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Aexia sem agrafia: estudo clínico-tomográfico.

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Academic year: 2017

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ALEXIA SEM AGRAFÍA

ESTUDO CLÍNICO-TOMOGRAFICO

AMAURI BATISTA DA SILVA * RICCARDO PRATESI *

JOAQUIM PEREIRA BRASIL NETTO **

A p e r d a da c a p a c i d a d e de identificação d o s símbolos gráficos e a conse-quente impossibilidade de leitura com m a n u t e n ç ã o d a habilidade p a r a escrever é condição r a r a em clínica neurológica. A primeira descrição completa da síndrome a c o m p a n h a d a da confirmação anatômica deve-se a D é j é r i n e7

que, com s u a genial intuição, chegou mesmo a a n t e c i p a r a t e o r i a d a s desconexões, a r d u a -mente defendida por Geschwind 9 desde a d é c a d a de 60. A síndrome c o m p o r t a além da alexia, frequente hemianopsia homônima direita, possível anomia p a r a cores e r a r a m e n t e hemiacromatopsia. S ã o descritos distúrbios t r a n s i t ó r i o s d a memória verbal, i m p u t a d o s à lesão do hipocampo e s q u e r d o , além de alterações em geral t r a n s i t ó r i a s do cálculo escrito. O paciente consegue escrever espon-t a n e a m e n espon-t e ou sob diespon-tado, m a s n ã o consegue ler o que a c a d a de escrever.

Neste r e g i s t r o r e l a t a m o s dois casos por nós e s t u d a d o s recentemente, sendo interessante que em a m b o s houve boa r e g r e s s ã o d o s d i s t ú r b i o s d a leitura. A c h a m o s por bem s u g e r i r que t o d o s os pacientes com a l t e r a ç õ e s hemianópticas à direita, por provável lesão isquêmica em território d a a r t é r i a cerebral posterior e s q u e r d a , sejam m a i s d e t a l h a d a m e n t e e x a m i n a d o s a fim d e que esta síndrome possa ser mais frequentemente d i a g n o s t i c a d a .

OBSERVAÇÕES

Caso 1 — A.V.S.P., sexo masculino, branco, 35 anos, dextro, registro 982635, funcionário de uma editora, foi admitido na Unidade de N e u r o l o g i a do Hospital de Base de Brasília em 10-09-83 l o g o após ter tido súbito mal-estar quando jogava futebol: ele sentiu dormência no lado direito do corpo, ficou tonto, nauseado e teve dificuldade para ver o que se passava à sua direita. N ó s o e x a m i n a m o s no terceiro dia d e inter-nação e constatamos tratar-se de paciente e m bom estado geral, P.A. 140x90, 120 bati-mentos cardíacos por minuto, ausência de dispnéia e de edema. Ele estava consciente, lúcido, alerta, cooperador, com hemianopsia homônima direita, discreta hemiparesia, hiporreflexia ósteo-muscular e hemi-hipoestesia superficial e profunda do mesmo lado. Havia miose, enoftalmia, hiperemia conjuntival e anidrose facial à esquerda. Havia sincinesias homolaterais de imitação à direita e discreta distonia caracterizada por pronação distai do membro superior que entrava em abdução quando da marcha,

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Fig. 1 — Tomografia computadorizada do crânio. À esquerda, do caso A.V.S.P., mos-trando área hipodensa infero-mesial têmporo-occipital que se estende até porções posteriores do tálamo, à esquerda. À direita, do caso G.C.S., evidenciando área hipodensa em região ínfero-lateral têmporo-occipital com extensão para porções pos-teriores do tálamo, à esquerda.

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testes para doença reumáfica e urinálise, n o r m a i s ; V D R L , n e g a t i v o ; tomografia compu-tadorizada do crânio evidenciou zona hipodensa e x t e n s a em áreas póstero-inferiores têmporo-occipitais à esquerda, compatível a isquemia em território da artéria cerebral posterior deste lado (Fig. 1). R e v i s ã o clínica cerca de 2 semanas depois j á revelou melhora acentuada da denominação e do reconhecimento das letras do alfabeto, com leitura lenta e laboriosa de palavras e de curtas frases. E x a m e neurológico no dia 18-04-85 mostrou quadrantanopsia superior direita, discreta hemi-hipoestesia superficial a ataxia cerebelar ipsilaterais. L i n g u a g e m oral preservada, escrita perfeita, cálculo sem alterações; boa capacidade de identificação das letras do alfabeto e dos números, sendo capaz de ler corretamente e de interpretar textos, apesar de fazê-lo lentamente. A s demais funções práxicas e cognitivas estavam normais, como nas primeiras avaliações. Em suma, a paciente apresentou quadro agudo neurológico, caracterizado por alexia sem agrafia, quadrantanopsia superior direita, sem anomia para cores e sem alterações da memória verbal ou de afasia. Havia manifestações motoras (hemiparesia e hemiata-x i a discretas) e sensitivas, no dimidio direito. O curso evolutivo se caracterizou pela rápida regressão dos distúrbios da leitura no prazo d e três meses. A tomografia computadorizada do crânio confirmou a existência de infarto em território da artéri» cerebral posterior esquerda.

COMENTÁRIOS

Alexia, s e g u n d o Benson & G e s c h w i n d4

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o doente a p r e s e n t o u na primeira fase de sua enfermidade. O infarto secundário do giro a n g u l a r veio acrescentar a agrafia. Déjérine n ã o deu ênfase especial ao papel d a lesão do esplênio do corpo caloso n a s í n d r o m e por ele descrita. Foix & Hillemand 8

, pelo c o n t r á r i o , d e r a m g r a n d e importância à lesão do esplê-nio no mecanismo da alexia sem agrafia. Geschwind & Fusillo 10 r e l a t a r a m caso de alexia sem a g r a f i a em que havia hemianopsia homônima direita e a n o m i a p a r a cores no campo visual p r e s e r v a d o , além de distúrbios t r a n s i t ó r i o s d a memória verbal. A necropsia revelou infarto do córtex visual primário e secundário à esquerda, s u b s t â n c i a b r a n c a periventricular, giros Iingual e fusi-forme, hipocampo e esplênio do corpo caloso ipsilaterais. Eles insistiram na difi-culdade que tinha o doente p a r a denominar as cores, selecionar cores previa-mente d e n o m i n a d a s , mas e m p a r e l h a v a cores c o r r e t a m e n t e , coloria figuras de objetos a d e q u a d a m e n t e e respondia bem à s questões do tipo relação c o r / i m a g e m . Eles justificaram os distúrbios t r a n s i t ó r i o s d a memória verbal como s e c u n d á r i o s a lesão hipocampal esquerda. O doente escrevia de forma peculiar, compor-t a n d o - s e como se escompor-tivesse de olhos v e n d a d o s , pois a escricompor-ta n ã o seguia as linhas horizontais do papel, inclinando-se de cima p a r a baixo e da e s q u e r d a p a r a a direita. Ajax e c o l .1

p u b l i c a r a m os a c h a d o s clínico-patológicos de um caso de alexia sem a g r a f i a com hemianopsia homônima direita e sem anomia p a r a cores. As lesões do esplênio e do fórceps major se limitavam à s fibras mais ventrais, p o u p a n d o por completo as fibras d o r s a i s . Eles admitem que a s fibras v e n t r a i s s ã o essenciais p a r a a decodificação da p a l a v r a escrita, e n q u a n t o a s d o r s a i s s ã o capitais p a r a a d e n o m i n a ç ã o d a s cores, conforme a f i r m a r a a n t e -riormente G r e e n b l a t tn

. Vincent e col.!5 r e l a t a r a m o caso de um paciente com alexia sem agrafia, sem hemianopsia nem anomia p a r a cores, que tinha meningioma d a t e n d a do cerebelo que comprimia a face inferior d a j u n ç ã o t ê m p o r o -occipital esquerda. Eles explicaram a alexia p u r a pelo envolvimento d a s fibras mais v e n t r a i s do esplênio do corpo caloso e admitem igualmente que a s fibras d o r s a i s p o u p a d a s justificam a inexistência de distúrbios na d e n o m i n a ç ã o d a s cores. P a r a muitos a u t o r e s a alexia sem a g r a f i a seria uma forma de a g n o s i a visual, porém há c a s o s na l i t e r a t u r a4

em que a a g n o s i a visual p a r a objetos e imagens n ã o se a c o m p a n h a de alexia.

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associada à afasia de Broca e consistiria fundamentalmente numa forma de alexia literal severa que d e p e n d e r i a de dificuldades na e x p l o r a ç ã o oculomotora do espaço, falta de habilidade p a r a m a n t e r sequências v e r b a i s e p a r a compre-ender a e s t r u t u r a sintática. Ele estudou 61 c a s o s de afasia de Broca e encontrou alexia severa em 34, m o d e r a d a em 17, só n ã o havendo componente aléxico em 10 casos. A propósito, H e n d e r s o n 13 comenta que n a realidade Déjérine já c o n s i d e r a r a esse terceiro tipo de alexia com notável acuidade. T r e s c h e r & F o r d1 4

r e l a t a r a m os a c h a d o s clínicos num paciente o p e r a d o por D a n d y , com secção do esplênio do corpo caloso p a r a r e t i r a d a de cisto colóide do terceiro ventrículo. O doente n ã o conseguia reconhecer l e t r a s nem p a l a v r a s que lhe e r a m a p r e s e n t a d a s no campo visual e s q u e r d o , a p e s a r de n ã o ter qualquer alte-r a ç ã o campimétalte-rica. A k e l a i t i s2

criticou o t r a b a l h o acima, referindo-se a casos pessoais de lesão cirúrgica do esplênio do corpo caloso sem hemialexia secun-dária. Benson & G e s c h w i n d4

acham, no e n t a n t o , que esse material estava contaminado por c a s o s de encefalopatia infantil, com e sem epilepsia, o que sugere que o hemisfério cerebral direito pode " a p r e n d e r a ler" desde que a s lesões do hemisfério dominante o c o r r a m n a infância, a n t e s da definição d a dominância hemisférica. Admitiam, ainda, falhas técnicas na avaliação dos pacientes. Finalmente, n a pseudoalexia o doente comete e r r o s por omissão ou por substituição q u a n d o o texto lhe é a p r e s e n t a d o no campo visual acometido, s o b r e t u d o no e s q u e r d o , nos c a s o s em que há lesão parietal direita e consequente negligência do c a m p o visual e s q u e r d o . O paciente pode ler bem se o material lhe for a p r e s e n t a d o no campo visual p r e s e r v a d o ou verticalmente.

N o s s o s dois pacientes a p r e s e n t a v a m alexia sem agrafia b a s t a n t e severa n a fase de instalação do processo. N o s dois, o início a g u d o era sugestivo de oclusão vascular no t e r r i t ó r i o d a a r t é r i a cerebral posterior esquerda. A t o m o -grafia c o m p u t a d o r i z a d a do crânio confirmou essa impressão diagnostica. Num deles havia hemianopsia homônima direita e no o u t r o q u a d r a n t a n o p s i a superior direita. Nenhum deles manifestou anomia p a r a cores, mas o primeiro teve dificuldades mnésticas v e r b a i s t r a n s i t ó r i a s , o que s u g e r e envolvimento hipocam-pal. Em a m b o s a evolução foi excelente em t e r m o s da r e c u p e r a ç ã o d a alexia. Havia, ainda, o u t r o s distúrbios neurológicos óculo-simpáticos e sensitivo-rnoto-res, plenamente justificáveis por lesão d a a r t é r i a cerebral posterior, acometendo e s t r u t u r a s t á l a m o - s u b t á l a m o - m e s e n c e f á l i c a s , que não s e r ã o aqui mais detalha-damente a v a l i a d o s por n ã o serem o motivo fundamental d e s t a comunicação.

N ã o há muitos c a s o s de alexia sem a g r a í i a confirmados anatomicamente. Benson & Geschwind 4

d e s c r e v e r a m 17 c a s o s d a l i t e r a t u r a até 1966. G r e e n b l a t t1 2

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A i n t e r p r e t a ç ã o atual do mecanismo da alexia sem a g r a f i a se baseia na teoria d a s desconexões, brilhantemente desenvolvida por G e s c h w i n d9

: haveria a incapacidade d a transferência d o s estímulos linguísticos percebidos pelo lobo occipital direito p a r a á r e a s do hemisfério cerebral e s q u e r d o envolvidas com a i n t e r p r e t a ç ã o d a linguagem visual: giro a n g u l a r . Geschwind s u g e r i a d u a s vias a l t e r n a t i v a s : uma que iria d a s á r e a s 18 e 19 do hemisfério cerebral direito p a r a á r e a s c o r r e s p o n d e n t e s do hemisfério cerebral oposto, daí c h e g a n d o ao giro a n g u l a r e s q u e r d o ; outra, que iria d a s á r e a s 18 e 19 do hemisfério direito p a r a o giro a n g u l a r ipsilateral e daí c r u z a r i a a linha média p a r a c h e g a r ao giro a n g u l a r e s q u e r d o . No que toca à anomia p a r a cores, que n ã o existia em nossos doentes, a u t o r e s diversos 1,11,15

admitem que esse distúrbio só ocorre q u a n d o as fibras mais d o r s a i s do esplênio do corpo caloso e s u a continuação no forceps major estão lesadas.

RESUMO

Os a u t o r e s a p r e s e n t a m os a c h a d o s clínicos e tomográficos de dois casos de alexia sem agrafia e fazem revisão d a literatura. O s dois pacientes tiveram infarto extenso em território da a r t é r i a cerebral posterior esquerda, desenvol-vendo severa alexia, sem agrafia, com distúrbios do campo visual à direita, sem anomia p a r a cores, um deles manifestando t r a n s i t ó r i a s dificuldades mnésicas verbais. Nos dois casos a evolução foi muito b o a com r e g r e s s ã o total da alexia, c o n s t a t a d a 17 meses depois no primeiro caso e t r ê s meses a p ó s no s e g u n d o caso. São feitas considerações s o b r e as c a u s a s e os prováveis meca-nismos d a s alexias, s o b r e t u d o d a alexia sem agrafia, e a s u g e s t ã o de que t o d o s os pacientes com a l t e r a ç õ e s hemianópticas à direita por oclusão d a artéria cerebral posterior e s q u e r d a sejam bem e s t u d a d o s neurologicamente a fim de que essa síndrome p o s s a ser d e t e c t a d a pois, a p e s a r de r a r a , é possível que muitos c a s o s p a s s e m d e s a p e r c e b i d o s por falta de mais a c u r a d a investigação semiótica.

SUMMARY

Alexia without agraphia: a clinico-tomographic study.

(8)

R E F E R E N C I A S

1. AJAX, E.T., S C H E N K E N B E R G , T. & KOSTELJANETZ, M. — A l e x i a without agraphia and the inferior splenium. N e u r o l o g y 27:685, 1977.

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15. VINCENT, F.M., SADOWSKY, C H . , S A U N D E R S , R . L . & R E E V E S , A.G. — Alexia w i t h o u t agraphia, hemianopia, or color-naming defect: a disconnection syndrome. N e u r o l o g y 27:689, 1977.

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