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O grande experimento: sobre a oposição entre eticidade (Sittlichkeit) e autonomia em Nietzsche.

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o

GRANDE EXPERIMENTO: SOBRE A OPOSIÇ ÃO

ENTRE ETICIDADE

(SITTLlCHKEIT)

E AUTONOMIA EM

NIETZSCH�·

Oswldo GIACOIA IOR··

RESUMO: Elegedo motivo pricipal da posição a oção nietzscheal de eticidade do costume (Sittlickeit der Sitte), este trabalho prcura ressaltar a posição estratégica cpada pela relxão sobre a procedêcia dos valores morais l critica da etalsica tradicioal empreendida por Nietzche, bem como a especicidade da cotribuição deste fúósofo para o trataento do tea em qustão.

UNITERMOS: Ética; moral; direito; autoomia da vontade; pessoa; consciência; consciência mo.a1

1. TAREFA DA GENEALOGIA DA MORAL

Já s primeias rceçes relevanes de seu enmeno considerm Niezsche como o ilósofo a cultura, identificando nese tema o eixo poblemático nucler de sua ilosofia: "Niezche é o ilósofo a cultura A cultua é o problema central a que se relacionam

• Este artigo é dedicdo à Sirlêi, om gratidão.

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odos os seus ensamentos mais essenciais. Esta arefa não é alterada em função da mudança de suas conceçes; ela interliga os eríodos de seu pensamento e e enconra no cenro de sua ilosoia" (20, p.

4). Com efeio, em

O Nascimento da Tragédia, obra inaugural de sua ajetória ilosóica, Nietzsche emprendea a crítica da cultua scáico­ alexandina, tomando-a como m tio de cultua cientíica animaa ela cença na verdade e no ideal dela decorente, segundo o qual é ossível ao pensamento, "seguindo o fio condutor a casualidade, esender-se até os abismos mais profundos do ser e não aenas conhecê-lo, mas até mesmo corrigi-lo" (10, XV) Nota A). No conexto de suas obras de juventude, Nietzche crítica a cultura scrática-alexanrina do onto de visà de uma coceço meafísica da rte e da exeriência do rtisa, a que a Tentativa de Autocrítica crescenada ao Nscimento da Trágedia á o nome e "metafísica de isa" ( 10, I e V). A pair de Humano, Demasiao Humano, a crítica nietzschna da cultua abandona suas caracterísicas e pressuosiçes iniciais pra ir se determinando progressivmente como genealogia dos valores supremos da moral. "Meus penamentos sobre a prcedência (Herkunft) dos prejuízos morais ( . . . ) tiveram sua primeira expressão provisória e parca nesa colço de aforismos que tem por título Humano, Demasiado Humano. Um Livro para Espíritos Livres. ( . . . ) foi enão a primeira vez que trouxe à luz aquelas hipóteses genalógicas ( . . . ) com topea, que eu seria o último a querer cultar-me e, além disso, sem liberdade, sem disor de uma linguagem própria para dizer coisas próprias, e com múltiplas ecaídas e lutuaçes" ( 1 1 , refácio, li e IV). À vista de emelhne mudança de orientação cumpre perguntar-se: o que faz com que o programa crítico niezscheano abandone seus pressuostos e caracterísicas iniciais, que fundavam a inerpretação dos fenômenos culturais na 'meaísica de artisa'? Indício importante para uma resposa ossível a esta questão ode ser encontrado no aforismo 344 de A Gaia Ciência - texto elaro no mesmo erído que Para Além e Bem e Mal e Para a Genealogia a Moral, nos quais Nietzsche imprime a seu projeto genealógico dos valores morais e forma lingüísica e metoológica que supera, a eu ver, s rcaídas e lutuações em que incoria ina Hmano, Demasiao Hmano. Pode-se depreender do aforismo supra mencionado que, pra Nietzsche, a cultura cidental se cracteia, desde o apogeu do ideal scático, or responder previamente de maneira afirmativa a questão de se saber se a verdade é necessária; tal resposta prévia é de tal modo airmativa que "nela alcança expressão esa cença, esta convicção: 'Nada é mais necesrio do que a verdade, e em proorção a ela o resto só tem um valor de segunda ordem '" ( 19, p. 220). A cultura do cidente se cracteiza, ortanto, segundo Nietzsche - pelo menos a partir do triunfo do ideal scrático - como cultura cientica por excelência, de modo a resulr de sua própria natreza que à verdade deve er atribuído valor incondicional e exclusiva relevância. O ipo de cultura expresso pelo ideal socrático é aquele para o qual a verdade - mais precisamente, a crena no valor incondicional da verdade - é tomada como suprema aspração e esimativa de valor, de mdo que ao Veradeiro á que ser aribuído o caráter de supremo em. a a cultua cieníica do cidente á, segundo Niezsche, equivalência ene o Bem, o Verdadeo, o Juso e o Belo, de sore que o erro e a ignorância da verdade ão considerados como a origem efetiva do mal. Diante disso, erguna-e Nietzsche: o

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que ode signiicar uma tal vontade incondicionada e exclusiva de verdade? e onde provém a crença no exclusivo valor da verdade? Qual a natureza do valor aribuído ao valor-verdade? Como se deria avaliá-lo? Do exame de tais questões, resulará, para Nietzsche, em primero lugar, que a crença na verdade como valor incondicional é o resulado de uma avaliação moral, de modo que a suprema aspiração da cultura de tio cientfico cidental não é, para ele, a expressão de um fato ou lei científica, mas, pradoxalmente, daquilo precisamente que a ciência-procura banir de seu território próprio: taa-se de uma convicção e de uma estimativa moral de valr. O desdobramento do exame deste problema determinrá, para Niezsche, em seguida à consatação a natureza moral do valor-verdade, a ncessidade de uma avaliação do valor atribuído à verade; l avaliação Ó deá ser levada a efeio segundo um criério que osa sevir e base suficiente para a media do valor aribuído à verdade, sem que al critério osa, no entanto, transformar-se em objeto de avaliação or intermédio de outro valor no qual aquele pudesse ser subsumido. Este último critério, que permite a Nietzsche efetur a avaliação do fundo moral dos valores da ciência, é, poranto, a insância fundamental de seu penamento: a vida. Eis a erspctiva fundamenal a prtir de que se determina e orienta a genalogia Nietzscheana, seu mais recuado limiar de compreensão, além, ou aquém do qul nenhuma transposição é possível: "Seria prciso ter uma posição fora da via e, or outro lado, conhcê-la ão bem quano um, quano muitos, quno todos que a viveram, pra pder em geral tcar o problema do valor a vida: razes bastantes pra e compreender que este problema é um problema inacessível para nós. Se falamos de valores, falamos sb a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesma nos coage a instituir valores; a vida mesma valoriza através de nós, quanto instituímos valores ... " (19, p. 341).

Se ilusão, cegueira, velamento, delírio, engano, ransfiguração, falsidade, erro, inten as condiçes a via em geral, então a cença no valor incondicional e exclusivo da verdade e a vontade de verdade a qualquer custo não encontram justiicativa num cálculo uiliio, cujo resultado deeminse a absolua e exclusiva ncessiade e uilidade da verade pra a vida. Se é admissivel suspeitar que tanto a falsidade quanto a verdade fazem parte das condiçes gerais de vida (ou, como airma Nietzsche, "se houvesse a aprência - e há esa aparência - de que a vida deende da apência, quero dizer, do ero, da imostura, disfrce, cegameno, auto-cegamento e ... se a grande forma da vida empre se tivesse mostrado, de fao, do lado do mais inecrupuloso polytropoi" (19, p. 221) de onde poderia, então, a ciência e a cultura que nela reousa extrair sua crença icondicionada de que a verdade é mais imonte que a outa coia, do que qualquer ouro valor? Esa vontade de verdade a qualquer peço, esta eleição e verdade como valor incondicionl em derimeno do ero, do engano e da ilusão, não é enão, pra Niesche, o resultado de uma escolha qualificatória e legitimadora de um dos possíveis condicionamentos da via em gerl. Traa-se, por outro lado, de uma desqualiicação e ilegitimação de possíveis condicionamentos vitais que, do ponto de vista da vida em geral, são igualmente "legítimos, bons úteis". A vontade incondicional de verdade e revela, portanto, como um princípio hostil às condições da vida em geral, e, neste

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sentido, odeia "ser uma velada vontade de morte. - Desa forma, a quesão: or que ciência? reconduz ao problema moral: para que em geral moral, se vida, natureza, históia, so 'imorais'? Sem dúvida o veredio, naquele sentido temerário e último, como o pressue a crença na ciência, afrrma com isso um outro mundo do que o da vida, da natea e a hisóia; e, a medida em que airma esse 'ouo mundo', como? não prcia jusamente com iso, de . . . negar eu reverso, este mundo, o nosso mundo? . . " ( 19, p. 221) Esa vonade que elege a verdade como supr�o valor se auto-institui, com isso, em onto e visa ersecivo de valor, como sendo ela própria estimativa de valor. Ora, paa Niezche, "o ono de vista do valor é o onto de visa de condições de conservação e crescimento de formaçes comples de via e relativa duração no inerior do devr" (18, p. 36; Fr. 1 1 (73). Valores são, ortanto, condiçes de conservação e crescimento de complexos viais, precisamente do tipo de vida que os elege e institui a prtir de uma ersectiva ou onto de vista. Desse mdo, o ponto de visa de valor expresso como vontade incondicional de verdade é o ponto de visa de condiçes de conservação e crescimento do tio vial expresso or essa mesma vonade. Se a vonade incondicional de verade é constitutiva da esência da cultua cientíica do cidene, pra a qual a vrade se apresenta, de plena evidência, como forma suprema de valor, esa crença no valor incondicional a verdade ó encontra justiicativa numa avaliação moral, então a emprea de submeter à crítica a cultura do cidente ganha forçosamene a determinação de uma genealogia da moral. "Mas . . . não são os juízos de valor lógicos os mais profundos e mais radiciais aé os quais a bravura de nossa suseia desceu: a coniança na rão, com a qual a validez desses juízos permanece ou perece, é, como confiança, um fenômeno moral . . . " (19, p. 165). Sendo de naturea moral os problemas funamenais da cultua do cidente e morais os valores nos quais esa cultura e assena, tem-e que uma crítica radical a cultura deve forçoamene se determinar como genalogia a morl, pois "não existiram aé aqui problemas mais fundamenais do que os problemas morais, é na força propulsora desses poblemas que tiveram origem as as randes concepções no tereno dos valores aé eno vigentes (-or exemplo tudo aquilo que comumente é chamado de 'Filosoia'; e isso até as úlimas pressuposiçes de eoria do conhecimento)" (17, p, 220; Fr. 5 (80». Daí a ncessidade e a urgência de uma crítica dos valores moais. "Carcemos de uma crítica dos valores morais, é necessário alguma vez colocar em questão o valor destes valores - e paa isto é preciso ter conhecimeno das condições e circunsâncias em que surgiram, se desenvolveram e modificaram" (1 1 , Pref. VI). Uma crítica dos valores moris, que seja mais do que uma simples história dos sistemas éticos (Cf. 9, Af. 345) e tome por base o conhecimento das condiçes e circunsâncias em que surgiram e se desenvolveram tais valores, deve compreender, em sua radical idade, uma genealogia da insncia originária de tdo valor moal: esa crítica comprende, porano, como um de seus momenos consitutivos, uma história da proveniência da consciência moral: solo onde e originam e e enrazam dos os valores morais.

Esa genalogia empreendida or Nietzsche dos supremos valores da moralidade cidenal comora; como uma de suas dimensões essenciis, a relexão sobre a eticidade

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do costume (Sittlichkeit der Sitte) (Noa B) e sobre o direito primitivo, em esecal o direito enal.

A questão que ora e colca é a de expliciar a função escica e esatégica a a es­ rutura da rgumenação que temas como a eiciade do costume e as formas elemenares do direito deemenham como momentos essenciais a genealogia niezcheana s for­ ms sueriores a moralidade. Pde-e compreender a ingene necessidde a preença deses emas como as de imoância fundamenl no pojeto genalógico niezchea­ no - e, de mdo escial, a coniguração que este adquie a r de Para Além e Bem e Mal e Para a Genealogia da Moral -e se em em cona dois ontos de visa cpiais destes dois escritos: 1) o dreito primitivo e a eticidade do costume são aordados or Nietzsche como tendo se constituído hipoteticamente durante a pré-história da humanidade , ou seja, durante incomensuráveis lances de tempo, agora apenas imagináveis, ao longo dos quais o caos pulsional daquilo que lena e enosamene viria a e ransfomr a espécie humana rcee a impresão s primeiras determinaçes gerais do tio homem. Trata-se, portanto, de um recuo hiotético para além dos limires a história, um ousado alto na região obscura onde rancoreram os lances iniciais a eoéia aina inacabada e auo-consituição da humaniade. Tais incomensuráveis lances de temo precedem a "história mundial (We1tgeschichte) como a efetiva e decisiva história principal (Hauptgechichte) qe fOU o caráter a humanidae" (15, M. 1 8). É do solo desta primitiva eticidade - lodo fecundo, sombrio, perigoso, movediço - que brotam as mais raras orquídas da cultura. 2) Dieito primiivo e eticidade do costume ão aoados or Nietzsche como omínios de concção a vonade e der, de manea que é omente nos situando do onto de vista da vonade de pder que demos comreender adequadamene esas das deerminaçes; inveramene, compeendendo-as scendemos a uma inteligência mais cla e abrangente do próprio conceito de vonade de oder -horizone a Ilosoia niezcha * . Repor a gênese do direio primiivo e da eicidae do costume à insância conceitual da vonade de oder implica uma esraégia teórica de múltiplos efeitos. Isto oa ossível, or exemplo, compreender adequadamene o cáer esecíico do prcdimento medológico da genealogia nietzchana em sua discusão com estilos de filosofr concorenciais; emie, além disso, resgar e zer à luz uma dimenão artística fundamental do conceito de vontade de oder, com bae na qual e ona ossível colr em questão a validade de inerpeaçes deste conceio que insisem em increvê-lo imediatamente no circuito de caegorias scio-políticas. No que reeia ao primeiro ascto, Nietzche prcede em eu pojeto genealógico das formas e valores sueriores a moralidade vinculando-os s suas condições iniciais de ossibilidade. As circunsâncias e condições de onde provieram os supremos valores da morlidade ão detecaas or Nietzsche no teritório a primitiva eticidade do costume e das formas elemenres do direio. Niezsche considera, no enanto, o pimiivo universo da eticiade do costume e

''Todos os 'is', 'sentidos', 'metas', são apenas modos de expressão e metmorfose da única vontade inerente a todo acontecer: da vontade de oder." (16, p. 4; Fr. 1 1 (96).

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do direito de um onto de vista que lhe é cracterístico, qual eja, o as forças ativas, plásticas, agressivas. Este é um dos pontos de vista metodológicos decisivos

apresenados or Nietzsche de foma crítica e olêmica em Para a Genealogia a Moal. *

Nietzche rcua decididmente a hiótese scalwinisa a espeito da pcedência dos valores morais e das insituiçes oigináias a cultra, que considera seu surgimento como endo sido devido a rzes de uilidade e eu deenvolvimento como integrando o progreso e o aprimormento a esécie humana Seu surgimento e desenvolvimento

seriam devidos, destarte, à uilidade que puderam ter para a conservação e eprdução a

vida em sciedade, isto é, seriam esulanes do esforço endente à atisfatória adapação

coleiva do homem s condiçes extenas de vida. Ao vincular a eticidade e s categorias

elementares do direito à vontade de poder, Nietzsche trabalha em oposição ao scial­ darwinismo, privilegiando o caráter primário, espontâneo, assimilador da atividade, em derimento do caráter cundário, rativo, a adapação. O princípio primário dos fenôme­ nos do mundo orgânico - princípio este no qual a vontade de pder encontra, segundo

Niezsche, imediaa expressão - é a energia s forças ativas, agressivas, assimiladors,

assujeiadoas, cujos efeios ão eguidos elos fenômenos cundrios da adapação con­ ervadora (C. l I , lI, 12). Ora. o universo normaivo do direio e a eticidae do costume se apresenta para ele como domínio emático privilegiado para a explicitação de suas

hipótees concenentes à proveniência e deenvolvimento s instituiçes primárias da

cultura, ois que este universo de hierarquias e regramenos é animado or uma vontade organizadora fundamenal, que é princípio plástico, ativo, transformador. A eticidade do costume e s formas elementares do direito aparcem, portanto, para Nietzsche, como expressões miméticas dessa energia propulsora, criadora de forms, instituidora de sentidos, distâncias, hierarquias, que é a própria vontade de poder - força plástica e

pincípio stico de organiação Noa C). Pra imprimir à erância anárquica original do

animal-homem as mais incipientes formas de organização social, foi necessário consolidr disciplinas e regramentos, instituir critérios de hierarquização, instaurr distâncias e diferenças, plasmr, enim, tudo aquilo que constitui essencialmene o universo a mais primitiva eticiade. Isto se toma especialmente claro na hipótee elaoraa or Nietzsche, em Para a Genealoga a Moral, para explicir a proveniência das formas mais embrionárias de Estado, onde este é tomado como uma impidoa maquinaria, com auxilio da qual e promove a inserção forçaa do animal-homem live e errante no interior de rígias formas sociais. Tal hipótese, a despeito das macabras interpretaçes a que deu lugar ao longo da receção niezscheana, deve, no enanto, ser enendida em seu contexo expecíico, isto é, como hipóese de rabalho que·via rama­ tizar esteicmene a atuação de um princípio plástico e organiador, prima fade rtístico,

princípio de formação, iguração e ransiguração (Gestaltung e Bildung ão ermos

fre-•

o próprio subtítulo do esrito dnomindo PARA A GENEAOOIA DA MOL indica seu craer olêmico, sua natureza de'Sreitschrift'.

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qlenemente empregados or Nietzsche nese contexo). Traa-e de uma ouaa alegoria

avenando-e a noite sombia de uma ossível pé-história da esécie, em pretender o

esatuto de rigoosa objeividade científica. "O 'Estado' mais antigo aprceu . . . como uma horível tirnia, como uma máquina riturdoa impiedoa que coninuou aalhndo deste mdo até que aquela matéria bruta feita de ovo e semi-animaliade não somene aaou r icar em amasada, maleável, como amém r ter umafora" ( 1 1 , 11, 17). É abid. o que Nietzce pretende signiicr, neste contexto, com o temo "Esado": uma ha e animais e pina, conquisaoes organdos pa a guera e doados da frça e orgniar, que, em esúpulos ou consideração, lança sas grras impiedoas obre uma população informe e errante, possivelmente muio mais forte do ponto de visa

numérico, inculcand-lhe a fogo a maca da própia vontade (1 1 , 1, 17). Sabe-se tamém

a que tio de inepretação deu azo a esta funesta asagem. Mas se atentou menos pa o "Leitmotiv" artístico que empresta seu vigor à dramatização da "b/onde Bestie" nietzscheana: "sua obra é um instintivo criar formas, são os mais involuntários e

inconcientes tistas que existem: em pouco tempo surge, á onde eles aparcem, algo

novo, uma concreção de domínio otada de vida em que as partes e funçes foram delimiaas e ostas em conexão, na qual não tem lugr absolutamente nada a que não e

tenha antes dado um 'sentido' em relação ao todo. Estes organizadores natos não aem Ó

que é a culpa, o que é a resonsabilidade, o que é consideração; imera neles aquele

terrível egoísmo de artista que olha as coisas com olhos de bronze e que de antemão e

acha jusiicado na 'obra' or a a etenidade, como a mãe em seu filho" (1 1 , I, 1 7).

Direito pimitivo e eticiade do costume - enquanto modos de instauração de disâncias, hierarquias, privilégios, proporçes e regramentos - razem à luz, de modo conveniente, o caráter essencial da vontade de poder, ela própria sendo energia organiadora, delimitadora, instauradora de sentidos, hierrquias, funçes, portadora de critérios de medida e avaliação. O trabalho auto-modelador que o animal-homem emprende consigo mesmo (Ausgestaltung) é ralizado qual direito primitivo e eicidade do costume, or via de um domínio nomativo comosto de ordenaçes e hierrquias, diferençs e distâncias, mecanismos de disciplina e cerção. A vonade de der é tomada or Nietzsche como a dynamis deste prcesso em cujo curso e institui e consolida a mais primitiva forma de vida em comum (primitivstes Gemeinwesen) , de cujo desdobrmento e originam as mais complexas e ofisicadas iguraçes rdias da cultua superior (Arte, Religião, Filosofia), culminando na figura sem par do indivíduo soberano, na qual toma coro a liberdade tornada possível por intermédio de seu contrário, isto é, da sujeição inexorável e dos bruis dispositivos de cerção e tortura inerentes às formas primitivas do mundo do direito. O processo civilizatório é visto, nesa ersectiva, como um prdígio de crueldade empregado ela humaniade contra si mesma, como um terrível prcesso de domesicação e domestificação, quebrnmento e sublimação das pulses mis rebeldes e selvagens do animal-homem. A barbárie deste processo em sua inevitável desmedida inicial, seu refinamento ul terior, sua "espritualização", são descritas por Nietzsche ao aordar o tema da eicidade primitiva. Este é o pcesso que se apresenta para ele como condição de surgimento s fomas mis

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sutis e refinadas da cultura superior, este reino de lierdade distinto e contraposto ao abismo sombrio da necessidade e da heteronomia. O lento e enoso prcesso de aquisição de costumes - processo ao qual Nietzsche dá, por vezes, o nome de Gesittung ( 1 1 , lI, 9), manendo a proximidade etimológica com Sitte e Sittlichkeit - é o esforço épico de formação e conformação da humanidade em seu devir, cujo onto de parida é consituído pela matéria explosiva dos mais poderosos instintos do animal-homem, aos quais Nietzsche á o nome de "antigos instintos da liberdade", isto é, as pulsões selvagens e irrefreadas do animal livre e errante, "a hostilidade, crueldade, prazer no assalto, na perseguição, na agressão, na mudança, na desruição" ( 1 1 , lI, 16; 19, p. 3 1 7) 1 .

Por essa razão, situa-se o genealogista Niezsche no extremo oposto da reflexão de Hegel sobre a "Sittlic hkeit" . a despeito da ressonância hegeliana do termo e de surpreendentes analogias parciais de certos momentos da argumentação (Nota D). Para Nietzsche, de outro modo que para Hegel, o solo onde se enraiza o direito não é

"überhaupt das Geistige und seine nihere Stelle und Ausgangspunkt er Wille. welcher frei isto so dass die Freheit seine Substanz und Bestimmung ausmacht. und das Rechtystem das Reich der verwirklichten Freiheit. die Welt des Geistes aus ihm selbst hervorgebracht ais eine zweite Natur" (6, §4, p. 50)* , Tampouco se pode dizer que a eticidade (Sittlichkeit) seja para Nietzsche, como é para Hegel, "die gedachte Idee des Guten realisert in dem in sith refektierten Willen und in der ausserlichen We1t; so dass die Freiheit ais die S u b s ta n z ebenso sehr ais Wirklic h k e it und Notwendigkeit existiert. ais subjektiver WilIe; die Idee in ihrer an und für sich allgemeinen Existenz" (6, § 33, p. 84)**. Eticidade e diretio não são, para Nietzsche determinaçes concreas da liberdade, não são eapas necessárias de um prcesso de auto­ revelação do espírito - considere-se tal processo do ponto de visa das realizações históricas concretas ou do onto de visa dos momentos lógicos necessários à realização do conceio de liberdade. São antes, do ponto de visa nietzscheano, domínios antitéticos da liberdade. "O homem livre é não-ético, porque em tudo quer depender de si e não de uma tradição: em todos os estados primitivos da humanidade, 'mau' significa o mesmo que 'indidual', 'livre', 'arbitrário', 'inusitado', 'imprevisto', 'incalculável''' (18, Af. 9; 19, p. 1 67). "Sittlicheit" não signiica, para Nietzsche, o momento do reconhecimento pelo

"Le droit Jait partie du domaie de l'esprit, mais au sein ême de l'esprit. il a pIus précisément sa pIace et sa base de départ das Ia voIonté. ar. Ia voIonté est Iibre. à ce point que Ia Iiberté costitue sa substance et sa destination. II s'esuit que Ie systeme du droit est Ie royaume de Ia liberté efectiveent réaIisée, du monde de l'esprit. mode que l'esprit produit à partir e Iui mêe coe une secone ature" / (Trad. R. Derahé. Paris.

Vrin, 1986, p. 70-7 1 ) • •

"/'ldée du B ien, non seulemet pensée, ais realisée, à la [ois dans la volonté réléchie en soi et das un monde exterieur - de teIle sorte que Ia liberté etant que substance, existe tout aussi bien come reaIité efective et come ecessité que coe simpIe voIonté

subjective: c 'est donc l'ldée dans son xistece universeIle en soi et pour soi: Ia vie éthique (Sittlicheit)" (id. p. 92)

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esprito da aprente alteride do mundo como endo, em verade, sua obra e, orano,

exresão da identidade consigo mesmo; não é o omr-er sich da lierade subsancial

do esprito que, an sich, é desde empre liberdade somente abstrata. Para Niezsche o

espiitual (das Geistige) e sua lierdade sustancial ão produzidos ao longo do rabalho

brual da eticidade do costume, cuja cega contígência não é redimida or nenhuma ralio

embionária que atuse como energia cula de um prcesso formativo, nem resgata

como etapa necessária ao cumprimeno de uma telologia paciicadora. O prcesso de r

a er as mais reinadas formaçes da cultura sueior que êm sa rigem na eticidade do costume e nos disositivos rudimenres do dreio primitivo é enfcado por Niezche e um duplo onto de visa: do onto de visa que e oderia denominar "macro-cósmico", quando se rata da criação das comunidades ou "estados" primitivos, constituídos com base na instituição forçada de diferenças funcionis hiearquizads e regrmenos diversos de domínios de der, e do ponto de vista a que se pderia chmar "micro-cósmico", egundo o qual se considera a inrojeção ao nível da psiquê individual dos prcessos de diferenciação e hierarquização de funçes, por meio do qual se toma possível anto o desdobrmeno e espcificação das funções qunto o concurso harmonioso de distintas faculades e disposiçes psíqu:as. Para conquista deste 'optimum' de harmonia e equilIbrio, com o que se obtém o auto-domínio sobre pulses e pixes, deve o indivíduo reprduzr em si, intealizndo-o, o esforço formativo do qual resultou a consolidação da coletiviade, com o que esta se transforma para ele em superfície de relexão e

rconhcimeno". "Sem o pathos de istância. l como surge da inveterada difeença dos

esamenos, do ermanente olhar à disncia dirigido ela classe dominane pra além e para baixo sobre súditos e insrumentos e de eu permanente exercício de oedecer e comandar, mnter os ouros subjugados e disanciados, não poderia surgir ampouco, de

modo algum, aquele outro palhos misterioso, aquele desejo de ampliar incessantemene

as disâncis denro da própria alma, a elaoração de esados sempre mais elevados, rros, mais distantes, tencionados, abrangentes, em suma, justamente a elevação do 'tipo' homem, a contínua auto-superação do homem, para empregar em sentido extra-moral uma fórmula moral". (13, i. 257).

eprene-se do exosto que os temas do direio primitivo e da etíciade do costume não ão meramente episdicos na genealogia nietzscheana das formas superiores da

moalide, ms momentos imprecindíveis à conomia a. rgumenção. Empeendemos

a seguir, a par do exame dos extos de Niezche, a ntativa de comprovação desta airmação, examinando, pa anto, dois sectos complemenes desa genealogia.

2. SOBRE A C ONSCIÊNCIA DO DEVER MORAL E O

MORS US

CONSCIENTIAE;

OU

PACTA SUNT SERVANDA

Em Para a Genealogia da Moral, Nietzsche retoma parcialmente temas e prcedimentos já deenvolvidos or ele em Humano, Demasiado Hmano, especialmene

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a esatégia de relacionar os supremos valores da cultura cidental aos eus obcuros começos. s sus inconfesáveis condiçes de surgimento. à mesquinhez de seu pasado humano. demasiado humno. Para Niezche. não existem dados deinitivos. absoluos ou etenos. A divisa de seu ilosofar histórico lhe prescreve que "tudo veio a ser. não

eistem/atos eteros, do mesmo mdo como não exisem verdades absolutas" ( 13. I. M.

2; 19, p. 10). Para Nietzsche não basta. ortano. fundar a moralidade na idéia de lierdade da vontade. nem é convincene o argumento kantiano egundo o qual há que pressuor-e a liedade como propriedade da vonde de odo ser racional (Cf. 7. p. 82). Igalmene inconvincene e apresena pra Niezche o rgumento e acordo com o qual os valores morais surgem como conseqüência de ações úteis à conservação e desenvolvimento da comunidade. as quais se ransformam. em dcorrência disso. em costume inveterado. até que. endo sa origem uiliria caído no esquecimeno. aprecem como sendo por si mesmas portadoras de valor. independentemente de suas conseqüências. Recorer a semelhante explicação cerca a proveniência s categorias morais significa. para Nietzsche. romper apenas em aprência com os quadros explicativos da meaísica tradicional. de vez que se permanece com isso no horizone da categoria lógica de finalidade. o que faz pressupor a existência velada de uma ratio oeando desde as oigens da história da espécie. dirigindo-Ihe de antemão o destino. Paa Nietzche. a genalogia da moral é. ao mesmo tempo. a genealogia da própria ralio e da espiritualidade em geral. cuja esecificidade consise precisamente em não omr seus objeos de investigação como dados ou faculdades naturais (Gegebenes) e sim como resulaos (Gewordenes) de um laorioso prcesso formativo (Bildng), presumivelmene corrido na pé-hisória da esécie e ecupeado hioteticamente pela relexão ilosóica. Niezsche não pode. ortano. fazer apelo a nenhuma faculade moral exisente em germe nos recônditos da alma humana. cujo ulterior desenvolvimento faria surgir o mundo ético, e. no interior deste. como suas determinações parciais. os continentes da moralidade e do direito, como de ordinário procede a ilosofia do direito. Com efeito, constitui lugr-comum enre os teóricos do direito a divisão do universo ético ns esferas da Moral e do Direito. tomando-se este como o conjunto de normas protetoras do bem (valor) comum ancionado ela organização olítica dos grupos ciais (Noa E).

É

fácil erceber que semelhante explicação do direito como garantia estatal do bem comum pressue a existência de valores que devem ser necesrimene reortados a pessoas como a seus suortes ou sujeitos. Pessoa é. neste senido. sujeito de direito e fonte de valor. Como se esclarecerá a seguir, a genealogia nietzscheana da morl constitui uma ousada tentativa da inversão adicl dese pono de vista. Ao invés de derivar o dieito da eronalidade e da consciência do dever moral m gel. Niezsche faz derivar as caegorias da moralidade. a consciência do dever moral das formas elementares do direito. em esecial da primitiva obligalio contratual de direito privado enre credor e devedor. A prcedência das formas mais sutis da moralidade é buscada por Nietzsche no domínio material onde se instituem as mais primitivas obrigações de direito pessoal. de modo esecial as que se estaelecem com base na matriz da compra. venda e comércio. "O sentimento de culpa. de obrigação pessoal • . . . teve sua origem . . . na mais antiga e

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ordinria relação esoal que há, a elação enre compador e vendedor, creor e evedo: aqui entrou ela primeira vez pessoa contra essoa, aqui se mediu pela primeia vez essoa a pessoa. Ainda não e encontrou nenhum grau de civilização em que não se notasse algo dessa relação. Fazer prços, medir valores, invenar equivlenes, rcr ­ isso preocuou o primeiríssimo ensar do homem em uma medida l que, em certo senido, é o enar: aqui foi cultivada a mais antiga esécie de perspicácia, aqui se ea suor, do mesmo mdo, o primeiro germe do orgulho humano, de seu sentimento de prioridade sobre os outros animais. Talvez ainda exprima nosa palava 'Mensch (manas) algo, precisamente, desse sentimeno de si: o homem se designou como o ser que 'mede valores, que valora e mede, como o 'animal estimador em si'" ( 1 1 , 11, 8) (Noa

).

Dívida, ou Culpa (Schuld) , no sentido jurídico deve ser interpretada, segundo Nietzsche, a partir da mariz da obligatio de direito pessoal que plnta suas raízes mais ancestrais na relação jurídico-econômica da compra, venda, troca e intercâmbio. Esta obrigação contratual de direito privado implica uma relação regrada por uma norma, da qual deve dcorer uma ação ou abstenção a que se tem direito - ou, correlativamente, a que se está obrigado. Dever, obrigação signiicam , no contexto da compra e venda primitivas, a epreenação do ao que se deve paicr ou de que e deve abser, de onde e oigina a embionria reciprciade entre diretio e dever. Semelhnte esrutura de relaçes pressuõe a existência de sujeios de direio, de pessoas investias da faculade ou der de levar a cumprimento uma palavra empenhada, de responsabilizar-se pelo próprio comportamento futuro, isto é, de oferecer garantias de si mesmo no futuro, o que é pressuposto de reaçes recíprcas entre o cumprimento de uma obrigação e a conquisa e uma preogativa de direio. Esa faculade de esonabiliade ou pder de gntir-se a si mesmo no futuro não é ensada or Nietzsche como uma disposição natural ou qualidade inata do nimal-homem, mas como esulado de um leno e laborioso prcesso de formação. "Que ao homem lhe seja lícito responder por si mesmo, e fazê-lo com orgulho, ou seja, que o homem seja lícito dizer sim mbém a si mesmo - isto é . . . um

fruto maduro, mas também um fruto rdio: qanto temo teve que pender acre e amargo

da árvore! E durante um empo muito mais longo ainda não foi possível ver nada dese fruo; a ninguém teria sido lício prometê-lo, or mais certo que fosse que udo na árvore estava preparado e crescendo direo em sa direção" ( 1 1 , 11, 3; 19, p. 3 12). Ao tratar da prcedência a resonsabilidade, Nietzsche rconstitui o longo e enoso prcesso no qual

e realia o rabalho formativo (Asgestaltung), a domesticação efetiva do animal-homem

levada a cao or meio da eicidade do costume. Pra Niezsche, um al resulado madro

e ardio é obtido or meio a criação no animal-homem de uma segunda natureza, que

substitui o embotamento inicial cravado à etenidade do instante e do esquecimento. Trata-se da criação, no animal-homem, da memória da vontade, com o que e lhe descortina a ossibilidade das dimenses temorais do passado e do futuro; ata-se da

criação ds faculdades psíquics s qUDS e originam a conciência e a memória, com o

que se adesra o animal-homem para o exercício da capacidade ou 'do oder de comporamento regular, previsível, normativo, ou seja, do poder de se comportar o comando de uma regra, condição de possibilidade do surgimento de sujeitos de dreitos.

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Traa-se aqui de dois momentos reversíveis da aventua auo-formação da humanidade or meio do prcesso de desenvolvimento do 'esprito', cujo resulado é o surgimento da lierdade como autonomia da vontade na forma do indivíduo soberano e capaz de prometer. Por um lado, não seria possível a aquisição de costumes (Gesillung) sem a súbita irrupção dos dispositivos e regramentos que constituem o esado primitivo, resulne a ação inexoável de uma deosa força organizadora que modela indivíduos e gruos, consringindo-os no interior de rígidas formas sciais. Por outro lado, a reetição prolongaa e exausiva inerene ao pcesso de aquisição de costumes regulares consitui o desdobramento desa efetividade inicial, possibilitando a emergência de uma ética rudimenar e incipiente, a partir da qual a humanidade se recria e ransfigura segundo formas cada vez mais variadas e complexas. Sobre a base desa eticidade rudimenar se insitui e consolida uma esrutura relacional que é pressuoso de tda e qualquer forma de autonomia e lierdade: a faculade ou der de comoamento segundo a epresenação de uma norma, de agir de acordo com a consciência de uma obigação, enfim, a capacidade intena de determinação da própria vonade. Para anto são necessários dois requisitos fnmenais: a memória da palava emenhada e a reverência , o reseito ela autoridade da norma cujo conteúdo determina uma obrigação. Estes são, para Nietzsche, os pressuostos gerais de a ética, a ponto de eticidade (Slllichkeit)" ser compreendida or ele como "o sentimento do costume (das Gefuehl der Sille)" que se relaciona à idade, à

santidade, à indiscuibiliade do costume (15, Af. 19). O trabalho de mdelagem levado a efeito ao longo do prcesso de aquisição de costumes tem como objetivo satisfzer esse duplo requisio. "Para dispor assim antecipadamente do futuro - quanto deve o homem antes ter aprendido a sepr o aconecimento necessário do casual, a pensar casualmene, a ver e a antecipar o disante como presente, a sacr esabelecer com segurança o que é o fim e o que é meio para o fim, a saber conar em geral, calcular, - qunto deve o próprio homem, para conseguir isso, er se tomado calculável regular, necessário, para poder responder por si mesmo segundo sua própria representação, para finalmente poder responder por si como futuro do modo como O faz quem promete". (1 1 , 11,

1 ) Este

prcesso é, para Niezsche, inteiramente conduzido pelo exercício da crueldade, de modo que a pré-história da civilização se constitui num prodigioso esforço de plasmar formas elemenares de eticiade à conra-corente da pdeoa faculade aiva de esquecimento do semianimal-homem ( 1 1 , 11, 3 ; 19, p. 3 1 2). Para Nietzsche, é este o pressuposto de oda forma superior de consciência do dever e, genericamente, de todo comporamento normaivo; a pevisibilidade da condua futua tem como condição a faculade ou oder de gantir-se a si mesmo no futuro. "Esa refa de criar um animal ao qual seja lícito fazer promessas inclui em si como condição e prepração . . . a tarefa mais concrea de fazer

anes o homem, até cero ponto, necessrio uniforme, igual enre iguais, ajustado à regra, e, em conseqüência, calculável" ( 1 1 , lI, 2). Tomr o homem, até certo pono, previsível e egulr, implantar na mistura semi-animal de pulses e esquecimento uma memória da

vontade, isso constitui, para Nietzsche, uma arefa que só pode ser levada a efeito por meio de uma monstruosa instrumenação da dor e do sofrimento, pois tais são, segundo ele, os mais poderosos auxiliares da mnemotécnica (Cf. 1 1 , 11, 3; 19, p, 3 1 2). Como

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resulado de um pigioso execício a cueldade, obtém-e que ique impreso a fogo no

homem "cinco ou eis 'eu não quero' na memória, com elação aos quais deu sa palavra

com a fnalidade e viver ente as vanagens a cieade - e, almene! , com ajua desa esécie de memória e acabou por chegr à 'razão'! Ah, a rzão, a eriedade, o domínio dos afetos, do ese sombrio assunto que se chama reflexão, todos esses privilégios e aeeços do homem: quão cros e izeram pagr! Quato angue e hoor há no fundo de tos as 'oas coisas'" (1 1 , 11, 3; 19, p. 3 12).

Por meio do prcesso acima descrito chega-se, enim, o surgimento de sujeitos de dieito, de essoas que se afronam a e medem na relação de direio essoal e compra e venda/débito e crédito. "Situemo-nos . . . ao inl deste ingente prcesso, lá onde a árvore faz amaduecer enim seus rutos, lá onde a sciedade e a eticidade do costume razem à luz or im aquilo para o qe elas eram tão somente meios: enconrremos, como o futo mais maduro de sua árvore, o indiv{duo soberano . . . o homem da duradoua vontade própria, a quem é lícito fazer promessas" (1 1 , 11, 2). Correlativamente à capacidade de obrigar-se e resonder por si, desenvolve-e a consciência s próprias prerogativas e direitos, originariamente no domínio as relaçes de dreito pessoal entre comprador I vendedor. Como, orém, para Nietzsche, a representação de perrogativas de direito e de coelativas obrigaçes pesue o der de emenhr-se e garantir-se no futuro, disso e depreende que direitos e obrigaçes somente ganham signiicação, para ele, quando ensados como integrando a esfera de oder de indivíduos ou gruos. "Direitos ão gaus de oder rconhcidos e mantidos". "Somente a partir do domínio do poder é que se pode aribuir direitos" (15, A. 1 12 e A. 437). Daí decorrem duas importantes conseqüências: em primeiro lugar, que direitos e obrigaçes são graus de oder cuja atribuição e manutenção exigem reconhecimento. isto é, pressuõem a existência de domínios de relações sociais; em segundo lugar, que tais domínios de relações se originam e desenvolvem segundo o modelo do mais primitivo núcleo no interior do qual se originram relaçes de oder, iso é, no domínio das relaçes de direito pessoal entre credor e devedor e vendedor e comprador. Desse modo, pode-se ransplanar a primitiva esrutua de relaçes conômic-jurídicas ene credor e devedor pa o mbito genérico do equilbrio de forças enre indivíduos e grupos. Daí se origina, pra Nietzsche, a forma geral mais elementar a justiça e a eqüidade: tudo tem seu preço, é ossível enconrr para qualquer coisa um seu equivalente (Cf. 1 1 , 11, 8). Como direitos e obrigações integrm a esfera de oder de seus resectivos titulares, toda lesão de direito originaa elo eventual descumprimento de uma obrigação importa ncessariamente em atentado a uma esfera de oder. Para que o equilíbrio de forças necessariamente subjacente a oda obligatio enre sujeitos de direito seja mantido em sua insável integridade, é necessário que ta diminuiço do entido de der, originaa de uma eventual leão de dieito, seja reprada - isto é, paga - or meio de algum equivalente do ato lesivo. Este equivalente do pejuízo - entenio como dcréscimo o sentimeno de oder - esabelece a meiação entre a lesão do direito e a satisfação reparatório-compensatória. Como repração do pejuzo, obtém-se uma atisfação e, conseqüentemente, uma esauração da integriade da lesionaa esfera de poder. Nos temos pré-históricos da eicidade do costume, esa função

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de equivalente comensatório geral, por cuja mediação são mantidos e resabelecidos equilbrios de força entre indivíduos e grupos segundo a matriz de relação contratual de débito e crédito, é desempenhaa, para Nietzsche, pela crueldade. O equivalene geral do prejuízo originado pela lesão de um direito é encontrado na vingança (Vergeltung) , esa compreendida como retribuição e pagamento e consistindo na prática de uma ação especíica que tem or base a crueldade: a ação de causar dor ou inligir sofrimento. O devedor inadimplente - que infringiu ou quebrou a norma - deve sofrer dor cauaa mediata ou imediaamente pelo credor lesado, como reparação compenatória do prejuízo advindo da infração. "Esclareçamos a lógica de toda essa forma de comensação: ela é bastante estranha. A equivalência é dada pelo fato de que em lugar de uma vanagem diretmente equilibrada com o prejuízo (quer dizer, em lugr de uma compensação em dinheiro, tera, posses de alguma espécie), ao credor se lhe concede, como restituição e comensação, uma espécie de sentimento de bem estar . . . a voluptuosidade de faire le mal pour le plaisir de le faire . . . A comensação consiste, ois, em uma remissão e em um direito à cureldade" ( 1 1 , 11, 5). Esta reribuição comensatória repõe o equilíbrio de forças no seu status quo ante. As categorias elemenares do dieio penal se deteminam, para Niezsche, como modos de exercício rerado da cuelade, relativamente ixado como procedimento normativizado e sistemático que tem por base um cálculo minucioso de equivalentes e prejuízos. A regra fundamenal do hipotético direito pré-histórico se formula, para Nietzsche, sobre o fundamento de uma obscura equivalência entre o exercício da cruelade, implicaa na ação de causar dor aravés do castigo, e a epraço do prejuízo advindo do inadimplemento de uma obligatio . Para resolver o problema desta obscura equação pré-histórica enre castigo e prazer, Nietzsche investiga o papel desempenhado ela crueldade nos destinos da cultura e da civilização. Para ele, esta equação se esclarece se se tem em cona o papel desemenhado pela rcusa à satisfação instintiva (Triebverzicht) na gênese do processo civilizatório. Somente a partir do exame do fenômeno da recusa à satisfação instintiva e da espiritualização dos assim chamados "antigos instintos da liberdade" ( 1 1 , 11, 16) - basicamente, portanto, dos instintos aressivos -é que se desvenda o enigma da equivalência enre dor e prazer. Prcisamente com relação à categoria fundamental do "Triebverzicht" impõe-se uma comparação esclecdoa enre as gêneses do prcesso civilizatório escrias por Nietzsche e por Freud.

É certo que para Freud, pelo menos para o Freud do período de Totem e Tabu, o ato inaugual do prcesso civilizatório é desencadado num paroxismo de crueldade irrefreada, como parricídio seguido de antropofagia. Com isso, o exercício da crueldade - neste contexto tomado como sinônimo de agressividade - se inscreve positivamente como desencadeante da transformação de onde resularão as primitivas organizações sociais. " . . . Um dia os irmãos expulsos se junaram, maaram e devoraram o pai, pondo fim, dessa maneira, à horda patena. Unidos, ousaram e conseguiram aquilo que a cada um deles isoladamente não seria ossível. (Talvez um progresso cultural, a posse de uma nova arma, lhes tenha dado o sentimento de suerioridade). Tratando-se de selvagens canibais, é natural que tenham devorado o assassinado. O pai tirânico foi certamente o temido e invejado modelo de cada um dos membros da irmandade. Ao devorá-lo,

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realim a identificação com ele e caa um se propriou de uma parte de sua força. A refeição otêmica, alvez a primeira fesa da humanidade, eria a reetição e o memorial comemorativo deste ato memorável, criminoo, com o qual ana coisa começou, as orgniçes sciais, as resriçes éticas e a religião" (3, p. 146).

É verdade que a condição anterior do exercício do ato criminoso com o qual e originm as primiivas organizaçes sciais reside na expulão dos irmãos adultos a hora primiiva elo pai ciumeno, brul e prepotente. Em última insância, é a dispua ela osse sexual da mãe e das mulheres da horda aena que detemina anto a expulso quano o asassinato. Pde-se dizer que, em Freud a ositividade da ação agressiva é duplamente matizada: de um lado, orque ela irrompe de um fundo não agressivo essencialmene erótico; de ouro lado, orque este episdico execício inicial da cueldade é imediaamene negado eois da execução, a viulência contida dos impulsos agressivos encontam condiçes de execícios aenas a substituição comensaória. "A scieade se funda agora na culpa comum (Mitschuld) elo crime cometido em comum, a religião sobre a conciência de culpa (Schuldbewusstsein) e sobre o remorso pelo crime. A eicidade (Sittlicceit) em e sobre as ncessidades (Notwenigkeiten) desa sciedade, em prte sobre as expiaçes (Bussen) exigidas ela consciência de culpa" (3, p. 150). Aer de Freud nor expresamente que "a religião do Totem não compreende aenas expresses de remorso e a tentativa de conciliação, orém mbém e resta à lembança do riunfo sobre o pai" (3, p. 149) - com o que e vislumbra ainda algum resíduo de atuação ositiva dos instintos agressivos -, não e pde negar, todavia, que a satisfação desse mdo obtida ó pode correr via sublimação e substituição, de modo que os primitivos impulos agressivos se enconram seprados de suas condiçes naturais de

ço.

"Se os mos se uniram pra subjugar o pai, cada um tomou-e e, então, ival do ouo em elaço às mulheres. Cada um teria queido tê-ls odas pra si, como o pai, com o que a nova orgaizço eia ecido na guea de dos cona tdos. No havia mais ene eles nenhum mais forte (Überstãrke), que pudesse tomr o pael do pai . . . Com iso nada mais resava os imãos, e quisessem viver juntos, . . . enão a instiuir a poibição do incesto, com o que todos renunciavam ao mesmo tempo às mulheres dejs, or caa das qais obretudo eles tinham eliminado o pai. Eles slvrm desse mdo a organização que os inha foralcido e que pode ter se fundado em sentimenos e práicas homossexuais, que podem er se esaelecido entre eles no tempo a expulsão" (3, 148).

Considerando desse onto de vista a gênese do prcesso civiliatório segundo Freud, de-e dizer que, a deseio da inegável resença efetiva da cuelade e da aressiviae como desencadeantes do prcesso e da exraordinária semelhança de certas iguras de pensamentos existentes entre Nietzsche e Freud. a civilização é, para Freud, obra exclusiva de Eros, ermanentemente em guarda contra os amaçadores asaltos empre possíveis de seu poderoso inimigo: o instinto agressivo. Cultura é, portanto, "um prcesso a serviço de Eros que desejria reunir indivíduos isolados, mais rde famílias,

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deois rios, ovos, naçes em uma grande uniade, a Humnidade. Nós não saemos or que é que isso deva acontecer; isso eria prcisamente a obra de Eros. Os gruos

humanos devem ser libidinoamene ligados enre si: a necessidade (Notwendigkeit)

apenas, as vantagens da comunidade de trabalho, não os manterão juntos. A esse programa da cultura e contraõe, orém, o impulso agressivo natural do homem , a hosiiae de um contra tdos e de dos conta um" (4, p. 481) (Noa G).

a mesma fona que Freud, amém Niezsche situa a renúncia à atisfação instintiva (Triebverzicht) na raiz s primitivas coletividades humanas. Porém, ao tratr desa renúncia, Nietzche não atribui preonderância a Eros, cujos represenantes pulsionais, inibidos em suas condiçes naturais de satisfação, encontram-na por intermédio de formaçes substitutivas sublimadas, enquanto que os instintos agressivos devem penanecer mantidos sob guarda e vigilância penanente, como o ouro absoluto e absoluamente hostil do impulso civiliatóio. Pra Nietzsche é a renúncia ao exercício natural das mais derosas pulses agressivas - dos "antigos instinos de lierdade" do animal erane - que constitui o elemento nuclar do prcesso de civilização. É cero que tamém para Nietzsche este processo se realiza, em parte, por meio de satisfação substitutiva e da sublimação: "Em Para Além de Bem e Mal .. . e já anes em Aurora

. . . apontei com dedo cauteloso para a espiritualização e divinização (Vergottlichung) sempre crescentes da crueldade, que perpasam toda história da cultura superior (e, tomadas em um sentido imortante, inclusive a constitue.m)"

(l I ,

lI, 6). Porém é necessário insistir em que, para Nietzsche, a civilização, enquanto processo de domesticação do animal-homem, é algo que se institui e consolida exclusivamente por meio de um rdigioso e tenaz exercício de crueldade. A ransfonação do nimal livre e erante em animal scial não se prcessou por meio de uma "mdiicação gradual ou voluntária, nem como um crescimento orgânico no interior de novas condiçes, mas como uma ruptura, um alto, uma coação, uma inevitável faalidade, conra a qual não houve luta nem sequer ressentimento . . . a inserção de uma população até então não sujeia a fonas nem a inibiçes em uma fona rigoroa (foi) iniciada com um ato de violência e levada até seu inal exclusivmente com puros atos de violência"

(l I ,

lI, 17). Os instintos agressivos são, para Niezsche, sobretudo uma energia posiiva de assimilação e assujeitameno (Üewaltigung); é or meio de eu ilimiado execício que se obtém a ransfonaço do explosivo caos instintivo do animal-hbmem em er scial, submetido a fonas rígias, inibiçes, disciplinas e regmeno. Este exercício positivo a creldade exterioriada esá, no entano, iesistivelmene condenado a deapacer tão logo e obtém como resulado a "regulariação" do tipo homem , pois que a continuidade dese exercício desetaria ineviavelmente a primitiva bellm omnia contra omnes, com o que a própria obra da civilizaço esria condenada a erecer imediaamente deois de seu aparecimento. rivados, de modo violeno e abrupto, de suas condiçes naturais de atisfação, "aqeles velhos instintos não tinhm deixado, de um golpe, de rclmar suas exigências! Aes qe resultava difícil e oucas vezes possível dar-lhes satisfação: foi principalmente sário rcurar novas atisfaçes, or assim izer, subeânas"

(l I,

lI, 16). Esas novas condiçes subterrâneas de atisfação dos impulsos agressivos e

(17)

deeninm. como uma fal inverão de sus condiçes naturais de exercício. Com efeito, a hostilidade, a crueldade, o razer na pereguiço, no aslo, a muança, na desruição, originalmente volados para o o mundo exterior, são forçados a procurar novas e

subterrâneas condiçes de aisfço; em ous palaas, s ess foçs instintivas ó

encontram condições de exercício internalizado". Tdos os instintos que não se deregam paa fora voltam-se ara dentro -é iso que eu denomino interiorização do homem: é somente com isso que crece no homem aquilo que mais rde e denomina sua 'alma'. O ineiro mundo nerior, originariamente delgado como algo reesado enre das eles, earou-e e aumenou, adquiriu pofundea, lrga, altura, na medida em que a descarga do homem pra fora foi obsía". ( 1 1 , 11, 16; 19, p. 3 18). O principal efeito desa interioriação é que os antigos instintos do animal livre e errante passam a er drigidos contra o próprio homem; comprende-e, orano, que s "poucas casies" em que é possivel satisfazê-los segundo suas condiçes naturais de exercício sejam experimentados com intenso primitivo, ao qual é atribuído extraordinário valor. Compreende-se mém que o primitivo direio penal enha podido cumprir uma função compensatória, servindo de ocasião para a satisfação substitutiva dos instintos agressivos:

"Ver sorer prduz em esr; fazer sofrer produz mais em esar ainda - esa é uma tese dura, orém é um axioma ntigo, oderoso, humano, demasiado humano, que, além disso, alvez seja subcrito elos próprios macacos; pois se conta que, na invenção de crueldades, eles prenunciam em grande medida o homem, e, por assim dizê-lo, o 'preludiam'. Sem crueldade não há festa: assim o ensina a mais antiga, a mais longa história do homem - tamém na ena há muios elementos festivos!" ( 1 1 , 11, 6).

Assim, à crueldade é atribuído, ao longo da mais aniga história da espécie humana, o raro e incomprável valor extrído da inteirea da força e do prazer. Desarte, pde-se então compreender como e orque o exercício da cruelade pde passar a servir de quivalene geral investido no eameno s cona-pestaçes ene cdoes e devdoes. Por meio dessa equivalência e obtém a reparação do prejuízo causado elo devdor inadimplente e, concomitantemente, se processa a mediação entre sucessivas ransosiçes e reinvestimentos desa mariz de relaçes obrigacionais, partindo de suas condiçes originárias de exercício - circunscritas o domínio s elaçes conratuais de conedo conômico jurídico -, aé sa inscrição no âmbio de relaçes de natureza muio mais variada e complexa. A disância que separa a noção de coneúdo jurídico de dever (Sculden) da nção morl de ever ou culpa (Schuld) ecobre a tajeória ercorrida ela humanidade prtindo a toca represenação do cumprimeno de um dever de coneúdo jurídico-conômico, or meio da ralização exterioriada de uma ação ou abstenção, pa chegar à nção puramene interir de um enimeno de dever moal, à idéia e "aniae do dever" ( 1 1 , 11, 6). Esta rajetória pode ser reconstituída or meio da série de tnsosiçes e e-intepreaçes or que passou a primitiva matriz de relaçes cbnatuais enre rdr e evedor/ompdor e vedor. A egunda iseraço e Para a Genealogia a Moral constiui sobreudo um esforço de recueração desa cadeia de ransosiçes, conduzindo das primiivas relações implicadas na venda e no comércio às fonas

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supremas da moalidade e do dever, tais como rconhcidas no cidene. A rconstituição dos elos desta cadeia se prcessa segundo uma metdologia própria, orientaa or um ponto de vista capital de metódica histórica, formulado por Nietzsche nos termos seguintes: "a causa do surgimento de uma coisa e sua utilidade final, seu emprego e ordenação de fato em um sistema de fins estão toto coelo um fora do outro ' " algo exisene, algo que de algum modo se instiuiu, é sempre interpretado outra vez or uma otência que lhe é suerior pra novos propósios, requisitado de novo, ransformado e transosto para uma nova utilidade . . . a história inteira de uma 'coisa', de um órgão, de um uso, pode ser, dessa forma, uma continuada série de signos de sempre novas inepreaçes e jusamenos, cujas causas mesmas não peciam estar em conexão ente si, mais, antes, em certas circunstâncias, se seguem e se revezam de um modo meramente coningente" ( 1 1 , lI, 12; 19, p. 3 1 5 - 6). Diane deste ponto de vista capital de metódica histórica seguido por Nietzsche em sua genealogia da moral, deve-se renunciar à entação de tomar a cadeia de trnsosiçes a seguir reconstituída como e nela se descrevesse a trajetória de uma linearidade sem lacunas, ou como se fossem seus elos constituivos principais equivalentes e etapas necessáris de uma progressão natural dirigida à ração de m im pevimente ixado.

PRIMEIRA TRANSPOSIÇÃO

A obligatio conratl enre venddor e compador/crdor e devdor - acomnhada da correlativa capacidade psicológica de fzer preços, enonar quivlências, medr, apcir, comparar - consitui para Niezsche, conforme já e airmou anteriomente, o grau mais baixo das formas sociais de organização e associação humanas. Nietzsche chega a esabelcer uma relação eimológica enre os termos 'Mensch' (homem) e manas, na qal pretende erceber uma ressonância ancestral de um suposto sentido originrio de fone emanaiva de valor (Cf. 1 1 , lI, 8). A forma mais incipiente das relaçes pessoais faz-se acompanhar, para Nietzsche, necessriamenrte, da faculdade de medida e avaliação e se determina como "relação contratual entre credor e devedor, que é tão ntiga quanto a existência de 'sujeitos de direito' e que, or sua vez, remete s formas básicas de compra, venda, rca, comércio e áfico" ( l I , 11, 4). Não se trata aqui, portanto, de uma esfea de relaçes enre essoas que se regesse por princípios ou citérios ransplanados de outros domínios de "sciabilidade". "Compra e venda, com todo seu aparato psicológico, ão mais antigos do que os próprios inícios de quaisquer formas de organização e ligas sciais: foi, elo conrário, da mais rudimentar das formas do direito das pessoas que o enimento germinane de rca, contrato, dívida, obrigação, quiação, foi transposto paa os mais grosseiros e incipientes complexos comunitários (em sua relação com complexos similares), ao mesmo tempo que o hábito de comprar potência com potência, medi-las, calculá-las ( 1 1 , lI, 8; 19, p. 3 1 3) . Esta primeira ransposição consiste, ortanto, numa genealização da forma mais rudimenr das relações de direito essoal, que assim é transorta para o domínio de relações supra-individuais mantidas

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enre complexos comunitários incipientes e grosseiros. Com isso se processa uma nova interpretação da obligatio primitivamente vigente no âmbito das relações de direito essol, inerpreação que se caracteriza, sobretudo, por seu efeito genealizador: o que se limitava ao domínio privado s relaçes entre pessoas passa a ser aplicado pa regulr o plano das relaçes enre complexos comunirios, com o que estes assumem status de sujeitos de direito. Correlativamente, generaliza-e também o conteúdo da primitiva

obligatio contratual: doravante tudo é passível de ser intercambiado por um seu equivalente, não aenas aquilo que imediata e usualmente de prestar-se a objeto de compra ou venda; com isso se scende a uma primeira representação de equivalência geral, segundo a qual "toda coisa tem seu preço". Com base nesa representação e obtém, para Nietzsche, "o mais antigo cânom da justiça, o início de toda 'bondade', de toda 'eqüidade', de tda 'oa vonade', de toda 'objetividade' sobre a erra. Justiça, nesse primeiro grau, é a boa vontade, entre os que têm potência mais ou menos igual, de e acomodarem uns aos outros, de, por meio de um igualamento, voltarem a se 'enender' -e, em referência aos que êm menor potência, coagi-los, abaixo de si, a um igualameno"

(lI, lI, 8; 19, p. 314).

SEGUNDA TRANSPOSIÇÃO

Como consqüência da generalização supra mencionada, transformam-se os mais rudimentares e incipientes complexos comunirios em sujeitos de direito. A partir de enão toma-se ineviável que pssem a e relacionar como tais não apenas no que respeia a complexos semelhantes, como também com relação aos indivíduos e grupos de inivíduos que os inegam, de mdo que o plano s relações inenas enre coletividade e indivíduos passa e regrar segundo o modelo das relaçes contratuais entre credor e devedor. Taa-se, oranto, de um plano de relações recíprocas, cujo conteúdo é formado or prerogativas de direito e obigaçes. Com relação aos indivíduos, a coletividade e comota como der proteor e credor de determinadas obrigaçes. Sua refa consiste, obretudo, na proeção dos indivíduos contra s forças da natureza e cona o arbírio dos demais indivíduos; comete-lhe em especial a tarefa de impedir a todo custo o ressurgimeno a guera de tdos conra tdos. Aos indivíduos comete, correlativamene, prestar oediência às regras e ditames obrigatórios da coletividade; os indivíduos estão, dese mdo, obrigados ao cumprimento da palava emenhada não apenas junto a outros paiculaes, como tamém com reseio às normas da coletividade. Todo desrespeito às peciçes da comunidade, do desvio das egas de condua insituías pela coletividade equivale a uma lesão de sua esfera de poder e, conseqüentemente, a uma ameaça à sua existência. Tal lesão ertubadora do equilbrio inteno de forças deve ser reparada por meio de um seu equivalente. Na pré-história da espécie humana, pena e castigo funcionam ambém como equivalente reparatório da desobediência s regras coletivas de conduta. Uma vez que à crueldade exteriorizada nas penas e castigos é atribuída, nos obscuros começos da epopéia humana, raro e elevado valor, podem as penas e castigos

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cumpr função repratória a inadimplência de obrigações pra com a coletividade. Não reibuindo o indivíduo, sob o modo a obediência, as vanagens que rcebe da vida em comum, "a comunidade, o credor enganado se frá pagr da melhor maneira que puder,

com isso se ode conr. O que menos importa aqui é o dano imediato, causado pelo

anificador: para além do dano imediato, o delinqüente é anes de tudo um infrator,

alguém que quebrou, frente à totalidade, o conrao e a palavra com respeito a todos os

ens e comodidades a vida em comum de que aé enão havia picipado. O delinqüene

é um devedor que não aenas no reribui os créditos e vantagens que lhe foram dados, como ainda aenta conra o credor: or isso erde, a partir de então, como é justo, todos aqueles créditos e vantagens e, ademais, e lhe recorda a importância que poss�em tais bes. A cólea do cedor prejudicado, da comunidade, o devolve ao esado elvagem e sem

lei, o qual aé enão esava poegido: expulao ara foa de si - e agoa pde descaregr

sobre ele tda sorte de hostilidade" ( 1 1 , lI, 9; p. 3 14 - 5). No interior das mais rudimenares coletividades, equivale a imosição de penas e cstigos a uma restituição do culpado ao selvagem estado de natureza, ao seu banimento pra fora dos limites da coletividade, apaziguando-se a fúria dcorrene da leão do direio aravés da exerioriação de crueldade. Por meio dessa exterioriação estaua-se a esfera de der da coletividade, lesada ela desobediência de indivíduos ou grupos. Esta aparece, enão, como credor leado, e encontra reparação compensatória do seu prejuízo na prática ostensiva de atos que demonstam seu oder; na media em que a imposição de penas equivle a uma pova da eicácia e vigor do oder da coletividade, compeende-se que as primitivas ordenaçes enais adquiram asectos tano mais terriicanes quanto mais incipientes e frágeis sejam os laços sciais, e, conseqüentemente, quanto mais ameaçada em sua exisência e esfera de pder eseja uma comunidade. Nesses empos pré-históricos, a coletividade recusa ao "infrator" - àquele que quebra sua promessa em relação à totalidade - o extraordinário pivilégio da vida protegida e assegurada, precisamene aquilo que constitui, nos limires

da civilização, o mais valioso dos privilégios: O direito de invocar para si a proeção da

coleividade conra as otências da natureza e o arbírio dos semelhantes. Nos termos desta re-intepretação da matriz de direito pessoal entre credor e devedor, iguram, doravante, de um lado os particulares como detentores do direito à proteção pela coletividade e devedores de obediência incondicional às normas e regras de conduta instituídas or ela; por outro lado, a própria coletividade figura como credor supra­ individual. Quano mais ameaçada em sua integridade eseja uma coletiviade, anto mais cruel e assustador se configurará o seu sistema de defesa: a rudeza dos sistemas penais esá em relação direta com a fragilidade dos laços sociais e, conseqüentemente, da esfera de poder de uma coleividade: "Se o poder e a auto-consciência de uma comunidade crescem, então e suaviza também sempre o direito penal; toda debiliação e odo perigo um ouco grave da primeira voltam a fazer aparecer formas mais duras do segundo" ( l I ,

lI, 10).

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TERCEIRA TRANSPOSI ÇÃO

A primitiva relação contratual de direito privado que s e estaelece entre credor e devedor pasa a er objeto de uma profunda reesruturação, ao transplantar-se para um domínio inteimente diverso de relaçes supra-essais: aquelas que e esabelecem enre as geaçes presentes e as ancesrais. As relaçes enre os indivíduos e seus anepssados pasam a se regular, desse modo, segundo o modelo a obligatio resulante do crdito e do débito, enriquecida com novas dimensões, necessrimente emergentes desta re­ estruturação. No interior as formas mais embrionias de comunidade - em especial no seio de comunidades de este fundadas no pareneco angüíneo -, a igura do ancesl comum pasa a ser inepretada como a do esponsável ela doação do mais prcioso dos bens, prcisamente a vida protegia e a proseridade asseguradas pela coletividade. Dese valiosíssimo legado se origina, para as subsqüentes geraçes, a consciência de esarem obrigadas a uma eribuição por meio de um equivalente apoximado. Ocorre que a dívida resultante dessa doação possui características especialíssimas e, por assim dizer, efeitos permanentes, pois que os resultados benéficos do legado recebido se prolongam e desdobam na prosperidade ulterior e no acréscimo de poder ds primitivas comunidades. Daí decorre também que os ancestrais comuns passam a ser vistos como espíritos protetores que velam ela segurança, bem estr e prosperidade de seus filhos, donde resula que a tdo forlecimento do senimento de pder de uma comuniade coresponde uma intensiicação do sentimento de obigação para com o ancestral comum, cuja igura se vai aos oucos divinizando, até se rnsfomar em divinade doméstica. "Reina aqui a convicção de que a estirpe subsiste graças apenas aos sacrifícios e às obras dos antepassados - e que é necessário que isso seja pago com sacrifício e com obras: se reconhece assim uma dívida (Schuld) que cresce constantemente pelo fato que os anepassados, que sobrevivem como esprios odeoos, não deixm de concder à ese novas vantagens e novos préstimos devidos à sua força" ( l I , lI, 19). Este sentimento de uma dívida permanene em como conteúdo uma obligatio de natueza jurídica e não uma simples vinculação afetiva; de tempos em temos, e em condições esecialíssimas, impe-se uma esécie qalquer de prdigiosa indenização e resgate geral, sob a forma, or exemplo, dos sacrifícios de sangue. Dado que o conteúdo de uma tal obrigação produz efeios erduráveis, seus mdos de resgate e reribuição adquirem formas complexas e espiritualizadas. Aos antepassados só se pode reribuir adequadamente com obras e acriícios, isto é, segundo a modalidade do culto acriicial, da reverência, veneração e, sobretudo, da obediência, ois todos os costumes e preceitos das comunidades são ordens e comandos ditados pelos anepassados. Esta re-interpretação do modelo primitivo das relaçes conratuais ente crdor e devedor toa ossível o surgimento de uma escie de obligatio cujo coneúdo consise, a pre do devedor, na presaçao de obdiência e culto sacrificial (em determinadas condições até mesmo na prática do auto-sacriício a um credor divinizado). Aer do incremento desta dimensão religiosa, esta obligatio tem sentido eminentemente jurídico; eu cumprimento não se torna exigível por razões de pidade e sim como mdo de contra-prestação, como pagamento e resgae. Nietzsche e

Referências

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