ESTUDO COMPARATIVO DOS PERFIS ELETROFORÉTICOS DAS
PROTEÍNAS DOS LÍQUIDOS DE CISTOS DE ASTROCITOMAS E DE
GLIOBLASTOMAS MULTIFORMES
A . S P I N A - F R A N Ç A * R O L A N D O A . T E N U T O * A . G A M A DA R O C H A * *
O perfil eletroforético das proteínas de líquido de cistos de tumores
intracranianos ( L C T ) n e m sempre coincide c o m aquêle das proteínas do
sôro s a n g ü í n e o
1(sôro) dos respectivos pacientes, embora a maior parte das
proteínas de tais líquidos císticos pareça provir do s a n g u e por transudação
a o nível das paredes dos vasos que i r r i g a m o tumor. E s t a transudação
obedeceria aos mesmos mecanismos observados em outros órgãos e tecidos,
m a s a ausência de rêde linfática no parênquima nervoso — própria às
es-t r u es-t u r a s de origem eces-tobláses-tica — dificules-taria a reabsorção do líquido
in-tersticial acumulado ao nível do tumor, facilitando, portanto, a formação
de coleções císticas. G a r d n e r e c o l .
2desenvolveram essas idéias mediante
o estudo comparativo do proteinograma do L C T , do líquido cefalorraqueano
e do sôro de u m a série de pacientes.
Êsses autores e x p l i c a r a m as diferenças na composição protêica do L C T
pelo balanço entre vários fatôres que interferem na transudação e / o u na
reabsorção ao nível do tumor. E n t r e êles salientam os dependentes da
l i n h a g e m embrionária do tecido que deu origem à neoplasia e da maior ou
menor participação na e s t r u t u r a desta ú l t i m a de elementos de l i n h a g e m
mesodérmica oriundos dos capilares de neoformação. Êsses dados são
uti-lizados t a m b é m para a classificação histopatológica do tumor e para a
ava-l i a ç ã o do seu g r a u de maava-lignidade
3, o que explica, e m parte, a concordância
entre o diagnóstico histopatológico e aquêle sugerido pela composição
quí-m i c a do L C T
4, 6.
Considerando as diversas hipóteses aventadas por essas pesquisas, foram
analisadas, neste estudo, as diferenças entre os perfis protêicos do L C T de
dois grupos de tumores da m e s m a linhagem embrionária, mas com g r a u
de malignidade diferente (astrocitomas e glioblastomas multiformes),
to-m a n d o coto-mo têrto-mo de coto-mparação os perfis proteicos de coleções císticas
e m relação às quais o fator neoplásico estivesse presente
(craniofaringeo-m a s ) ou não (coleções subdurais de orige(craniofaringeo-m i n f l a (craniofaringeo-m a t ó r i a ) .
M A T E R I A L E M É T O D O S
F o r a m estudados os perfis protêicos do L C T de 13 a s t r o c i t o m a s (casos 1 a 13) e de 10 g l i o b l a s t o m a s m u l t i f o r m e s (casos 14 a 23) e m c o m p a r a ç ã o à q u e l e s de 7 c r a n i o f a r i n g e o m a s (casos 24 a 30) e de 12 líquidos de coleções subdurais d e o r i g e m i n f l a m a t ó r i a (casos 31 a 4 2 ) . O d i a g n ó s t i c o do tipo do t ü m o r foi baseado e m e x a m e h i s t o p a t o l ó g i c o .
Os perfis protêicos f o r a m estudados m e d i a n t e eletroforese em papel, segundo t é c n i c a a n t e r i o r m e n t e d e s c r i t a3
; o elevado teor protêico total d a s a m o s t r a s tornou desnecessária s u a c o n c e n t r a ç ã o prévia.
A t e n d e n d o à f i n a l i d a d e do estudo, a p a r t i c i p a ç ã o d a a l b u m i n a no perfil pro-têico do L C T foi considerada i g u a l à unidade, e m f u n ç ã o do que, e m c a d a caso, f o r a m c a l c u l a d o s os indices correspondentes à p a r t i c i p a ç ã o das diversas g l o b u l i n a s no perfil. P a r a isto a p e r c e n t a g e m correspondente a c a d a g l o b u l i n a foi dividida pela d a a l b u m i n a n o m e s m o caso. O s v a l ô r e s a s s i m obtidos f o r a m g r u p a d o s s e g u n -do a s 4 séries de casos, sen-do c a l c u l a d a s a m é d i a e o desvio padrão respectivos. A c o m p a r a ç ã o d a s e s t i m a t i v a s obtidas foi feita por meio do teste t, sendo referidos os resultados s i g n i f i c a t i v o s (probabilidades entre 5 e 1%) e a l t a m e n t e s i g n i f i c a t i v o s
(probabilidade inferior a 1%).
R E S U L T A D O S
N a t a b e l a 1 são apresentados v a l ô r e s de p e r c e n t a g e m de c a d a f r a ç ã o no perfil protêico dos líquidos estudados. N a t a b e l a 2 estão reunidas as e s t i m a t i v a s que re-presentam os índices de p a r t i c i p a ç ã o de c a d a g l o b u l i n a no perfil dêsses líquidos s e g u n d o a s séries de casos estudados.
E m r e l a ç ã o à s e s t i m a t i v a s obtidas p a r a a s g l o b u l i n a s dos líquidos de coleções subdurais a s diferenças observadas m o s t r a r a m - s e : s i g n i f i c a t i v a s q u a n t o à menor p a r t i c i p a ç ã o d a s g l o b u l i n a s a l f a - 1 e a l f a - 2 n o s a s t r o c i t o m a s e q u a n t o à m a i o r par-t i c i p a ç ã o da g l o b u l i n a a l f a - 2 nos g l i o b l a s par-t o m a s (par-t = —2,78, —2,40 e 2,75, respecpar-ti- respecti-v a m e n t e ) ; a l t a m e n t e s i g n i f i c a t i respecti-v a s p a r a a m a i o r p a r t i c i p a ç ã o d a g l o b u l i n a g a m a nos g l i o b l a s t o m a s e nos c r a n i o f a r i n g e o m a s (t = 3,13 e 3,03, r e s p e c t i v a m e n t e ) . E m r e l a ç ã o à s e s t i m a t i v a s d a série de c r a n i f a r i n g e o m a s f o r a m s i g n i f i c a t i v a s a s dife-renças q u a n t o à menor p a r t i c i p a ç ã o d a s g l o b u l i n a s a l f a - 2 e g a m a nos a s t r o c i t o m a s (t = —2,43 e —2,11, r e s p e c t i v a m e n t e ) . A c o m p a r a ç ã o d a s e s t i m a t i v a s referentes aos a s t r o c i t o m a s e a o s g l i o b l a s t o m a s m u l t i f o r m e s m o s t r a r a m diferenças a l t a m e n t e s i g n i f i c a t i v a s q u a n t o à m a i o r p a r t i c i p a ç ã o d a s g l o b u l i n a s a l f a 1 e a l f a 2 nos g l i o -b l a s t o m a s (t = 3,12 e 5,00, r e s p e c t i v a m e n t e ) .
C O M E N T Á R I O S
A p e r c e n t a g e m de a l b u m i n a n o perfil proteico de u m L C T é freqüen-t e m e n freqüen-t e m a i o r que a do sôro do m e s m o pacienfreqüen-te; isfreqüen-to n ã o impede que a sua p a r t i c i p a ç ã o no perfil proteico do L C T seja representada pela unidade, pois essa f r a ç ã o p r o v é m do s a n g u e por t r a n s u d a ç ã o . A p a r t i c i p a ç ã o de c a d a u m a das globulinas no perfil protêico do L C T depende dêsse m e s m o fator, m a s n ã o se pode excluir, pelo menos e m parte, o papel desempenhado por fatôres ligados a aspectos m e ta bólic os das c é l u l a s neoplásicas c i r c u n -v i z i n h a s2
A maior participação da globulina g a m a no L C T de glioblastomas t a n t o
poderia depender de transtornos dos fenômenos de transudação e / o u
reab-sorção, como estar na dependência de aspectos metabólicos peculiares às
suas células neoplásicas. N o entanto, contrapõe-se a esta ú l t i m a hipótese, o
fato de ter sido encontrada possibilidade t a m b é m elevada para a
participa-ç ã o dessa globulina no L C T de cranifaringeomas, tumores cujo g r a u de
raa-lignidade é pequeno, quando comparado aos dos glioblastomas. P o r outro
lado, não se pode excluir a influencia dos fatôres ligados aos fenômenos
de t r a n s u d a ç ã o e reabsorção que, nos glioblastomas e nos craniofaringeomas,
são a p r o x i m a d a m e n t e semelhantes. A s s i m , no glioblastoma, novos capilares
se f o r m a m a partir de brotos do endotélio v a s c u l a r ; a partir da adventicia
dêsses vasos h á proliferação de tecido conjuntivo que pode substituir áreas
necróticas do tumor. A s s i m sendo, as relações entre o t u m o r e sua c a v i
-dade cística não são uniformes, não se podendo n e g a r que e x i s t a m áreas
e m que o contato entre o líquido do cisto e o tecido conjuntivo seja maior.
Dessa forma as trocas entre o sangue e o L C T se f a r i a m de modo t a l que
o perfil protêico dêste último poderia aproximar-se do de L C T de
cranio-faringeomas, nos quais a parede do cisto é t a m b é m constituída por tecido
conjuntivo e pelas células epiteliais características
3.
N o s astrocitomas a participação da globulina alfa-1 e da alfa-2 foi
menor que a encontrada para as coleções subdurais e para os glioblastomas.
E m relação a êstes últimos as diferenças mostraram-se altamente
significativas. E s s a s semelhanças poderiam decorrer da m a i o r intensidade dos f e
-nômenos metabólicos das células neoplásicas do g l i o b l a s t o m a
2o L C T e a cápsula que o c i r c u n s c r e v e
3. A o contrário do que ocorre nos
glioblastomas, nos astrocitomas as paredes dos cistos dificultam as trocas
entre o sangue e o L C T , prejudicando a passagem de proteínas de pêso
molecular elevado, porque sua estrutura é uniforme, sendo representada
quase que sòmente pelos elementos celulares de origem ctoblástica que
ca-racterizam o tumor. A l é m disso, nos astrocitomas a rêde vascular é pobre
e freqüentemente ocorre espessamento das paredes dos vasos por
prolifera-ção endotelial, fatôres que t a m b é m dificultam as trocas entre o sangue
e o L C T .
R E S U M O
F o r a m analisados os perfis eletroforéticos das proteínas dos líquidos
contidos em cistos de astrocitoma (13 casos) e de glioblastoma multiforme
(10 casos), sendo os resultados comparados àqueles obtidos nos líquidos
de cistos de craniofariogeoma (7 casos) e de coleções subdurais de origem
inflamatória (12 casos). Considerando a participação da albumina no perfil
protêico eqüivalente à unidade, foi calculada a participação de cada
globu-lina segundo os grupos de casos.
E m relação aos dados obtidos para as coleções subdurais, foi verificado
que nos L C T de glioblastomas multiformes era maior a participação da
globulina g a m a , comparável à encontrada no L C T de craniofaringeomas e
que, nos L C T de astrocitomas, era menor a participação das globulinas
alfa-1 e alfa-2. E s t a ú l t i m a verificação se mostrou a l t a m e n t e significativa
quando comparada à participação dessas globulinas no L C T de astrocitomas
e de glioblastomas.
O s dados obtidos foram discutidos, permitindo atribuir as diferenças
encontradas especialmente a fatôres locais, relacionados à diferente
cons-tituição das paredes dos cistos nos astrocitomas e nos glioblastomas
multi-formes.
S U M M A R Y
Comparative study of protein fractions from cyst fluids of astrocytoma
and glioblastoma multiforme
T h e protein fractions were studied b y paper electrophoresis and t h e results a r e presented in table 1. T h e participation of e a c h globulin fraction w a s c a l c u l a t e d a n d t h e unit for comparison w a s t h e percent v a l u e of t h e a l b u m i n fraction for e a c h given c a s e a n d the m e a n v a l u e s and t h e i r s t a n d a r d deviations a r e presented in t a b l e 2.
T h e d a t a were discussed and it w a s possible to show t h a t t h e differences found are m o r e able t o be explained on t h e basis of t h e conditions in w h i c h t h e protein e x c h a n g e s b e t w e e n blood and cyst fluid o c c u r possibly related t o the s t r u c t u r a l c h a r a c t e r i s t i c s of t h e w a l l of the cysts.
R E F E R Ê N C I A S
1. C U M I N G S , J . N . — T h e e x a m i n a t i o n of t h e cerebrospinal fluid a n d cerebral cyst fluid by paper strip electrophoresis. J . N e u r o l . , N e u r o s u r g . a. P s y c h i a t . 16: 152-157, 1953. 2. G A R D N E R , W . J . ; C O L L I S J r . , J . S. & L E W I S , L . A . — C y s t i c b r a i n t u m o r s a n d t h e blood b r a i n barrier. A r c h . N e u r o l . ( C h i c a g o ) 8:291-295, 1963. 3. K E R N O H A N , J . W . & S A Y R E , G . P . — T u m o r s of t h e c e n t r a l n e r v o u s system. A r m e d F o r c e s I n s t i t u t e of P a t h o l o g y , W a s h i n g t o n , 1952. 4. S P I N A - F R A N C A , A . — Eletroforese e m papel d a s proteínas d e líquidos císticos de t u m o r e s do sistema nervoso c e n t r a l . A r q . N e u r o P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 16:193200, 1958. 5. S P I N A F R A N -C A , A . — Eletroforese d a s proteínas do l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o : t é c n i c a . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 16:236-242, 1958. 6. S Z L I W O W S K I , H . B . & C U M I N G S , J . N . — T h e d i a g n o s t i c v a l u e of c h e m i c a l e x a m i n a t i o n of cerebral cyst fluids. B r a i n 84:204-211, 1961.