HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA NO RIO DE JANEIRO
Sebastião Silva Gusmão
1RESUM O - Relat a-se a vida prof issional dos precursores e pioneiros que possibilit aram o nascim ent o da neurocirurgia no Rio de Janeiro.
PALAVRAS-CHAVE: neurocirurgia, hist ória.
History of neurosurgery in Rio de Janeiro
ABSTRACT - The professional life of the pioneers of neurological surgery in Rio de Janeiro is presented. KEY WORDS: neurosurgery, hist ory.
1Faculdade de M edicina da Universidade Federal de M inas Gerais (UFM G), Belo Horizont e M G, Brasil.
Recebido 6 Agost o 2001, recebido na forma final 12 Novembro 2001. Aceit o 20 Novembro 2001.
Dr. Sebastião Silva Gusmão - Rua Padre Rolim 921/21 - 30130-90 Belo Horizonte MG - Brasil.
As conquist as essenciais para o desenvolviment o da neurocirurgia m oderna f oram o avanço da cirur-gia geral, especialment e a anest esia (M ort on, 1846) e a antissepsia (Lister, 1867) e a teoria das localiza-ções cerebrais (Broca, 1861)1,2. Ela f oi est abelecida
nas duas últ im as décadas do século XIX e prim eiras décadas do século XX graças, principalm ent e, aos pioneiros Vict or Horsley (1857-1916) e Harvey Cu-shing (1864-1939)1-3.
No Brasil, o nascim ent o da neurocirurgia depen-deu t ambém do desenvolviment o prévio da cirurgia e da anest esia. O ensino of icial da neurologia f oi inaugurado no Brasil em 1912, quando da criação da Disciplina de Neurologia, dist int a da Psiquiat ria, na Faculdade de M edicina do Rio de Janeiro, sendo designado para regê-la Ant ônio Aust regésilo Rodri-gues Lim a (1876 - 1961), que chef iava o Serviço de Neurologia da Sant a Casa de M isericórdia do Rio de Janeiro4. A cirurgia m oderna no Brasil t eve início no
f inal do século XIX, especialm ent e no Rio de Janei-ro, com as obras de Cândido Borges M ont eiJanei-ro, Cha-pot -Prévost , Andrade Pert ence, Dom ingos de Góes e Vasconcelos, Paes Leme e August o Brandão Filho5.
Est e últ im o era denom inado o Príncipe da Cirurgia Brasileira e pode ser considerado o precursor da neurocirurgia brasileira, pois foi o primeiro cirurgião geral a ir além da cirurgia craniana do t raum a, t en-t ando a cirurgia dos en-t um ores cerebrais e da neural-gia do t rigêmeo e iniciando, em nosso meio, os exa-mes neurorradiológicos (vent riculografia e angiogra-f ia cerebral).
No f inal da t erceira década do século XX, a m
o-derna cirurgia e a neurologia est avam bem assent a-das em nosso m eio, especialm ent e no Rio de Janei-ro, propiciando as condições para o nascim ent o da neurocirurgia brasileira. O ano de 1928 pode ser con-siderado como a dat a crucial da neurocirurgia brasi-leira. Nest e ano, Brandão Filho encont rava-se no age de sua t ent at iva de t rat am ent o cirúrgico dos t u-m ores cerebrais e, enquant o realizava, sob a orien-tação de Egas M oniz (1874 – 1955), a primeira angio-grafia cerebral no país, Ant ônio Aust regésilo encon-t rava-se visiencon-t ando os serviços de neurocirurgia dos Est ados Unidos. De regresso, convoca Alfredo M on-t eiro e José Ribe Poron-t ugal para o início da neurocirur-gia brasileira com o especialidade6.
AUGUSTO BRANDÃO FILHO
abreugra-f ia7. Na angiograf ia cerebral f oi auxiliado pelo
pró-prio invent or do m ét odo, Egas M oniz8,9, que em
1928, encont rava-se em visit a ao Brasil (Figs 2,3). No livro Tumores do encéfalo: algumas
observa-ções comentadas10 relat a seis casos de int ervenção
sobre o crânio operados no período de 1927 a 1931 e a est es acrescent a um sét imo publicado em 19247.
Todos os casos f oram operados em f ase avançada de hipert ensão int racraniana e f aleceram . A
indica-Fig 1. Brandão Filho (1881 - 1957).
Fig 2. Egas Moniz na Academia Brasileira de Letras. “Recepção solene na Academia Brasileira de Letras, em 22 de agosto de 1928. Entre a assistência: Dr. Medeiros e Albuquerque, Prof. Miguel Couto, Prof. Fernando de Magalhães, Dr. Ataulfo de Paiva, Dr. Humberto de Campos, Dr. Gustavo Barroso, Dr. Olegário Mariano”8.
Fig 3. Imagem em perfil da primeira angiografia cerebral realiza-da no Brasil por Brandão Filho e Egas Moniz, em 6 de agosto de 1928.
ção cirúrgica baseava-se apenas no exam e neuroló-gico e no exame radiolóneuroló-gico simples do crânio. Ape-nas um caso f oi subm et ido à vent riculograf ia.
Brandão Filho f az com ent ários porm enorizados sobre as causas dos erros de localização e sobre o insucesso do t rat ament o, t endo como base os gran-des m est res da neurocirurgia do com eço do século XX. Em cinco dos casos expôs o quiasm a ópt ico e em dois, a f ossa post erior. Em dois casos de exposi-ção, do quiasm a ópt ico não f oi encont rado o t u-m or, o qual est ava sit uado eu-m out ra região, cou-m o f icou dem onst rado pela necropsia. A exploração da região do quiasm a baseava-se no déf icit visual e no exam e radiológico sim ples de crânio que m ost rava def orm ação da sela t urca. Brandão Filho, com base nos t rabalhos da lit erat ura, ident ifica a causa do erro com o sendo devida à não dif erenciação das alt era-ções da sela t urca por acom et im ent o prim ário de t um or hipof isário e por hipert ensão int racraniana. Um tumor da fossa posterior, possivelmente neurino-m a do acúst ico, não f oi ident if icado devido à não exposição do ângulo pont o-cerebelar. O sétimo caso, submet ido à vent riculografia, t rat ava-se de hidrocf alia e hidrocf oi subm et ido à craniect om ia da hidrocf ossa post e-rior. Além da cirurgia dos tumores cerebrais, Brandão Filho realizou t am bém o t rat am ent o cirúrgico da neuralgia do t rigêmeo. Relat a dois casos, um opera-do em 1922 e out ro em 1923 por meio da secção da raiz sensit iva do t rigêm eo11.
ALFREDO ALBERTO PEREIRA MONTEIRO
Alf redo Albert o Pereira M ont eiro (1891-1961) graduou-se pela Faculdade de M edicina do Rio de Janeiro em 1914, obt endo no mesmo ano, com ape-nas 23 anos, a Livre-docência de anat omia da referi-da f aculreferi-dade. Em 1928, Ant ônio Aust regésilo con-voca-o a iniciar a neurocirurgia no Brasil. No mesmo ano, junt am ent e com seu assist ent e José Ribe Por-t ugal, inicia esPor-t a especialidade, realizando os proce-dim ent os cirúrgicos na Sant a Casa do Rio de Janei-ro. Em 1932, é invest ido na recém criada Cát edra de Neurocirurgia da Faculdade Nacional de M edicina do Rio de Janeiro. Em 1935, abandona a especiali-dade e se t ransfere para a Cát edra de Técnica Opera-t ória e de Cirurgia ExperimenOpera-t al. Apesar de abando-nar a especialidade, Alfredo M ont eiro foi o primeiro professor de neurocirurgia no Brasil e deu impulso à especialidade, publicando vários t rabalhos sobre o assunt o. No seu t rat ado de Técnica Cirúrgica, em t rês volum es, deu im port ância dest acada às t écni-cas neurocirúrgiécni-cas. M erece, junt am ent e com Bran-dão Filho, o t ít ulo de precursor da neurocirurgia bra-sileira6.
JOSÉ RIBE PORTUGAL
Ant ônio Aust regésilo (1876 - 1960), além de pio-neiro da neurologia brasileira, indicou o caminho da
neurocirurgia a José Ribe Port ugal. Em 1928, visit a nos Est ados Unidos os serviços de Cushing e Frazier. Ficou vivament e impressionado com a neurocirurgia am ericana e com os m ét odos precisos de diagnóst i-co, que naquela época eram a vent riculograf ia e a pneum oencef alograf ia, idealizadas por Dandy em 1918. Im ediat am ent e após seu regresso, f az criar o Serviço de Neurocirurgia. Convoca Alf redo Albert o Pereira M ont eiro, brilhant e cirurgião-geral e cat edrá-t ico de anaedrá-t omia, o qual escolheu para seu assisedrá-t t e José Ribe Port ugal que part icipava como assist en-t e de sua disciplina de Técnica Operaen-t ória e Cirurgia Experiment al12,13.
José Ribe Port ugal (1901 - 1992) (Fig 4) graduou-se pela Faculdade de M edicina da Universidade do Rio de Janeiro em 1927 e, no ano seguint e, com o prêm io à sua prof iciência, é nom eado Prof essor As-sist ent e da Cadeira de Anat om ia dest a m esm a Fa-culdade. Em 1928, inicia com Alf redo M ont eiro os prim eiros procedim ent os cirúrgicos na Sant a Casa de M isericórdia do Rio de Janeiro. Quando Alf redo M ont eiro abandona o encargo, Port ugal decide de-dicar-se com plet am ent e à neurocirurgia. Em 1929, Port ugal, aos 28 anos de idade, submet e-se aos exa-m es para Livre Docência de Técnica Operat ória e Ci-rurgia Experim ent al na Faculdade de M edicina do Rio de Janeiro, com tese intitulada Contribuição à neu-rot omia ret rogasseriana. O t rat ament o da neuralgia do t rigêm eo f oi seu alvo de preocupação durant e t oda a sua at ividade com o neurocirurgião (Fig 5). Em 1930, Port ugal f oi nom eado assist ent e ext ranu-m erário da Cadeira de M edicina Operat ória da Fa-culdade de M edicina do Rio de Janeiro. Em 1932, assum e a chef ia do recém -criado Serviço de Neuro-cirurgia do Hospit al da Ordem Terceira do Carm o, com cem leit os.
Fig 4. José Ribe Portugal (1901 – 1992).
No início, Port ugal f oi um aut odidat a. Sua prát i-ca era guiada pela lit erat ura neurocirúrgii-ca e pela correspondência com os grandes m est res da neu-rocirurgia da época: Cushing, Frazier e Adson. Per-sistiu no aprimoramento técnico, cercando-se de apa-relhagem e inst alações m odernas, educou um cor-po de auxiliares, ministrando cursos e proferindo con-ferências. Em 1930, Port ugal passou a freqüent ar o Serviço de M anuel Balado (1897 - 1942), em Buenos Aires, em rápidas visit as anuais. Em 1945, visit a os serviços de John Scarf f , Ingraham , M at son, Grant , Gross e Dandy. Após o Congresso M undial de Neuro-cirurgia em Paris, visit a os serviços de Olivecrona, Sjoqvist , Norman Dot t e Jefferson. Prosseguindo em sua brilhante carreira, Portugal passou a ocupar, mais t arde, a Cát edra de Neurocirurgia na Faculdade de Ciências M édicas do Rio de Janeiro. Em 1965, pas-sou a at uar no serviço do Hospit al de Clínicas, do qual se aposent ou em 1970. Em Bruxelas, Bélgica, durant e o Prim eiro Congresso Int ernacional de Ci-rurgia Neurológica, por iniciat iva de José Ribe Por-t ugal e José Geraldo Albernaz, f oi f undada, em 26 de julho de 1957, a Sociedade Brasileira de Neuro-cirurgia. O Prim eiro Congresso da Sociedade Brasi-leira de Neurocirurgia f oi realizado em Pet rópolis, no Hot el Quit andinha de 18 a 20 de julho de 1958 (Fig 6).
Port ugal é aut or de várias publicações neurocirúr-gicas, dist inguindo-se as que se ref erem à neuralgia do t rigêm eo e aos m eningiom as. Foi cirurgião exí-m io, possuidor de t écnica priexí-m orosa14,6.
Com o m est re de didát ica insuperável, f orm ou uma plêiade de discípulos que se t ransformaram em grandes m est res: Renat o Tavares Barbosa, Pedro
Sam paio, Ot oide Pinheiro, Feliciano Pint o, Gianni M aurélio Tem poni e M ário Brock.
Renat o Tavares Barbosa t reinou com Leksell, na Suécia, e iniciou a cirurgia est ereot áxica no Brasil. Foi um dos f undadores da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, sendo seu president e no biênio 1971 – 1972. Dirigiu o Serviço de Neurocirurgia do Hospi-t al Lagoa do Rio de Janeiro, duranHospi-t e 27 anos.
Pedro Sampaio foi t it ular da Cát edra de Neuroci-rurgia da Faculdade de M edicina do Rio de Janeiro. Organizou o Serviço de Neurocirurgia do Hospit al Pedro Ernest o, onde f orm ou vários discípulos.
Feliciano Pint o dirigiu-se, em 1952, para Colô-nia, onde complementa sua formação neurocirúrgica com Wilhelm Tonnis. Em 1953, cria o Serviço de Neurologia do Inst it ut o Nacional de Câncer do M i-nist ério da Saúde e, em 1959, o Serviço de Neuroci-rurgia do Hospit al Advent ist a Silvest re no Rio de Ja-neiro, onde formou vários neurocirurgiões. Foi presi-dent e da Academ ia Brasileira de Neurocirurgia em 1982 e é secret ário geral dest a Academ ia desde 1979.
Gianni M aurélio Temponi, a part ir de 1972, t or-na-se Professor Tit ular de Neurocirurgia da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro e chef ia o Serviço de Neurocirurgia do Inst it ut o de Neurologia dest a mes-ma Universidade.
Ot oíde Pinheiro é Prof essor Adjunt o e Livre Do-cent e em Anat omia e Neurocirurgia da Escola de M e-dicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. A part ir de 1976 assumiu a chefia do Serviço de Neurocirurgia do Hos-pit al da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penit ência. Foi President e da Academia Brasileira de Neurocirurgia no biênio 1992-1993.
M ário Brock, após realizar sua formação neuroci-rúrgica com Feliciano Pint o e José Ribe Port ugal, di-rigiu-se, em 1964, para a Alem anha, t rabalhando nas Universidades de Colônia, M ogúcia e Hannover. Torna-se, em 1978, prof essor t it ular e chef e do Ser-viço de Neurocirurgia da Universidade de Berlim (Uni-versit at sklinikum St eglit z).
Depois de José Ribe Port ugal, out ro pioneiro da neurocirurgia no Rio de Janeiro f oi Paulo Niem eyer, t ambém um aut odidat a. Em 1939 passa a t rabalhar no Pront o Socorro, quando se dedica especialm
en-Fig 7. Colóquio Internacional de Eletrocorticografia realizado no Rio de Janeiro, em 1955, vendo-se da esquerda para a direita: Abraham Mosovich (Argentina), Henri Gastaut (França), Aristides Leão (Brasil) Earl Walker (Estados Unidos), Bartolomé Fuster (Uru-guai), Paulo Niemeyer (Brasil) e Carlos Vilavicencio (Chile).
t e à neurocirurgia do t raum a. Em 1942 assum e o set or de neurocirurgia da Sant a Casa. Em 1945 cria o Serviço de Neurocirurgia do Pront o Socorro, dedi-cado essencialm ent e ao neurot raum a.
Henri Gastaut (1915 – 1995), epileptologista fran-cês, cujos t rabalhos m ost raram que a am ígdala, o hipocampo e o giro parahipocampal são os subst ra-t os anara-t ôm icos das crises ra-t em porais, esra-t eve no Bra-sil na década de 1950. Suas conf erências sobre as bases anat om opat ológicas da epilepsia t em poral e elet rocort icograf ia inspiraram Niem eyer a idealizar a amigdalo-hipocampect omia t ransvent ricular para o t rat am ent o dest as crises15 (Fig 7). Foi um dos f
un-dadores da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.
REFERÊNCIAS
1. Ballance SC. A glimpse into the history of the surgery of the brain. Lancet 1922;22:111-116;165-172.
2. Horrax G. Neurosurgery: an historical sketch. Springfield: Charles C. Thomas, 1952:10-15.
3. Greenblatt SH. A history of neurosurgery. Park Ridge: American Association of Neurological Surgeons, 1997:3-9.
4. Ribeiro L. Medicina no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1940 53-59.
5. Salles P. História da medicina no Brasil. Belo Horizonte: Ed. G. Holman, 1971:160-161.
6. Gusmão SS, Souza JG. História da neurocirurgia no Brasil. Joinville: Letra d’Agua, 2000:120-128.
7. Brandão A Filho. Quisto da hipófise; ventriculografia e intervenção cirúrgica por via frontal. Jornal dos Clínicos 1924;16:224-251. 8. Egas Moniz. Confidências de um investigador científico. Lisboa:
Edi-ções Ática, 1949:129-136.
9. Brandão A Filho. Primeira encefalografia arterial no Brasil. In Brandão A Filho. Clínica cirúrgica. Rio de Janeiro: Editora Scientífica, 1930:271-293.
10. Brandão A Filho. Tumores do encéfalo: algumas observações comen-tadas. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, 1931:1-77.
11. Brandão A Filho. Tique doloroso da face; secção da raiz sensitiva do trigêmeo. In Brandão A Filho. Clínica cirúrgica. Rio de Janeiro: Editora Scientífica, 1923:251-314.
12. Gomes MM. Marcos históricos da neurologia. Rio de Janeiro: Editora Científica Nacional, 1997:61-65.
13. Reimão R. História da neurologia no Brasil. São Paulo: Lemos-Editori-al, 1999:43-51.
14. Brock M. José Ribeiro Portugal: pai da neurocirurgia brasileira. Arq Neuropsiquiatr 1994;52:118-122.