• Nenhum resultado encontrado

Pulsão de morte: mortificação ou combate?.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Pulsão de morte: mortificação ou combate?."

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

Professora do Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá. Psicanalista do Espaço Brasileiro de Estudos

Psicanalíticos. Ma ria Re g in a Pra t a

“Anunciada na positividade, a finitude do hom em se perfila sob a form a

paradoxal do indefinido; ela indica, m ais do que o rigor do lim ite, a m onotonia

do cam inhar que, sem dúvida, não tem lim ite m as que talvez não seja sem

esperança.” ( FOUCAULT, 1 9 6 6 / 1 9 8 7 , p. 3 3 0 )

N

o artigo Mais além do princípio do prazer, Freud ( 1920/ 1975) construiu o conceito de pulsão de morte, rem ontando essa pulsão às tendências regressivas e conservadoras. Segundo Freud, a pulsão de m orte se rem eteria a um cam po que se d ir ig e p ar a além d o p r in cíp io d o p r azer, o u seja, n ão corresponderia à tendência do aparelho psíquico em abaixar RESUMO: Esse artigo pretende problem atizar o conceito de pulsão de m orte em Freud a partir de duas vertentes: de um lado, sinali-zando seu aspecto m ortificante e conservador. De outro, apontan-do possibilidades criativas im pulsionadas pelas pulsões de m orte no cam po da clínica da psicanálise, com o por exem plo, através do trabalho da sublim ação.

Palavras - c have s : Freud, pulsão de m orte, conservação, criação, clí-nica psicanalítica.

ABSTRACT: Death instinct: m ortification or com bat? This paper sets out to investigate the concept of death instinct in Freudian thinking, based on tw o sources. On the one hand, it points out to its aspect of death and conservation. On the other, it show s cre-ative p o ssib ilities stim u lated b y d eath in stin cts in th e field o f clinical psychoanalysis, using the w ork of sublim ation as an ex-am ple.

(2)

seu nível de desprazer interno, de tal form a que sua presença poderia ser obser-vada clinicam ente através da com pulsão à repetição do desprazeroso, do senti-m ento inconsciente de culpa, da necessidade de punição e sofrisenti-m ento, fenôsenti-m e-nos que poderiam configurar-se em tendências m ortificantes ao sujeito.

No entanto, em algu n s m om en tos, Freu d ( 1 9 2 3 / 1 9 7 5 ) tam bém deu in di-cações de qu e as pu lsões de m orte poderiam fazer parte de u m trabalh o criativo, fu n cion an do com o propulsoras de um m ovim ento diferencial e pro-dutivo, com o, por exem plo, através do processo da den egação e de fo rm a m arcan te n o p rocesso da sublim ação. São esses dois aspectos das pulsões de m orte, de u m lado, a m ortificação, e de ou tro, a criação, qu e ten tarm os problem atizar neste artigo.

CONSTRUINDO O CONCEITO DE PULSÃO DE MORTE

Em 1920 Freud vai se aprofundar nos fenôm enos que transcendem o princípio do prazer e não obedecem ao objetivo do aparelho psíquico em abaixar as tensões que causam desprazer. É em torno das experiências que não obedecem esse objetivo que o autor iniciará sua investigação.

Para investigar esse tem a, Freud ( 1920/ 1975) discute, com o questão inicial, a relação do princípio da constância com o princípio do prazer. Assim , depois de citar a tendência à estabilidade desenvolvida por Fechner, que relaciona a estabilidade ao prazer e a instabilidade ao desprazer, fala que o aparelho psíquico tenta m anter constantes ou tão baixas quanto possível suas excitações internas. Em seguida, ressalta que o princípio do prazer decorre do princípio de constância, ou dito em outras palavras, que o princípio de constância é o fundam ento eco-nôm ico do princípio de prazer.

É a partir deste contexto que a dom inância do princípio do prazer no apare-lho psíquico com eça a ser repensada: existe um a tendência ao princípio do prazer, m as há eventos que a contradizem , tais com o os fenôm enos de repetição dos sonhos traum áticos, a repetição na transferência que pode tom ar o lugar da

recordação, e o fort da, que é um a encenação de um a ausência, onde a criança

joga para longe um carretel e o faz voltar.

Os sonhos das neuroses traum áticas têm a característica de reconduzir o sujeito de volta à situação terrificante de seu acidente, e neste caso, Freud ( 1920/

1975) diz que talvez o sonho esteja ligado “a enigm áticas tendências m

(3)

pres-são e um a apropriação da situação ( FREUD, 1920/ 1975) . Aqui a repetição pos-sibilita um a elaboração da situação vivida com o desprazerosa pela criança.

Contudo, é através dos fenôm enos de compulsão à repetição, que rem em oram experiências do passado que não contêm possibilidade algum a de prazer e que

nunca trouxeram satisfação, expressando seu poder dem oníacoatravés de um a

repetição desprazerosa na transferência, que Freud ( 1920/ 1975) vai em dire-ção ao que transgride o princípio do prazer: “Os neuróticos repetem na trans-ferência todas as ocasiões indesejadas e as situações afetivas dolorosas, reani-m ando-as coreani-m grande habilidade ( ...) ” ( p.21) . A com pulsão à repetição des-trona o princípio do prazer, parecendo m ais originária, m ais elem entar e m ais pulsional do que ele. São essas características que participarão de form a decisi-va na construção do conceito de pulsão de m orte.

Mas para continuar a especulação que originará esse últim o conceito, Freud ( 1920/ 1975) vai relem brar ainda as concepções de energialivre e energia vinculada

de Breuer, onde os investim entos energéticos apresentam -se de duas form as: um investim ento que flui livrem ente e pressiona no sentido da descarga e um quiescente:1

“Tem os discernido um a das m ais antigas e im portantes funções do aparelho psíqui-co, a de ‘ligar’ os im pulsos pulsionais que lhe chocam , substituir o processo prim

á-rio que neles governa pelo processo secundáá-rio, transform ar sua energia livrem en-te m óvel em investim ento predom inanen-tem enen-te quiescenen-te” . ( FREUD, p. 60)2

Nesta m esm a obra, essa capacidade de vincular energia se relaciona às pos-sibilidades pulsionais de constituir ou não form as organizadas. Com o não há possibilidades em im pedir que o aparelho m ental seja invadido por grandes quantidades de estím ulos, o problem a passa a ser o de vinculá-los, dom inando esta energia psiquicam ente ( p. 29) .

Para que a energia livre seja vinculada, a energia de investim ento é convocada a fim de fornecer investim entos suficientem ente altos, controlando a invasão contínua de excitações. Portanto, é estabelecido um contra-investim ento, que é um recurso próprio do recalcam ento originário, com o um a m edida protetora contra a invasão excessiva de energia.

No entanto, no caso das neuroses traum áticas, que rom pem com esse escu-do protetor, o aparelho psíquico não é capaz de ligar todas as quantidades de

1 Em bora a noção de ligação não tenha um significado unívoco em Freud, de m aneira geral, a Bindung é um a operação que tende a lim itar o livre escoam ento das excitações. Sobre o percurso dessa noção na obra freudiana, ver LAPLANCHE & PONTALIS, 1986, p.350.

(4)

energia que nele chegam . Daí pode ser prom ovida a com pulsão à repetição, que, com o vim os, faz com que o sujeito retorne à situação do traum a, talvez na tentativa de vincular essa experiência psiquicam ente. Com o a com pulsão à re-petição nem sem pre obtém êxito nessa tentativa de ligação, Freud ( 1920/ 1975) é levado a pensar em algo que se dirige para m ais além do princípio do prazer:

“De nossa parte, nós tem os abordado não a substância viva, m as as forças que nela atuam , e nos vim os levados a distinguir duas classes de pulsões: as que pretendem

conduzir a vida à m orte, e as outras, as pulsões sexuais, que aspiram continuam ente a renovação da vida, e a realizam . Isso soa com o um corolário dinâm ico da teoria m orfológica de Weism ann.” ( p. 45)

As pulsões de m orte têm um a tendência regressiva e conservadora,e podem efe-tuar um trabalho destrutivo de form a silenciosa. Em oposição às pulsões de m orte, aparecem as pulsões de vida ou pulsões sexuais, que tendem a produzir form as organizadas e não destrutivas. A vida consiste no conflito dessas duas pulsões, enquanto a m orte significa o triunfo das pulsões de m orte. Aqui Freud ( 1920/ 1975) parece estar próxim o do pensam ento de Bichat, ao afirm ar que a m eta de toda a vida é a m orte, vendo nesse m ovim ento um retorno a um estado anterior das coisas.

Essa últim a citação aponta para a utilização que o autor faz da biologia de sua época, assunto que será discutido a seguir.

UM FREUD “BIOLOGISTA”?

Ao construir sua especulação sobre a pulsão de m orte, Freud ( 1920/ 1975) busca analogias na biologia:

O que nos im pressiona aqui é a inesperada analogia com nossa concepção, desen-volvida por cam inhos tão diferentes. Weism ann, em um a abordagem m orfológica da substância viva, diferencia nela um com ponente pronunciado até a m orte, o som a, o corpo exceto o m aterial genético e relativo a herança, e outro im ortal, justam ente esse plasm a germ inal que serve a conservação da espécie, a reprodução.”

( p. 45)

(5)

que, apesar de tudo, apresenta um a notável sem elhança na sua distinção entre som a m ortal e plasm a germ inal com o dualism o das pulsões de m orte e as pulsões vitais ( p. 48) .

Prosseguindo seu raciocínio, Freud recorda Hering, que fala de dois proces-sos que agem na substância viva operando em direções opostas, um a anabólica ( assim ilatória) e outra catabólica ( dissim ilatória) , e pergunta se não pode com -parar essas duas direções dos processos vitais às atividades das duas pulsões. Hering ( citado em HIRSCHMÜLLER, 1991, p. 63-64) , com o sabem os, pesquisou um a das funções reguladoras m ais im portantes do organism o, a respiração. Foi a partir de sua pesquisa que as form as de energia livre e ligada foram distinguidas por Breuer ( 1893-95/ 1975) , o que perm itiu que este últim o pensasse o princí-pio de constância com o um regulador hom eostático que im pulsionaria o apa-relho psíquico ao equilíbrio.

Mas se a pu lsão de m orte traz a qu estão de u m a in stabilidade ou u m desequilíbrio interno, não é estranho que para construir esse conceito, Freud retorne a Breuer e faça com parações com Hering? Talvez seja esse retorno que tenha feito Freud relacionar, em 1920, princípio do prazer, princípio de nirvana e pulsões de m orte.3

Laplanche e Pontalis ( 1986) colocam que perm anece a questão de saber se aquilo que Freud ( 1920/ 1975) cham a de princípio de prazer corresponde à m anutenção da constância do nível energético ou a um a redução radical das tensões ao nível m ais baixo. Pois se o princípio do prazer com anda o livre escoam ento de energia, ele estaria em oposição à m anutenção da constância, um a vez que essa últim a corresponderia a um a ligação.4

E ainda, se o objetivo do texto de 1920 é buscar as experiências que se dirigem para além do princípio do prazer, por que Freud relaciona os princí-pios do prazer, nirvana e constância? Assim , ao recolocar o im passe que a repe-tição com pulsiva traz ao trabalho analítico, ele fala do retorno da quiescência do m undo inorgânico ocasionada pela função do princípio do prazer, para adi-ante afirm ar que o princípio do prazer parece estar a serviço das pulsões de m orte:

3 “ Tem os discer nido que a tendência dom inante da vida psíquica, e talvez da vida ner vosa em geral, a de rebaixar, m anter constante, suprim ir a tensão interna do estím ulo ( o princípio de Nirvana, segundo a ter m inologia de Barbara Low ) do qual é expressão no princípio de prazer. Esse constitui um de nossos m ais fortes m otivos para crer na existência das pulsões de m orte.” ( FREUD, 1920/ 1975, p. 54)

(6)

“Separam os função e tendência de m aneira m ais nítida que até agora. O princípio do prazer é então um a tendência que está a serviço de um a função: a de fazer que o aparelh o psíqu ico fiqu e isen to de excitação, ou m an ten h a n o n ível m ín im o possível, a quantidade de excitação. Todavia não podem os decidir com certeza por

nenhum a dessas versões, m as notam os que a função assim definida participaria da aspiração m ais universal de todo ser vivo de voltar atrás até o repouso do m undo inorgânico. Todos tem os experim entado que o m áxim o de prazer atingível por nós é o d o ato sexu al, u n id o d e u m a extin ção m o m en tân ea d e u m a excitação

extrem a.” ( FREUD, 1920/ 1975, p. 60)

Podem os concluir que m esm o ao ilustrar a segunda dualidade das pulsões através da associação vital dos organism os m ulticelulares, essa aproxim ação apresenta um a discussão que escapa aos lim ites da biologia, que é a reflexão que o conceito de pulsão de m orte traz para o cam po do aparelho psíquico e para a clínica psicanalítica.

FREUD E A ENTROPIA

Estam os percebendo que Freud estabeleceu relações constantes com outros cam -pos do saber, tais com o a física, a biologia, sem que essa característica aprisio-nasse a construção de suas idéias ou estabelecesse identidades restritas. Ao con-trário, a aproxim ação com outros cam pos serviu com o m ola propulsora às especulações freudianas, perm itindo que fossem estabelecidas sem elhanças, m as sobretudo, diferenças.

A partir deste contexto, podem os pensar se o discurso freudiano possibili-tou e m anteve, a partir da segunda teoria pulsional, relações entre o conceito de

pulsão de m orte e a noção de entropia. Mas para estabelecerm os um diálogo

entre a pulsão de m orte e a noção de entropia, é necessário, prim eiram ente, que

apresentem os os dois princípios daterm odinâm ica. Em um segundo m om ento,

tentarem os discutir a pulsão de m orte à luz das estruturas dissipativas de Prigogine ( PRIGOGINE & STENGERS, 1984) , rem etendo essa problem ática ao cam po da clínica psicanalítica.

A term odinâm ica apareceu a partir da verificação de Sadi Carnot, em 1824, de que o fogo é capaz de m over e transform ar as coisas. Sua prim eira descober-ta, foi que nas transform ações térm icas que acontecem em sistem as isolados do exter ior, a en ergia con serva-se. Nesta perspectiva, o prim eiro prin cípio da term odinâm ica foi form ulado, apresentando a idéia de que “o intercâm bio total de energia através das fronteiras de um dado sistem a é igual à var iação de energia desse sistem a” ( REIF, 1965, p. 22) .

(7)

dessa questão, foi construído o segundo princípio da term odinâm ica, onde em qualquer transform ação, a grandeza do grau de desordem da energia interna ( ou seja, a entropia do sistem a) aum enta até um grau m áxim o e quando esse processo pára, o sistem a perm anece em estado de constância.

Nesta perspectiva, o segundo princípio da term odinâm ica expressa um a tendência para a desordem , para um a situação em que haja um a distribuição cada vez m ais uniform e de m atéria e de energia em um sistem a. Assim , a entropia é um a grandeza que expressa a irreversibilidade de um processo e ao m esm o tem po traz a questão da degradaçãoda energia em um sistem a fechado ( GARCIA-ROZA, 1990, p. 49) .

Essa tendência em levar um sistem a à degradação, trazendo com o perspec-tiva final a m orte térm ica, perm itiria um a relação com o conceito de pulsão de m orte. No entanto, a ligação entre pulsão de m orte e m orte térm ica deve ser feita com algum as reservas.

Freud ( 1920/ 1975) , no artigo Mais além do princípio do prazer, parece não ter desprezado com pletam ente a idéia de hom eostase, de um a busca de equilíbrio interno, um a vez que ele relacionou os princípios do prazer, de nirvana e de constância. Por outro lado, se considerarm os que ele utilizava o cam po cientí-fico de sua época a seu próprio m odo, o que quer dizer que não se pode fazer um a transposição exata dos term os de outros cam pos do saber, com o por exem plo da física ou da biologia para a psicanálise, um problem a já pode ser colocado: só podem os falar de um aparelho psíquico em sua relação com o m undo, ou m elhor, em sua relação com o outro.5 Não podem os falar de um sistem a isola-do, pois o sistem a psíquico é feito de trocas, de investim entos e de retiradas de energia: se há um a idéia de perda de energia no discurso freudiano, essa ener-gia se m ovim entaria e retornaria insistentem ente ao sujeito.

No entanto, m esm o ao apresentarm os reservas à aproxim ação da noção de entropia com as pulsões de m orte, continuam os com um problem a, que parece relevante para a clínica da psicanálise: se sabem os que a pulsão de m orte não quer dizer realm ente a m orte em si m esm a, é necessário lem brarm os que se ela funcionar livrem ente, sem produzir ligações com as pulsões de vida, ela real-m ente pode levar o sujeito à real-m orte térreal-m ica. É nesta perspectiva que no final do

artigo A denegação, quando Freud ( 1925/ 1975) destaca que a função do

julga-m ento corresponde à dualidade pulsão de julga-m orte X pulsão de vida, dando ujulga-m a positividade às pulsões de m orte e rem etendo à denegação essas pulsões, ele lem bra im ediatam ente o negativism o dos psicóticos, que é resultado de um a

(8)

desfusão das pulsões efetuada através da retirada dos com ponentes libidinais, ou seja, da retirada de Eros e do trabalho solitário de Tânatos ( p. 256, 257) . Não seria esse aspecto “m ortificante” que alim entaria a idéia de um a degradação entrópica na segunda dualidade das pulsões? A tarefa, então, seria problem atizar se Freud nos deu m eios para que ultrapassem os essa interpretação negativa das pulsões de m orte e se isso é viável quando nos confrontam os, por exem plo, com o negativism o dos catatônicos, com o suicídio, com o abandono da vida, e de form a m ais geral, com o cam po da clínica psicanalítica e seus im passes.

Podem os enriquecer esse problem a trazendo a idéia de estruturas dissipativas, que deram a Ilya Prigogine o Prêm io Nobel de quím ica em 1977, quando dem onstrou em laboratório as possibilidades da criação da ordem a partir da desordem .

A “estrutura dissipativa” apresenta a ligação das idéias de ordem e de

desperdí-cio, colocando que a dissipação de energia, que geralm ente é associada à perda

de rendim ento e conseqüentem ente à evolução para a desordem , torna-se, lon-ge do equilíbrio, produtora de ordem , de novos estados de m atéria ( PRIGOGINE & STENGERS, 1984, p.114) .6

Esse processo é equacionado através do que o autor cham a de “instabilidade de Bérnard”, que determ ina um fenôm eno de auto-organização espontânea. Para exem plificar esse processo, subm ete um a fina cam ada líquida a um a dife-rença de tem peratura entre a superfície inferior, que está constantem ente aquecida e a superfície superior, que está em contato com o am biente exterior. O que acontece é que o transporte do calor por condução através da colisão entre as m oléculas é duplicado por um transporte por convenção, em que as próprias m oléculas participam de um m ovim ento coletivo que form a turbilhões que distribuem a cam ada líquida em células regulares, criando um a ordem . Assim , com o aparecim ento da instabilidade de Bérnard, onde em determ inado ponto as m oléculas sobem , em outro elas descem , um a quebra da sim etria espacial é traduzida, e as m oléculas caóticas passam a adotar um com portam ento coeren-te, diferenciado de região para região ( PRIGOGINE & STENGERS, 1992, p. 56) . O que parece interessante na concepção de estruturas dissipativas de Prigogine é essa idéia de que da desordem advém ordem , de que a atividade produtora de entropia não é sinônim o de degradação:

(9)

“Pois, se é verdade que tem os que pagar um preço entrópico para m anter em seu estado estacionário o processo de term odifusão, tam bém é verdade que esse esta-do corresponde a um a criação de ordem . Torna-se então possível um novo olhar: podem os ver a ‘desordem ’ produ zida pela m anu ten ção do estado estacion ário

com o o que nos perm ite criar um a ordem , um a diferença de com posição quím ica entre os dois recintos. A ordem e a desordem mostram- se não como opostas entre si, e sim como indissociáveis.” ( PRIGOGINE & STENGERS, 1992, p.54. Grifos m eus)

Para pensarm os as pulsões de m orte a partir das estruturas dissipativas, poderíam os abrir m ão do dualism o das pulsões, um a vez que a própria desor-dem de Tânatos produziria ordesor-dem . Contudo, isso se confrontaria com a relevân-cia que Freud dá às tem áticas do dualism o e do conflito.7 Com o então aprovei-tarm os as estruturas dissipativas de Prigogine para a psicanálise?

Talvez a teoria das estruturas dissipativas nos sirva para ilustrar a produtivi-dade das pulsões de m orte, apontando que na entropia há possibiliprodutivi-dades criati-vas. No entanto, não podem os ignorar os possíveis efeitos devastadores da autodestrutividade no cam po da clínica psicanalítica e da subjetividade. Então, podem os dizer que o pensam ento freudiano apontava para a “nova ciência”, ao destacar um pólo de Tânatos que parece estranho ao artigo de 1920: as pulsões de m orte são a possibilidade da diferença, ao trazer a perspectiva da repetição do outro para o discurso freudiano.

Quando falam os que as pulsões de m orte são a condição da diferença, estam os fazendo um a relação dessas pulsões com o conceito de diferença pura, m as, ao m esm o tem po, na m edida em que este últim o conceito não traz com o pressu-posto categorias de oposição, criam os um problem a em relação ao dualism o pulsional. Tentarem os problem atizar esta questão no próxim o ponto, definindo neste contexto o conceito de diferença pura a partir do pensam ento de Deleuze ( 1968/ 1988) .

É POSSÍVEL PENSAR CONFLITO E DIFERENÇA?

O conceito de diferença pura foi aprofundado por Deleuze no livro Diferença e

repetição (1968/ 1988), onde o autor direciona sua pesquisa em dois sentidos: um

que tenta desconectar a diferença da identidade e da negação, e outro concernente ao conceito de repetição identificado a um a repetição m ecânica ou “nua” ( re-petição do m esm o) , que encontraria sua razão de ser em estruturas m ais pro-fundas de uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um “diferencial”.

(10)

Em recusa ao indiferenciado ou ao indeterm inado, a diferença para Deleuze ( 1968/ 1988) é objeto de afirmação. Essa afirmação é múltipla, é criação: não é o negativo que é o motor, pois a negatividade não captura o fenômeno da diferença. Num a repetição diferencial, não há nada de repetido que possa ser abstraído da repetição. É nesta perspectiva que podem os ultrapassar a idéia de um tem po originário ou prim eiro. Diz Deleuze ( 1968/ 1988) :

“O antes, a prim eira vez, não é m enos repetição do que a segunda ou a terceira vez... a repetição já n ão in cide ( h ipoteticam en te) sobre u m a prim eira vez qu e pode dela su btrair-se e de qu alqu er m odo lh e perm an ece exterior; a repetição in cide im perativam en te sobre repetições, sobre m odos ou tipos de repetição.

A fronteira, a “ diferença” , portanto, se deslocou singularm ente: ela já não está entre a prim eira vez e as outras, entre o repetido e a repetição, m as entre esses tipos de repetição. O que se repete é a própria repetição.” ( p.16)

Neste contexto, a repetição não supõe um “originário” a ela. Quando repito, não m e rem eto a um a repetição prim eira, pois a diferença já está na repetição. Essa diferença pura, não é uma diferença entre duas coisas, uma diferença de algo em relação a algo, mas seria assim como o diferenciar-se de algo. Contudo, este “algo” está no interior dela mesma. De forma mais clara, a diferença pura seria o diferenciar-se de si m esma, produzindo máscaras sem que delas se possa abstrair:

“ A repetição é verdadeiram en te o qu e se disfarça ao se con stitu ir e qu e só se

constitui ao se disfarçar. Ela não está sob as m áscaras, m as se form a de um a m áscara a outra com o de um ponto relevante a outro, com e nas variantes. As m áscaras nada recobrem , salvo outras m áscaras.” ( DELEUZE, 1968/ 1988, p. 45, 46)

Não há nada para além das m áscaras, pois aquilo que as constitui se dá através delas m esm as: as m áscaras são elem entos genéticos internos da própria repetição. Mas será que podem os pensar Freud a partir desta perspectiva?

(11)

Para Deleuze (1968/ 1988), o desejo não aparece como potência de negação, nem como elemento de oposição, mas sobretudo como força de procura, uma força questionante e problematizante. Contudo, as questões e os problemas não são atos especulativos ou em píricos, e sim atos vivos, com o um a força constante de bus-ca. Assim , não existem respostas ou soluções originais ou últim as, pois os pro-blem as concernem a um eterno disfarce, e as questões a um eterno deslocamento. Segundo Deleuze ( 1968/ 1988) , quando Freud, para além do recalcam ento propriam ente dito, que incide sobre representações, supõe um recalcam ento originário, concernente às apresentações puras ou à m aneira pela qual as pulsões são necessariam ente vividas, ele aproxim a-se ao m áxim o de um a razão positiva interna da repetição. Essa razão será m ais tarde determ inável na pulsão de m or-te e explicará o bloqueio da representação no recalque propriam enor-te dito, em vez de ser explicado por ele. Neste sentido, a repetição não dependeria do recalcam ento: “Não repito porque recalco. Recalco porque repito, esqueço por-que repito. Recalco porpor-que, prim eiram ente, não posso viver certas coisas ou certas experiências a não ser ao m odo da repetição.” ( p. 47)

Nesta perspectiva, não há um a instância recalcante e um a recalcada, que com preenderiam form as negativas de oposição. A m esm a coisa é disfarçante e disfarçada, e o m ais oculto é ainda um esconderijo.

Então, para encam inharm os a discussão, podem os dizer que Freud talvez nos perm ita pensar alguns m odos de repetição diferencial. Assim , a idéia de um

tem po a posteriori, que se rem ete a um a tem poralidade onde o passado não é

prim eiro em relação ao presen te, a u m tem po descon tín u o, in dica qu e a tem poralidade em Freud não precisa necessariam ente ser rem ontada a um a cristalização no passado.

Contudo, não m e parece fácil abrir m ão da idéia de conflito na obra freudia-na, pois teríam os, por exem plo, que deixar de lado o confronto das pulsões de vida com as pulsões de m orte no cam po da clínica da psicanálise. No entanto, podem os conjeturar que a pulsão de m orte traduz um com bate, um com bate contra um a “m esm idade”, visando a produção de diferenças, “discordando” da reprodução do m esm o. Seria, então, um trabalho positivo no conflito das pulsões.

E por positividade estou entendendo a produção de trabalho, de elaborações, a

produção de novas form as na ligação da energia. Portanto, a energia desvinculada das pulsões de m orte, poderia produzir um a organização ao se confrontar com as pulsões de vida. Naturalm ente, o analista auxiliaria o analisando nessas

ela-borações no cam po da transferência.8

(12)

pa-Concluím os que as possibilidades criativas das pulsões de m orte só podem apresentar-se em sua ligação com a vida, no conflito pulsional: a pulsão de m orte só pode produzir ordem quando consideram os sua dualidade com as pulsões de vida. Então, a pulsão de m orte poderia até aproxim ar-se do funcio-nam ento da entropia, não produzindo trabalho algum , m as desde que estivesse com pletam ente desfusionada das pulsões de vida.

Assim , se o positivism o classificou as ciências sob o signo com um da or-dem , do equilíbrio e inserido nele Freud iniciou seu percurso, com a pulsão de m orte o autor pôde nos apontar que o desequilíbrio tam bém im pulsiona um m ovim ento criador de form as, e não de degradação. Portanto, a energia que irrom pe das pulsões de m orte, com seu caráter “desestabilizador” e “desequili-brante”, é o que produz um a positividade.

Por fim , ainda podem os perguntar: de que m odo a energia das pulsões de m orte poderia ser ligada? São as pulsões de vida que ligam a energia? É o conflito pulsional? É o ego? Ou é o trabalho de análise?

Se tom arm os o id com o o pólo pulsional do psiquism o, tal com Freud ( 1923/ 1975) colocou no artigo O ego e o id, acrescentando a isso a afirmação da conferência de 1932, quando Freud diz que onde estava o id, o ego deve advir (p. 74), observaremos que uma das funções do ego, a m ediação, vem auxiliar na ligação e contenção da energia pulsional. Mas para que isso aconteça é necessário ainda o trabalho do analista junto ao analisando, através das reconstruções feitas em análise.9

No entanto, as perguntas que fizem os acim a não são nada sim ples. No

pró-xim o ponto, tentarem os encam inhá-las com o auxílio do artigo O ego e o id

( 1923) .

ra que ela deixe de fluir livrem ente e fique ligada a certos conteúdos representativos. E ainda, segundo Laplanche, a Bindung não consiste apenas no fato da pulsão ficar ligada — dela en-contrar-se atad a a tal lem b ran ça d e aco n tecim en to. Mais d o q u e isso, a ligação co n siste n o fato d e estas rep resen taçõ es, q u e tam bém são ligações, estabelecerem um a rede de signifi-cações ( p. 30) .

(13)

O EGO E O ID E A SEGUNDA TEORIA PULSIONAL

Três anos após a criação do conceito de pulsão de m orte, Freud escreve um artigo intitulado O ego e o id, que dentre seus vários aspectos im portantes, revê a noção de ego e coloca o id com o o pólo pulsional do psiquism o. Nesta obra, o ego é em grande parte inconsciente e com porta-se com o o recalcado. Ele tem início no sistem a perceptual, constitui-se com o corporal e abrange o pré-cons-ciente — que é adjacente aos vestígios de memória — em direção ao inconspré-cons-ciente. Se o alcance do ego é am pliado, da m esm a m aneira suas funções tam bém o são. Assim , um a vez que o aparelho psíquico precisa de um a instância responsá-vel pelo controle da descarga de excitações ao m undo externo, esta instância será o ego. Ele é a organização coerente dos processos m entais, responsável pelo con trole da m otilidade, da percepção, pela prova de realidade, pela racionalidade e é tam bém um m ediador que tenta dar conta de exigências contraditórias do m undo externo, do id e do superego.

A parte da m ente pela qual o ego estende-se e com porta-se com o se fosse inconsciente, é o id. Segundo Freud, o ego é aquela parte do id que foi m odifi-cada pela in flu ên cia direta do m u n do extern o, por in term édio do sistem a perceptual/ consciente. Este aspecto pode ser relacionado com a idéia de que o ego liga-se as sensações corporais, principalm ente as que nascem na superfície do corpo, com o a projeção m ental de um a superfície. Fala Freud ( 1923/ 1975) :

“( ...) O ego se em penha em fazer valer sobre o id a influência do m undo externo, assim com o seu s propósitos próprios; esforça-se por su bstitu ir o prin cípio do prazer que rege irrestritam ente no id, pelo princípio de realidade. Para o ego, a

percepção cum pre um papel que no id cabe à pulsão. O ego é o representante do que pode ser cham ado de razão e prudência, em oposição ao id, que contém as paixões.” ( p. 27)

Se o ego é um a parte m odificada do id, ele tam bém está sujeito a influência das pulsões, pois para Freud o id é palco do conflito entre Eros e pulsão de m orte. Mas é im portante dizer que essa idéia do psíquico conter um pólo passional torna-se possível após a form ulação do conceito de pulsão de m orte, um a vez que o id é esta instância “indom ada”, lugar da força pulsional insistente, que

tem que ser controlada pelo ego. Em 1932/ 1975, Freud fala desse aspecto

caó-ticodo id:

(14)

se enche com energia, m as não se tem nenhum a organização, não concentra um a vontade global, som ente a ânsia de procurar satisfação das necessidades pulsionais com a observância do princípio do prazer. As leis de pensam ento, sobretudo o princípio de contradição, não se aplicam aos processos do id. Im pulsos opostos

coexistem uns juntos com os outros, sem cancelar-se entre si nem debilitar-se. Quando m uito, entram em form ações de com prom isso sob a com pulsão econôm i-ca dom inante da desi-carga de energia.” ( p. 68, 69)

Freud continua dizendo que não há correspondência algum a com a repre-sentação de tem po no id, e que im pulsos de desejo e im pressões recalcadas que jam ais saíram dele são virtualm ente im ortais, com portando-se durante décadas com o se fossem acontecim entos novos. Som ente quando essas im pressões tor-n arem -se cotor-n scietor-n tes através do trabalh o ator-n alítico é qu e elas poderão ser recolocadas com o passado, desvalor izadas e qu itadas de seu investim en to energético.

Podem os então tentar fazer um a construção: se o trabalho egóico auxilia a ligação de energia, nesse sentido ele seria aliado das pulsões de vida, que visam a m anutenção de form as. Mas para que um a ligação se efetue, é necessário que a força “desequilibrante” das pulsões de m orte se transform e em produção, é necessário que se transform e o conflito em criação.

Estam os, portanto, falando de dois tipos de ligação: um a ligação da m anu-tenção de form as, da repetição do m esm o, m ais própria do trabalho de Eros, onde poderíam os identificar o que Freud cham a de fixação libidinal, e um a ligação que se originaria do trabalho desestabilizador das pulsões de m orte em junção com as pulsões de vida, que no cam po da análise perm itiria um trabalho criativo possibilitando as elaborações psíquicas.

Por fim , é im portante dizer que Freud estabeleceu em 1923 um a diferencia-ção no ego cham ada de superego. O superego é um resíduo das escolhas objetais

do id e apresenta-se com o um a form ação reativa contra estas escolhas. Esse

duplo aspecto do superego deriva de sua m issão em recalcar o com plexo de Édipo, pois ele se constitui por um a interiorização das exigências parentais, cuja severidade pode ser vinculada à cultura pura das pulsões de m orte. Essa questão será retom ada a partir da tem ática da desfusão das pulsões e com a idéia de que pode haver um “desperdício de energia” no psíquico.

O DESPERDÍCIO DE ENERGIA

(15)

O que parece estar em questão é o que se apresenta com o excesso às possi-bilidades de elaboração psíquica, que podem os rem eter ao cam po do traum áti-co, um a vez que essa experiência pode ser entendida, em últim a instância, com o algo que o sujeito não consegue dar um lugar em seu cam po repre-sentacional, não conseguindo produzir sentido algum , e que pode provocar um renovado horror.

Se o sujeito nem sem pre obtém sucesso na tentativa de esquecer o aconteci-m ento, a coaconteci-m pulsão à repetição poderia funcionar taaconteci-m béaconteci-m coaconteci-m o uaconteci-m desperdí-cio de energia, onde não se conseguiria produzir trabalho: repete-se interm

i-navelmente na demandado novo, mas nem sempre esta demanda pode ser atingida.

Para ilustrar esse raciocínio, podem os aproveitar a noção de despesa

improduti-va de Bataille ( 1973) , em que ele discute os processos de produção e de

conser-vação da energia através de dois pólos: de um lado, há a energia m ínim a neces-sária utilizada pelos hom ens para a conservação da vida e para a continuação da atividade produtiva; de outro, há as despesas im produtivas, com o o luxo, as guerras, o sacrifício, que trazem seu fim nelas m esm as, ou seja, são desperdí-cios energéticos, rem ontados à destruição. Segundo o autor, o hom em está apto

a produzir e conservar energia, m as nem sem pre isso acontece.10 O problem a

da econom ia seria o da energia excedente que não é útil, ou seja, da perda sem aproveitam ento, do uso produtivo e eficaz da energia excedente ( BATAILLE, 1967; 1973/ 1993) . Mas tentem os refletir um pouco sobre essa idéia de eficácia da utilização da energia11 para a problem ática das pulsões de m orte.

Dissem os que poderia haver um aspecto m ortificante no trabalho solitário das pulsões de m orte, em que a energia não seria utilizada com o produção. Assim , haveria um excedente energético que não seria expulso ou que retornaria ao sujeito insistentem ente. Seria com o um a “despesa energética” interm inável. Essa idéia do excesso de energia que transcende a capacidade de representa-ção psíquica parece ser fundam ental à clínica freudiana após 1920. Pois foi a partir dela que Freud pôde repensar de form a profícua tem as tais com o o m aso-quism o, a angústia, os obstáculos silenciosos à análise, a transferência negativa, o sentim ento inconsciente de culpa, o ganho com a doença, o térm ino do pro-cesso analítico, a fem inilidade, o desam paro. Vejam os alguns desses tem as no próxim o ponto.

1 0 Na sociedade arcaica, por exem plo, o m undo das coisas era dado com o um fim para a violência íntim a, com a condição dessa violência ser tida com o soberana: a produção estava subordinada ao dispêndio im produtivo ( BATAILLE, 1973/ 1993, p. 70, 71) .

(16)

A MORTIFICAÇÃO CAUSADA NA DESFUSÃO PULSIONAL

No artigo O ego e o id, Freud ( 1923/ 1975) retom a o sentim ento inconsciente de culpa com a figura do superego e o rem ete ao que transcende o princípio de prazer. Assim , ele pergunta:

“Com o é que o superego se exterioriza essencialm ente com o sentim ento de culpa ( m elhor: com o crítica; ‘sentim ento de culpa’ é a percepção no ego que correspon-de a essa crítica) e assim , correspon-desenvolve tão extraordinária dureza e severidacorrespon-de contra

o ego?” ( p. 53)

Em busca de respostas, Freud ( 1923/ 1975) recorre à clínica:

“Se nos voltarm os prim eiram ente para a m elancolia, descobrim os que o superego hiperintenso, que conseguiu um ponto de apoio na consciência, dirige-se sem m isericórdia com fúria contra o ego, como se tivesse se apoderado de todo o sadismo disponível no indivíduo. De acordo com nossa concepção do sadismo, diríamos que o

com ponente destrutivo entrincheirou-se no superego e voltou-se contra o ego. O que está agora governando o superego é, por assim dizer,um a cultura pura da pulsão de m orte, que com bastante freqüência obtém êxito em em purrar o ego à m orte, se este não afastar o seu tirano a tem po, através da m udança para a m ania.” ( p. 53, 54, grifos m eus)

O autor está falando aqui de um a cultura pura das pulsões de m orte, que poderia realm ente significar a m orte em seu sentido literal. Em relação à m e-lancolia, é o superego excessivam ente forte que se dirige contra o ego, podendo im pulsioná-lo à m orte. Em contraste com o m elancólico, ao qual a perda é egóica, o neurótico obsessivo acha-se protegido contra o suicídio: a retenção do objeto garantiria a segurança do ego.

Isto porque na neurose obsessiva, a desfusão de am or em agressividade é o resultado de um a regressão que ocorreu no id, que faz com que os im pulsos am orosos transform em -se em agressividade contra o objeto, buscando destruí-lo. O ego tenta lutar contra esses objetivos de form a precautória, m as isso não o protege da punição e severidade do superego, que age com o se fosse o ego — e não o id — o responsável pelas intenções destrutivas. Para tentar m anter o controle da situação, o ego reage com um auto-suplício interm inável, com o se realm ente fosse culpado ( FREUD, 1923/ 1975, p. 70, 71) . Há aqui um equilíbrio de forças entre a autodestrutividade e a agressividade, m as fundam entalm ente, há, com o advento da pulsão de m orte, a afirm ação de um a força “desestabili-zante” no sujeito.

(17)

deve-se pensar tam bém na possibilidade de um a desfusão das pulsões de m orte com Eros. O com ponente sádico da pulsão sexual seria um exem plo clássico da fusão pulsional útil. E o sadism o que tornou-se independente com o perversão seria típico de um a desfusão. Freud continua:

“Percebem os que a pulsão de destruição, para fins de descarga, é habitualm ente colocada a serviço de Eros; vislum bram os que a crise epiléptica é produto e indício de um a desfusão pulsional, e viem os a com preender que entre os produtos de

m uitas neurose graves, entre elas a neurose obsessiva, a desfusão pulsional m erece um a apreciação particular e o ressalto da pulsão de m orte. Fazendo um a generaliza-ção rápida, gostaríam os de conjeturar que a essência de um a regressão libidinal ( da fase genital para a anal-sádica, por exem plo) reside num a desfusão de pulsões, tal

com o, inversam ente, o avanço de um a fase anterior para a genital definitiva estaria condicionado a um acréscim o de com ponentes eróticos.” ( p. 42, 43)

A pulsão de vida trabalha em prol da fusão e a pulsão de m orte em prol da desfusão pulsional, rom pendo as ligações na luta com Eros. Com o resultado deste rom pim ento ou da desfusão, acontece um a dessexualização da libido — um a retirada da libido investida nos objetos e subseqüentem ente um retorno d esta lib id o ao ego. Essa d esfu são p u lsio n al p o d e o casio n ar tam b ém u m desinvestim ento do analista, desencadeando um a piora clínica do analisando:

“Há pessoas que se com portam de m aneira estranhíssim a no trabalho analítico. Se alguém lhes dá esperança ou lhe m ostra satisfação pelo progresso do tratam ento,

elas m ostram sinais de descontentam ento e seu estado invariavelm ente piora ( ...) . Exibem o que é conhecido com o ‘reação terapêutica negativa’.

Não há dúvida de que há algo nessas pessoas que se opõe à cura, cuja im inência é tem ida com o um perigo. Se diz que nestas pessoas não prevalece a vontade de cura, senão a necessidade de estar doente ( ...) .” ( FREUD, 1923/ 1975, p. 50)

Este “ganho com a doença” revela-se com o o m ais poderoso obstáculo à cura. Freud ( 1923/ 1975) continua:

“Por últim o, percebem os que se trata de um fator, por assim dizer, ‘m oral’, de um sentim ento de culpa, que obtém sua satisfação na doença e não quer renunciar ao

(18)

Vem os então com o o ideal freudiano de “cura das doenças m entais”alm

eja-do no final eja-do século XIX,12 baseado em um equilíbrio hom eostático a ser

buscado, se m odifica com a criação do conceito de pulsão de m orte. Agora, o analista tem que enfrentar os obstáculos internos do analisando que se dirigem contra o tratam ento e não tem a pretensão de im possibilitar as reações patoló-gicas, m as de dar ao ego do analisando liberdade para decidir seu cam inho.

Finalm ente, é im portante ainda colocarm os um a pergunta: quando falam os qu e a pu lsão de m orte desfu sion ada das pu lsões de vida teria u m aspecto m ortificante, estam os dando um a negatividade a Tânatos, ou seja, localizando um aspecto conservador e regressivo em seu m ovim ento? Estam os falando aqui de um a entropia?

Partim os da positividade do conflito pulsional. Falam os tam bém que são as pulsões de vida que têm um a função reprodutora. Assim , parece que é im por-tante não som ente ressaltar a positividade da pulsão de m orte em si m esm a, pois correríam os o risco de cair num m onism o pulsional: a pulsão de m orte é sim a condição da diferença, m as esta diferença se m anifesta na fusão das pulsões. E ao invés de estacionarm os nossa discussão em torno de forças negativas ou positivas, o m ais im portante é o fato de que Freud nos indicou que na desordem pode haver produção.

Então, não podem os m ais pensar em um a possível hom eostase interna liga-da a um estado de saúde ideal. Ao contrário, a própria viliga-da é m arcaliga-da constan-tem ente pelo conflito das pulsões, em que o pólo das pulsões de m orte incom o-dará indefinidam ente a calm aria do equilíbrio constante.

No próxim o e últim o ponto, lançarem os m ão do conceito de sublim ação para discutirm os o aspecto produtivo im pulsionado pelas pulsões de m orte.

A S UBLIMAÇÃO COMO UM DESTINO CRIATIVO

Em 1908, no artigo A moral sexual civilizada e a doença nervosa moderna, Freud apresentava a sublim ação com o um a das form as de evitar o desprazer e as fontes de sofri-m ento causadas pela civilização, resofri-m etendo-a à sofri-m udança de objetivo pulsional

e conseqüentem ente à dessexualização da pulsão. Mas em 1932, na conferência

Angústia e vida pulsional, Freud ( 1932b/ 1975) acrescenta que a sublim ação se

rela-ciona às m udanças de objetivo e de objeto sexuais, ou seja, a um destino cria-tivo, m as não necessariam ente de acordo com o que é considerado belo pela

civilização. Seria m ais um a ação sublim e frente ao desam paro, onde o sujeito

não abriria m ão de sua posição desejante, trazendo a invenção de um outro objeto para a satisfação pulsional ( BIRMAN, 1994, p. 32) .

(19)

Após essa breve indicação do percurso da sublim ação,13 tentarem os susten-tar, a partir do discurso freudiano, que a desfusão pulsional é um cam inho necessário à sublim ação. Assim , em O ego e o id, Freud ( 1923/ 1975) diz que a sublim ação é um dos cam inhos que o conflito pulsional pode desem bocar, através de um retorno ao ego da libido investida nos objetos, um a desfusão pulsional e um posterior destino à libido:

“ Aqui surge a questão, que m erece consideração cuidadosa, de saber se este [ a

transform ação de libido objetal em narcísica] não é o cam inho universal à sublim a-ção. Toda sublim ação não se efetua através da m ediação do ego, que prim eiro m uda a libido objetal em narcísica e, depois talvez passa a fornecer-lhe outro objetivo? Posteriorm ente terem os de averiguar se esta m udança não pode ter com o

conse-qü ên cia ou tros destin os das pu lsões; produ zir, por exem plo, u m a desfu são das diversas pulsões que se acham fundidas” ( p. 32)

Neste contexto, a sublim ação é um destino que pode se apresentar à desfusão pulsional, sendo produzida pela m ediação do ego, que segundo Freud ( 1923/ 1975) , ao sublim ar a libido do id, coloca-se contra os objetivos eróticos e fica a m ercê das pulsões de m orte ( p. 46) . Mas para que o ego não vire objeto das pulsões “ inim igas” , ele tem que acum ular libido dentro de si e tornar-se o representante de Eros. Com o risco de m orrer, o ego escolhe, através da subli-m ação, o casubli-m inho do cosubli-m bate que torna a vida possível:

“Mas com o seu trabalho de sublim ação tem por conseqüência um a desfusão das

pulsões e um a liberação das pulsões de agressão dentro do superego, sua luta contra a libido o expõe ao perigo dos m au s-tratos e da m orte. Se o ego padecer ou su cu m bir às agressões do su perego, seu destin o é o m esm o dos protistas, qu e perecem pelos produtos catabólicos que eles m esm o criaram .” ( p. 57)

Assim , ao destacarm os que através da m ediação egóica a desfusão pulsional pode fazer parte de um cam inho criativo, podem os dar um a positividade às pulsões de m orte. Pois se a desfusão das pulsões é im pulsionada por Tânatos, podem os extrair um trabalho produtivo nessas últim as pulsões, que será engen-drado através de sua ligação com as pulsões de vida. Acreditam os, portanto, que Freud ( 1923/ 1975) nos dá condições para pensarm os as pulsões de m orte com o criadoras, um a vez que elas são responsáveis por um com bate, no sentido em que Em pédocles coloca a discórdia em confronto com o am or.

(20)

Mas do que as pulsões de m orte “ discordariam ” ? Parece-m e que, com o “com batentes”, elas discordam da m esm idade do equilíbrio hom eostático. En-quanto as pulsões de vida visam a união de form as através da sexualidade, são as pulsões de m orte que podem im pulsionar o trabalho da diferença, que será engendrado no conflito das pulsões. Assim , as pulsões de m orte expressam esses dois pólos: de um lado, quando fazem seu trabalho de form a solitária, elas podem ser m ortificantes para o sujeito, de outro, são elas tam bém que apresen-tam as condições de um m ovim ento criativo e diferencial.

Recebido em 18/ 1/ 2000. Aceito em 25/ 8/ 2000.

BIBLIOGRAFIA

BATAILLE, G. ( 1973) A teoria da religião, São Paulo, Ática, 1993. . La parte m audite,Paris, Éditions de Minuit, 1967.

BIRMAN, J. “ Alquim ia no sexual” , in A ordem do sexual, Rio de Janeiro, Cam pus, 1987.

. Desam paro, horror e sublim ação, Rio de Janeiro, IMS/ Uerj, Série Estudos em Saúde Coletiva, 83, 1994.

BREUER, J. & FREUD, S. ( 1 8 9 3 -9 5 ) Estudios sobre la histeria, Bu en os Aires, Am orrortu Editores, 1975.

CHERTOK, L. & STENGERS, I. O coração e a razão, Rio de Janeiro, J. Zahar, 1990. DELEUZE, G. ( 1968) Diferença e repetição, Rio de Janeiro, Graal, 1988.

.( 1969) Lógica do sentido, São Paulo, Perspectiva, 1988.

FOUCAULT, M. ( 1966) As palavras e as coisas, São Paulo, Martins Fontes, 1981. FREUD, S. Obras completas, Buenos Aires, Am or rortu Editores, 1975.

“La m oral sexual ‘cultural’ y la nervosidad m oderna”, 1908, v. IX, p. 159-182. “ La represión” , 1915, v. XIV, p. 135-152.

“ Mas allá del princípio de placer” , 1920, v. XVIII, p. 1-62. “ El yo y el ello” , 1923, v. XIX, p. 1-66.

“ El problem a económ ico del m asoquism o” , 1924, v. XIX, p. 161-176. “ La negación” , 1925, v. XIX, p. 249-258.

“ El m alestar en la cultura” , 1930, v. XXI, p. 57-140.

“ La decom posición de la personalidad psíquica” , 1932a, v. XXII, p. 53-74. “ Angustia y vida pulsional” , 1932b, v. XXII, p. 75-103.

GARCIA-ROZA, L.A. O m al radical em Freud, Rio de Janeiro, J. Zahar, 1990. HIRSCHMÜLLER, A.Josef Breuer, Paris, PUF, 1991.

(21)

Maria Regina Prata

Rua Visconde de Pirajá, 419/ 202 22410 003 Rio de Janeiro RJ E-m ail: m rprata@ openlink.com .br

LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.B. Vocabulário da psicanálise, São Paulo, Martins Fontes, 1986.

PRATA, M.R. “ O norm al e o patológico em Freud” , tese de doutorado em Saúde Coletiva no Instituto de Medicina Social da Uerj, agosto de 1998. PRIGOGINE, I. & STENGERS, I. A nova aliança, Brasília, UnB, 1984.

. Entre o tempo e a eternidade, Rio de Janeiro, Com panhia das Letras, 1992.

Referências

Documentos relacionados

A autuada deverá ser informado de que a não interposição de recurso ocasionará o trânsito em julgado, sendo o processo remetido ao Núcleo Financeiro para cobrança da multa.. O

O modelo conceitual procura mostrar quais são os elementos de informação tratados pelo sistema, para que mais adiante se possa mostrar ainda como essa informação é transformada pelo

Preliminarmente, alega inépcia da inicial, vez que o requerente deixou de apresentar os requisitos essenciais da ação popular (ilegalidade e dano ao patrimônio público). No

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Apothéloz (2003) também aponta concepção semelhante ao afirmar que a anáfora associativa é constituída, em geral, por sintagmas nominais definidos dotados de certa

Para avaliar as taxas de erro Tipo I e o poder dos testes assintóticos de normalidade baseados nos coeficientes de assimetria e curtose, foram utilizados simulações computacionais

A abertura de inscrições para o Processo Seletivo de provas e títulos para contratação e/ou formação de cadastro de reserva para PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR

The objective of this study was to apply principal component analysis to a set of data containing clinical records of patients with previous venous thromboembolism and extract the