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1Psicólogo Clinico, Clínica Reviver. Paranaguá, PR, Brasil.
2Faculdades de Taquara, Curso de Psicologia. Taquara, RS, Brasil.
3Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Curso de Especialização em Ciências Penais. Av. Ipiranga, 6681, 90619-900, Porto Alegre, RS, Brasil.
Corresp ondência p ara/ Correspondence to: S. VASCONCELOS. E-m ail: < silvv@p op .com .b r> .
Im p licações da t eoria da evolução p ara a p sicologia:
a p ersp ectiva da p sicologia evolucionista
Im plicat ion s of t h e t h eory of evolut ion for psych ology:
t h e evolu t ion ist psych ology perspect ive
Rafael Gim enes LOPES1
Sílvio VASCONCELLOS2,3
Resumo
A idéia de que o com portam ento hum ano está baseado em instintos m ostrou-se popular entre os psicólogos há cem anos. Na atualidade, os psicólogos evolucionistas vêm postulando que o com portam ento é fortem ente influenciado por fatores heredi-tários, e que os m esm os objetivam am pliar a aptidão. O principal propósito deste estudo foi introduzir e discut ir a t eoria evolucionista e suas im plicações para a área de psicologia. Os autores revisaram artigos e livros sobre o tem a. Este art ig o p od e contribuir para o desenvolvim ento de um novo paradigm a para a etologia e para a psicologia com parativa no âm b ito da p sicologia b rasileira.
Unitermos: Evolução. Mente hum ana. Psicologia.
Abstract
The idea that hum an behavior is based on instincts w as popular am ong psychologists about 100 years ago. At the present tim e, the evolutionist psychologists postulate that behavior is strongly influenced by inherited factors, and that the aim of every hum an being is to
enhance his ow n fitness. The m ain aim of this study is to introduce and to discuss the evolutionist theory and its im plications for the area of
Psychology. The authors review ed articles and books on this subject. This paper can contribute to the developm ent of a new paradigm for ethology and com parative psychology in the context of Brazilian psychology.
Uniterms: Theory of evolution. Hum an m ind. Psychology.
Co n fo rm e se p o d e o b servar n a m aio ria d o s
textos sobre psicologia, das m ais diversas linhas, a ênfase d as escolas t rad icion ais é volt ad a p ara o p ap el d o
am b iente, das relações fam iliares e da cultura com o
construtores da m ente hum ana. Longe de desconsiderar
a im portância de teorias que são predom inantem ente
am b ientalistas, a p sicologia evolucionista surge com o
um a reação ao paradigm a dom inante. Ela preocupa-se
com o que os ant ep assados do hom em t eriam lhe
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m ento m ental. Sua proposta é a de investigar a “unidade
psíquica da hum anidade”, ou seja, “a hipótese de trabalho da psicologia evolucionista é de que os diversos órgãos m entais que constituem a m ente hum ana ... são típicos
da espécie” (Wright, 1996, p.9).
Os p sicólogos evolucionistas p artem do p
rincí-pio de que o ser hum ano nada m ais é do que um a es-p écie anim al, cujo nível de sofisticação com es-p ortam en-t al m osen-t ra-se ig ualm en en-t e vin culad o a um p rocesso evolutivo e, sendo assim , sujeito às leis naturais, tal com o
ocorre nas dem ais espécies. Pode-se dizer, nesses term os, que a Psicologia Evolucionista tem seus fundam entos em b asicam ente dois ram os da ciência ou, tal com o ressalta Pinker (1997, p.34):
A Psicologia Evolucionista reúne duas revoluções
científicas. Um a é a revolução cognitiva das décadas de 50 e 60, que explica a m ecânica do pensam ento
e em oção em tem os de inform ação e com putação.
A outra é a revolução na biologia evolucionista na década de 60 e 70, que exp lica o com p lexo design
adaptativo dos seres vivos em term os de seleção
ent re rep licad ores4.
Com essa com binação, tal proposta atingiu “... sua p rom essa p arcialm ent e cum p rida de fazer um a
ciência totalm ente nova” (Wright, 1996, p.xix). Para Pinker
(1997, p.34), “... a ciência cognitiva ajuda-nos a entender com o um a m en t e é p ossível e q ue t ip o d e m en t e possuím os. A biologia evolucionista ajuda-nos a
enten-der por que possuím os esse tipo de m ente específico”.
Essa nova área da p sicologia b aseia-se p rinci-p alm ent e na b iolog ia Evolucionist a, e na Psicolog ia cognitiva, ou seja, a ciência que “... trata do m odo com o as pessoas percebem , aprendem , recordam e pensam
sobre a inform ação.” (Sternberg, 2000, p.22). A teoria evolucionista da m ente “... oferece a esperança de com -reenderm os o projeto ou propósito da m ente - não em algum sentido m ístico ou teleológico, m as no sentido
do sim ulacro de engenharia que im pregna o m undo natural” (Pinker, 2004, p.81).
Com base nas explicações de Tooby e Cosm ides (1992), p od e-se in ferir q ue essa ab ord ag em p ossui prem issas fundam entais:
1) Há um a natureza hum ana universal, m as essa
universalidade existe prim ariam ente no nível de m eca-nism os psicológicos evoluídos, não de com portam entos culturais exp ressos.
2) Esses m ecanism os psicológicos evoluídos são adaptações construídas pela seleção natural ao longo
do tem po evolutivo.
3) A est rut ura evoluíd a d a m ent e hum ana é adaptada ao m odo de vida dos caçadores coletores do
Pleistoceno5 e não necessariam ente às circunstâncias
m odernas.
O pressuposto da modularidade da mente
Atualm ente se sabe, por interm édio da arqueolo-gia, que durante a evolução hum ana o cérebro hum ano
aum entou consideravelm ente, sendo que a tarefa da
psicologia evolucionista é verificar quais as im plicações desse aum ento para o funcionam ento m ental do ser hum ano. Pinker (2004, p.81) afirm a que existem quatro d iscip linas q ue p od em auxiliar na com p reensão d e
com o as caract eríst icas b iológ icas e p sicológ icas se relacionam . A genética com portam ental, as neurociên-cias e a ciência cognitiva são três delas. A quarta disci-plina é a psicologia evolucionista, que o autor define
com o “... a quarta ponte entre a biologia e a cultura ... o estudo da história filogenética e das funções adaptativas da mente”.
Essa disciplina baseia-se na idéia de que a m ente é um conjunto de m ódulos e que esses, por sua vez, são
estruturas que fundam entam o funcionam ento cogni-tivo, apresentando, ainda, especificidades quanto ao p ro c essam en t o d e d et erm i n ad as i n f o rm aç õ es (Duchaine, Cosm ides & Tooby, 2001). Seu pressuposto
essencial é o de que tais m ódulos foram construídos pela seleção natural, ao longo da pré-história hum ana, para que os antepassados pudessem lidar, de m aneira m ais eficiente, com os problem as de sobrevivência e de
reprodução que enfrentaram durante suas existências. A evolução teria, portanto, se encarregado de privilegiar
alg o rit m o s6 q u e acab aram p o r co n ferir u m a m aio r
adaptabilidade para o organism o (Sym ons, 1992).
4Replicador é o term o que Richard Daw kins utiliza no seu best-seller intitulado “O gene egoísta”, para designar os genes.
5Pleistoceno corresponde ao período entre 1,8 m ilhão e 11 m il anos atrás.
6De acordo com Teixeira (1998, p.20) algoritm o é um “... processo ordenado por regras, que diz com o deve se proceder para resolver um determ inado
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De acordo com esse m esm o entendim ento, os
algoritm os presentes nos m ódulos m entais do hom em existem hoje porque foram úteis no passado evolutivo. Eles auxiliaram as pessoas a lidarem m ais eficientem ente
com os desafios que enfrentaram . Portanto, a m ente hum ana está adaptada ao m odo de vida de seus ante-passados, pois “... no caso dos seres hum anos, o desenho foi feito em um am b iente social m uito diverso do am
-biente contem porâneo” (Wright, 1996, p.160).
O h o m em evo lu iu n a ép o ca d o s caçad o res
coletores, não na era dos com putadores e das viagens espaciais. Além disso, o período em que o ser hum ano
com eçou a abandonar as práticas de coleta e caça para
gerar os alicerces da sociedade m oderna representa, conform e salienta Zim m er (2003), apenas 1% de toda a
história evolutiva dos hom inídeos. Muitas das adap
ta-ções ocorridas podem representar, na atualidade, difi-culdades diante de um contexto que, em bora não tenha
evoluído com base em um a perspectiva teleológica,
alterou-se (Vasconcellos, 2005).
O p ost ulado de que exist em m ódulos inat os, guiando atitudes e preferências, não quer dizer que a
aprendizagem é pouco im portante. Mas significa que a
cap acid ad e d e ap rend izag em , ou o p róp rio at o d e ap ren d er “... é p ossib ilit ad o p elo m ecan ism o in at o p rojet ad o p ara efet uar o ap rend izad o. Afirm ar q ue
existem vários m ódulos inatos é afirm ar que existem várias m áquinas de aprender inatas, cada qual apren-dendo segundo um a lógica específica” (Pinker, 1997, p.44). Pode-se dizer, nesse sentido, que a abordagem
evolu-cionista “... fica tão à vontade com explicações de criação, com o com as explicações da natureza” (Ridley, 2004, p.309).
De acordo com a p sicologia evolucionista, os m ódulos do céreb ro hum ano p ossuem inform ações
sobre as situações que se revelaram estáveis durante seu tem p o evolutivo; esses m ódulos p ossuiriam algo-ritm os próprios, tendo servido para operar de m aneira m ais eficaz que a daqueles que não os p ossuíam , nas
tarefas cotidianas. Segundo Wright (1996, p.11).
Os m ilhares e m ilhares de genes que influenciam o
com portam ento hum ano - genes que constroem o
cérebro hum ano e governam os neurotransm issores
e os horm ônios, d efinind o assim nossos órg ãos
m entais - têm sua razão de existir. E a razão é que
estim ularam nossos antepassados a transm itir seus
genes à geração seguinte.
Apesar de alguns m ódulos terem sido
desco-bertos, “sem dúvida existem outros ainda por descobrir”
(Wright, 1996, p. 173).
A exist ência dos m ódulos esp ecializados em resolver determ inadas situações pressupõe “... a
exis-tência de um a natureza hum ana universal, constituída
de m ecanism os p sicológicos, p rodutos da evolução. Esses m ecanism os são adaptações resultantes de um
processo de seleção natural ao longo do tem po
evolu-cionário, ou seja, o m odo de vida de nossos ancestrais caçadores-coletores da era pleistocena” (Moura, 2005,
p.3).
A evolução do cérebro e a psicologia evolucionista
A com p et ição ent re os indivíduos nos níveis
intra e interespécies tam bém pode ser um a form a de
seleção, em um processo sem elhante à corrida arm a-m entista, na qual aa-m bos os lados produzea-m
equipa-m entos cada vez equipa-m ais capazes de superar o outro. Tal
com p et ição ocorre t ant o nas at ivid ad es d e sob revi-vência, com o de b usca p or com ida, quanto na p rocura
p o r p arceiro s sexu ais. É b ast an t e p lau sível q u e t al
“corrida” tenha ocorrido no passado evolutivo do ho-m eho-m . Segundo Leakey (1994, p. 138), “... a construção de
cérebros m aiores pode ser vista com o conseqüência
de corridas arm am entistas”. Dessa m aneira, indivíduos que p ossuíam céreb ros m aiores e com m ais m ódulos
especializados nas tarefas que viriam a enfrentar tiveram
m ais vantagens do que os outros e, conseqüentem ente, se tornaram antepassados da espécie.
Mithen (2002), de um m odo m ais específico,
apre-goa que esse processo de m odularização pode ter se
iniciado há 35 m ilhões de anos, no decorrer da própria evolução dos p rim at as, quando já não b ast ava um a
inteligência geral p ara lidar com os desafios do am
-biente. O autor salienta, no entanto, que um processo de redescrição rep resent acional, cap az de int egrar o
funcionam ento de m ódulos distintos, deu-se em um
período bem m ais recente.
Em b ora essa seja a diferença m ais óbvia entre os hum anos m odernos e seus ancestrais, não foi apenas
o t am an h o d o céreb ro q u e fo i m o d ificad o , m as a
“organização geral tam bém m udou”, conform e afirm a Leakey (1994, p.139). Isto pode ser observado em m arcas
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Essas m arcas são capazes de fornecer pistas acerca da
neuroanatom ia dos antep assados do hom em . Foram
realizados estudos sob re os crânios antigos e afirm a
que “... o cérebro do australopitecíneo é essencialm ente
sem elhante ao do m acaco em sua organização” (Leakey,
1994, p.139). Ou seja, há pelo m enos dois m ilhões de
anos, com o surgim ento do Hom o Habilis, o cérebro se
m od ificou em relação ao d os ant rop óid es e, desde
então, evoluiu em com plexidade. Evidentem ente, essas alterações deixaram im portantes influências com
porta-m entais e cognitivas na espécie, pois o cérebro é o órgão
responsável pelo com portam ento e pelas faculdades m entais (Buss, 1991).
Portanto, tam b ém de acordo com o p aradigm a
evolucionista, é provável que as alterações no cérebro
tenham trazido aos antepassados do hom em diferenças com portam entais e cognitivas relevantes e vantajosas,
em relação aos seus com p et id ores. “Talvez as m ais
profundas diferenças entre o hom em e os outros ani-m ais sejaani-m coani-m portaani-m entais” (Pilbeaani-m , 1977, p.94).
Em ent revist a à Revist a Sup erint eressant e, o
psicólogo evolucionista Miller (2002) afirm ou: “... o que
estam os com preendendo agora é que boa parte do nosso com p ortam ento é p roduzida p or circuitos do
céreb ro q ue evoluíram , orig inalm ent e, p ara q ue os
nossos ancestrais se tornassem sexualm ente atrativos”.
De acordo com Miller (2001, p.15), a psicologia evolucionista “... vê a natureza hum ana com o um
con-junto de adaptações biológicas e tenta descobrir quais
eram os problem as de vida e de reprodução que essas adaptações visavam a solucionar ao longo da evolução.”
Para esta ciência, as características m ais im p ortantes
da m ente hum ana foram construídas pela seleção natu-ral, ao longo do processo evolutivo que deu origem aos
hum anos m odernos. Da m esm a m aneira que o corpo
hum ano p ossui diversos órgãos p ara realizar funções diferentes, sua m ente possui vários “órgãos m entais”, ou
m ódulos, que foram especialm ente proje-tados pelo(s) m esm o(s) processo(s) de engenharia que criou/ criaram as dem ais características.
É im portante definir o conceito de m ente, para que se possa ter m ais clareza daquilo que se pretende
falar. Pinker (1997 p.168) a define da seguinte m aneira: “... a m ente é um órgão, um dispositivo biológico”, e conti-nua, “... a m ente é o que o cérebro faz” (p.32, 1997). Para Fernandez (s/ d, p.1): “... a m ente é um estado funcional
do cérebro (coisa que im plica negar qualquer dualism o,
que com o o cartesiano, outorga à m ente um estatuto
ontológico separado do biológico, próprio do cérebro e independente dele)”.
Desta m aneira, referir-se à m ente com base em
um entendim ento evolucionista não im plica em afirm ar
que ela é algo destituído de m aterialidade. Não se trata de um a “fum acinha” invisível no espaço, m as da própria
funcionalidade do cérebro. Nesses term os, conform e
ressalta Miller, “... a m ente hum ana é um a coleção de adaptações biológicas” (Miller, 2001, p.33).
Pinker destaca esse entendim ento ao afirm ar que
“... a m ente é um sistem a de órgãos de com putação,
projetados pela seleção natural para resolver os tipos de problem as que nossos ancestrais enfrentavam em
sua vida de coletores de alim entos, em especial entender
e superar em estratégia os objetos, anim ais, plantas e outras pessoas” (Pinker, 1997, p.32).
Po rt an t o , d e aco rd o co m u m a p ersp ect iva
evolucionista, o que evoluiu foi a m ente e não o com
por-tam ento, pois este “... não é apenas em itido ou evocado e tam bém não provém diretam ente da cultura ou da
sociedade. Ele em erge de um a luta interna entre m
ódu-los m ent ais com diferent es dest inações e ob jet ivos” (Pinker, 2004, p.67). E tal luta sofre interferência de diversos
fatores, pois ocorre “... um a com plexa interação entre (1)
genes, (2) a anatom ia do cérebro, (3) o estado bioquím ico deste, (4) a educação que a pessoa recebeu na fam ília,
(5) o m o d o co m o a so cied ad e t rat o u est e indivíduo e
(6) os estím ulos que se im põem à pessoa” (Pinker, 1997, p .64). Desse m od o, as raízes b iológ icas d a nat ureza
h u m an a exp ressa n o s g en es d em o n st ram ser u m
significativo elo entre evolução e com portam ento.
A seleção sexual
Conform e afirm ado ant eriorm ent e, a seleção
natural é capaz de produzir seres dos m ais diferentes tipos. Entretanto, existe outra form a de seleção, em bora
esta segunda form a esteja contida dentro da prim eira.
Para autores com o o p sicólogo evolucionista Geoffrey Miller, a seleção sexual é de extrem a im portância para a
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Na seleção sexual, os indivíduos selecionam -se
entre si. Eles com p etem com outros indivíduos de sua
esp écie p or op ort unid ad es sexuais. Não se t rat a d e seleção que acarretará em adaptação ao am biente, m as
são os próprios integrantes de um determ inado grupo
taxonôm ico que irão selar o destino de sua espécie. Em
outras p alavras, os indivíduos selecionam os seus p ar-ceiros sexuais e, se os critérios pelo qual o fazem são
genéticos, logo eles deixarão para sua prole não apenas os critérios p ara a seleção do p arceiro, m as tam b ém as próprias características que foram usadas com o critério. Segundo Miller (2001, p.18), “... a seleção natural surge
pela com petição para a sobrevivência e a seleção sexual surge pela com petição para a reprodução”. A lógica da
seleção sexual pode ser resum ida da seguinte m aneira:
“... genes constroem cérebros e corpos, que escolhem os genes que constroem os cérebros e corpos da
pró-xim a geração que, por sua vez, escolhem os genes que
escolhem os genes” (Miller, 2001, p.81).
No passado, no tem po em que ocorreu a evolu-ção da esp écie, é b ast ant e p rovável que as p essoas esco lh essem o s in d ivíd u o s co m m aio r cap acid ad e cognitiva. “O que distingue os hum anos é que seu com
-portam ento de sedução revela m uito m ais sobre suas m entes” (Miller, 2001, p.119). Assim , a seleção sexual ajuda a explicar o porquê de um cérebro grande que apre-sentou um a constância de crescim ento, à m edida que
o t em p o p assava. “Du ran t e a evo lu ção h u m an a, a seleção sexual parece ter m udado seu alvo prim ário do corpo para a m ente” (Miller, 2001, p.21).
Tornou-se im portante perceber se o cérebro era saudável e, para isso, precisava-se verificar, com atenção,
tudo aquilo de que o portador de tal cérebro fosse capaz.
Miller (2001, p.118) cham a esta idéia de teoria do cérebro saudável. De acordo com esse m esm o entendim ento,
arte, im aginação, dentre outras capacidades cognitivas, podem ter surgido pela seleção sexual, pois apenas um céreb ro saud ável, q ue n ão fosse p ort ad or d e um a m utação perigosa, seria capaz de produzir tais feitos.
“Os m achos que detinham m aior céreb ro eram m ais b em -suced id os p orq ue eram criat ivos, sab iam usar m elhor as ferram entas, conseguiam entender m elhor
as com p lexas relações sociais e, p or isso, ad quiriam
m elhor st at us, p erm itindo m ais acasalam entos e
her-deiros” (Maia, s/ d, p.24).
Alguns estudiosos afirm am que a cultura estcionou a evolução e, p ortanto, as características hum
a-nas são apea-nas produtos da sociedade e da época em
que se sit uam . De acordo com a p ersp ectiva
evolu-cionista, um a com p reensão desse tip o negligencia o fato de que a cultura é apenas um produto da evolução,
q ue p recisou d e um céreb ro cap az d e criá-la, e t al
céreb ro é p roduto da evolução (Toob y & Cosm ides,
1992). Confor-m e Pinker (2001, p.93), “... a cultura depende
de um conjunto de circuitos neurais responsável pela
proeza que denom inam os aprendizado”.
Podese dizer que a p osição dicotôm ica e sim
-p list a n at ureza x cult ura vem sen d o su-p erad a -p ela
psicologia evolucionista. Para a referida abordagem , o
m ais adequado é considerar natureza e cultura, na
for-m ação da for-m ente hufor-m ana, cofor-m o afor-m b os ifor-m p ortantes.
Se algum as idéias tiverem base genética, é possível que
tenham sido selecionadas, pois “... antes da evolução da
ling uag em , nossos ancest rais não p odiam p erceb er
facilm ente os pensam entos uns dos outros, m as, após sua chegada, o próprio pensam ento tornou-se sujeito à
seleção sexual” (Miller, 2001, p.20).
De um m odo geral, a p sicologia evolucionista afirm a que grande parte das práticas de cortejo que hom ens e m ulheres utilizam hoje em dia foi selecionada, pois “... em bora a seleção natural adapte as espécies aos
seus am bientes, a seleção sexual m olda cada sexo em relação ao outro sexo” (Miller, 2001, p.49). Com base nessa p ersp ect iva, o s m ecan ism o s p sico ló g ico s fo ram se ajustando em cada um dos sexos.
Cooperação e emoções
Durante a pré-história, os hom inídeos geralm
en-te caçavam para a oben-tenção de alim entos. Com o
surgi-m ento do hom o erectus, a caça se tornou um a m aneira
m uito im portante de subsistência, pois seus cérebros
grandes exigiam um suprim ento extra de energia. Esta necessidade levou-os a consum ir carne, o que p
ro-p orcionava um a alim entação m ais energética, caro-p az
de m anter o céreb ro grande, que p recisava de m ais
energia que o anterior. De acordo com Leakey (1994,
p.13):
O hom o erectus foi a p rim eira esp écie h um an a a
utilizar o fogo; a prim eira a incluir a caça com o um a
p art e sig nificat iva d e sua sub sist ência; a p rim eira capaz de correr com o os hum anos m odernos o fazem ;
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com um padrão definido; a prim eira a estender seus
dom ínios além da África.
Conform e esse entendim ento, a seleção m
odi-ficou o corp o hum ano para a locom oção bípede, bem
com o p ara outras alterações. “Os circuitos p ara as em
o-ções tam bém não foram deixados intactos” (Pinker, 1997,
p.391), pois “a evolução dos seres hum anos consistiu
p rincip alm ent e de adap t ação m út ua” (Wright , 1996,
p.10).
Para fab ricar instrum entos com um p adrão, era
necessário que um m em bro ensinasse ao outro o m odo
d e fazê-lo. Para caçar com sucesso, era necessária a
existência de cooperação entre os m em bros do grupo
que iria consum ir o alim ento. Dessa m aneira, podem
ter evoluído a cooperação e os sentim entos em relação
aos outros, p ois, “... am izade, afeição, confiança - são
sentim entos que, m uito antes de se assinarem contratos,
m uito antes de se redigirem leis, m antinham as
socieda-des coesas” (Wright, 1996, p.168). Sentim entos com o
estes p odem ter surgido devido a algum a das duas
form as de seleção, por exem plo, “... a gratidão faz as
pessoas pagarem os favores sem pensar m uito que é
isto que estão fazendo” (Wright, p.160).
É provável que alguns sentim entos estivessem
associados à troca de favores, com o a partilha de alim en-tos (Ridley, 1996). Outros, com o o sentim ento de ter
sid o injust içad o, p od eriam ser um a resp ost a à não
cooperação de outrem , ou a um favor não retribuído.
Conform e afirm a Wright (1996, p.176):
Em um a espécie dotada de linguagem , um a m aneira
eficaz e pouco trabalhosa de prem iar pessoas boas e
punir as m ás é afetar sua reputação. Espalhar a notícia
de que alguém foi desonesto com você é um a
reta-liação p oderosa, pois leva as pessoas a não serem
altruístas com ele, receosas de se verem prejudicadas.
Assim , aq u eles q u e fo ram p reju d icad o s p o r
outrem teriam um a b o a maneira de retaliar os trapa-ceiros ao denegrir a reputação destes, dizendo algo a seu respeito que faria com que as outras pessoas pas-sassem a rejeitá-los. Por outro lado, o m ódulo da am
i-zade teria evoluído para fortalecer alianças p roveitosas entre indivíduos. As pessoas, quando recebem um favor,
norm alm ente sentem -se pressionadas a retribuir.
A leald ad e p o d e t er evo lu íd o p o r m o t ivo s sem elhantes aos da am izade. Em um contexto social,
no qual era possível encontrar colaboradores e
trapa-ceiros, as em oções seriam de grande ut ilidade p ara realizar est a diferenciação, p ara os hom inídeos dos tem pos antigos, pois “A dissem inação de seus genes
d ep end ia d o cont at o com seus vizinhos: p or vezes, aj u d an d o -o s, o u t ras d esco n h ecen d o -o s, o u t ras exp lorandoos, outras am andoos, outras odiandoos -possuindo a sensibilidade para distinguir quem m erece
que tipo de tratam ento, e quando m erece” (Wright, 1996, p.10).
Desse m odo, “... o com portam ento altruísta
aca-b ou, p ort ant o, send o favorecid o p ela lóg ica evolu-cionist a e em erg ind o em est rut ura cereb ral q ue se
tornou apta a levar em conta os custos e benefícios do seu em prego” (Vasconcellos & Gauer, 2004). O altruísm o ou ajuda m útua não apenas foi selecionado para auxiliar a sobrevivência dos antepassados do ser hum ano, m as
tam b ém serviu com o um a condição p ara a evolução de outros sentim entos. Por exem plo,
... com portam entos cham ados de m orais, que eram provavelm ente freqüentes entre nossos ancestrais,
são geralm ente acom panhados de sentim entos. Eles são a culpa e o rem orso quando consideram os que
tratam os o outro de m aneira injusta, a gratidão
quan-do recebem os um favor, a indignação e a com paixão quando vem os algo que consideram os inadequado
ou injust o (Oliva et al., 2006).
Durante a pré-história da hum anidade, um a das
características am b ientais que foram constantes foi o
am biente social, a convivência em grupo. Isto pode ter
acarret ad o a m ud ança quant it at iva e qualit at iva d o
céreb ro. Desse m odo, não p or acaso, os estudos d e
Dunbar (1996), com p arand o d iferent es esp écies d e
p rim at as, evid enciam exist ir um a correlação sig
nifi-cat iva entre o tam anho do neocórtex com o tam anho
dos grup os nos quais os indivíduos t endem a est ar inseridos.
Já Hum phrey (1994) postula que a consciência surgiu com o um m odelo diante da própria necessidade
que o hom em sente de entender o que se passa com os indivíduos que o cercam . Para Pilbeam : (1977, p.94) “... a
com plexidade e organização do cérebro estão
direta-m ente relacionados ao fato de que o cérebro do Hom o
Sapien s está grandem ente am pliado quando com
para-do com os cérebros de outros prim atas”.
A característica m ais m arcante, ao se com p arar
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é o tam anho do cérebro. O im pacto da convivência em
grupo e das situações com as quais seus antepassados
se depararam teve conseqüências m uito im portantes para a espécie.
“Na década de 1990, os psicólogos evolutivos
chegaram ao consenso de que a inteligência hum ana
evoluiu, em grande parte, em resposta a desafios sociais, em vez de ecológicos ou tecnológicos” (Miller, 2001, p.22).
O cérebro aum entou cerca de três vezes em tam anho
desde os Australopithecus. Não apenas isso se m
odifi-cou, m as a disp osição do tecido nervoso tam b ém . Os
segm entos frontais do cérebro foram os que m ais se
desenvolveram .
Por q ue um céreb ro d esse t am anho t eria se desenvolvido, se não fosse para abarcar inform ações
úteis ao m odo de vida dos antepassados, já que pelo
m enos um a parte deste foi constante por um longo período?
Considerações Finais
Vivem os num a ép oca m uito p rop ícia p ara
reali-zar a tarefa de diálogo interdisciplinar entre diferentes
abordagens, pois com os recentes avanços das Neuro-ciências e da Genética, som ados aos conhecim entos já
acum ulados p elas diferentes correntes da Psicologia
será possível com preenderm os m elhor nossa m ente e nosso com p ort am ent o. A Psicolog ia Evolucionist a é
um a forte candidata a servir de ponte entre os
conhe-cim entos sob re o ser hum ano, p ois quanto m ais nós entenderm os sobre nosso passado evolutivo, m elhor
nós entenderem os nossos cérebros e nosso com
por-tam ento. Para isso, faz-se necessário olharm os com m ais atenção para a evolução hum ana e verificarm os que o
cérebro não pode ter evoluído sem m otivo. Certam ente,
existiram forças que fizeram com que esse m esm o órgão
ap resen t asse o au m en t o g rad u al q u e, h o je, a
Ar-queologia é capaz de apontar. Pode-se destacar ainda o
fato de que o trip licam ento do céreb ro sugere um a
am p lificação das cap acidades cognitivas.
A teoria da evolução surgiu na m etade do século
XIX, gerou m uita p olêm ica, m as após m uitas evidências
terem sido encontradas a seu favor, ela está plenam ente
aceita nas ciências naturais. Com o avanço recente e
acelerado das ciências b iológicas, p odem os esp erar o
surgim ento de novas teorias e descobertas a respeito
da relação céreb ro-cognição-com p ortam
ento-evolu-ção, e, sem dúvida, essas novas idéias poderão auxiliar de m aneira decisiva a com preensão que tem os de nós
m esm os.
De um m odo geral, pode-se concluir que as idéias
evolucionistas p odem p rop iciar um a nova m aneira de pensar a Psicologia, fundam entando-se em princípios
diferenciados, que por sua vez, sugerem a sua própria
solidez. Afinal, a teoria da evolução pode ser
considera-da u m a d as t eo rias m ais p o d ero sas d e u m a outra
ciência - a Biologia. Nesta, a teoria de Darw i n fortificou-a,
tornando os fatos e descobertas antes dispersos, com
-preensíveis. Dessa form a, estarem os realizando a previsão que Darw in fizera m ais de 150 anos atrás: “a Psicologia
se assentará em um novo alicerce”.
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Recebido em : 29/ 8/ 2006