1ArtigoderivadodotrabalhoapresentadonoIICongressoNorte-nor-deste,Salvador,2001.
2Endereço:RuaMariaAngélica,741/201-J.Botânico-RiodeJaneiro, RJ-22461-150.E-mail:stecesco@novanet
ANaturezaColetivadoEloLinguagem-Subjetividade
1SilviaTedesco2
UniversidadeFederalFluminense
RESUMO- Otrabalhoanalisaanaturezadoeloentrelinguagemesubjetividade.Apoiadoemargumentosorigi-nadosnavertentepragmáticadeestudosdalingüísticaedailosoia,oartigodefendeainclusãodaabordagem pragmáticatambémnodomíniodapsicologiadalinguagem.Nestadireção,sublinha-seaimportânciadadimensão coletivadoelolinguagem-subjetividade,capazdeelucidaroplanodagêneseconstantedestesprocessos.Porim, propõe-seanoçãodeestilo-subjetividade,esclarecedoradesteeloemsuanaturezaperformativa,produtorade novossentidos,derealidadesedemodalidadesubjetivas.
Palavras-chave:linguagem;cognição;subjetividade
TheCollectiveNatureofthePairLanguage-Subjectivity
ABSTRACT-Thepaperanalyzestheconnectionbetweenlanguageandsubjectivity.Basedonargumentsderived fromthepragmaticperspectiveinlinguisticandphilosophicalstudies,weproposetheinclusionofapragmatic approachinthedomainofthepsychologyoflanguage.Wethenemphasizetheimportanceofconsideringacol-lectivedimensionofthepairlanguage-subjectivity,inordertoshedlightupontheplanofconstantgeneration ofthoseprocesses.Atlast,weintroducethenotionofstyle-subjectivity,whichwillelucidatethepairlanguage-subjectivityinitsperformativenature,producingnewsenses,realitiesandsubjectivemodalities.
Key-words:language-cognition-pragmatic-subjectivity
Observamosseremmuitososestudosnaáreadalingua- gemquenoséculoXX,inspiradosnumaabordagemprag-mática,desacreditamastesespsicológicas.Apósseuinício comC.Morris,encontramosessemodooutrodepensara linguagem em Ch. S. Pierce, E. Goffman, P. Watzlawick entremuitosoutros.
Estetrabalhositua-seinicialmentenocampodapsico-logiadalinguagem,masdiferedesuatradiçãodefensorado caráter descritivo ou cognitivo da linguagem. Distante de umaopçãoteóricaaindarefratáriaàsabordagenspragmáti-caspropomosrepensar,àluzdestasúltimas,anaturezado eloentrelinguagemesubjetividade.Maisespeciicamente, nossapropostalocaliza-senafronteiraentreosdoiscampos deestudoevisaequivocaresselimite,levandoessesdois domíniosaafetarem-semutuamente.Nossoobjetivoées-tabelecerocaráterpragmáticodoelo,ouseja,suapotência construtoraderealidades.
Neste caso, a linguagem não resultará da ativação de sistemaderegrasinvariantespelosujeitofalante.E,senão optamosporconsiderarossignoslingüísticoscomoexpres-são de uma consciência anterior à palavra, muito menos aindafalaremosdeuminconscienteestruturadocomouma linguagem.Seàsubjetividadeénegadaafunçãodefonte ouorigemdalinguagem,domesmojeitorejeitamosatese do sujeito constituído na linguagem. Não apostamos na simplesinversãodovetordedeterminação.Énareciproci-dadeestabelecidaentreostermosqueresideopotênciade engendramentodestasduasrealidades
A partir do ponto de vista pragmático nos estudos da linguagem,visamosatingirumapragmáticatambémparaa subjetividade.Analisá-lacomoprocessualidadeepotência deproduçãodemundos.Longedereferenciaisteóricosque EmArqueologia do saber, Foucault, (1969/1987) nos
dizqueaverdadeouacausadasenunciaçõesnãodeveser procuradanaunidadedeumsujeito.Seguindomesmadireção G.Deleuzeairma“Nãoexisteenunciaçãoindividualnem mesmosujeitodeenunciação”(Deleuze,1980/1995,p.17). Eacrescenta“Alinguagemédadaporinteiroounãoédada (Deleuze,1986,p.65).Ouseja,acondiçãogeraldosenun-ciadosexcluiaimportânciadasubjetividadecomoagentee pontodepartidadalinguagem.
Ambospontosdevistadivergemdaperspectivacorrente nasciênciashumanasqueinsisteemvernaenunciaçãoa manifestaçãodeumsujeitodado,resultadodeumconjun-to de faculdades, de processos ixos, regulados por leis e princípiosinvariantes,pelosquaiselepensaeconheceuma realidadepré-existente.
nosobriguemapressuporsejaconstância,sejaapreexistên-ciadostermos,sensibilizaremosambososcomponentesàs contingênciasdoempírico.Osconceberemosimersosnum processo ininterrupto de construção mútua. A linguagem produzsubjetividadenomesmomovimentoemqueépor elaproduzida.Airmamosaexistênciadeumprocessode produçãorecíproca.
Seguiropontodevistapragmáticonosconduzaconceber aduplanaturezadoeloemquestão.Ecomissoosentidode produçãoabala-se.Aofalardeproduçãotratamos,simulta-neamente,dedoissentidosqueotermocarrega.Entendida comopurarepetição,oprocessodeproduçãoimprimeno produtosuapróprianatureza.Oefeitonãodivergedadireção conduzidapeloprocesso.Porém,existemmomentosemque oprocessodeprodução,nolugardereproduzir-senoseu efeito,seguedireçõesinusitadas,instala-secomocriação, essaestranhamodalidadedeproduçãoondeoprodutodiverge dascondiçõesdeseuengendramento.Ouseja,emsuadupla naturezaoeloentrelinguagemesubjetividadeorareproduz, orainventaosdoistermosdopar.
Para entendermos a primeira modalidade de produção remetemosinicialmenteaosestudosdeAustinsobreaforça ilocutóriadaspalavras(Austin,1962/1990).Aofalarmosde signos,enfatizamosseusentidopragmático,suapotênciade instauraçãoderealidades.Diferentementedefazerreferên-ciaaomundo,alinguagemintervémsobreele,engendraos própriosfatosquesupostamentedescreve.Nãomaisapartada dosfatos,alinguagemagecomoelesesobreeles.Noritodo casamento,porexemplo,éadeclaraçãodojuizdepazque transformasolteirosemcasados,confere-lhenovosdireitose deveres.Adeclaraçãonãodescreveofatodocasamento,elao realiza.Domesmomodosãoaspalavrascontidasnodiploma, universitário,porexemplo,quetransformamestudantesem proissionais, instituindo-lhes novas obrigações, alterando signiicativamente, seu estatuto na coletividade. Podemos dizerqueapalavraagiusobrearealidade,produziuumnovo estadodecoisas.Oatodeintervençãosobreomundoadere-se àpalavrae,umavezpronunciada,nãohácomodesfazê-lo. Eladeixasuamarca,oseloindiscutíveleirredimíveldeum comando.Énestesentidoque,conjuntamentecomAustin, deinimosalinguagemcomoato,istoé,atodefala.
Mas,quaisseriamascondiçõesnecessáriasaodiscurso paraoexercíciodestepoderdeprodução?Naempiricidade responde-nos Austin. É na ligação com os fatos extralin-güísticosqueaforçailocutóriadapalavraseesclarece.As condiçõesdefelicidadedoatodafalaresidemnosritose convenções existentes na sociedade. Análise insuiciente diremos,poisnestecasooempíricoéidentiicadoaocor-rências factuais já há muito estabilizadas nos discursos e outraspráticasvigentes.Parte-sedeumasituaçãodada,ou seja,exploram-secondiçõesjáestabelecidas,excluindo-se oprocessodeconstituiçãodestas.
ÉnaconjunçãoentretesesdeAustinedeM.Foucault queencontramossubsídiosparaoentendimentomaisamplo desteprocesso.Soluçãoquerompeoplanodaspalavras,as-simcomoodoextralingüísticoparatambémincluiroplano dascondiçõesdesuagênese.São,comopreferemDeleuze e Guattari, as circunstâncias, tomadas como pressupostos implícitosdalinguagemque,semseconfundiremcomas
palavras,determinamseusentidopragmático,suaforçapro-dutoradereal(DeleuzeeGuattari,1980/1995).Apartirda leituradeM.Foucaultinterpretamosesseprocessodegênese dosentidocomoresultadodeformaçõespolíticas,processos históricosinstaladosnosdoisplanosdepráticasqueatra-vessam toda a empiricidade: as práticas de dizibilidade e devisibilidade(Deleuze,1986).Arealidadedivide-seem duasmodalidadesdeproduçãoderealidades.Noprimeiro, localizam-seaspráticascentradasnousodesignos,istoé, toda e qualquer atividade envolvida com a expressão. No outro,aspráticasempíricasqueenvolvemcorposecoisas. Éoplanodasações,dasvisibilidades.Deumlado,osatos, realizações vinculadas às enunciações, de outro, as ações mudas.Dagêneseempíricadasformasdevisibilidadecriam-semodosdeverefazerver;jádaproduçãodasformasde dizibilidade,surgemmaneirasespecíicasdefalar,regimes dediscursosoudesignos,comopreferemDeleuzeeGuattari (1980/1995).Sãodoisplanosderealizaçõesque,emboradis-tintos,nãoseisentamdeintervençõesmútuas.Ditodeoutro modo,asformasdovisíveledodizível,agindoemregimede reciprocidade,constroemnossosabersobrearealidade,res-pectivamente,osobjetosvisíveiseostemasaseremtratados nosdiscursos.Alinguagem,portanto,articuladaàspráticas mudasjuntoaoscorposinstaurarealidades.
Entreasrealidadesproduzidaspodemosregistrarasfor-massubjetivas.ComonoslembramRolnikeGuattari,“Um fatosubjetivoésempreengendradoporumagenciamento deníveissemióticosheterogêneos”,numentrecruzamento dedeterminaçõesenunciativasnãosósociais,mastambém econômicas,tecnológicas,demídia,entreoutros(Guattarie Rolnik,1993,p.35).Aproduçãoderealidadesprocessa-se napluralidadedediscursos,advindosdosdiversossaberese práticas.Énoconjuntodefalasqueaforma-sujeitoconstitui-secomoobjetodiscursivo.
Longe de organizarem uma categoria clara, um con-ceito com contornos precisos, tal como o pensamento da representação clássica almejava, os conjuntos discursivos estabelecem entre si jogos, cujas regras de produção dos conceitosseinstituemnaparticularidadedecadasituação. Apesardesuaintensaheterogeneidade,emcertosmomentos algonelesoslevanumadireçãocomum,adoobjetoaser produzido.Amesmaforçapragmáticaosatravessaeosfazem
convergir.Certaconvergênciaentreosdiscursoséobservada, masnadaqueseaproximedaidentidade.Nãoéexatamente omesmoobjetodescritoemcadaumdosdiscursos.Nãohá homogeneidadenamaneiradedescrevê-lo.Arealidadedo objetoabrigaadispersãoentreasfalas,compõecomsuas diferenças.
Uma vez isolada da dimensão coletiva da linguagem, os enunciados organizam-se nos estratos semiológicos hie-rarquizados,deacordocomcertasredundâncias(Guattari, 1978).Aextraçãodossegmentosdiscursivosinstaura,como artifício,aenunciaçãoisoladaejustiicaaprocuradesua fontenumsujeito.Odiz-seimpessoalésubstituídopelosi dosujeitodaenunciação.Oprocessoemseutodotemseu inícionumconjuntodedizeres,alinhadoseredundandoum duplocomando:isolamentodoenunciadoeproduçãodeum simesmocomopontodepartida.Àextraçãodoenunciado doluxodediscursossegue-sesuacapturaporumacerta fraçãodediscursosimpregnadosdedeterminaçõespessoais. Aomesmotempoemqueoisolamentoserealiza,ocaráter impessoal dilui-se pelo constrangimento de transformar o luxodediscursosnumsimesmo,relexivo.Aenunciação ganha signiicação pessoal e ponto de partida localizável numeufalante.
Trata-sedeumefeitoespecíicododizer,caracterizado pelaproduçãoderepetições,pelaproduçãoderegularida-des.Entreasregularidadesproduzidas,portanto,listamos asformas-sujeito.
Mas como dissemos antes, existe na linguagem uma outramodalidadedeprodução.Oprocessodeproduçãode diferença.Coexistindocomosprocessosdeproduçãodas formassubjetivas,momentoemqueapessoalidadeemergeno artifíciodefalashomogeneizantes,registramosinstantesem queoprocessodeproduçãobifurcaeseusefeitosdesviam-se da rota esperada e geram, na estranheza desta ruptura, realidadesaindadesconhecidas.
Assimcomaproduçãoderepetiçõesacontecenosen-cadeamentosmistosdediscursos,omomentodecriaçãona linguagemtambémdependedestecaráterpluralecoletivo.
AparceriacomBaktinnospareceessencialnestemo- mento.Nosseusachadossobrediscursoindiretolivrereco-nhecemosopoderdecriaçãodalinguagem.
Nodomíniodaestilística,umcertomododenarração deine-seporsuacondiçãoparadoxal.Estemodoestilístico chamaatençãopeladiiculdadedeentendê-loapartirdesua formagramatical.Atônicarecaisobreseucaráterhíbrido. Asanálisestributáriasdalingüísticanãoconseguemapre-enderseusentido.Detectadoinicialmentenaliteraturade PuchikinecompresençafreqüentenaobradeDostoievisky, umtipodeenunciação,denominadodiscursoindiretolivre, revela-secomoumfenômenomistodalinguagem(Baktin, 1929/1992).
Odiscursoindiretolivreicamelhorcompreendidoem relaçãoaosdoistiposdediscursotradicionalmentedetecta-dos.Chama-sediscursodiretolivrequando,numanarrativa, afaladeumpersonagemérelatadaielmenteemsuaforma inicial.Ouseja,afaladeoutremérepetidasemqualquer alteração.Odiscursodiretovementreaspasenaprimeira pessoa.Porexemplo,nomonólogodeFausto,doteatrode Goetheencontramos:Faustodisse:“Aidemimqueestudei ilosoia, leis...”. Diferentemente, denomina-se discurso indireto, quando o que é dito por alguém é reproduzido segundoopontodevistadanarrativa.Nestecaso,aenun-ciaçãoéatribuídaaonarradorquerelataafaladooutro,com suasprópriaspalavraseexpressões.Nomesmoexemplo,a transposiçãopoderiaser:“Faustodissecompesarquehavia estudadoilosoia,leis...”
Odiscursoindiretolivretemaparticularidadedeconter aumsótempodoistiposdediscursos.Eleéformuladopelo narrador,segundoseupontodevista,porém,contémpalavras e expressões que só poderiam ser ditas pelo personagem. Seguindooexemploacimateríamos:“Fausto,ai!Estudou ilosoia,leis....”.Alexãodotempoepessoadoverborevela apresençadonarrador,masainterjeição“ai”sópodeser atribuídoaopersonagemenãoànarrativa.Nestecasoodis-cursoconstitui-senummistoentredoisditos:dopersonagem edonarrador.Odiscursodopersonagemintrometeu-seno discursodonarrador,interferiunosentidodafrase,introdu-zindo uma tonalidade inapreensível pela gramaticalidade. Estetipodediscursorevelaheterogeneidade.Temaparticu-laridadedeconteraumsótempoduasenunciaçõesdistintas eirredutíveis.
Tal indissociabilidade, novidade desse estilo, explicita umhibridismoquenosinteressaparticularmente,asaber:a existênciadepontosdevistadistintos,irredutíveis,porém coexistentesnaenunciação.
Ao generalizarmos o discurso indireto livre para toda linguagemextraímosduasconseqüênciasimportantes.Uma delasserveànegaçãodasubjetividadecomobaseuniicada deenunciaçõesindividualizadas.Aoutraremeteànoçãode interferência,modocomooautorqualiicaanaturezacria-doradoeloentreasfalas.Vejamoscadaumadelas.
No discurso indireto livre, as enunciações perdem a nitidez de seus contornos, misturam-se umas nas outras paraatrelarseusentidoaoencadeamentoininitodefalas. Énessesentidoquesedizquealinguagemésempremeta-linguagem.Temasiprópriacomoreferente.Vai-sedodito aodito,semquesepossadeinirumpontodepartidada linguagemquelhesejaexterior.Semautoriaespeciicável, aspalavrasatravessamumnúmeroincontáveldediscursos, difundem-se através de diferentes áreas do social e põem emcenaamultiplicidadedosditos,edessemodo,assinalam emsuaenunciaçãoasuperposiçãodeváriasvozes(Ducrot, 1993). Tal polifonia não constitui um somatório de ocor-rênciasenunciativasquepossamserindividualizadas.Sem que seja possível precisar a autoria do evento lingüístico, esteseestabelecepelasligaçõesmútuasentreosditos.A manifestaçãoéantescoletivaeoenunciadoindividualizado ésemprederivado,frutodaaçãodedestacarumcomponente doconjuntodeenunciadosvigentesnumadadasociedade.É nessesentidoque,paraBaktin(1929/1992),todaenunciação pormaiscompletaquesejaéapenasumafraçãoextraídade umacorrenteininterruptadefalas.
AsegundaconseqüênciadenossaparceriacomBaktin deve-seàrevisãosofridapelanoçãodeinterferênciapara aproximá-ladeumefeitodevariaçãooudecriação.
Trata-se ainda de ver a linguagem como coletivo de enunciações,talcomodescrevemosanteriormentenasfor-maçõesdiscursivas,noseupoderdeproduçãoderepetições. Porém,nestecaso,ocoletivo,aredediscursivaassumeoutra natureza.Diferentedeproduzirrepetições,redundânciasdis-cursivas,deconvergirnaproduçãodeumarealidadecomum, ocaráterdispersodoconjuntoproduzatrito,investenadiver-gênciaentrefalascoexistenteseassim,mantémemsuspenso ainalizaçãodosentido.Nolugardasigniicaçãoesperada surgemsériesininitaseproliferantesdenovassigniicações. Asrealidadescriadaspelaspalavras,nestecaso,divergem daordemestimadadosfatos,fazemergiroacontecimento, rupturasnaordemgeralestabilizada.
Nestemomento,cabenosperguntarmoscomoesseoutro sentidopluraledivergenteafetaasubjetividade.Ditodeou-tromodo,indagamossobreosefeitosdoeloentreosentido desviantedossignoseasubjetividade.
Quandoafalaexpõeseucaráterimpessoal,deixavazar discursosmenosredundantes,rumorescomsentidoindei-nido,pervertendomodosdesubjetivaçãomodelizantes.A produçãocriadoradalinguagemaoapoiar-senadispersão irredutíveldosentidonãoremeteàunidadedosujeitofalante. Aenunciaçãoperfeitamenteindividualizadadálugaràassina-turaplural.Nocontatocomaheterogeneidadedalinguagem, aunidadeictíciadoeufragmenta-se,abandonaosmodos desubjetivaçãorepetidora,serializanteseativasuanatureza plural,emderiva,engajadanacriaçãodenovossentidos,isto é,naconstruçãodenovasformasdedizereexperimentara vida.Ouseja,comoefeitodoconjuntoparadoxaldedizeres édadoàsubjetividadevivernovasmodalidadesdepensar,de sentir,deperceberomundo.Osentidobifurcantedossignos proliferamodosdesubjetivaçãosingularizantes.
Neste ponto, apostando na parceria com Baktin, Aus-tin,FoucaulteemespecialcomG.DeleuzeeF.Guattari, forçaremosoredirecionamentodaspesquisasdapsicologia dalinguagemaimdeincluirmosoestudodadimensãode produçãocriadoradossignos.Paratal,propomosanoção deestilo-subjetividade.Nestecaso,eloentresubjetividade elinguagemexpressaoprocessopeloqualosdoistermos afetam-se mutuamente na geração de novos sentidos, de novasmodalidadessubjetivas.Apartirdestemomentoex-plicitaremosadimensãocriadoradoeloentrelinguageme subjetividadeatravésdanoçãodeestilo.
Paraisto,rejeitamosadeiniçãotradicionaldeestiloque oconcebecomoaextraordináriahabilidadedeaplicaçãodas regrasdaescrita.Aocontrário,paranós,estilonãoenvolve submissãoàsintaxeesimumatoderesistência.Neleouso docódigoseprestaatransgressões.Nolugardesigniica-çõesfáceis,imediatamentereconhecíveis,oestilointroduz descompassonacompreensão.Oestilopodefazerotexto escapar do código sem, no entanto afastar-se do universo dosentido.Eliminaaobviedadedassigniicações,desviaa linguagemdesuarotafamiliar,promovendosignos-enigmas, sóapreendidosatravésdeumexercícioinindáveldebuscade signiicações.Oestilocomprometeaunivocidadedotextoem nomedacoexistênciademúltiplossentidosedaestranheza felizqueelacomporta.
Selecionoalgumexemplosnaliteraturaparafacilitara compreensão.EmGuimarãesRosaencontramosacompo-sição“Sussuruído”(Rosa,1979),cujosentidooscilaentreo
sominaudíveldeumsussurroeaperturbaçãocausadapelo ruído,sempermitirdecisãoconclusiva.Adivergênciainterna aosignoimpedeasíntesedosentidoparamantervivoeeterno oprocessodesuadecifração.
EmProustdetectamosumaoutramodalidadedeestilo, onde não ocorrem rupturas da sintaxe ou do léxico. Ao descreveropersonagemAlbertina,porexemplo,ressaltaa decalagementreaconiançaeasuspeitadeciúmequeseu rostoinspira.(Deleuze,1976/1987).Otextoconstrói-sea partir de imagens paradoxais. Na ausência de uniicação possívelosentidoseguemúltiplasdireções.
Oestilotambémpodeintroduziroimpassenasigniicação atravésdasonoridadedavoz:aentonação,oritmo,velocida-deealturaentreoutros.Observam-secomocertaspalavras sãopronunciadasdemodoquaseinaudível,outrastêmsua acentuaçãoduplicada,alterandomuitasvezesoresultadodo queéditoeenvolvendoaequivocaçãodesentido.
Enim,osprocedimentosestilísticos,emsuasinúmeras formas de manifestação, têm por regra de funcionamento produzirefeitosdeatrito,disruptoresdasunidadesdesig-niicação.
Nestesmomentos,aomesmotempoemquealinguagem tomadireçõesindeterminadas,trazendoàcenauniversosde signiicação ainda a serem construídos, a forma subjetiva seguenovosrumos,bemlongedesuaaparenteunidade.Pois talprocedimento,aotransparecersuacondiçãoimpessoal,co-letiva,bloqueiaasrepetiçõesdoeuedeixamvazardiscursos menosredundantes,rumorescomsentidomaisindeinido, pervertendoprocessosdesubjetivaçãomodelizantes.Atra-vésdosatosdeestilo-subjetividadeédadoàlinguagemeà subjetividadetocaroacontecimento,inauguraronãosentido proliferantedenovosmundos.
Contra todo personalismo, psicológico oulingüístico, eles[osacontecimentos]promovemumaterceirapessoa,a não-pessoaouopronomeimpessoal,noqualnósnosreco-nhecemosnósmesmosoureconhecemosnossacomunidade, bemmaisdoquenastrocasvaziasentreumEueumTu.” (Deleuze,1989,p.90)
Apropostadeestudodanoçãodeestilo-subjetividade éproduzirumdesvionosestudosdapsicologiadalingua- gem,preocupadosapenascomasinvariânciasdeumafa-culdadelingüística.Assimcomoogerativismochomskiano (Chomsky, 1980/1981,1992) descreve uma competência lingüística,apragmáticadeKebrat-Orecchione(1988)fala deumacompetênciaretórico-pragmática,nóspropomosoes-tudodacompetênciaestilística,essamodalidadedeprodução criadorarealizadajuntoàlinguagemnaqualasubjetividade transbordadeseuscontornosrealizandooprocessodecriação desiquemelhoradeine.
Referências
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Recebidoem05.07.2002 Primeiradecisãoeditorialem17.09.2002
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