• Nenhum resultado encontrado

Textos argumentativos em materiais didáticos: que proposta seguir?.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Textos argumentativos em materiais didáticos: que proposta seguir?."

Copied!
16
0
0

Texto

(1)

DIDÁTICOS

:

QUE PROPOSTASEGUIR

?

(Argumentative texts in course materials: which proposal should one follow?)

Maria Inês Batista CAMPOS (Universidade de São Paulo – USP)

Resumo:Neste trabalho, o objetivo é descrever detidamente algumas propostas didáticas de produção de textos argumentativos em dois livros didáticos de Língua Portuguesa dirigidos ao Ensino Médio com diferentes perspectivas linguístico-discursivas. A finalidade é analisar essas atividades à luz dos pressupostos teórico-metodológicos definidos pelos autores no “livro do professor” e estabelecer confrontos nas duas abordagens. Finalmente, buscaremos identificar alguns conceitos linguísticos, como linguagem, texto e argumentação, que sustentam essas atividades para a escrita de textos argumentativos, reconhecendo que algumas delas pouco ou nada contribuem para a produção de um texto argumentativo que defenda um ponto de vista com clareza.

Palavras-chave:argumentação, livro didático, língua portuguesa, análise bakhtiniana.

Abstract:This paper aims at describing in detail some teaching suggestions for the creation of argumentative texts in two Portuguese language course books for the teaching of Portuguese developed for highschool students from different linguistic-discursive perspective. The objective is to analyze these activities under the view of the theoretical-methodological assumptions defined by the authors in the “teacher’s book” and compare the two approaches. Finally, we seek to identify some linguistic concepts, such language, text, and argumentation, which support the activities for the writing of argumentative texts, recognizing that some of them provide little or no contribution to the production of an argumentative text that clearly supports a point of view.

Key-words:argumentation, coursebook, Portuguese language, Bakhtinian analysis.

(2)

1. INTRODUÇÃO

A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado.

(Bakhtin/Volochinov, 1995, 112)

O objetivo deste artigo é descrever e analisar as atividades didáticas em torno de produção de textos argumentativos, tomando como objeto de análise os capítulos desenvolvidos em dois livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio, 2009 (PNLDEM):

Português (volume 3), de José de Nicola (2005), editora Scipione e Português: língua e cultura (volume único), de Carlos Alberto Faraco (2005),

publica-do pela Base editora. Em seguida, busca-se verificar como as atividades didáticas recuperam as teorias linguístico-discursivas desenvolvidas nos últimos vinte anos, procurando ensinar a redigir textos argumentativos. O tema do trabalho integra a pesquisa que se desenvolve na Universidade de São Paulo e junto ao grupo de pesquisa do Conselho Nacional de

De-senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) “Linguagem, Identidade

e Memória”. A fim de esclarecer uma das principais bases conceituais em torno do trabalho com a linguagem, retomamos a epígrafe, proveniente de Marxismo e filosofia da linguagem: o sentido só existe dentro de uma esfera da atividade comunicacional, porque toda compreensão é sempre uma atividade humana. A compreensão passiva é uma contradição, isto é, quando escrevemos ou falamos, assumimos responsabilidade sobre nossas palavras. No processo interativo em língua materna – vocabulário, estrutura gramatical, sentido do enunciado – não se aprende somente a partir da leitura estanque de dicionários e/ou gramáticas, mas de enunciados con-cretos que ouvimos ou lemos e, no momento da interação verbal, eles são reatualizados. Essa perspectiva teórica de linguagem sustentará a análise das propostas selecionadas.

(3)

Neste artigo, percorremos as possibilidades oferecidas pelas atividades de LDP, procurando identificar as efetivas contribuições linguístico-discursivas na formação de alunos capazes de reconhecer que o significado só se torna válido no momento do evento único, isto é, quando o texto adquire tom de réplica ativa e valor de responsabilidade ética (Bakhtin, 1998).

2. RETRATODADOPELOSDOCUMENTOSOFICIAISDEAVALIAÇÃO

Um panorama inicial do contexto sobre o ensino da escrita pode ser encontrado em avaliações internacionais e nacionais, que não deixam dúvi-das sobre o baixo resultado dos alunos no que se refere à escrita. Apesar de várias linhas de políticas públicas para uma melhoria do ensino de língua portuguesa destinado ao aluno do Ensino Médio, a realidade brasileira traz dados preocupantes. Comecemos com o Programa Internacional de Avaliação de Alunos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Pisa/OCDE) de 2006, que retratou o índice 3,7 alcançado por alunos de 15 anos no Brasil em produção de textos, revelando um estágio muito crítico no domínio dessa competência.

Sem resultados muito diferentes, temos os dados levantados pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2007. Até 2010 trata-se de um exa-me de caráter voluntário, o que significa dizer que o total não representa a população de todos os concluintes. Em 2009, um projeto para implantação de mudanças junto às universidades públicas e privadas foi desenvolvido, mas com muitas dificuldades a serem vencidas.

Tabela 1: Caráter voluntário do Enem – total não representa a população de todos os concluintes

Total de inscritos 3.584.569 Total de presentes 2.738.610

Média na redação 55,99

Nota máxima 1.150 participantes(0,04% do total)

Acima de nota 9,0 19.429 (0,71%)

Nota zero 18.160 (0,68)

Notas de regular a bom 72,81%

(4)

e a média na redação foi de 55,99. Obtiveram nota máxima 1.150 par-ticipantes (0,04% do total), acima de 90: 19.429 (0,71%), nota zero: 18.160 (0,68). A maioria dos alunos ficou entre regular e bom: 72,81%. Na competência que verifica estabelecer relações entre informações e co-nhecimentos disponíveis para construir argumentação consistente, somente 18.956 (0,71%) dos participantes atingiram a nota máxima.

3. SELEÇÃODASPROPOSTASDIDÁTICAS

A realidade brasileira do ensino de produção escrita no Ensino Médio ainda espera propostas efetivas nos vários materiais didáticos, como

estu-daremos a seguir. Selecionamos um corpus com a finalidade de investigar

alguns procedimentos teórico-metodológicos adotados em LDP e analisá-los, procurando uma coerência entre o que o autor propõe para o professor e sua realização nas atividades didáticas. Estabelecemos três critérios de seleção:

a) Contexto ligado às políticas públicas: livros aprovados no PNLEM 2009, publicado no catálogo entregue aos professores da rede pública em 2008. Nele, há uma síntese das obras de Português avaliadas e aprovadas no processo de seleção de 2007;

b) Coleções com propostas distintas: os valores linguístico-discursivos e os procedimentos teórico-metodológicos de ensino-aprendizagem são diferentes nos dois livros;

c) Coleções de único autor.

Das onze obras aprovadas nesse PNLD/EM, escolhemos Português

(volume 3) e Português: língua e cultura (volume único) porque apresentam

diferentes abordagens teórico-metodológicas. Sem a pretensão de apresen-tar um estudo sobre o ensino da argumentação, a finalidade é descrever e analisar duas sequências didáticas com o propósito de ensinar os alunos a escrever textos argumentativos.

(5)

realidade na qual se insere. Assim, a argumentação é um objeto de ensino da disciplina Língua Portuguesa, que tem relevância nos estudos do Ensino Médio.

Na perspectiva teórica da análise dialógica do discurso há uma con-sistente consideração em torno das questões argumentativas apresentada por M. Bakhtin no ensaio “O discurso na poesia e o discurso no romance” em que a discussão se apresenta em contraposição com o discurso retórico. Nessa direção, o filósofo russo afirma:

[...] todo discurso é orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se à influên-cia profunda do discurso da resposta antecipada. [...] Na retórica, consideravam o ouvinte como alguém que só pode compreender passivamente, e não como aquele que responde e replica de maneira ativa (Bakhtin, 1998: 89).

Nessa abordagem dialógica, produzir um texto argumentativo exi-ge a escolha de um gênero discursivo, o que significa ser fundamental considerar as esferas de circulação, de produção e de recepção do texto. O pesquisador francês Christian Plantin (2008:20) esclarece que “nessa concepção, a atividade argumentativa do locutor consiste essencialmente em reformulações, adaptações, atualizações de discursos já ditos. Estamos longe da ‘invenção’”.

4. TEXTOSARGUMENTATIVOSNASCOLEÇÕES

A coleção Português – livro do professor (2008), de autoria de José de Nicola, está organizada em três volumes. Cada um deles contempla três partes: “as estruturas gramaticais dos textos”, “os textos do cotidiano” e “os textos artísticos”.

(6)

A resenha do PNLD/EM de 2009 apresenta ao leitor o seguinte comen-tário: “a coleção oferece subsídios para o professor disposto a rever práticas didáticas mais tradicionais no que se refere ao trabalho com língua, leitura e produção textual” (Brasil, 2009:84). Com essa afirmação, o documento oficial leva a crer que a proposta traz práticas inovadoras no trabalho com a produção escrita.

A Tabela 2 apresenta a sequência dos textos e das atividades apresen-tadas para se visualizar o encaminhamento proposto pelo autor.

Tabela 2: Seções e conteúdos – a argumentação

1. A argumentação Definição do dicionário de análise do discurso 2. A argumentação: um arranjo linguístico

característico

Características linguísticas (linguagem sóbria, denotativa, uso da terceira pessoa, ordem direta das orações)

3. A organização interna de um texto argu-mentativo

Etapas desse tipo de texto (introdução, desenvolvi-mento ou argumentação e conclusão)

4. Atividades Perguntas sobre compreensão de um texto 5. Os textos argumentativos: trocando ideias

6. A objetividade e a subjetividade nos textos argumentativos

Exemplos de diferentes textos Tira do Calvin

Texto 1: Efeitos da inclusão de redação no vestibu-lar, Magda Soares

Texto 2: Literatura infantil, Carlos Drummond de Andrade

7. Atividades Perguntas de compreensão dos textos

8. Trocando ideias

9. Dissertação ou argumentação? Definições do Dicionário eletrônico Aurélio 10. Mãos à obra Propostas de redação do vestibular da UFMTS 11. Praticando Testes de leitura tirados do Enem, Unicamp,

UFMG

Ao introduzir o conceito de argumentação para o aluno que está con-cluindo o Ensino Médio, a informação de abertura oferecida ao leitor é uma citação extraída do Dicionário de análise do discurso, dos linguistas franceses

(7)

Distinguiremos a argumentação definida como a expressão de um ponto de vista, em vários enunciados ou em um único, e mesmo em uma única palavra; e a argumentação como modo específico de organização de uma constelação de enunciados. As duas definições não são, de modo algum, incompatíveis (De Nicola, 2008:168).

Essa definição é um recorte do parágrafo inicial dos linguistas franceses que será desenvolvida nas quatro páginas seguintes do verbete. Dirigida

a alunos de 3o ano do Ensino Médio, tal procedimento acaba se

transfor-mando num enigma a ser decifrado: o que é argumentação como ponto de vista e argumentação como composição de enunciados? Está em pauta uma teoria da argumentação da língua, na qual o que se procura alcançar é a conclusão.

Depois dessa citação com letras em negrito, o autor apresenta uma seção intitulada “A argumentação”, com o propósito de explicar como se organiza um texto argumentativo. Oferece como exemplo três parágrafos argumentativos retirados do livro Meios de comunicação de massa: jornal, te-levisão, rádio, de Jesus Barbosa de Souza (1996). Sem indicar as páginas de

onde os parágrafos foram retirados, a diagramação sequencial pode levar o aluno a considerar, equivocamente, que os parágrafos compõem um único texto ou, uma outra possibilidade de leitura, pertencem a diferentes partes do livro.

Na seção seguinte “A argumentação: um arranjo linguístico caracterís-tico”, o autor mantém o foco da língua e a ênfase recai sobre seus aspectos normativos. A composição do texto argumentativo é topicalizada em sete pontos:

1. Linguagem denotativa, objetiva, dispensando o uso abusivo de figuras de linguagem;

2. Introdução de várias vozes ao longo do texto para afirmar posição ou refutá-la;

3. Uso de períodos compostos por subordinação para estabelecer relações de causa/consequência/concessões;

4. Uso de períodos compostos por coordenação para estabelecer con-trastes, conclusões;

(8)

6. Expressões valorativas positivas ou negativas, marcas de subjetivi-dade, o que marca um tom irônico ou sarcástico;

7. Ordenadores e organizadores textuais que são encarregados da “arrumação das informações do texto”: do mesmo modo; não só... mas também, por um lado... por outro lado; em síntese, como já foi dito etc.

Na conclusão da seção, dois aspectos ganham destaque: oposição entre tipo narrativo e argumentativo e aspecto de coesão e elegância. Ao contrapor esses dois tipos de texto, o autor explica que os textos argumentativos não apresentam progressão temporal, tratam de conceitos genéricos, abstratos, que não se prendem a uma situação de tempo e espaço. Ensina que nesses textos há o predomínio do emprego dos verbos no presente, porque se traba-lha com o encadeamento de ideias. A questão é relevante, segundo o autor, para se escrever um texto claro, coeso, elegante (De Nicola, 2008:170).

As características de um texto argumentativo circunscrevem-se à argumentação da língua, não propondo que o aluno considere os efeitos de sentido construídos com o uso de vários operadores argumentativos; citando-os exclusivamente de forma enumerativa, sem tratar das possíveis e diferentes articulações dentro de um texto, a formulação se torna me-cânica e os valores que os operadores argumentativos adquirem no texto são silenciados.

Quanto a escrever textos claros, coesos e elegantes, vale lembrar que o ensino tradicional da composição de redação seguia características da retó-rica clássica, tendo como base os bons textos argumentativos que deveriam ser imitados. Nesse capítulo, no entanto, vale lembrar que o aluno não obtém as orientações para produzir um texto claro, coeso e elegante. Uma possibilidade sugerida é abordar qualquer assunto de modo genérico, cons-truído na lógica das boas razões. Para Plantin (2008:16), tais “propostas se inscrevem na tradição aristotélica, mostrando que a argumentação recorria a procedimentos diversos para fundamentar suas conclusões: as estratégias que utilizam a definição, a analogia, a causa, os contrários, a pessoa”.

(9)

de visões de mundo proporcionadas pela cultura, resultando, necessaria-mente, das escolhas e combinações feitas no complexo universo que é uma língua” (2009a).

No manual do professor, no entanto, De Nicola (2008) afirma seguir as orientações curriculares, mas a concepção teórica de texto que subjaz a esse capítulo de argumentação é a de um objeto que existe em si, fora dos contextos das relações sociais. Os aspectos envolvidos nas condições de produção e de circulação não aparecem para o aluno e os exemplos de boa argumentação são parágrafos descontextualizados, não permitindo a leitura de um texto argumentativo.

Vamos nos deter na primeira atividade de leitura que traz um fragmen-to do texfragmen-to de Jésus Barbosa de Souza (1996). O parágrafo selecionado refere-se ao semioticista italiano Umberto Eco, exigindo que o aluno e/ou o professor tenham algumas informações prévias para completarem as la-cunas de informação; no mesmo parágrafo o exemplo usado faz uma alusão ao livro Apocalípticos e integrados, citando somente a primeira parte dessa

obra publicada em 1965, o que leva a supor que os leitores não consigam completar o conteúdo nem saber sobre o assunto tratado. De maneira geral, o estudante do último ano de Ensino Médio não apresenta esse repertório cultural, de modo que a proposta argumentativa não chama à construção dos possíveis sentidos dos textos, levando o aluno a acreditar que para redigir um texto argumentativo basta seguir algumas regras da língua normativa. Como explica Bakhtin/Volochínov (1995:111), “o idealismo, que deu origem a todas as teorias da expressão, engendrou igualmente teorias que rejeitam completamente a expressão, considerada como deformação da pureza do pensamento interior”.

(10)

Na seção “Praticando”, que encerra o capítulo, as sete questões de múltipla escolha retiradas de vestibulares diversos focam a leitura. E o foco da seção de se praticar a produção escrita do texto argumentativo se transforma em verificação de leitura.

Português: língua e cultura – livro do professor é de autoria de Carlos Alberto

Faraco (2005), professor da Universidade Federal do Paraná. Organizada em volume único, essa obra tem um claro projeto teórico-metodológico apoiado na perspectiva bakhtiniana, procurando envolver aluno e professor no ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa.

Na resenha do PNLDEM de 2009, a avaliação é clara:

Trata-se de um livro didático que revela uma proposta de estudos linguísticos cienti-ficamente embasada e que consegue articular equilibradamente tradição e inovação. [...] O projeto inovador, contudo, ressente-se, por vezes, de sistematização mais

constante de conteúdos e de maior número de exercícios de fixação, sobretudo para aquele professor que, por motivos diversos, tem o livro didático como único material de consulta disponível (Brasil, 2009a:99, grifo do autor).

O volume está organizado em 35 capítulos, divididos em 5 blocos. Dedica os capítulos 17, 25 e 27 para produção de textos de opinião: en-trevistas, editoriais e artigos. Selecionamos o capítulo 25 porque apresenta um estudo sistemático dos textos de opinião: editorial de jornal e artigo assinado.

No manual do professor, Faraco explica que o principal objetivo desse capítulo é que os alunos entendam que uma opinião não se esgota em sua asseveração, mas em sustentá-la com argumentos. Na sua justificativa, explica que ensinar a produzir textos escritos é

(11)

Tabela 3: Seções e conteúdos do capítulo “Textos de opinião: editoriais”

Detalhe de pintura Kasimir Malevich, Um inglês em Moscou, 1914 Definição do texto de opinião

Exemplificação com textos de opinião que circulam em jornal

Definição de editorial

Defesa de um ponto de vista editorial

Manual de redação da Folha de S.Paulo

Texto 1: editorial Estudo do texto

Texto 2 artigo de opinião

Entre cães e homens/ FSP, 19/09/2002/A-2

7 questões de análise dos argumentos. Na questão 6, o autor faz uma análise linguístico-discursiva do segundo parágrafo e depois solicita ao aluno que faça o mesmo nos outros parágrafos

Crianças e cães malcriados dão quase na mesma, de Bárbara Gancia, FSP 27/09/2002, C2

Prática de escrita Carta ao jornal Opinião com assinatura

verbete

Opiniões, Manual O Estado de S. Paulo

Texto 3 O ‘idion’ e o ‘idiotes’, Leandro Konder, site jbonline. terra, 07/09/2002

Pausa poética Muitas vozes

De olho na língua 1. uso dos pronomes e da elipse na ‘costura’ do texto 2. uso do infinitivo flexionado

3. articulação argumentativa 4. revisando a crase Observando aspectos gráficos 1 uso do hífen

2. uso dos parênteses

Leitura complementar – artigo de opinião A fadiga da informação, de Augusto Marzagão, da Revista de Comunicação, nov./1996

Para abordar o texto argumentativo, a análise abordará as atividades do capítulo 25 “Texto de opinião: editoriais”. O autor propõe que o aluno observe alguns textos que circulam na esfera jornalística: um editorial, um artigo de opinião, uma carta. Partindo do espaço em que os textos circu-laram, as propostas conduzem à “prática de escrita”, retomando situações concretas da vida real para que o aluno possa assumir um ponto de vista crítico. Antes de apresentar uma proposta para o aluno redigir um texto, Faraco (2005) propõe várias leituras e análises detalhadas do planejamento e da organização linguístico-discursivas de cada um dos textos. Nelas, o aluno é convidado a discutir e tomar posição sobre as leituras realizadas. As atividades discutem a produção do texto do aluno e estimula a revisão e a troca com os colegas.

(12)

“veja o que diz o Manual de redação...”; “vale a pena discutir um pouco essa

caracterização...”). O autor procura estabelecer um contrato de leitura com o aluno, contando com a sua interação. A seleção dos textos, a ordem dos movimentos discursivos, a seleção das atividades evoluem, na medida em que conta com a participação dos alunos.

Os textos de diferentes esferas são marcados graficamente, por exem-plo, simulam uma página de jornal. Depois da materialidade verbo-visual que chama atenção do aluno para o texto, há três “estudos do texto” com a finalidade de colocar discussões tanto da esfera de circulação quanto da materialidade linguística do texto. As explicações são construídas grada-tivamente pelo aluno.

Para esclarecer melhor essas afirmações, observemos a primeira ati-vidade:

1. Vamos analisar, de saída, a opinião expressa no texto e os argumentos que a sustentam:

- O jornal é favorável ou contrário ao projeto dos deputados paulistas? - Que argumentos o jornal apresenta para sustentar sua opinião?

2. Vamos, agora, confrontar o texto que lemos com as recomendações do Manual: - o editorial apresenta com concisão a questão de que vai tratar? Em que ponto do texto? (Faraco, 2005: 384).

Essa maneira de apresentar os textos (gêneros do discurso) traz a con-cepção teórico-metodológica de ensino/aprendizagem defendida no manual do professor: processo interacional. As leituras e interpretações sobre cada texto permitem ao aluno reconhecer as diferenças e as semelhanças entre os gêneros. A prioridade está na análise e não na exposição teórica nem na explicação a priori. Faraco (2005) apresenta ao aluno alguns textos de circulação pública, para que a primeira atividade seja a de leitura antes de se produzir um texto escrito, o que enfatiza a prática de a escrita é prece-dida pela leitura. Sem usar terminologia técnica, o autor considera o seu interlocutor, aluno do Ensino Médio, e o trata como um sujeito que tem um conhecimento de mundo e ao mesmo tempo que precisa ampliar seu conhecimento de uso da linguagem escrita e oral.

(13)

Antes de ir adiante, vamos fazer dois exercícios de escrita.

1. Ponha-se na seguinte situação: você abriu o jornal e leu o editorial e o artigo de Barbara Gancia. Formou sua opinião (favorável ou contrária à tal lei) e decide enviá-la ao jornal como uma carta, apoiando um dos textos ou criticando ou criticando algum dos argumentos utilizados ou, ainda, discordando integralmente da posição do jornal ou da articulista (Faraco, 2005: 386).

Põe em discussão o sentido da opinião com assinatura. No final do

capítulo, a seção De olho na língua aponta para uma ação reflexiva sobre

a própria linguagem, integrando as práticas socioverbais e o pensar sobre elas. A proposta é estudar o uso da língua, partindo do levantamento de aspectos linguísticos observados nos textos, para, em seguida, propor, a sistematização da gramática.

5. CONSIDERAÇÕESFINAIS

Duas propostas diferentes em torno do ensino da argumentação mos-tram que o livro didático nem sempre escolhe uma única teoria argumen-tativa entre as várias tratadas pela linguística.

Em Português, por exemplo, o autor defende a construção da

argumen-tação usando alguns conceitos como “interlocutor”, “tese”, “conclusão”, mas se pode afirmar que é uma proposta que se aproxima da retórica da argumentação. No desenvolvimento do capítulo, há uma valorização de citações alheias, selecionadas de dicionários especializados, marcando o ar-gumento de autoridade como explicação para as principais conceituações. Observa-se uma articulação de conceitos de diferentes teorias para explicar a argumentação, e os exemplos escolhidos, muitas vezes, não esclarecem os modos de desenvolver o texto argumentativo.

(14)

transparente e objetiva, independente do contexto social em que circula, sem necessidade de se estudar os elementos linguísticos e discursivos que cooperam na construção enunciativa do sentido a ser defendido.

A construção do sentido do texto, de modo geral, não é estudada, a não ser de maneira breve nos boxes ao lado dos parágrafos. Quando estuda um texto, De Nicola (2005) o faz sob o ângulo da informação, do conteúdo, e não do trabalho linguístico dos articuladores do texto, das consequências do sentido.

Se no manual do professor o autor assume posições teóricas baseadas em diferentes vertentes teóricas como a teoria da linguagem do russo M. Bakhtin (1995/1998), a análise do discurso francesa de P. Charaudeau e D. Maingueneau (2004), Eni Orlandi (1999), suas propostas ficam, algumas vezes, distantes das teorias apregoadas.

A concepção de linguagem restringe-se ao uso correto de elementos linguísticos e padrões de textualidade, como se redigir um texto argumen-tativo fosse resultado exclusivamente de eficiência e clareza. Em nenhuma etapa das atividades chama a atenção para o processo de interação em que o sujeito/aluno assume papéis discursivos e enfrenta com palavras suas posições de cidadão.

Enquanto De Nicola (2008) privilegia saberes tradicionais e técnicos, Faraco (2005) trata o texto argumentativo a partir do conceito bakhtiniano de gêneros do discurso e propõe ao aluno que construa um produto de in-teração entre dois sujeitos socialmente organizados para produzir um texto argumentativo. Em Português: língua e cultura, encontra-se a realização do

pressuposto teórico que norteia o volume. Para Faraco (2005), as formas escolares de transmissão, assimilação e apreciação da palavra do outro são um importante trabalho com a linguagem argumentativa. Na atividade gramatical proposta ao aluno, os subitens “uso dos pronomes e da elipse na ‘costura’ do texto”, “uso do infinitivo flexionado” e “articulação argu-mentativa” estudam os marcadores argumentativos como articuladores linguísticos do texto.

(15)

O ensino de disciplinas verbais conhece duas modalidades básicas escolares da transmissão que assimila o de outrem (do texto, das regras, dos exemplos): “de cor” e “com suas próprias palavras”. Essa última modalidade coloca em pequena escala um problema puramente estilístico para a prosa literária: relatar um texto com nos-sas próprias palavras é, até um certo ponto, fazer um relato bivocal das palavras de outrem [...] Essa segunda modalidade de transmissão escolar da palavra de outrem “com nossas próprias palavras” inclui toda uma série de variantes da transmissão que assimila a palavra de outrem em relação ao caráter do texto assimilado e dos objetivos pedagógicos de sua compreensão e apreciação.

O ensino do texto argumentativo proposto nas diferentes unidades didáticas traz a contradição que se vive na escola, de modo geral. Transmitir textos como matéria morta, repetível, modelar ou construir conhecimento em torno de discursos vivos em que ecoam vozes dentro de um espaço de circulação que permite ao leitor/aluno/professor a réplica e a polêmica?

Recebido em setembro de 2010 Aprovado em abril de 2011 E-mail: maria.maricamp@gmail.com

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, M. M. 1998a. O problema do conteúdo, do material e da forma

na criação literária. In: Questões de literatura e de estética: a teoria do

romance. São Paulo: Hucitec, p. 13-70.

______. 1998b. O discurso no romance. In: Questões de literatura e de estética:

a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, p. 71-210.

BAKHTIN, M. M./VOLOCHÍNOV. 1995. Marxismo e filosofia da linguagem:

problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec.

BRASIL. Ministério da Educação. 2009a. Parâmetros Curriculares Nacionais:

língua portuguesa – 3º e 4º ciclos. Disponível em: <http://www.mec. gov.br>. Acesso em: 28 fev. 2009.

______. Ministério da Educação. 2009b. Guias de livros didáticos.

(16)

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, M. 2004. Dicionário de análise do discurso.

São Paulo: Contexto.

DE NICOLA, J.2008. Português: ensino médio. São Paulo: Scipione, v. 3.

FARACO, C. A. 2005. Português: língua e cultura, ensino médio. Curitiba:

Base.

MAINGUENEAU, D. 2002. Análise de textos de comunicação. 2. Ed. São Paulo:

Cortez.

ORLANDI, E. P. 1999. Análise do discurso: princípios e procedimentos.

Campinas: Pontes.

PLANTIN, C. 2008. Argumentação biface. In: LARA, G.; MACHADO, I. L.;

EMEDIATO, W. Análises do discurso hoje. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

v. 2, p. 13-26.

SOUZA, J. B. 1996. Meios de comunicação de massa: jornal, televisão, rádio.

Imagem

Tabela 1: Caráter voluntário do Enem – total não representa a população de todos os concluintes
Tabela 2: Seções e conteúdos – a argumentação
Tabela 3: Seções e conteúdos do capítulo “Textos de opinião: editoriais”

Referências

Documentos relacionados

Para facilitar a identificação e a localização dos poços por unidade geológica, estruturou-se uma tabela resumo contendo: código do poço, unidade geológica e o quadrante

O cristão deve buscar uma vida modesta, com trabalho honrado e dar atenção tanto para a vocação eclesiástica como secular e profissional.. O cristão deve ser honesto em todas

Maceração, percolação a quente, extração por banho e sonda de ultrassom, extração por microondas e extração por fluído supercrítico foram avaliados em relação ao rendimento

A escolha do Manguezal da Palhoça teve vários motivos, dentre os quais se destacam: a escassez de estudos científicos sobre a área; a importância deste

Assim, na perspectiva da integração sul-americana e para melhor compreender o processo político boliviano contemporâneo, sobretudo a partir do ano 2000, na sua interface

Para desenvolvimento do estudo proposto foram identificados os recursos com base no Demonstrativo de Resultado (DR) do laboratório. Assim, com uma análise do processo da prestação

Nesse sentido, comenta-se sobre o cuidado corporal, permitindo a valorização estética de diferentes tipos físicos (alto, magro, baixo), além dos padrões estéticos

Contudo com as análises e avaliações do currículo, chegaram a indagar sobre a grande similaridade entre os dois cursos, referindo-se às disciplinas, realizando reuniões com a