o intuito de realçar a necessidade de aprofundamento das questões que envolvem a origem e o sentido teológico desses dois capítulos de Jeremias.

1.1 Teorias sobre composição do livro de Jeremias

A maioria dos pesquisadores bíblicos compreende a formação do livro de Jeremias a partir de inúmeras redações que teriam surgido desde a época do profeta até o período do

pós-exílio babilônico, sendo a redação “deuteronomista” a mais importante para a confecção final

do livro. Mas, qual o sentido da palavra “deuteronomista” nas teorias da pesquisa, e qual sua relação com o livro de Jeremias? É essa questão que será respondida, nesse momento da tese.

1.1.1 A literatura deuteronomista

Na pesquisa bíblica atual, particularmente nas escolas teológicas alemã e latino-americana, a literatura deuteronomista é a composição de escritos que realçam a importância

do compromisso de Israel com a “lei”/torah de Javé, predominantemente presente no livro de Deuteronômio, e também encontrada na redação dos livros históricos, dos proféticos (especialmente Oséias e Jeremias) e dos Salmos. Segundo essa concepção, a literatura deuteronomista é fruto de inúmeras edições e revisões, efetuadas desde as reformas de Ezequias e Josias até o período do pós-exílio babilônico.

(23)

“A linguagem do Dt é prosa artística de alto nível retórico. Ela se caracteriza pelo ritmo ondeante de períodos bem longos, que estendem além de frases secundárias intercaladas. Conhece um tipo de métrica da prosa, trabalha com quantidade de palavras equilibradas entre si, expressões fixas e frequentes

assonâncias.”43

A título de exemplo, essa caracterização da literatura deuteronômica pode ser percebida nos seguintes textos de Deuteronômio:

Dt 4,5-6:

5 Eis que vos tenho ensinado estatutos e juízos,

como me mandou o Senhor, meu Deus,

para que assim façais no meio da terra que passais a possuir.

6 Guardai-os, pois,

e cumpri-os,

porque isto será a vossa sabedoria

e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente, este grande povo é gente sábia e inteligente.

Dt 6,24:

O Senhor nos ordenou para que cumpríssemos todos estes estatutos, temendo a Javé o nosso Deus,

para que tudo nos corra bem, todos os dias, para nos guardar em vida, como hoje se vê.

Períodos curtos, com expressões fixas e trabalhadas, podem ser encontrados em Dt 4,1 e 28,45:

43 Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, em Erich Zenguer et al., Introdução ao Antigo Testamento,

(24)

Dt 4,1:

Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos que eu vos ensino, para os cumprirdes, para que vivais, e entreis,

e possuais a terra que o Senhor, Deus de vossos pais, vos dá.

Dt 28,45:

E virão sobre ti todas estas maldições, e te perseguirão,

e te alcançarão,

até que sejas destruído,

porque não ouviste a voz de Javé teu Deus, para guardares os seus mandamentos

e os seus estatutos que te ordenou.

Esse estilo literário predomina nas “molduras” externas do livro de Deuteronômio (Dt 1-11 e 29-32), mas também são percebíveis nas revisões e ampliações da parte central do livro (Dt 12-26), realizadas por deuteronomistas. De acordo com essa perspectiva, as últimas redações dos livros históricos, particularmente dos livros de Josué, Juízes e Samuel, foram feitas justamente pelos deuteromistas (por exemplo: Js 1,3-9.12-18; 8,30-35; 23; 24; Jz 2,6-3,6; 1Sm 7; 12; 2Sm 7), sendo eles também os responsáveis pela redação de quase todos os trechos de 1 e 2 Reis.44

Martin Noth45 defendeu a tese (1943) de que a “obra historiográfica deuteronomista”

(Dtr ou OHDtr), iniciando-se em Dt 1, e concluindo-se em 2Rs 25, foi compilada por um

44 Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, tradução de D. Mateus Rocha, São Paulo,

Editora Academia Cristã/Paulus, 2012, p.324.

(25)

único autor, em Judá, pouco depois da libertação do rei Joaquim do cárcere na Babilônia (2Rs 25,27-30). O suposto autor deuteronomista teria redigido a obra como uma teodiceia, com o objetivo de responder as crises teológicas geradas pelo exílio babilônico, particularmente aquelas que perguntavam sobre a inatividade de Deus frente à ação dos caldeus contra Jerusalém e contra o templo sagrado. A Dtr afirmaria a destruição do Estado de Davi e do templo como consequência das constantes rebeldias de Judá contra os mandamentos de Javé. A obra não apresentaria nenhuma perspectiva de salvação para o futuro, antes, focalizaria somente a ira justa de Javé contra a rebeldia de Judá.

Noth acreditava que os livros de Dt – 2Rs é a composição de uma só obra, a “obra historiográfica deuteronomista”, porque esses livros bíblicos apresentam uma linguagem

similar, e há também uma linha teológica que perpassa esses livros, qual seja, o exílio

babilônico é uma punição a Judá por seus pecados contra a “lei” (torah) de Javé.

A tese de Noth foi reformulada pela pesquisa bíblica posterior. Em linhas gerais, a maioria dos estudiosos (particularmente aqueles da escola alemã,desde Noth até a atualidade, e aqueles da escola latino-americana) desacredita na existência de um único autor deuteronomista, mas defende a hipótese de várias edições e revisões deuteronomistas, supostamente ocorridas desde a época do rei Ezequias até o pós-exílio.

De acordo com os estudiosos alemães Georg Braulik e Norbert Lohfink, e, no cenário latino-americano, Pedro Kramer46 (entre outros), as primeiras redações da literatura deuteronomista estão associadas com a centralização do culto em Jerusalém promovida pelo rei Ezequias de Judá (725-697 a.C.), como tentativa de eliminar o sincretismo cultual (2Rs 18,4.22), visando promover um levante contra as religiões estrangeiras, particularmente a assíria, já que a Assíria ameaçava a independência política e econômica de Judá. Nesse

contexto teriam sido elaboradas as leis da “centralização do culto”, legitimadas

posteriormente (Dt 12,4-7.8-12.13-19.20-28; 14,22-27; 15,19-23; 16,1-8.9-12.13-15.16s; 17,8-13; 18,1-8; 26,1-11; 31,9-13).47

Königsberger Gelehrten Gesellschaft, Geisteswissenschaftliche Klasse; 18,2).

46 Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio – Programa de uma sociedade sem empobrecidos e

excluídos, São Paulo, Paulinas, 2006, 192p. (Coleção exegese). Veja uma proposta semelhante em Shigeyuke

Nakanose, “Para entender o Deuteronômio – Uma lei a favor da vida?”, em Revista de Interpretação Bíblica

Latino-Americana/RIBLA, Petrópolis/São Leopoldo, Editora Vozes, n.23, 1996, p.176-193; Cássio Murilo Dias

da Silva, “Deuteronômio, portal da História Deuteronomista”, em Teocomunicação, Faculdade de Teologia da PUCRS,Porto Alegre, v.42, n.1, jan./jun. 2012, p.37-49.

(26)

A legislação litúrgica proponente da centralização dos sacrifícios em Jerusalém, que, na pesquisa de Braulik e Lohfink, identifica-se com o Deuteronômio original, desapareceu no reinado de Manassés.48 Depois de algumas décadas, supostamente sob o rei Josias de Judá (640-609), o “livro da lei” foi “encontrado” (2Rs 22,8), o que desencadeou a reforma de Josias em 622 a.C. (2Rs 22-23). Nesse contexto, as leis deuteronômicas teriam sido reelaboradas sob a forma de um contrato de vassalagem, nos moldes formais dos contratos assírios, nos quais um vassalo presta juramento de fidelidade a um suserano. Na redação do livro de Deuteronômio, Judá e o rei são os vassalos que, numa cerimônia de renovação da aliança, prestam juramento ao suserano Javé. Especificamente no contexto da reforma de Josias, quando a centralização do culto foi radicalizada como tentativa de extinguir o

sincretismo religioso, o livro do Deuteronômio teria se transformado no “documento da aliança” que fundamentava a relação do povo e do rei com Javé (2Rs 23,1-3; compare com Dt 31,9-13).49 Também foi nesse cenário que teria surgido a primeira redação da obra historiográfica deuteronomista50, que seria uma “narrativa josiânica de conquista da terra” (Lohfink) escrita com o objetivo de legitimar a expansão do Estado josiânico para as terras do Norte palestinense (onde estavam as 10 tribos de Israel), visando também promover a política antiassíria, bem típica do governo de Josias.51 De acordo com Braulik, o acervo básico dessa obra seria Dt 1 – Js 22.52

Com a morte de Josias, em 609 a.C., a reforma deuteronômica desmantelou-se. Sequencialmente, vieram os exílios babilônicos (605, 597 e 586 a.C.), quando a literatura deuteronômica teria adquirido novas ênfases: o exílio é uma punição de Javé contra o Israel que rebelou-se contra as cláusulas da aliança (Dt 28,25). “Por isso, experimenta-se essa situação de desgraça no exílio. Mas um possível futuro se abre, no mesmo texto bíblico, se houver conversão a Iahweh, ouvindo sua voz e obedecendo às suas leis. Isso, para Georg Braulik, fez surgir os textos de Dt 29,21-27; 4,25-28.”53

48 Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.28.

49 Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, p.105; Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio,

p.19-24.

50 Georg Braulik, “As teorias sobre a obra historiográfica deuteronomista (‘DtrG’), em Erich Zenguer et al.,

Introdução ao Antigo Testamento, tradução de Werner Fuchs, São Paulo, Edições Loyola, 2003, p.168 (Bíblica

Loyola, 36); Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.30.

51 Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.31. 52 Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, p.105.

53 Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.33. Dt 4,25-28, citado pelo autor, provavelmente deve

englobar Dt 4,29-31, onde o tema da conversão a Javé é desenvolvido, ou o texto citado deveria ser Dt 4,29-31, e

(27)

Nesse cenário, supostamente surgiu a segunda redação da Obra Historiográfica Deuteronomista. Braulik explica:

“Determinada camada deuteronomista realça que a própria ocupação da terra da promessa estava condicionada à obediência aos mandamentos (p.ex., 6,18s; 11,8b.22-25). Outras camadas de revisões do tempo do exílio levam a uma mudança na teologia da aliança. Recorrendo parcialmente à tradição da aliança com Abraão e os patriarcas (cf. Gn 15,18; 17), ela não mais faz depender a afirmação da aliança, por parte de Javé, da obediência de Israel (4,31; 7,9; 9,5;

30,6). Acima de tudo está a graça.”54

As últimas edições da literatura deuteronomista supostamente ocorreram no pós-exílio, quando as tradições sobre a morte de Moisés teriam sido desenvolvidas (Dt 32,48-52 e 34,2.7-9), e foi exatamente isso que teria impulsionado o desmembramento do livro de Dt da suposta obra historiográfica deuteronomista, vinculando-o aos livros precedentes (Gn – Nm). Surgia o

“Pentateuco”.

Ainda sobre o surgimento da literatura deuteronomista, convém mencionar E. Nicholson55, para quem o livro de Deuteronômio originalmente foi composto por círculos

proféticos do Norte, que, após a queda do Estado de Israel, migraram para o Sul, e transferiram à dinastia davídica as expectativas de uma reunificação da nação em torno de Javé outrora alimentadas no Reino do Norte (Israel). O programa deuteronômico seria uma reposta à apostasia de Manassés. Quando Josias ascendeu ao trono, as autoridades de Judá valeram-se do projeto deuteronômico e adaptaram-no aos interesses da dinastia davídica.

Decorrente deste engendramento político em torno de Josias, teria surgido a Obra Historiográfica Deuteronomista, cuja redação final supostamente ocorreu no exílio.

1.1.2 A relação entre a literatura deuteronomista e o livro de Jeremias

A época das redações e das revisões da literatura deuteronomista, conforme aventada pela pesquisa bíblica alemã e latino-americana, coincide com a época da redação do livro de Jeremias. Muitos ditos de Jeremias foram proferidos na época de Josias (Jr 1,2). No ano 605 a.C., um primeiro rolo, contendo as mensagens de ameaças e ruínas contra Jerusalém, foi escrito (Jr 36). E, de acordo com a nota redatorial do livro, o ministério do profeta

54 Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, p.106.

(28)

se até o início do exílio (Jr 1,3). Portanto (se fato existiu um movimento deuteronomista nos séculos 7 a 5 a.C.), parte da história do profeta Jeremais coincide com a dos deuteronomistas.

A questão de suma importância para a presente tese diz respeito à relação entre a literatura deuteronomista e o livro de Jeremias, já que muitos trechos de Jeremias apresentam os mesmos temas e os mesmos traços literários da literatura deuteronomista.

Há dois estilos literários marcantes no livro de Jeremias: a poesia e a prosa. As pesquisas de Sigmund Mowinckel e Bernhard Duhm aventaram a hipótese de que cada um desses estilos provém de fontes distintas.56 Supostamente haveria três tipos de fontes: fonte A, fonte B e fonte C.57 A fonte A seriam os ditos do próprio Jeremias, típicos da literatura profética, confeccionados no estilo poético, e refletiriam a mensagem do profeta nos tempos do pré-exílio. A marca literária da fonte A seria a primeira pessoa do singular tendo Javé por sujeito, que fala através da boca de Jeremias (Jr 2,2b-3.4-5; 4,5-6). As “confissões de

Jeremias” também pertenceriam a essa fonte A (11,18 – 12,6; 15,10ss.15-21; 17,14-18; 23,18-23; 20,7-13.14-18).58

De acordo com Sigmund Mowinckel e Bernhard Duhm, as outras fontes foram responsáveis pela compilação das partes narrativas do livro de Jeremias. A fonte B seria composta por textos biográficos, que, à semelhança de Am 7,10-17, descrevem fatos envolvendo o profeta Jeremias, pela terceira pessoa do singular, e podem ser encontrados em Jr 26-45. Geralmente a fonte B inicia-se datando precisamente os eventos (26,1; 28,1; 36,1), embora alguns trechos não estabeleçam datas (19,14 – 20,6).59

Esta fonte B supostamente foi escrita por Baruque (Bright60). Mowinckel, por sua vez, deixou em aberto a questão da autoria dessa fonte.61 De qualquer modo, muitos pesquisadores afirmam que um antigo rolo contendo as mensagens de Jeremias foi escrito por Baruque (Jr

56 Veja uma discussão sobre isso em John Bright, Jeremiah - A New Translation With Introduction and

Commentary, New York, Doubleday & Company, 1986, p. LXIII-LXXIII (The Anchor Bible; 21).

57 Bernhard Duhm, Das Buch Jeremia, Tübingen, J. C. B. Mohr, 1901, 391p. (Kurzer Hand-Commenter zum

Alten Testament; 11); Sigmund Mowinckel, Zur Komposition des Buches Jeremia, Kristiania, J. Dybwad, 1914, 68p. Veja um breve resumo sobre este período da pesquisa em Otto Eissfeldt, The Prophetic Literature, em The

Old Testament and Modern Study – A Generation Of Discovery and Research, ed. H. H. Rowley, Oxgord,

Clarendon, 1951, p.151-153.

58 John Bright, Jeremiah, p. LXVI. 59 John Bright, Jeremiah, p.LXVII. 60 John Bright, Jeremiah, p.LXVII.

61 Rolf Rendtorff, Antigo Testamento – Uma introdução, tradução de Monika Ottermann, Santo André, Academia

(29)

36), em 605 a.C., o que permite afirmar que “ele participou no desenvolvimento da tradição a respeito de Jeremias”62.

A fonte C englobaria os discursos em forma de prosa, muito parecidos com a textualidade deuteronomista.63 Assim, a linguagem encontrada no livro de Deuteronômio também pode ser percebida na linguagem de prosa amplamente desenvolvida no livro de Jeremias. Para John Bright, uma característica comum na fonte C é o envio do profeta, por Javé, a fim de pregar ou representar alguma ação que Deus executaria entre o seu povo (exemplos: 7,2.16.27ss; 11,1-17; 16,1-13; 18,1-12; 19,1-13).64 De acordo com Mowinckel, essa fonte C teria sido escrita por um autor deuteronomista no pós-exílio, na época de Esdras,65 e supostamente pode ser encontrada em Jr 7,1-8,3; 11; 18; 21; 25; 32; 33s; e 44.66 Entretanto, alguns pesquisadores, como Eissfeldt e Weiser, atribuem a fonte C para Jeremias, sendo que Weiser acredita que Jeremias teria usado fontes pré-deuteronômicas.67 Rudolph, por sua vez, defende a autoria de Jeremias em muitos textos prosaicos, mas admite que há revisões deuteronomistas neles: Jr 7,1-8,3; 11,1-14; 16,1-13; 17,19-27; 18,1-12; 21,1-10; 22,1-5; 25,1-14; 35,8-22; 35.68

Mowinckel acreditava também na existência de uma quarta fonte, denominada por ele de fonte D, que seria composta por palavras de salvação, escritas no pós-exílio. Jr 30-31 pertenceria justamente a essa fonte.69

John Bright afirma que, no decorrer da composição do livro, houve uma interação entre a fonte deuteronomista e a antiga poesia jeremiana. Essa afirmativa refere-se, inclusive, aos capítulos que são objetos da presente tese, a saber, Jr 30-31.70 Haveria, também, uma pequena interação entre as narrativas biográficas e os discursos deuteronomistas, como se lê em 29,16-20; 32,17-44; 33,12-22; etc.

62 Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.561.

63 Sigmund Mowinckel, Zur Komposition des Buches Jeremia. Veja Wilhelm Rudolph, Jeremia, Tübingen, J. C.

B. Mohr, 3a edição, 1968, p.XIV-XXIII (Handbuch zum Alten Testament; 12).

64 John Bright, Jeremiah, p. LXVIII.

65 Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.556.

66 Ivo Meyer, “O livro de Jeremias”, em Erich Zenguer et al., Introdução ao Antigo Testamento, tradução de

Werner Fuchs, São Paulo, Edições Loyola, 2003, p.412 (Bíblica Loyola, 36). Veja também Michael Williams, “An Investigation of the Legitimacy of Source Distinctions for the Prose Material in Jeremiah,” em Journal of

Biblical Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.112, l993, p.193-210.

67 Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.556. 68 Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.XIX-XXIII.

(30)

De qualquer modo, é importante mencionar que a pesquisa bíblica constatou que os estilos poético e prosaico deuteronomista são vastamente encontrados no livro de Jeremias, particularmente nos caps. 1-25 e 26-45. “Recentemente prevalece sempre mais a opinião de que são sinal do trabalho de uma redação deuteronomista, que teria redigido tanto as palavras de Jeremias nos caps. 1-25 quanto as narrativas sobre Jeremias nos caps. 26-45, e ainda teria

dado ao conjunto sua forma atual [...]”.71 Pesquisadores como Thiel e Hyatt também

defendem essa opinião.72

Deste modo, de acordo com a maioria dos pesquisadores, as palavras do profeta Jeremias, como encontradas na redação atual do livro de Jeremias, foram revisadas e ampliadas pelos deuteronomistas, na época do exílio e pós-exílio, exceto os caps. 46-51 (oráculos contra as nações) que compõem um complexo distinto no livro de Jeremias, Para

Ivo Meyer, “as aproximações linguísticas e teológicas do livro de Jeremias com a literatura

restante na esfera de influência do Deuteronômio devem ser debitadas na conta dos editores

de uma versão exílica do livro”73.

Já de acordo com W. Thiel, as últimas redações do livro de Jeremias são pós-deuteronomistas, sendo quase impossível a identificação exata do ambiente dos seus autores74, enquanto que, para Thomas Römer, existiram duas redações deuteronomistas do livro de Jeremias, realizadas no final do exílio.75

Ivo Meyer, mesmo admitindo que as redações deuteronomistas foram realizadas no

exílio e não devem ser vinculadas ao profetas Jeremias, por outro lado, afirma que “Jeremias,

enquanto poeta com linguagem original, pode (ou tem de) expressar-se ao mesmo tempo

como ‘pregador’ no idioma dessa corporação em que também atuavam ‘deuteronomistas’”76.

71 Rolf Rendtorff, Antigo Testamento, p.289.

72 Winfried Thiel, Die deuteronomistische Redaktion von Jeremias 1-25, Neukirchen, Neukirchener Verlag, 1981,

331p. (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament; 51); Die deuteronomistische

Redaktion von Jeremias 26-45, Neukirchen, Neukirchener Verlag, 1981, 138p. (Wissenschaftliche Monographien

zum Alten und Neuen Testament; 52); J. Philip Hyatt, Jeremiah – Prophet of Courage and Hope, New York, Abingdon Press, 1958, 128p. Veja também Ernest W. Nicholson, Preaching to the Exiles – A Study of the Prose

Tradition in the Book of Jeremiah, Nova York, Schocken, 1970, 154p.

73 Ivo Meyer, “O livro de Jeremias”, p.414.

74 W. Thiel, Die deuteronomistische Redaktion, citado por Ivo Meyer, “O livro de Jeremias”, p.414. Veja também

Eckart Otto, “Deuteronomiumstudien II – Deuteronomistische und postdeuteronomistische Perspektiven in der Literaturgeschichte von Deuteronomium 5-11”, em Zeitschrift für Altorientalische und Biblische

Rechtsgeschichte (Journal for Ancient Near Eastern and Biblical Law), Harrassowitz Verlag, Wiesbaden, n.15,

2009, p.65-215.

75 Thomas Römer, A chamada História Deuteronomista – Introdução sociológica, histórica e literária,

Petrópolis, Vozes, 2008, 207p.

Referências

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