DOENÇAS DA TIREOIDE Ε MIASTENIA GRAVE
J. LAMARTINΕ DE ASSIS * MILBERTO SCAFF **
ANTONIO Α. ΖAMBON *** PAULO Ε. MARCΗIORI ***
Desde há muitos anos é conhecida e salientada a associação de endocrino-patias com a miastenia grave ( M G ) , em particular as t i r e o p a t i a s1 2
,1 5
. Simpson e outros autores destacaram a associação com o hipertireoidismo3
»1 6 .2
'°.2 4 . A partir da hipótese de Simpsoni e
de que a M G seria doença auto-imune, foram estabelecidas relações imunológicas entre M G e tireopatias 4
.7 »1 0
»1 6
. Nume-rosas pesquisas mostraram incidência relativamente alta de anticorpos anti-tireóide no soro de pacientes com M G 2
» 8 . 1 6
, 2 2 ,2 4
. Alguns a u t o r e s9 »1 3
acenam para possível base genética nestas associações clínicas e imunológicas.
M A T E R I A L Ε MÉTODOS
F o r a m constatadas tireopatias em 15 pacientes de um grupo de 304 miastênicos
( 5 , 0 % ) : 10 tinham disfunção tireoidiana e 5 exibiam bócio atóxico. A s desordens
funcionais d a tireóide foram avaliadas mediante exames clínicos e laboratoriais. F o i
pesquisado anticorpo antitireóide em 5 pacientes.
Na tabela 1 constam identificação, formas clínicas d a M G , início e características
da disfunção tireoidiana, presença ou não d e dados clínicos e / o u laboratoriais e
influên-cia d o tratamento d a disfunção endócrina na sintomatologia miastênica. A tabela 2
mostra a prevalência de tireotoxicose em pacientes d a presente série comparativamente
c o m as séries d e outros autores. A tabela 3 apresenta a relação cronológica entre
hipertireoidismo e MG. A tabela 4 mostra o s 5 miastênicos c o m b ó c i o atóxico. Nenhum
dos pacientes era proveniente de zona endêmica de b ó c i o e não havia bócio familiar.
R E S U L T A D O S
D e u m grupo d e 304 pacientes c o m M G , 15 apresentavam tireopatias (5,0%). A s
idades d o s pacientes variavam de 17-54 anos c o m a média d e 33,05 anos e desvio
padrão d e 12,12 anos. Onze pacientes eram d o s e x o feminino.
N o g r u p o c o m disfunção tireoidiana (Tabela 1 ) , a forma clínica d a M G era
generalizada moderada e m 6 pacientes, generalizada severa em dois e generalizada
acentuada em dois. Havia 9 pacientes c o m hipertireoidismo (3,0%) e u m c o m
tireoidismo (0,3%). T r ê s pacientes tinham sinais clínicos atuais de disfunção tireoidiana
(casos 3, 5 e 8 ) ; 4 tinham hipertireoidismo pregresso sendo q u e um foi
tireoidecto-mizado (caso 6) e apenas u m tinha hipotireoidismo (caso 4) ( T a b e l a 1 ) . A
sintoma-tologia miastênica não foi influenciada pelo tratamento d a disfunção tireoidiana em
5 pacientes, piorou em um e melhorou em d o i s ; em dois outros não p ô d e ser avaliada
(Tabela 1 ) . A incidência da associação tireotoxicose-MG em nossa série foi
signifi-cativamente menor que a referida pela maioria de outros autores (Tabela 2 ) . A
tireotoxicose apareceu primeiro em 44,0% dos casos, foi simultnâea em 33,0%, enquanto
a MG ocorreu antes em 22,0% dos casos (Tabela 3 ) . Os 5 pacientes c o m bócio não
t ó x i c o (1,6%) eram d o sexo feminino e suas idades variavam d e 23-54 anos. Destes,
um tinha bócio multinodular (caso 15). E m todos a função tireoidiana era normal
COMENTÁRIOS
Em um grupo de 304 pacientes com M G as tireopatias constituíram, após
os timomas (5,5%), as doenças mais freqüentemente associadas com M G (5,0%).
Ocorreu predomínio acentuado da tireotoxicose (3,0%) sobre o hipotireoidismo
(0,3%), o que está de acordo com a l i t e r a t u r a1 6 »1 9
·2 0 » 2 4
. No entanto, a
pro-porção de tireotoxicose nesse grupo de miastênicos é inferior à maioria daquela
referida por outros a u t o r e s1 4 .1 6
.2 1 ,24
(Tabela 2 ) . A miastenia precedeu o apa*
recimento da tireotoxicose em 22,0% dos casos, o que se aproxima dos achados
de outros autores 1 8
. Na nossa série a tireotoxicose precedeu em 44,0% dos
lite-ratura l l 2 >1 8
, o mesmo acontecendo quanto a simultaneidade do aparecimento das
duas d o e n ç a s1 2 »1 8
(Tabela 3 ) . São pouco relevantes no binômio
MG-tireoto-xicose, os aspectos clínicos da tireopatia e a repercussão terapêutica da disfunção
tireoidiana na sintomatologia miastênica. Os 5 pacientes sem sinais clínicos
atuais de hipertireoidismo exibiam FGM, FGA ou FGS. Os três pacientes com
sinais clínicos atuais de tireotoxicose tinham FGM de MG. O único paciente
com hipotireoidismo (caso 4 ) tinha FGM. Estes achados sugerem não haver
correlação entre intensidade da sintomatologia miastênica e da disfunção
tireoi-diana. Deste modo, um paciente com tireotoxicose clínica e laboratorial
acen-tuada pode evoluir com sintomatologia miastênica moderada e vice-versa.
Na série atual, na maioria das vezes, não houve correlação entre remissão
terapêutica do hipertireoidismo e melhora clínica da M G : em três pacientes a
normalização do hipertireoidismo não influenciou a evolução dos sintomas
mias-tênicos e em três outros com tireotoxicose pregressa, do mesmo modo,a
norma-lização da função tireoidiana não modificou a evolução da M G . É de notar que
em um destes pacientes (caso 10) a tireotoxicose precedeu a MG e a
normali-zação da função tireodiana não impediu a eclosão ulterior da moléstia. Ocorreu
melhora da M G com a normalização terapêutica da função tireoidiana em apenas
2 pacientes: um com hipotireoidismo (caso 4 ) e outro com hipertireoidismo
(caso 8 ) . Um paciente piorou (caso 1) e dois outros não puderam ser
acom-panhados (casos 6 e 9 ) . No nosso grupo a evidência clínica e/ou laboratorial
de tireoidite não ocorreu. Apenas um paciente (caso 4 ) , com hipotireoidismo,
teve provável episódio de tireoidite, que cedeu com o tratamento. Durante o
episódio a sintomatologia miastênica não foi influenciada, porém com a
norma-lização da função tireoidiana houve melhora de sintomatologia miastênica.
A raridade da associação de M G com doença de Hashimoto é referida na
lite-ratura 5 » 1 7
>2 1
No entanto, alguns autores1
presumem que diversos pacientes
com M G e tireoidite tenham função tireoidiana normal ou ligeiramente alterada
e, nestas condições, a tireopatia não seria diagnosticada a não ser mediante
exame histológico.
RESUMO
O s autores estudam o comportamento da tireóide em um g r u p o de 304
pacientes c o m miastenia grave, constatando 15 c a s o s de tireopatias, sendo 9 de
hipertireoidismo, um de hipotireoidismo e 5 de b ó c i o sem alterações da função
tireoidiana. Nenhum paciente era proveniente de região de b ó c i o endêmico e não
havia b ó c i o familiar. A tireotoxicose, que foi a disfunção mais frequente, foi
estudada quanto a sua prevalência em pacientes miastênicos, quanto a sua
influência sobre o s sintomas da miastenia grave e quanto à é p o c a d o seu
SUMMARY
Thyroid diseases and myasthenia gravis: study of 15 cases.
In a g r o u p o f 304 myasthenic patients 15 cases with thyropathies w e r e
reported: nine with hiperthyroidism, o n e with hypothyroidism and five with
nontoxic goiter. Four patients presented diffuse simple goiter and o n e a
multi-nodular goiter with normal thyroid function. N o patient c a m e from an endemic
goiter region, not even familial goiter. T h e prevalence and influence of
hyper-thyroidism o n myasthenic s y m p t o m a t o l o g y w e r e studied. Our findings suggest
that there is n o clinical correlation between both myasthenia s y m p t o m a t o l o g y
and thyroid dysfunction, neither significant influence o n myasthenic symptoms
w h e n the endocrine disorders improve.
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