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A Metáfora do Pipoqueiro: Um Recurso Didático para a Aprendizagem do Conceito de Retorno sobre o Investimento (ROI), na Fiat Automóveis

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Academic year: 2017

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Disponível em

http://www.anpad.org.br/tac

TAC, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, art. 2, pp. 105-116, Jul./Dez. 2014

A Metáfora do Pipoqueiro: Um Recurso Didático para a

Aprendizagem do Conceito de Retorno sobre o Investimento

(ROI), na Fiat Automóveis

The Popcorn Seller Metaphor: An Educational Resource for Learning the Return on

Investment (ROI) Concept at Fiat Automobiles

Cledorvino Belini E-mail: roberta.santos@fiat.com.br Fiat Rodovia Fernão Dias, KM 429, 32530-000, Betim, MG, Brasil. Betania Tanure E-mail: betaniatanure@pucminas.br Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas Av. Dom José Gaspar, 500, Coração Eucarístico, 30535-901, Belo Horizonte, MG, Brasil. Roberto Patrus E-mail: robertopatrus@pucminas.br Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas Av. Dom José Gaspar, 500, Coração Eucarístico, 30535-901, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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Resumo

O objetivo do relato é descrever a Metáfora do Pipoqueiro, utilizada como recurso didático para explicar o conceito de Retorno sobre o Investimento (ROI) para o corpo diretivo e gerencial da Fiat Automóveis, em um contexto de crescimento sem rentabilidade. A coleta de dados foi feita por pesquisa documental e entrevistas com 21 executivos e gerentes da empresa. Essa Metáfora é apresentada em três lições: a primeira descreve os conceitos fundamentais; a segunda introduz a ideia de otimização do capital investido, com vistas a aumentar o retorno sobre o investimento; a terceira associa o conceito de inovação à gestão do negócio, mostrando a importância de inovar para promover maior competitividade. A principal contribuição desse trabalho para a área de Administração está na apresentação didática de uma tecnologia de ensino com vistas à compreensão do conceito de Retorno sobre o Investimento, que, como aponta a literatura, não é de conhecimento de muitos executivos de empresas nacionais e internacionais. A Metáfora do Pipoqueiro permitiu aos executivos a compreensão de noções básicas de contabilidade empresarial, fator fundamental para a ampliação de uma cultura baseada na liderança de mercado para uma busca também da liderança de resultados. Tal iniciativa, compreendida como uma tecnologia de ensino desenvolvida na empresa e recortada analiticamente de uma estratégia maior, contribuiu para promover uma virada em seus resultados econômico-financeiros.

Palavras-chave: retorno sobre o investimento; competitividade; inovação; Fiat Automóveis; recurso didático.

Abstract

The objective of this article is to describe the Popcorn Seller Metaphor used as a didactic resource to explain the Return on Investment (ROI) concept in a context of growth without profitability for Fiat’s directive and managerial body. Data collection was done through documentary research and interviews with 21 company executives and managers. The Popcorn Seller Metaphor is presented in three lessons: the first describes the fundamental concepts; the second introduces the idea of optimizing invested capital in order to increase return on investment; and the third combines the concept of innovation with business management, showing the importance of innovating to promote greater competitiveness. This article’s main contribution to the area of Administration is the didactic presentation of the Return on Investment concept, which, as shown in the literature, many national and international company executives do not understand. The popcorn seller metaphor has allowed executives to understand the basics of business accounting, a fundamental factor for the expansion of a culture based on market leadership to also search for results leadership. This initiative, understood as a learning technology developed by the company and analytically taken from a greater strategy, has contributed to promoting a shift in the company’s financial results.

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A Metáfora do Pipoqueiro 107

Introdução

Um equívoco comum a muitos

empreendedores e executivos é medir o resultado financeiro de uma empresa em razão do seu lucro. Pesquisa comparativa com executivos brasileiros e indianos (Ghoshal & Tanure, 2004, pp. 10-11) revelou que a maior parte destes não opera com a lógica do retorno sobre o investimento, considerando o capital investido. Executivos de diferentes empresas indianas, privadas e estatais, revelaram que a maioria não considerava o retorno sobre o investimento em suas operações. Dentre eles, 86% consideraram que o desempenho de suas empresas era razoável, apesar de elas apresentarem retorno abaixo dos patamares mínimos para que o negócio seja considerado um bom investimento. Já a maioria dos executivos brasileiros tinha como parâmetro para suas decisões cotidianas o faturamento e o lucro, não o retorno sobre o investimento. Ora, o lucro de uma empresa deve, entre outros fatores, ser analisado vis a vis o investimento realizado. Essa é a base do conceito de Retorno sobre o Investimento (ROI), compreendido como o retorno sobre o capital próprio e o de terceiros aplicados no empreendimento (Saurin, Lopes, Costa, & Gonçalves, 2013).

Este relato descreve o uso da Metáfora do Pipoqueiro como recurso didático utilizado na Fiat Automóveis para promover a aprendizagem do conceito de Retorno sobre o Investimento (ROI), durante o turnaround promovido, a partir de 2004, para retirar a empresa de uma situação financeira delicada. Embora fosse líder de mercado no Brasil com 25,3% de market share de automóveis, a empresa apresentou prejuízo contábil de 284 milhões de reais. Questões financeiras graves na matriz, com iminência da venda para a General Motors (GM), guerra de preços com a concorrência, clima interno ruim, prejuízo operacional, relação desgastada com fornecedores e concessionárias e produtos sem inovação eram os problemas que a empresa enfrentava.

Tais dificuldades pareciam contraditórias com a liderança de mercado. Essa situação mostrava também uma oposição entre os setores comercial e financeiro da empresa. Em geral, o setor responsável pela área comercial

tende a considerar que está cumprindo sua missão: vender. Mas os conflitos com o setor financeiro se tornam inevitáveis, visto que o resultado não é suficiente para gerar lucro e remunerar o acionista na justa proporção de seu investimento.

O mote da mudança radical (Ghoshal & Tanure, 2004) promovida pelo comitê executivo da empresa, formado a partir da mudança do presidente, era buscar a liderança de resultados empresariais. A liderança de mercado não seria um fim em si mesmo. A estratégia da Fiat envolveu três vértices: o da competitividade, que em princípio diz respeito

à capacidade da empresa de ser

financeiramente viável; o do produto, que envolve novos produtos, tecnologia, qualidade e inovação; e o foco no relacionamento com os

stakeholders, em busca de uma repactuação das

alianças em prol de objetivos comuns.

O conceito de ROI está presente no vértice da competitividade, e a promoção de seu conhecimento entre diretores e gerentes é apenas um elemento de um processo de mudança mais complexo. Interessa-nos, neste relato, explicar didaticamente o processo pelo qual o conceito de Retorno sobre o Investimento (ROI) foi disseminado na empresa, e demonstrar as suas implicações na cultura e na estratégia do negócio fundamentais para a compreensão da importância da liderança de resultados. Para isso, descrevemos a Metáfora do Pipoqueiro, compreendida como um recurso didático, uma tecnologia de ensino, para explicar o conceito de ROI.

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O Contexto

Os dados utilizados para a descrição do contexto em que a empresa se encontrava antes do turnaround foram coletados a partir de pesquisa documental e entrevistas com vinte e um executivos e gerentes da empresa.

No período em que Cledorvino Belini assumiu a presidência da Fiat Automóveis no Brasil, a matriz italiana estava com a saúde financeira comprometida (Brasileiro chega ao comando e tem desafio de reverter perda, 2004; Com dificuldades de todos os lados, 2002). A dívida bruta do Grupo Fiat somava 29,6 bilhões de euros no fim de 2002, e 22,5 bilhões de euros em 2003 (Moreira, 2002). Em 2001, o segmento de automóveis do grupo (Fiat Auto)

representava 41% das receitas do

conglomerado industrial. O prejuízo líquido do grupo naquele ano foi de 445 milhões de euros. Somente a Fiat Auto registrou prejuízo operacional de 549 milhões de euros.

A Fiat Auto era tida como empresa fadada ao desaparecimento. Desde 2000, o Grupo Fiat vivia uma joint venture industrial com a General Motors (GM). A aliança entre as duas empresas permitiu a unificação de compras de peças e de quaisquer outros produtos utilizados por ambas. Pelos termos do acordo entre as montadoras, a Fiat tinha opção de venda, o que poderia forçar a GM a adquirir seu controle. Desaparecer ou ser vendida: esse era o horizonte da Fiat Auto nos primeiros anos do terceiro milênio. O endividamento muito grande, a insuficiência de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e a dificuldade de vencer a concorrência não permitiam aos analistas vislumbrarem um futuro promissor para a empresa.

As operações da Fiat Automóveis no Brasil não eram, aparentemente, tão catastróficas. A Fiat conquistara a liderança de mercado em 2001, superando 42 anos de supremacia da Volkswagen (Moreira, 2001). Foram vendidos no varejo, nesse ano, 373.691 veículos comerciais leves, o que representava um market share de 27,1%.

O cenário macroeconômico não era favorável às empresas do setor. O racionamento de energia no Brasil a partir de maio e o

atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos prejudicaram os resultados. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país recuou de 4,3% em 2000 para apenas 1,3% em 2001.

Em 2002, a Fiat Automóveis conservou a liderança do mercado brasileiro, mas o lucro líquido caiu para 18,8 milhões de reais. Naquele ano, a liderança de mercado foi mantida, com 25,7% de participação graças à venda maciça dos carros chamados populares, em um cenário de desaquecimento econômico, aumento de estoques e promessa de demissões no setor.

De acordo com executivos entrevistados, a estratégia da empresa denominava-se

decontenting (redução de conteúdos do

produto), e tinha o objetivo de diminuir os custos do carro para atender às necessidades de vendas e de resultados econômico-financeiros em um contexto de estagnação econômica. Responsável em parte pela conquista da liderança de mercado, o carro popular (modelos Uno e Palio) era vendido em sua configuração básica (Comin & Olmos, 2001). Essa estratégia de redução de custos parecia inteligente e vencedora, tornando-se uma tendência na indústria automobilística, e logo foi copiada pela concorrência. Entretanto, mais tarde, revelou-se um erro.

Embora os balanços de 2001 e 2002 (vide Tabela 1) apresentassem lucro, e a Fiat ocupasse o posto de líder de vendas no mercado interno, os resultados não eram bons. Uma montadora com mais de 500 mil metros quadrados de área construída em um terreno de mais de 2 milhões de metros quadrados em Betim, Minas Gerais, com cerca de 12 mil funcionários e faturamento da ordem de 5 bilhões de reais precisava de lucros compatíveis com a extensão de seu investimento.

A missão de quem quer que fosse o presidente escolhido para dirigir a Fiat a partir de 2004 não seria fácil: promover o

turnaround. Para se reestruturar, o Grupo Fiat

promoveu mudanças na direção mundial da companhia. Em 2003, Herbert Demel foi anunciado para a presidência executiva da divisão de automóveis no mundo. Logo em seguida, Sergio Marchionne foi nomeado Chief

Executive Officer (CEO) mundial do grupo.

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A Metáfora do Pipoqueiro 109

brasileiro, pois fora presidente da Volkswagen no país entre 1997 e 2002. Já Marchionne era alto executivo na Suíça, onde já se revelara

grande estrategista.

Tabela 1

Resultados da Fiat Automóveis (2001-2003)

Resultados 2001 2002 2003

Vendas no varejo (mercado interno)

373.691 358.064 340.980

-4,8% Exportações

(mercado externo)

46.517 29.223 40.232

Produção da Fiat Automóveis (Brasil)

436.640 386.595 358.204

Market share 27,1% 25,7% 25,3%

Lucro líquido R$ 171 milhões R$ 18,8 milhões (R$ 284, 5 milhões)

Ranking 1º 1º 1º

Nota. Fonte: Tanure, B., Patrus, R., & Belini, C. (2011). A virada estratégica da Fiat no Brasil: liderança de mercado e liderança de resultados (p. 7). Rio de Janeiro: Elsevier.

Uma das primeiras medidas de Demel foi mudar a direção de sua equipe no Brasil. Ele repatriou para a Itália o então presidente da Fiat Automóveis, Alberto Ghiglieno, realocado no posto de vice-presidente sênior de desenvolvimento estratégico da Fiat Auto. Belini foi o homem escolhido por Demel para ser o presidente da Fiat Automóveis no Brasil e na América Latina a partir de 2004.

O Diagnóstico da Oportunidade

A situação-problema vivida pela Fiat era a de um crescimento sem rentabilidade. Ela era líder de mercado, mas não promovia resultados empresariais compatíveis com o capital investido. A sensação de estar em primeiro lugar na relação com os concorrentes impedia os executivos de verem o baixo retorno sobre o investimento e o preço pago pela liderança em

market share. O foco apenas no market share gerava “subdesempenho satisfatório” (Ghoshal

& Tanure, 2004, pp. 5-7), doença corporativa que leva ao contentamento com os resultados da empresa sem que se atualizem as necessárias relações entre o investimento e o retorno sobre o capital. O subdesempenho satisfatório é o

resultado colhido de um investimento antigo, acompanhado da arrogância no presente e da ausência de um investimento consistente no futuro (Ghoshal & Tanure, 2004).

A empresa precisava voltar a dar lucro. Isso implicaria mudar sua estratégia e quebrar o dogma da liderança de mercado. O novo alvo seria a liderança pelos resultados empresariais, tendo como primeiro foco a retomada dos resultados econômico-financeiros. A recepção da proposta foi um choque: abrir mão de uma liderança conquistada arduamente, motivo de orgulho para todos? Como a diretoria comercial cumpriria suas metas sem o mecanismo dos descontos em um contexto de guerra de preços? Sem os descontos, os preços seriam mais altos que os da concorrência? Como a diretoria de compras suportaria a pressão da diretoria financeira por redução de custos e a da diretoria comercial, pela disponibilidade de estoque?

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aparentemente, seria mais difícil vender. O processo de convencimento dos stakeholders foi planejado e estruturado para mostrar a estratégia de oferta de novos produtos, de otimização de resultados e de maior retorno sobre o investimento. Ora, a mera necessidade de convencer os públicos da nova estratégia dá, de antemão, alguma noção de quanto ela parecia revolucionária e chocante no contexto da época.

A mudança da cultura organizacional se assentou em três pilares: competitividade, inovação de produtos e relacionamento com os

stakeholders. Focamos, neste relato, a estratégia de disseminação do conceito de ROI

como parte do primeiro pilar, a

competitividade, compreendida como a capacidade da empresa ser financeiramente viável. A Metáfora do Pipoqueiro, criada pelo presidente da companhia, foi um recurso didático utilizado neste mister.

A Metáfora do Pipoqueiro

A Metáfora do Pipoqueiro é apresentada em três lições. A primeira descreve os conceitos fundamentais. A segunda introduz a ideia de otimização do capital investido, com vistas a aumentar o retorno sobre o investimento. Já a terceira lição associa o conceito de inovação à gestão do negócio do pipoqueiro, mostrando a importância de reinventar a pipoca para promover maior competitividade e melhores resultados. Cada lição é apresentada a partir de um conto didático, como foi feito oralmente na empresa, em encontros e treinamentos com gerentes e empregados. O registro dessas lições permite a replicação desse conceito em outras companhias.

Primeira lição: conceitos básicos

Um homem resolve ser empresário. Compra um carrinho de pipoca por R$ 1.200. De posse da lista de todos os ingredientes necessários, ele comprou o estoque: milho, sal, óleo, açúcar. Gastou R$ 1.000 nessa operação. Comprou tudo à vista. Em seguida, trabalhou muito e vendeu muito.

Ao final de um ano, o pipoqueiro foi

fazer as contas para ver se ganhou dinheiro. Ele vendeu 5.400 reais. Mas nem todo o dinheiro entrou no seu caixa. Olhando a caderneta dos clientes, o homem se deu conta de que tinha lá 500 reais de contas a receber, porque vendera fiado a alguns clientes amigos. Conferiu os nomes dos devedores, “era tudo gente boa!” – pensou. Achou que não ia levar calote. Para ver se ganhou dinheiro, somou todas as suas despesas, inclusive o seu trabalho. Resultado: tudo custou R$ 5.292. Seu lucro havia sido de R$ 108. “Nada mau.” – exclamou. Será?

O pipoqueiro, então, calculou quanto representavam os R$ 108 de lucro sobre os R$ 5.400 do seu faturamento. Dava 2% de margem de lucro sobre o total das vendas. Não é grande coisa, mas pelo menos é lucro. Mas esse número era bom ou não para o seu negócio?

Resolveu estudar finanças para saber se o seu negócio valia a pena. Queria aprender a calcular o retorno sobre o investimento (ROI,

return over investment). Mas, para isso,

precisava saber o que era giro de capital, porque o ROI é calculado pela multiplicação do lucro pelo giro de capital:

ROI = margem de lucro x giro de

capital

O giro de capital é o volume de vendas (receitas) dividido pelo capital investido:

Giro de capital = receitas / capital

investido

O pipoqueiro tinha vendido R$ 5.400. Seu investimento total foi de R$ 2.700: R$ 1.200 do carrinho + R$ 1.000 de estoque + R$ 500 de contas a receber. Então, ele girou o capital 2 vezes.

Como um conhecimento puxa o outro, o pipoqueiro precisou aprender os conceitos de capital circulante e capital não circulante.

O capital circulante é o estoque mais as contas a receber, menos as contas a pagar (de valor zero): R$ 1.000 + R$ 500 - R$ 0, ou R$ 1.500.

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A Metáfora do Pipoqueiro 111

preço do carrinho de pipoca sem depreciação: R$ 1.200.

No total, o seu capital investido é a soma do capital circulante com o ativo imobilizado: R$ 2.700.

Se as receitas são de R$ 5.400 e o capital investido é de R$ 2.700, ele girou o capital duas vezes (R$ 2.700 x 2 = R$ 5.400).

Para calcular o ROI, ele já sabia que a margem de lucro era de 2% sobre o faturamento, e o giro de capital era de 2 vezes. Assim:

ROI = lucro x giro = 4%

Reunindo os números na Tabela 2, temos:

Tabela 2

A Contabilidade do Pipoqueiro

A

Vendas R$5.400

Custo das vendas R$5.292

Lucro sobre as vendas R$108

% de lucro 2%

Contas a receber R$500

Contas a pagar R$0

Estoques R$1.000

Capital circulante R$1.500

Investimento R$1.200

Capital investido R$2.700

Giro de capital 2

Retorno sobre o investimento (ROI) 4%

Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

O cálculo do ROI permite a compreensão de que o negócio do pipoqueiro não era economicamente viável, uma vez que era possível, à época, ganhar 10% na caderneta de poupança. A pipoca rendia apenas 4%. Não era um bom negócio ser pipoqueiro. Estava dando lucro, mas, se a poupança – que é um investimento seguro – pagava bem mais, então o pipoqueiro estava perdendo dinheiro. Isso não significa que o negócio deve ser fechado, mas que ele precisa ser mais bem gerenciado para que seu desempenho remunere o capital investido e amplie a rentabilidade do empreendimento.

A primeira lição do pipoqueiro mostra que o lucro, sem que o relacionemos ao investimento realizado, pode levar a uma impressão errada da qualidade do resultado

obtido. De posse dos conceitos aprendidos – como ROI, giro de capital, lucro, capital circulante, capital não circulante, capital investido – é preciso integrar estrategicamente a dimensão econômico-financeira aos processos e ao produto. O relacionamento com fornecedores, de um lado, e concessionárias, de outro, no caso da Fiat, fazia-se fundamental para melhorar a competitividade e oferecer ao cliente novos produtos, com inovação e qualidade.

Segunda

lição:

melhorando

a

competitividade pela otimização do

capital investido

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Observou seu carrinho de pipoca e percebeu que ele estava cheio de bugigangas: luminária, aquecedor, enfeite. Como não precisava de um carrinho de pipoca com tantos opcionais, cortou esse tipo de investimento.

O homem sabia que teria de trabalhar com o menor capital investido possível. Seu ativo imobilizado, que valia R$ 1.200, baixou para R$ 1.080. Para reduzir o capital circulante, sabia que precisava diminuir os estoques e o fiado de suas vendas. Passou a comprar menos embalagens. Em vez de trabalhar com R$ 1.000 de milho de pipoca, passou a ter estoque de apenas R$ 400. Negociou com seus fornecedores para pagar suas compras no prazo de 60 dias. Desse

modo, passou a colocar menos dinheiro próprio no negócio.

Ao lançar os valores no balanço, o pipoqueiro registrou R$ 500 em contas a pagar para os seus fornecedores. As vendas a prazo passaram a ter o limite de R$ 100, não mais de R$ 500. Seu giro de capital passou a ser zero, ou seja: R$ 100 de contas a receber + R$ 400 de estoques - R$ 500 de contas a pagar. Com isso, ele reduziu o capital investido para R$ 1.080 e o giro de capital (vendas divididas pelo capital investido) passou a ser de cinco vezes. Fazendo as contas, o pipoqueiro chegou aos números da Tabela 3, a seguir.

Tabela 3

A Segunda Contabilidade do Pipoqueiro e Comparação com a Primeira

A B

Vendas R$5.400 R$5.400

Custo das vendas R$ 5.292 R$ 5.296

Lucro sobre as vendas R$ 108 R$ 108

% de lucro 2% 2%

Contas a receber R$ 500 R$100

Contas a pagar R$ 0 (R$ 500)

Estoques R$ 1.000 R$ 400

Capital circulante R$1.500 0

Investimento R$ 1.200 R$ 1.080

Capital investido R$ 2.700 R$ 1.080

Giro de capital 2 5

Retorno sobre o investimento (ROI) 4% 10%

Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

Se considerarmos que a margem de lucro é a mesma do exemplo 1 (2%), o ROI passou a ser de 10% (2% x 5). Essa elevação se deu sem aumentar o volume de vendas e sem subir a margem de lucro. A gestão do patrimônio permitiu a melhoria da competitividade. O próximo passo seria agregar ao negócio a inovação. Não bastava vender a pipoca salgada e a doce. Era preciso inovar, oferecer pipoca com queijo, bacon, coco e tudo o mais que pudesse agregar valor ao produto. Mas isso é

assunto para a terceira lição: a reinvenção da pipoca a partir de novos produtos.

Terceira lição: A inovação da pipoca

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A Metáfora do Pipoqueiro 113

com bacon, com queijo, com coco, com leite condensado e pipoca colorida.

O capital investido ainda era o mesmo: o imobilizado de R$1.080 do carrinho. O capital circulante continuava zero: R$ 400 do estoque + R$ 100 das contas a receber - R$ 500 das contas a pagar.

O valor total do capital investido era a soma desses valores: R$ 1.080.

O pipoqueiro fez mais produtos com o mesmo capital. Seu volume de vendas cresceu, passando de R$5.400 para R$8.000. Ao fazer as contas, o homem viu que o custo aumentou, chegando a R$7.760. A margem de lucro sobre vendas passou para R$ 240, ou seja, 3%. A

fórmula era simples: um pouco de coco na pipoca custava R$ 0,05 por saquinho, mas o acréscimo do preço da pipoca doce com coco era de R$ 0,50. O pipoqueiro voltou a fazer contas para avaliar a competitividade do seu negócio:

Giro de capital = volume de vendas: capital investido, ou R$ 8.000: R$ 1.080 = 7,4 vezes

Retorno sobre o investimento = lucro x giro de capital, ou 3% x 7,4 = 22,2%

Os números da terceira contabilidade do pipoqueiro estão na Tabela 4, que agora inclui a coluna C. O ROI agora é de 22,2%!

Tabela 4

A Terceira Contabilidade do Pipoqueiro em Comparação com as Anteriores

A B C

Vendas R$ 5.400 R$ 5.400 R$ 8.000

Custo das vendas R$ 5.292 R$ 5.296 R$ 7.760

Lucro sobre as vendas R$ 108 R$ 108 R$ 240

% de lucro 2% 2% 3%

Contas a receber R$ 500 R$ 100 R$ 100

Contas a pagar R$ 0 (R$ 500) (R$ 500)

Estoques R$ 1.000 R$ 400 R$ 400

Capital circulante R$ 1.500 R$ 0 R$ 0

Investimento R$ 1.200 R$ 1.080 R$ 1.080

Capital investido R$ 2.700 R$ 1.080 R$ 1.080

Giro de capital 2 5 7,4

Retorno sobre o Investimento (ROI) 4% 10% 22,2%

Nota. Fonte: Elaborado pelos autores.

A inovação, cujo termo se origina do latim innovare, que significa algo novo, geralmente é entendida como um processo que visa transformar uma oportunidade em novas ideias e colocá-las amplamente em prática (Tidd, Bessant, & Pavitt, 2008). Também pode ser definida como uma prática, política, ou tecnologia que seja nova para uma organização, ainda que já seja utilizada por outras (Rogers, 2003), ou como o processo pelo qual as

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Na metáfora, o pipoqueiro inovou nos tipos de pipoca, como analogia para as inovações nos automóveis. No caso da Fiat, um exemplo foi adicionar um produto que não fazia parte do segmento, por exemplo, um item de luxo, em um veículo do grupo popular. Equipamentos como sensores de chuva e crepuscular, side bag e CD player com MP3, funções como o My Car e o computador de bordo foram instalados em 2004 no Palio e no Siena e, em 2005, no Idea, que recebeu também o viva-voz para celular, com tecnologia Bluetooth. Em 2006, o kit Celebration oferecia uma nova série especial ao Palio Fire e ao Siena Fire. Ao fazer isso, a Fiat agregou tecnologia a um segmento que, na época, a concorrência não oferecia e o mercado desejava. O carro Fiat se diferenciou, já que nenhum outro modelo do segmento oferecia esses recursos. A pipoca da Fiat passou a ser diferente da de outros pipoqueiros.

Há, entretanto, a possibilidade de se pensar a inovação tendo como referência as

pessoas, como faz Knight (1967),

apresentando-a como aquela que pode mudar o comportamento ou as crenças das pessoas.

Com base nessa categorização de Knight (1967), podemos afirmar que a Metáfora do Pipoqueiro, como tecnologia de ensino para disseminação de um conceito contábil para promover maior competitividade na Fiat Automóveis, foi também uma inovação nas pessoas.

Considerações Finais

A avaliação do uso da Metáfora do Pipoqueiro no desenvolvimento dos gerentes, para que compreendessem especificidades da gestão e da economia da empresa e se conscientizassem da necessidade de fomentar mudanças para maior competitividade na organização, não é algo que pode ser medido isoladamente. Este recurso fez parte de uma estratégia de turnaround que tirou a Fiat do chamado vale da morte, expressão que significa um momento de dificuldade extrema da empresa, tanto na dimensão econômica como também no âmbito da energia emocional em promover sua reestruturação (Ghoshal & Tanure, 2004, pp. 5-12). A virada da Fiat, a

partir de 2004, deveu-se a uma estratégia empresarial de três vértices (competitividade, produto e relacionamento) e a uma série de fatores conjunturais do ambiente. A Metáfora do Pipoqueiro é apenas um dos muitos

elementos presentes no vértice da

competitividade, que também se mostrou útil para a compreensão do vértice da inovação.

A competitividade foca o retorno sobre o investimento. Seu cálculo depende de alguns conhecimentos, como da relação entre lucro e investimento, e do giro do capital circulante. As lições do pipoqueiro permitem o aprendizado de conceitos fundamentais de contabilidade e finanças. Tal conhecimento possibilita melhorar a rentabilidade do negócio. Não há como melhorar a competitividade da empresa sem o domínio desse conhecimento e a sua correta aplicação na gestão do negócio. A Metáfora do Pipoqueiro é um recurso didático que contribuiu para a disseminação do conceito na Fiat Automóveis. Ele pode ser útil no aprendizado em outras empresas. Enfim, compreender o ROI e a forma de fazer a gestão do patrimônio para incrementá-lo é

fundamental para o aumento da

competitividade de uma empresa.

A inovação, por sua vez, é tratada na metáfora a partir da reinvenção da pipoca. No caso da Fiat, a estratégia foi agregar valor ao automóvel, melhorando sua qualidade, sofisticando sua tecnologia e promovendo inovação. Foi assim com os kits, as séries especiais e os novos carros. De montadora, a Fiat passou a ser também uma desenvolvedora de carros, qualidade rara no mercado brasileiro. Analogamente, o pipoqueiro aprendeu que precisava oferecer mais do que a tradicional pipoca salgada. Investiu e desenvolveu novas alternativas, como pipoca com bacon, pipoca com coco e pipoca com queijo. A agregação de valor ao produto, por um lado, aumenta o seu preço para o cliente, mas, por outro, traz a ele um contravalor, porque os benefícios oferecidos pelo produto compensam o custo.

Pensar a competitividade de forma integrada ao conceito de inovação permitiu à Fiat agregar valor ao produto. Em geral, a melhoria da qualidade implica em aumento de custo, cujo risco é afastar o consumidor de um ambiente de concorrência acirrada. Mas,

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A Metáfora do Pipoqueiro 115

acompanhado de inovação, o consumidor passa a pagar mais não por um produto de melhor qualidade, mas por um novo produto.

A Metáfora do Pipoqueiro, recortada analiticamente de uma estratégia maior, contribuiu para a empresa promover uma virada em seus resultados

econômico-financeiros. A Tabela 5, a seguir, aponta a evolução de alguns indicadores mercadológicos e financeiros da empresa, inclusive a evolução do ROI, negativo em 2004 (-25%) e positivo nos anos seguintes, com destaque para o índice de 61% em 2008.

Tabela 5

Indicadores Mercadológicos e Financeiros da Fiat Automóveis (2003-2010)

Resultados 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Vendas no varejo (mercado

interno)

340.980 -4,8%

349.184 +2,4%

404.803 +15,9%

465.561 +15,0%

607.598 +31,9%

657.771 +8,2%

736.973 +12,0%

760.495 +3,2

Market share 25,3% 23,6% 25,0% 25,4% 25,9% 24,6% 24,5% 22,8%

Ranking 1º 2º 1º 1º 1º 1º 1º 1º

Lucro líquido (R$ mil)

(284.579) (431.317) 511.218 803.725 1.681.363 1.873.399 1.649.577 1.617.017

ROI -11% -25% 22% 29% 59% 61% 55%

Nota. Fonte: Adaptado de Tanure, B., Patrus, R., & Belini, C. (2011). A virada estratégica da Fiat no Brasil: liderança de mercado e liderança de resultados (pp. 136-137). Rio de Janeiro: Elsevier.

A principal contribuição desse trabalho para a área de Administração está na apresentação didática do conceito de retorno sobre o investimento, que não é de conhecimento de muitos executivos de empresas nacionais e internacionais (Ghoshal & Tanure, 2004). A Metáfora do Pipoqueiro permitiu aos executivos a compreensão de noções básicas de contabilidade empresarial com vistas a uma mudança na cultura da empresa, antes centrada apenas na liderança de mercado.

Espera-se que as lições do Pipoqueiro possam contribuir para que empresas de qualquer porte promovam a reflexão sobre a necessidade de retorno sobre o investimento e, consequentemente, o cálculo do ROI. Além da originalidade da iniciativa, que faz dela um tipo de inovação nas pessoas, classificado por Knight (1967) como a que pode mudar o comportamento ou as crenças delas, a apresentação das lições do pipoqueiro têm aplicabilidade imediata nas empresas, contribuindo para a formação de gerentes e executivos. O uso da Metáfora do Pipoqueiro

como uma tecnologia de ensino utilizada para o desenvolvimento da competência de gestão dos gerentes mostra-se relevante na medida em que permite a conscientização da importância da competitividade na organização. As lições do pipoqueiro podem ser objeto de treinamento, cursos e debates nas organizações, promovendo o sentido aplicado do relato, próprio para uma revista que se propõe a publicar trabalhos de natureza profissional.

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