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Corpo e cultura: um estudo sbre a arte do grupo Dzi Croquettes

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Academic year: 2017

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Ricardo Emilio de Toledo

Corpo e cultura: um estudo sobre a arte

do grupo “Dzi Croquettes”

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Corpo e cultura: um estudo sobre a arte do grupo “Dzi Croquettes”

Orientador:Romualdo Dias

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de bacharel em Educação Física.

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Agradeço ao meu orientador pelo apoio no percurso da pesquisa, aos amigos,

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“Na oração que desaterra... aterra, Quer Deus que a quem está o cuidado... dado Pregue que a vida é emprestado... estado, Mistérios mil que desenterra... enterra.

Quem não cuida de si que é terra... erra, Que o alto Rei por afamado... amado E quem lhe assiste ao desvelado... lado Da morte ao ar não desaferra... aferra.

Quem do mundo a mortal loucura... cura, À vontade de Deus sagrada... agrada Firmar-lhe a vida em atadura... dura.

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Nesta pesquisa apresentamos resultados de nossas análises das concepções de “corpo” e “movimento” presentes na experiência do Grupo “Dzi Croquettes”, Brasil, década de 1970. Ao estudar esta experiência perguntamos o que podemos compreender sobre o funcionamento de dispositivos de poder que operam na captura da capacidade de criação, bem como, o que podemos inventar como formas de resistência no contexto do capitalismo neoliberal. Delimitamos nosso objeto de estudo na experiência artística do Grupo “Dzi Croquettes” para analisar as implicações entre política e corpo, identificando aí um território estabelecido pelas fronteiras entre o desejo e o poder. Estudamos as relações entre corpo e cultura apoiados na hipótese de que os processos de subjetivação estão implicados, de um modo mais intenso, nos processos educacionais na sociedade contemporânea, e que ambos se produzem na materialidade da cultura. Através da “cartografia” desenhamos os territórios existenciais emergentes na experiência artística delimitada, em um contexto específico da sociedade brasileira, para ampliarmos nossas reflexões e compreendermos os dispositivos de captura e de controle impostos sobre nós. Apoiamos nossas análises em categorias estabelecidas a partir do pensamento de Nietzsche, bem como das elaborações de Michel Foucault sobre “biopolítica” e “biopoder”.

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2. CAPITULO I...12

2.1 – Os Dzi Croquettes e a sua história...12

2.2 – A arte dos Dzi Croquettes: Teatro, Dança e Musica...20

2.3 – O contágio dos Dzis...30

3. CAPITULOII...34

3.1.Principio DionisÍaco...34

3.2. Tresvaloração dos Valores...43

3.3. Uno Primordial...52

4. CAPITULO III...59

4.1. Plano de imanência, uma analise de como o grupo pensa por conceitos...60

4.2. Plano de coordenadas, uma analise de como o grupo pensa a ciência:...69

4.3. Plano de composição: Uma analise de como o grupo pensa por sensações...77

5. CONCLUSÃO...86

6. Referencias...90

7. Anexos...96

7.1 Anexo A...95

7.2 Anexo B...96

7.3 Anexo C...97

7.4 Anexo D...98

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Introdução:

“O deserto cresce: ai daqueles que abriga desertos! Pedra range na pedra, o deserto engole e estrangula. A imensa morte observa, parda e incandescente, E mastiga – seu mastigar é sua vida...” (Nietzsche)

“Você fez de mim uma hipócrita Você fez de mim uma cínica Você fez de mim uma mulher sem lar Ah! Uma malvada Por isso eu sou vingativa, vingativa, vingativa Por isso eu sou vingativa, tenho até asco de você”.

(Wagner Ribeiro de Souza)

Desenvolvemos um estudo preocupados com os dispositivos de captura, presentes em uma dada dinâmica do poder, esta que se faz presente, no nosso momento, a partir da combinação entre a ditadura do mercado capitalista neoliberal e a tirania da estupidez. Sofremos com este contexto por identificar nele o deserto e a morte que mastiga a nossa vida, tal como Nietzsche nos fez pensar. Agregamos a este sentimento o enfraquecimento imposto aos nossos corpos quando somos tomados de muito ressentimento e nos deixamos abater pelo espírito vingativo, como nos alertou Wagner Ribeiro de Souza.

Durante a ditatura militar no Brasil, com a promulgação do Ato Inconstitucional No. 5, o recrudescimento do regime político determinou a conduta da oposição ao governo que se dava, entre diversos modos, por meio da luta armada e dos movimentos culturais. Nesse contexto surge um grupo de artista: “Dzi Croquettes”. O termo “Dzi” refere-se ao artigo “the” vindo do inglês. Já o nome “croquettes” surgiu em conversa em um bar da Lapa (Rio de Janeiro), em 1972, onde Wagner Ribeiro, Bayard Tonelli, Reginaldo de Poly e Benedictus Lacerda discutiam a necessidade de criar algo que expressasse as suas inquietações de artistas. Ao adotarem este termo, já indicavam, como um ponto de partida, a importância de enfatizar que somos feitos de carne. Há aí um sinal de quebra de qualquer desvio operado por fórmulas de idealização do humano. Não há nada ideal a defender quando se trata de nossa própria matéria. A afirmação de nosso corpo, na intensa precariedade da carne, já pauta uma opção política. Deste modo, observamos como o ato de nomear nos oferece, prontamente, uma chave de leitura.

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peça, além de justificar o nome “croquettes”, nesta afirmação da nossa matéria feita de carne, indicava algo relacionado a uma submissão aos dispositivos de controle atuantes em nossa sociedade. Sutilmente, faziam uma denúncia sobre a impossibilidade do fortalecimento de movimentos de criação, em qualquer esfera por onde transitamos, quando estamos todos submetidos a fortes mecanismos de controle, criados como recursos de interdição da expansão da vida. Estamos todos no mesmo barco, padecemos deste mesmo sofrimento.

Inicialmente os “Dzi” utilizavam de “boites” para fazer, seus ensaios e apresentações ao público. A entrada de novos membros no grupo se dava por convite. Uma das pessoas convidadas foi Leonardo Laponzina, conhecido como Lennie Dale, um artista norte americano, dançarino, coreografo, cantor e compositor. Após a entrada de Lennie Dale, o grupo intensificou seu profissionalismo, principalmente no aprimoramento das técnicas de dança. As apresentações em “boites” atraíram grande público, ficando sempre lotadas. Isto os obrigou a ir para os palcos dos teatros. Este deslocamento nos indica o quanto um movimento produz acontecimento, em uma dinâmica tal, em que um implica o outro, em ritmo infindável. A arte do Grupo “Dzi Croquettes” se mostrou como um acontecimento suficientemente forte para oferecer aos espectadores o ponto de desencadeamento do movimento em cada um. Isto se desdobra na multiplicação dos acontecimentos, não mais daquele grupo de artista, mas no artista presente nos indivíduos.

A estreia aconteceu em São Paulo, em maio de 1973, no Teatro Treze de Maio, com a peça: “Andróginos: gente computada como você”. No inicio de 74 os “Dzi” estrearam no Rio de Janeiro no Teatro da Praia. O grupo contava com 13 participantes sendo eles: Wagner Ribeiro de Souza, Lennie Dale, Claudio Gaya, Claudio Tovar, Ciro Barcelos, Reginaldo de Poli, Bayard Tonelli, Rogério de Poli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlos Machado, Eloy Simões e Roberto de Rodrigues. No Rio de Janeiro, a peça passou a se chamar “Dzi Familia Croquettes” e foi apresentada com algumas modificações.

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governo naquela ocasião? Como apoiar um grupo de artistas que está rotulado por posturas dogmáticas como um bando de drogados e alienados? Qualquer rótulo, vindo dos militares ou vindo dos militantes de esquerda, não apreendia outra revolução, aquela que se fazia no âmbito da micropolítica, desencadeada na fronteira entre o poder e o desejo.

Neste clima desconfortável causado pela censura, após receberem um convite de Liza Minelli, os “Dzi” viajaram para a Europa, com duas toneladas de cenário e figurino. Contavam apenas com o dinheiro das passagens. O período na Europa teve um início bastante difícil, pois a imprensa europeia boicotava a divulgação, causando dificuldades para a aceitação. Talvez a chegada do grupo em Paris tenha provocado problemas para um clima ainda marcado pelos movimentos de maio de 68. Como um grupo de artistas, vindo da periferia do mundo, pode nos apresentar uma arte, com a força do intempestivo? Será que esta presença do “Dzi Croquettes” não estava colocando em cheque, sem ter consciência disso, sobre a aparência do movimento de maio de 68? Será que os ares de mudanças, respirados no centro da Europa, já não estavam contaminados pelos elementos de dogma de autoritarismo? Mas, quem são esses artistas? Eles vieram da periferia e não são competentes para colocar o dedo na ferida de um movimento tão promulgado como inovador. Só podiam ser boicotados mesmo!

Após conseguirem algumas apresentações por Portugal, Itália e França os “Dzi” vêem seu grande salto em 1975. Por meio do apoio da cantora Josephine Backer o grupo passou a se apresentar no Teatro Bobino, na Itália.

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O trabalho realizado nos palcos, fora para a época portadores de grande ineditismo, feito pela mistura de música, teatro e dança. Era difícil encontrar alguém que não gostasse.

A trilha sonora era utilizada para dar fluxo ao espetáculo. A música definia a entrada e saída de alguns personagens e a mudança de cenário. Algumas músicas eram compostas pelo Wagner, outras apenas interpretadas e algumas utilizadas em playback. A dança exibia a profissionalização dos “Dzi”, sob o comando de Lennie Dale. O grupo dava bastante ênfase na limpeza coreográfica, construía as suas evoluções com todos os dançarinos realizando movimentos das mais variadas formas. Havia muitas mudanças de posições durante a coreografia. Assim faziam na intenção de mostrar ou provocar o público com a “bagunça” promovida em alguns momentos no palco. O teatro era o referencial do grupo, baseado no rico texto criado por Wagner. Os integrantes utilizavam muito a criatividade para interferir no texto original, pois durante a peça era comum algum “Dzi” mudar um pouco o texto, acrescentar coisas novas. Era a forma de cada integrante interagir com o texto, tornando-o assim cada vez mais rico e flexível.

Outro ponto que diferenciava o grupo era o cenário e o figurino, com algo bastante vivo, uma mistura de universos, com planetas, com o mundo, com os costumes, com os objetos. Os materiais eram espalhados por todo o teatro, dando a impressão de que o ambiente fosse o universo “Dzi Croquettes”. O figurino era o que mais chamava a atenção da platéia, pois misturava roupas masculinas com roupas femininas. Os atores se divertiam com seus trajes, tinham o direito de livre escolha, com roupas confeccionadas, outras remendadas e modificadas. Deste modo ocorria uma identidade do ator com o figurino. Outro ponto também importante era a maquiagem, com o uso de cores, da purpurina e com cílios abusados sem problema algum. Todos se maquiavam da maneira como queriam, expressando a identidade do ator.

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1 - Capitulo I:

1.1 – O Movimento “Dzi Croquettes”

“Pare, repare Cite, recitar Salve, ressalve Volte, revolte Trate, retrate Vele, revele Toque, retoque Prove, reprovar clame, reclame Negue, renegue Salte, ressalte Bata, rebata Fira, refira Quebre, requebre Mexa, remexa Bole, rebole Volva, revolva Corra, recorra Mate, Remate Morra, renasça Morra, renasça Morra, renasça”

(Caetano Veloso e Pedro Novis)

Um momento marcante e manchado da história brasileira fora o período em que ocorreu no país o regime totalitário militar, que tomou partida no ano de 1964 e só foi cruzar com o fim em 1985. O medo do mal estar gerado pelas idéias comunistas assolava a espinha de qualquer militar da época e, em uma ação completamente arisca se puseram a rosnar, igual se faz o cão acuado diante a ameaça. Com este grande rosnado, conseguiram incitar o medo diante a uma marola que atravessara todo o oceano e viera repousar quente nos territórios brasileiro. Tal calor desafiava grandemente os ventos cortantes e selvagens que os norte americanos lançavam por toda a America Latina;

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e para os demais pássaros que ousavam voar sobre as nuvens não era permitido o canto, e muitas vezes se quer pousar em suas terras nativas.

O segundo passo foi impor a troca de personagens, as coleiras não serviriam mais aos cães e seriam distribuídas ao povo, e de casa em casa foi entregue a todos os residentes uma coleira anti-pulga com uma moeda pendurada gravada com seu nome, e assim se colocava o povo dentro do curral, vigiados pelos fieis cães pastores. Os uivos que provinham da pedra alta criaram um ambiente ensurdecedor, nada se ouvia a não ser os cânticos dos lobos, qualquer miado vindo do mais inofensivo gato, já era captado pelos bons ouvidos caninos e se tornava uma brutal perseguição.

Essa poeira levantada no território brasileiro pelo “bater dos tapetes dos norte americanos”, paralisava o movimento daqueles que não tinham seus estômagos embrulhados pelo fétido odor do pó presente no ar, e aqueles que tinham seus estômagos embrulhados, se contorciam, se mutilavam, se auto consumiam, e sedentos pela vida foram buscar os ares úmidos presente no território da arte.

Este campo que exala um doce perfume, fora convidativo ao um jovem artista que tinha suas raízes no interior de São Paulo, e do mesmo modo que uma flor é uma prato adocicado para as abelhas, Wagner Ribeiro embebedou-se das nuances que a arte carrega consigo. Chegara ao Rio de Janeiro para estudar medicina e filosofia, o que pretendia este jovem ao cursar os dois cursos? Queria este unir as possibilidades que a medicina oferece para o corpo junto às perguntas que por hora a filosofia o lança? Passaram-se dois anos para que Wagner largasse os cursos e optasse por experimentar a Escola de Belas Artes e o Conservatório Nacional, neste ponto com 38 anos e se sapecando para administrar sua boutique, Wagner fazia da sua casa em Santa Tereza, um verdadeiro palco de apresentações, e com força coletiva, Wagner e seus amigos degustavam todo o pólen da flor da vida e o transformavam em um puro mel artístico.

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intensos apresentam, os quatros lançaram os olhares para o prato de salgadinhos que estavam comento junto às garrafas de cerveja, e ao provar um croquete, um deles se entregou a espontaneidade e fez se dela uma idéia para figurar o nome do grupo, Croquettes, pois é feito de carne como nós, a idéia não só condizia com o texto como também potencializava todo o processo antropofágico que se expressava latente no texto. A proposta foi aceita unanimemente pelos companheiros. Um outro por gostar do pronome “the” da língua inglesa, ousou em sugerir que o som da pronuncia fosse o pronome que viria ante de croquettes, e na euforia do encontro o termo “Dzi” foi criado, então agora o movimento que estes quatro amigos geraram ganhava um nome: “Dzi Croquettes”.

Os encontros seriam na casa de Wagner em Santa Tereza, que a muito tempo já vinha sendo usada com esse intuito. Outros amigos que freqüentavam a casa eram logo abraçados pelos fortes e delicados braços dzi, e assim os Dzi Croquettes iam acrescentando ao seu grupo Claudio Gaya, Paulo Bacellar, Rogério de Polly, Ciro Barcelos e Roberto Rodrigues.

Com um ineditismo exacerbado, as cores tomaram conta do universo desses 8 jovens que agora compunham em grupo, lançando no globo a purpurina os Dzi Croquettes misturavam tons em suas maquiagens que faziam suas faces parecerem telas de pinturas de um portentoso pintor, aquelas imensas cerdas que serravam as pálpebras deixava mais volumoso o brilho do olhar desses errantes artistas. As perucas, que continham penteados que só poderiam provir dos cortes de um saudoso cabeleleiro davam ao espírito a possibilidade de transitar sem muros os universos mais obscuros dos desejos, as vestes que se turbilhavam num mar de infinitas possibilidades apresentavam uma harmoniosa sintonia entre espartilhos, sapatos, chapéus, paletós, boás, meiões, meias calças, sandálias, sutiãs, óculos e qualquer outro acessório que despertasse o interesse de seu usuário.

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poder que contem o corpo, tal força junto a arte lança o corpo a composição, e neste estado libertino ele goza em vida, se recriando a todo instante sob sua criação.

. Todo esse universo representava um potencial sintomático que florescia diante da imensa epidemia que se originara em Santa Tereza. Este movimento, riquíssimo e completamente potente, ganhava espaço nos subúrbios das ruas cariocas, a possibilidade de se embebedar com o licor do cabaré era o que incitava o interesse do publico e também era um espaço que condiziam com todo esse rebuliço artístico. Lá os dzis se apresentavam, ou melhor se acendiam, o palco era demasiado pequeno para suportar todo o peso criativo contido neles, cada um se dispunha pelo espaço, entre as mesas, sobre os lustres, nos degraus da escada. O publico ficava cercado pelo viril universo destes jovens, a primeira apresentação se deu no cabaret Pujol, na Lapa. Tal apresentação recebeu uma coluna no jornal carioca “Correio da Manhã” a qual o redator Orlando Senna teceu inúmeros elogios como mostra o anexo A.

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caminhava malandramente nas ruas cariocas. Lennie era visto positivamente pela mídia e recebia inúmeras reportagens como mostra o recorte do jornal carioca “Diário da Noite” de 15 de abril de 1974, anexo B.

Não é de se espantar que o contorcimento do solitário viajante fosse dialogar virilmente com aquele grupo que também se contorcia. Lennie fora apresentado a Wagner por intermédio de Ciro Barcelos, o casamento desses dois espíritos foi algo estrondoso, como se tivessem acrescentado mil dinamites a um arsenal já potencialmente armado. A explosão dessas mil dinamites geraria um arrasto imenso, ampliando os horizontes técnicos. As expressões do grupo muniram-se de uma melhor linguagem, um refinamento na conversa com o publico que só seria possível através de uma boa composição técnica. Lennie navegou pela cabeça desses jovens e conseguiu inserir no grupo uma pauleira bateria de ensaios, que percorriam dez horas diárias dispostas em aulas de danças, técnicas de palco e tudo mais que o viajante trouxera em sua bagagem de corpo.

Em uma das apresentações do grupo nas boites, havia um jovem que vinha acompanhando sutilmente os dzis, alguns integrantes faziam parte de seu circulo de amizade, o jovem também artista se sentia vivo por ver todo aquele universo potente dialogando com suas inquietações, que já muito intensas começavam a lançar para fora de seu corpo fagulhas, e como uma criança serelepe sentada no banco da igreja, o jovem se estremecia no seu lugar, se controlava para não invadir a peça e passar a compor junto aos dzis.

Tamanho era o rebuliço, o movimento e o brilho, que Claudio Tovar no outro dia antes da apresentação, preencheu seus pulmões de purpurina na tentativa de encher-se de coragem e invadiu o camarim da boite, e disse que queria entrar. Ao ouvir o pedido o grupo todo se ouriçou, houveram gritos e algumas vozes em tom fino. O que eles não entenderam era que o jovem queria entrar ali e agora na peça, e assim o fez, jogou a magia dzi no corpo, fez a maquiagem, botou umas roupas e foi ao palco, ficar em algum canto. No inicio Claudio T. compunha a peça no todo, vestia-se de seu modo e interagia como possível e, entrando neste balanço do barco, logo já era um dos filhos da família “Dzi Croquettes”.

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dzis recebiam mais um integrante, Carlinhos Machado, que dançara anos atrás com Lennie, que após sua turnê na Europa com o grupo “Folklorico Brasiliana” estava de volta ao Brasil. Também motivado pela explosão Benedictus Lacerda resolve voltar para o grupo, ele que no inicio também participara, por um pequeno período.

As boites lotadas aumentavam o chamado eminente que ocorria ao pé do ouvido do grupo, a semente que germinara nos becos do cabaret carioca começara a infiltrar suas raízes no teatro. Com as raízes firmadas no solo teatral, os dzis lançaram-se para São Paulo com o nome da peça modificado para: “Andróginos: Gente computada como você”. Numa ação estratégica, o grupo com suas economias cria uma empresa, o “Grupo Treze”, a qual administraria toda a peça, reservando parte do dinheiro como nutriente para o espetáculo, e o restante dividido igualmente na forma de salários que reconhecessem o trabalho dos artistas. Com a forte campanha publicitária gerada pelo “Grupo Treze”, as cadeiras do teatro treze de maio ficaram inteiramente lotadas.

No mês de maio de 1973, os dzis dão seu primeiro passo sobre o palco. Imponentes e viris, o grupo embebedou a platéia, o choque causado ao tamanho ineditismo logo se esvaece permitindo o expectador mergulhar por todo aquele universo cênico. Nas laterais e ao centro, tapetes coloridos compunham com pôsteres da figura do andrógino, ao teto havia um luminoso escrito Dzi Croquette que faiscavam os olhos. Dois rostos imensos rompiam com o horizonte, representando o sol e a lua, figurinos e objetos como cabides, boás, cadeiras e araras davam o toque final ao cenário.

Preso neste universo o paulista Eloy Simões passa a fazer parte do grupo, com o papel de camareira, ele entrava e saia em algumas cenas trazendo alguns objetos, como também continha aparições em cenas apoteóticas. De um modo irreverente a nova aquisição condizia com todo o movimento que se encontrava o grupo. Eloy em suas aparições jamais passaria por despercebido, munido de uma incrível presença de palco, fora ganhando mais papeis na peça e entrando de vez para a família.

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Os artistas mergulhados em um oceano tão emancipatório que a criação era o tempero quente que fez deles se tornarem uma família: “Dzi Família Croquettes”. Est e era o novo nome da peça que iria estrear no Teatro da Praia em fevereiro de 1974.Assim como faziam na casa do Wagner em Santa Tereza, foi alugada uma casa para todos os dzis morarem, a qual de lá se exalava o doce perfume da vida. Inclinados a criação, os artistas faziam da casa um ateliê. Wagner enaltecido pela “fumaça da natureza” saia pelos corredores dando berros de seus potentes espasmos criativos, Gaya que percebia a força do companheiro se punha a anotar tudo que pudesse brotar daquele rico momento. Alguns espasmos eram demasiadamente bons, e por muitas vezes acabava entrando no script da peça. Com o universo dzi pairando no cotidiano, o grupo vai potente e confiante se apresentar novamente para o Rio de Janeiro.

Os braços do publico carioca fora tão acolhedor quanto os de São Paulo, os lugares no teatro se esgotava todas as noites. Tamanho era o estranhamento, que muitos chegaram a assistir a peça seguida vezes, a procurar sentido nos diversos símbolos presentes, a peça se tornava uma pulga atrás da orelha de qualquer espectador. Muitos ao final da apresentação aguardavam eufóricos a saída dos artistas, que compreensivelmente se dispunham a dar a atenção que fosse possível. O mais marcante era quando Wagner poetizava sobre o amor, com uma energia cativante conseguia penetrar nos sentidos, dizia ele que só o amor constrói.

Toda a avalanche que os dzis proporcionavam no contexto carioca, saudou não só os olhares dos militares como também os dos militantes de esquerda, que encaixavam o grupo como um bando de jovens drogados e alienados. Por parte do governo não sabia se ao certo o que os dzis representavam, sabiam que algo potente continha o grupo, deste modo foram alfinetar a presença do nu no espetáculo como algo que ofendesse a moral. Achado o pressuposto necessário, a peça foi censurada por um mês, e seu fim foi marcado pela conversa que um dos integrantes teve com um dos coronéis militares da censura, a qual o show foi liberado sobe a medida de que as vestimentas fossem aumentadas.

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momento deste grande passo fora bastante difícil, a imprensa incentivava uma espécie de boicote com a peça e por outro lado os teatros já tinham suas agendas lotadas, obrigando-os a ter estadias curtas em países como Portugal, Itália e França. Em 1975 o Teatro Bonbino, na Itália, contempla uma triste história, a morte da cantora Josephine Backer, e a pedido da própria cantora os Dzi Croquettes são convidados a se apresentarem no Teatro Bonbino, este é o grande salto dos dzis no território europeu. Como no Brasil, todas as noites os lugares se esgotavam, pessoas de grande influencia na comunidade européia prestigiavam o grupo. Foi neste momento que o grupo fora apadrinhado pela cantora Liza Minelli.

A aceitação foi possível pela imensa versatilidade que continha o grupo, diversos integrantes falavam mais de duas línguas. E sobre o palco ocorria uma mesclagem de francês com inglês, de português com francês, enriquecendo mais ainda peça. O sucesso despertara em diversos teatros e companhias o interesse em agenciar o grupo. Na volta das férias em 1976 com nada muito concreto e admirável na Europa, os dzs sentem-se saudosos a voltar para o Brasil. Já em terras nativas contam com o apoio de Veras, que lhes oferece sua fazenda na Bahia como a estadia para o grupo.

O apimentado clima baiano esquentava as entranhas do grupo, que por sua vez apresentava-se bastante saturado pelos furacões que percorriam junto ao grupo, o reflexo se dava em desentendimentos casuais. Novos trabalhos também pairavam sobre as cabeças dos artistas. Neste borbulhar de mistas sensações o grupo consegue uma apresentação no Festival de Verão de Salvador, tal festival atuaria como a gota transbordante, fazendo Lennie Dale, Ciro Barcelos, Benedictus Lacerda e Carlinhos Machado se desligarem do grupo.

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2.1 – A Arte, o Teatro e a Dança do Grupo “Dzi Croquettes”

I'm burning through the sky Yeah! Two hundred degrees That's why they call me Mister Fahrenheit I'm traveling at the speed of light I wanna make a supersonic man out of you

I'm a rocket ship on my way to Mars On a collision course I am a satellite I'm out of control I am a sex machine ready to reload Like an atom bomb about to Oh oh oh oh oh explode

I'm burning through the sky Yeah! Two hundred degrees That's why they call me Mister Fahrenheit I'm traveling at the speed of light I wanna make a supersonic woman of you

Don't stop me don't stop me Don't stop me hey hey hey! Don't stop me don't stop me ooh ooh ooh (I like it)

(Freddie Mercury)

O brilho nos palcos provinha de uma ótima interligação que a peça fazia com os três ricos eixos da arte, a música, o teatro e a dança. Este imenso ménage artístico reunia todos os pedaços da arte e a montava como um todo, numa perspectiva ancestral da própria arte. O grupo fizera ressuscitar os primórdios férteis da arte e a colocava a procriar junto a todos seus contorcimentos. Tal interação criava algo vivo e pulsante, que recebe vida dos intensos golpes que a vida lança no que puseram a embebedar-se do prazer de se sentirem vivos. Longe de serem pegos por uma ressaca, cada gole no cálice da vida enfraquecia as barreiras que interditam o ser.

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corpos as fagulhas mais viris que este movimento provoca. A sensualidade da peça, atiça os desejos a se manifestarem por expressões de vontade no corpo. Este requebro que desafia e provoca o outro, excita-o a também querer compor. Neste encontro banhado pelo devir, as possibilidades se tornam infinitas e de intensidades singulares.

Compostos de uma multiplicidade imensurável, os dzis transpõem-se sobe as fortes representações que sufocam o individuo. Neste cenário infértil da relação com o mundo, a arte dá seu grito de socorro ao desmantelamento da vida, dialogasse nas expressões todas as inquietações que apunhalam o corpo, o movimento discursa sobre o mundo o sofrimento da carne. O individuo não mais representa, ele atua virilmente, norteado pela densa multiplicidade presente no mundo. Entregue ao intempestivo o corpo que goza diante seu contorcimento abrirá espaço para a entrada do outro. Agora o solitário cria em grupo, a vibração individual nutre o movimento da massa, os corpos se chocam e deles brotam lhe a flor da vida. Esta mutua orgia criativa era o que fazia o corpo dos jovens dzis, a este plano de composição tinha-se a criação ao seu modo libertino.

Os espasmos artísticos que confrontavam fortemente a interdição da vida levaram os dzis a uma transposição dos valores. Na cena inicial do espetáculo, três personagens questionavam o publico se eles teriam vindo para um show de homens, em seguida perguntavam se talvez por um show de mulheres, em resposta um dos integrantes de maneira ávida afirma que a peça era um outro papo, neste momento outro ator acrescenta: Exato, um show de gente. E apontando para a platéia conclui: Gente computada como você. Nesta diferenciação entre show de homem ou de mulher surge o andrógino. Há quem pense que o andrógino seja a presença do feminino em um corpo masculino ou vice versa, falamos aqui de um andrógino muito antes da diferenciação, onde o masculino e o feminino estavam juntos antes mesmos de serem divididos.

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duas forças realizam geram para o corpo afectos valiosos que ele carregara pra si, e uma vez que o artista experimenta dessa guerra ele passa a ter a liberdade em sua composição, é permitido para o corpo que sua força seja delicada ou que sua delicadeza seja forte. Para o individuo que vê em seu corpo a entrega do feminino e do masculino nada mais pode esperar com este retorno a não ser a criação.

Este estado criativo é permeado pela vida que se apresenta na presença destas duas forças, agora o homem cria e se recria. Os dzis caminham como deus, eles agora criam, suas feriadas foram cutucadas pela arte, o corpo vibra sobre os primórdios da vida, a volta do masculino com o feminino para o corpo os tornam potentes no enfrentamento da estagnação da vida. Sua arte, as formas, o nu, as vestimentas ascendem os integrante, eles gozam com a arte e a vida goza com eles. A potente força artística do grupo, relacionada a superação do artista, nada pode ser entendida como evolução, e sim como um regresso a tragédia. Um regresso a uma ancestralidade artística que se compunha com o sofrimento e a dor do existir. Neste desmantelamento existencial só resta ao individuo entregar-se a um jovial anseio pela vida, que só se condiz na presença da arte.

O imenso leque de possibilidades que apresentava o figurino vai alem de uma visão simplista, da caracterização do andrógino. Atuante no território micro-político, o figurino, visto como um agregador de símbolos ao corpo, grava figuras pontuais da criação artística, fornecendo para uma analise, os aspectos pertinentes que assumem o corpo diante a uma poderosa conjuntura criativa. O nudismo, também se encaixa para esta analise. A ausência de vestimenta vai denunciar ainda mais o corpo, explicitando o movimento como o figurino que toma o corpo quando o mesmo se encontra jogado ao intensivo e intempestivo.

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Decorrente de tamanho turbilhão, os dzis precisariam ainda achar um caminho, um modo, que tornassem possíveis e expressáveis essas forças atuantes. Ao passo que o corpo acumulava, como uma bateria, toda essa energia, precisaria de um fio condutor para ligar a energia ao movimento. Deste modo as técnicas artísticas desempenhariam este papel.

O texto apresentado por Wagner no inicio, já apresentara um rigor técnico teatral enorme. O teatro vivo, o sem quarta parede, o do dia à dia, se tornara a estratégia usada para que cada integrante pudesse compor com o texto, tornando-o a cada modificação, mais rico e flexível. Esta abertura, transcorria e estimulava os processos criativos dos atores, trazendo as peculiaridades do cotidiano para a peça, conseguiam os dzis, trazer a vida para o palco. Tamanha eram tais modificações, que seus expectadores diziam que cada apresentação era um novo espetáculo, tal afirmativa vai confirmar o trabalho de se fazer da vida uma obra de arte. A peça era reflexo da enorme metamorfose que passavam os atores, que usando da expressão teatral conseguiam romper com os critérios tão quadrados que o teatro usava nesta época repressora. Para uma auto-defesa da arte conservadora, aquela que edifica o belo, um termo fora criado para rotular a atitude artística do grupo, o besteirol. Uma vez que o estranhamento bate a porta dos valores, a imobilidade se encarrega de prescrever uma rotulação, deste modo todo o mal estar diante ao estranhamento se esvai e dá lugar para uma cômoda alienação, o novo quando rotulado deixa de estremecer o corpo, é catalogado superficialmente, e blinda o sujeito da potente força que o estranhamento oferece.

Na premissa de que o individuo que fumava um baseado se punha a falar besteiras, temos a primeira rotulação ao ato de fumar a “erva do diabo”, este estado de embriagues, por sua vez era demasiadamente condenado pelos costumes morais e artístico da época, levando o publico a estranhar tal “chapação”. Este primeiro rótulo indica fortemente o medo que se dá ao desconhecimento da embriagues, a possibilidade do intenso e do intempestivo em romper as correntes que interditam a vida, oferece um enorme risco para aqueles homens que não almejam o movimento. Em segundo está a rotulação do ato do individuo se por a falar “bobagem”. Apoiado na idéia de que a embriagues amedronta o homem imóvel, qualquer expressão provinda do corpo embriagado não é digna de apreciação se tornando um “besteirol”.

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acolhimento a platéia. Tendo o conhecimento da importância do publico, havia um reposicionamento de seus expectadores a um inédito terreno, onde encontravam-se juntos, a arte, o artista e o expectador. As técnicas apuradas do teatro, amparava o artista em suas criações e atuações, gerando um sentimento de segurança com a arte. O sujeito que encontra na arte o amparo para seu estribuchamento, não mais teme a representação, ele não mais necessita dela, seu corpo compõem com o sofrimento e a arte já se encarrega deste dialogo.

As musicas presentes no espetáculo também dispunham de técnica. Algumas preparadas como vinhetas, serviam de ornamento para a entrada ou saída de algum personagem da cena, preparando o publico para a atuação do ator. As dublagens de algumas musicas tornavam os atores dzis mais veementes. A presença de uma intensa sonoridade emocional lincada com uma honesta representação artística, lançava potencialmente a força primitiva e natural da musica, aquela que precipita com comovedora violência a harmonia. Essa sublime e potente expressão empenha-se em exteriorizar não só o artista como também quem o contempla. Esse desencadeamento simbólico a qual exerce a musica excita o artista a um desprendimento de si mesmo, tirando-o de toda sua representação e fazendo ele mesmo ser a própria obra da musica. O artista se transfigura na forma da musica, as notas mais graves parece vir da contração do corpo em cena, a melodia é passada suavemente ao movimento, o corpo passa a ser a linha que vibra e dança com a musica.

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vida e a ânsia pelo movimento liberta o selvagem, o ferocidade do corpo lança-o violentamente contra tudo que o afastava da vida.

O exímio desempenho coreográfico presente nos dzis, que até hoje recebe elogios de quem o deslumbra, foi ser possível e concretizado através da presença de Lennie Dale. Com o conhecimento provindo de anos de prática, Lennie entendia a técnica como a ferramenta que muni o corpo a favor de sua interlocução com o mundo. Neste ponto a dança apresenta para o corpo um referencial teórico a ser seguido. Não é possível uma pirueta sem antes conjeturar todos os processos necessários para a execução, não se inicia uma dança sem antes desempenhar exercícios de alongamento e aquecimento.

Não se faz arte somente com a idéia é preciso que o corpo também participe, e este conhecimento pertencia ao Lennie. Provindo da escola americana de dança, via no suor, o combustível para o sucesso da execução. Apoiando sobre o trabalho prático de longas horas de treino, as quais se derramavam litros de suor, Lennie se referia ao quanto é dolorosa, custosa e penosa a guerra que se faz com a teoria, o quanto sofre o corpo para adquiri-la, o quanto de trabalho é preciso aplicar nele para que se impregne a técnica. Neste ponto de interpretação, o processo de aprendizagem se torna mais rico do que a própria técnica, a técnica quando buscada para auxiliar e potencializar a expressão artística possibilita que corpo adquira a teoria para sua necessidade de ampliação, impossibilitando que a técnica cerque o movimento e aprisione o corpo.

Os conhecimentos que tornam possível a execução da técnica, também faziam parte do repertório de Lennie, aspectos como flexibilidade, tônus muscular, força e ritmo compunham as aulas de dança. A extrema necessidade de tais capacidades físicas aprimora o corpo para uma melhor execução do movimento. Encaixes musculares facilitam a realização de piruetas, giros e salto, já a flexibilidade delineia melhor o movimento, dando uma melhor fluidez coreográfica. O aglutinamento de todas essas capacidade num único corpo, permite a exteriorização de fagulhas expressiva, ao modo que a técnica não é apenas um caminho do dialogo, sendo ela a própria intenção com que se põem a idéia. Tais conceitos permitiram que a técnica de dança sobre os dizs, não fosse ela por ela, e sim a técnica pela intenção.

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performance coreográfica só se faz possível através de muitos ensaios, nos fornecendo novamente a interpretação de que não se é possível traçar o caminho da técnica por atalhos. Um exemplo disso eram as variadas trocas de posições que aconteciam no palco, tal troca, regida por uma sensação confusa de bagunça, só era possível, sem gerar problemas, se antes tivesse sido ensaiada diversas vezes. Alguns comentários indicam que Lennie continha um chicote na mão quando colocava aqueles jovens para dançar. Sendo o chicote uma analogia ao quanto um processo de aprendizagem artística chicoteia o corpo.

Mesmo estando muito bem apoiados sobre os referencias teóricos da arte, haviam nos dzis um aspecto que escapava a técnica. Um tal movimento que se apresentava no corpo, onde nenhuma técnica de dança conseguia cercar, muito menos fraguimenta-la a uma maneira que fosse possível copiá-la. Tal dinâmica se apresentava na ressonância da arte batendo sobre o corpo, similar ao um suspiro, esta força se situava no campo das sensações. Estas sensações representam o desejo que o espírito tem pela vida, o corpo quando a experimenta se sente vivo, esta vitalidade o remete ao presente, o instante se perpetua na carne e finda o orgasmo do sujeito em sua orgia com a arte.

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desmantelamento, o movimento dá forma para o contorcimento. Esta sincera expressão ressoa em singela harmonia aos ouvidos daqueles que se embebedam da arte.

Se pode notar nas composições artísticas dos dzis um retorno do artista a sua origem, o degustar antropofágico que os artistas realizam com Brasil faz se tornar presente na peça aspectos riquíssimos da cultura brasileira, o carnaval, a festa, a miscigenação, todas essas características evidenciam a forte influencia que a sua origem realiza sobre o grupo. Neste ponto ressalto uma cultura do corpo que só está presente no Brasil, um certo gingado, uma “malemolência”, um “jeitinho” que só o verde e amarelo procria, falo aqui do malandro. Aquele personagem que se esquiva com suavidade das interdições da vida, aquele que tem o corpo sedutor e o olhar cortante, o que samba, com sapatos do sofrimento, sobre o palco da vida.

O dionisíaco se vestirá com as mascaras do malandro, os artistas em sua criação do andrógino perambulam com liberdade sobre o masculino e o feminino, seus corpos seduzem e cativam o expectador, a sensualidade é jorrada através do movimento. Regidos pelo espírito da malandragem, os movimentos artitiscos dos dzis continham uma forte efervescência, que permitia aos artistas atuarem com artimanhas perante a platéia. Esta artimanha esta na maneira como a peça conseguia tocar seu publico, de como o artista conseguia trazer o intenso de seu corpo para o intenso do corpo de quem o assistia.

Tais trocas de intensidades podem ser notadas por toda a apresentação da peça. A maneira como Lennie preenchia o palco, explicitava a força que transbordava de seu corpo, seus gingados o esquivava das amarras da vida, o êxtase estampado na cara era a sensação de seu gozo criativo. Também temos a maneira como Wagner conseguia prender a atenção da platéia como sinônimo dessa troca com o publico. Esbanjando presença de palco, este artista dialogava suas sensações com o expectador. E até mesmo os mais introvertidos como é o caso do Carlinhos Machado, não estava retido a estes espasmos. Onde em seu cotidiano se apresentava mais fechado, até mesmo mais calado, Carlinhos com o amparo da arte se engrandecia, preenchia o palco com suas sensações de maneira sublime e intensa. Os exemplos citados servem para demonstrar este processo do artista em unir suas expressão e sensações ao turbilhão que o grupo lhe oferecia.

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enfrentamento da caótica dos encontro. Tendo Deleuze traçado a filosofia, a ciência e a arte como caminhos para o enfrentamento, o grupo vai utilizar da filosofia para traçar um plano de imanência, operando o quanto eles pensam por conceitos. Neste viés é possível apresentar que as expressões artísticas do grupo continham uma enorme sede pela vida. Mas uma vida que possa ser digna de ser vivida, uma vida que se faça como obra de arte. Tal temática analisada faz querer recrutar um antigo escritor que evidenciara o nascimento da tragédia, Friedrich Nietzsche. O que Nietzsche expõem em suas obras tem muito o que dialogar com os espasmos presentes no grupo. Ouso dizer que tais constatações fornecidas por este filósofo também eram de conhecimento dos artistas, mas tais conhecimentos foram adquiridos através da arte. De um modo que sugira que o grupo pense o conceito de vida, quando buscamos encontrar seu plano de imanência.

Neste ponto as relações de sujeito e mundo se estremecem quando o grupo em suas criações incita a arte como forma de atravessamento do intempestivo no encontro do sujeito com o mundo. Wagner indagado sobre a luta armada respondia: Porque é que não se faz arte? O grupo evidenciava o amparo que esta fornece para a inquietude do corpo. O sujeito quando se deleita com a potencia da vida e pela arte tece seus movimentos, sente pairar sobre o corpo a multiplicidade do mundo presente, neste território ele transita extasiado, sacia a fome do corpo com o que a terra lhe o oferece. Das entranhas do homem brota-se a criação, sua força rompe com o risco da representação e com a arte desencadeia-se o movimento, o instante se perpetua na carne e do corpo aflora-se a imanência, o véu da representação se esvaece e o homem se torna artista da intensa e sofrível obra da vida.

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temos como objeto atuante o corpo, neste dialogo se justifica também o nome croquettes do grupo, onde a carne experimenta os paradigmas da vida e faz o corpo transbordar uma força viva e pulsante que anseia pelo movimento, expressão e criação.

Pelo trajeto da ciência, o enfrentamento vai atuar com um plano de coordenadas, de que maneira o grupo atua por funções. Por este caminho percorre-se toda a técnica do grupo pelas mãos de Lennie Dale. Neste atravessamento o artista descobre os limites do que pode o corpo nos territórios da biomecânica, da fisiologia, da anatomia, da aprendizagem motora e tudo mais que a biologia possa atuar no movimento. Este entendimento passa pela infinidade que se apresenta no corpo em seu estado criativo. As possibilidade que se abrem perante ao intensivo e intempestivo desencadeia um estribuchamento do artista, tal contorcimento realizado sem uma estratégia que ampare o corpo pode até mesmo feri-lo, tanto nas questões físicas, com acumulo de lezões, quanto numa questão mais subjetiva, onde a falta de um plano de coordenadas poda o corpo em suas possibilidades. A ciência quando tratada como uma plano de coordenada fornece ao artista técnicas e capacidades físicas que tornará o corpo forte para sustentar o peso que a vida deposita sobre ele.

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2.3 O contágio Dzi Croquettes.

“I want to break free I want to break free I want to break free from your lies You're so self satisfied I don't need you I've got to break free God knows, God knows I want to break free”

(Freddie Mercury)

Permitindo-se a este atravessamento aos encontros, o grupo consegue um forte poder de contágio. Semelhante ao poder contagiante de Dionísio com sua caravana, os dzis gozando em alegria faziam chover purpurina na cabeça de seu público. Com força selvagem a “epidemia” se alastrava por onde passasse o grupo. O que começou em um encontro marcado pelo devir de 4 amigos, que colocaram os sofrimentos e inquietações sob uma mesa de bar juntos aos copos de cerveja, se tornou uma quente epidemia, que aquecia os corpos num período tão congelante. Muito foi feito para que se barrasse essa infestação, atrelar esta manifestação artística e política ao movimento do “Gay Power” é como não querer estar de frente ao denso choque que o encontro com os “Dzi Croquette” provoca, é olhar para os diversos símbolos e sentidos da peça e não ver nada além, é estar imóvel para não perceber o movimento de vida que se inicia pela carne, ou como costumavam dizer aqueles jovens artistas de 70, no “Croquette”.

O que evidenciamos é o quanto de movimento produziu o grupo “Dzi Croquettes” além de todo seu trabalho no palco, o quanto de estribuchamento foi gerado no deleite do público com a imensa potência de vida que estava impregnada no grupo. O quão forte, em sua substância e sustentação, este movimento libertador da década de 70 se fez que conseguiu transpor os limites dos anos e desencadear até os dias de hoje a produção de um documentário, a recriação do espetáculo com novos bailarinos que consomem toda a magia do veterano “dzi” Ciro Barcelos, e até mesmo a nós, um jovem orientando e um experiente orientador, que viu nos “Dzi Croquettes” uma possibilidade de respirarmos ares quentes em nossa fria universidade.

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artista, aquele arquétipo que produz através da criação um movimento viril perante ao mundo. O caminhar de corpos que exalam a virilidade no movimento desloca aqueles que o admiram para apreciar do intenso no encontro com estes homens artista, neste campo de descoberta aqueles que vislumbram o contorcimento se inclina a degustar deste modo de operar sobre a vida, a qual se extravasa uma sofrível e alegre liberdade.

Tal analise nos serve para operar o pensamento sob esta multiplicidade de acontecimentos que se abriu diante ao acontecimento “Dzi Croquettes”, o que aqueles jovens artistas estavam apresentando era uma arte que rompia com a caótica dos encontros trazendo o intenso e o intempestivo para suas relações com o mundo e com o outro, sua plateia. A liberdade a qual os artistas se ascendiam no palco, adjunto as imensas possibilidades que se aflorava dos aspectos cênicos do andrógino, apresentavam um ruptura sob as garras que arranham o corpo em seu contorcimento, este modo de se fazer vida, de fazer arte, trazia para época um desbunde difícil de se classificar mas extasiante em se experimentar.

Esta dificuldade em classificar o fenômeno “Dzi Croquette” muito confronta os modelos de representação que engessam a arte, esta representação que tanto edifica o belo e poda o movimento não dava conta do tamanho rebuliço que gerava a arte do grupo. Longe de estarem representando, os dzis na verdade apresentavam, atuavam com a vida, tal era este o intenso que fazia trascender o expectador em sua cadeira. A vida como algo que não se representa e sim como algo que se expressa e que se movimenta. O chamado do dzi soou aos ouvidos daqueles que estavam desgastados por aquela paralisia que pouco produzia, que estavam cansados da representação de uma vida que não dá ao homem o poder de viver. Eis aonde a arte do grupo conseguia seu potencial de contágio, alastrava-se para além do palco uma possibilidade que despertava no individuo o artista que havia nele, disposto a procriar em si, junto a arte e suas relações, a vida que se encontrava latente em seu corpo.

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de serem cópias, esse grupo de pessoas muito mais se deleitavam com essa multiplicidade das veste e da maquiagem do que praticavam algum tipo de imitação. Muitos desses sujeitos não eram artistas em suas profissões, e talvez nem quisessem ser, o que os inclinavam ao potente movimento dos “dzis” era a experiência e possibilidade de se fazer da vida uma obra de arte.

Longe de serem taxados de fãs este grupo de pessoas ia além disso, eram considerados “tiêtes”, este termo surgiu através das brincadeiras criativas que os “Dzi Croquettes” faziam com o vocabulário, o próprio termos “dzi” vem desta brincadeira feita com o pronome “the” oriundo da língua inglesa. Tal modo sapeca de se brincar com as palavras modificou diversas delas, como também atribuiu outros sentidos a muitas outras. A palavra “tiete” surgiu para o grupo na medida em que eles precisavam criar um nome para este grupo de pessoas que além de acompanhar toda a agenda do grupo, se embriagava cada vez mais com ele. Nesta necessidade de nomear este grupo purpurinado de pessoas, os “dzis” tinham ouvido que uma tia de uma amiga deles chamava as pessoas que se interessam pela vida dos outros de “tietes”. Achando graça nisso tudo eles não hesitaram em chamar o grupo de contagiados de

“tiêtes”. Essa titulação foi recebida carinhosamente pelo grupo de seguidores, e logo o termo recebia diversos slogans como: “”Tiete” que se presa não perde um”, tal afirmação denunciava a assiduidade com que estes grupos de tietes marcavam presença nas apresentações do grupo.

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os trabalhos continham que Wagner compôs duas músicas para elas, “Vingativa” e “Crazy Darling”. Além deste exemplos mais claros da produção de acontecimentos que os Dzi Croquettes geraram temos também diversos atores, produtores musicais, diretores, teatrólogos e diversas outras profissões que assumem o real impacto do grupo em suas composições, muitos dizem que é extremamente difícil se fazer outro tipo de arte depois que suas inquietações se chocaram com o trabalho dos “Dzi Croquettes”.

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3. Capitulo II

3.1 Principio Dionisíaco

“Volver a los diecisiete después de vivir un siglo Es como descifrar signos sin ser sabio competente Volver a ser de repente tan frágil como un segundo Volver a sentir profundo como un niño frente a dios Eso es lo que siento yo en este instante fecundo

Mi paso retrocedido cuando el de ustedes avanza El arco de las alianzas ha penetrado en mi nido Con todo su colorido se ha paseado por mis venas Y hasta la dura cadena con que nos ata el destino Es como un diamante fino que alumbra mi alma serena

Se va enredando, enredando Como en el muro la hiedra Y va brotando, brotando Como el musguito en la piedra Como el musguito en la piedra, ay si, si, si” (Volver los 17 - Violeta Parra)

Eis que se apresenta Dionísio, errante vagabundo, que percorreu por toda a Ásia e regressa a Grécia com uma aparência que mescla o vigor masculino com a suavidade do feminino, um deus de todos os lugares e de lugar algum, que ascende no corpo mortal um fogo que se alimenta de dor e êxtase. Expões através de suas bacantes o gozo orgiástico que contém a vida.

Apresenta-se no homem como uma força pulsante e de natureza agressiva, transpõe os estados sóbrios permitindo o reencontro com o natural, é livre de todas as amarras que as necessidades morais implicam, decola o homem com seus instintos, volta-o a terra e vê dela brotar-lhe o alimento, as feras vem junto a estes homens e sentam-se a seu lado, com os cânticos da musica dionisíaca o individuo se acopla com o próximo e concilia-se com o todo. O homem diante a este retorno ao natural põe a se ver como criador, ele e o mundo atingem seu mais alto grau de totalidade, esta totalidade implica no corpo possibilitando que este seja capaz da ação de criar, assim o homem caminha como um deus, viu diante de si o sofrimento que há no existir, e que dele nada vale ofuscar os olhos com figuras apaziguadoras, o homem não mais se esconde sobre mantos que transfiguram a realidade, ele agora sofre e se delicia.

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aparência se esvaecer, e sem qualquer contenção abre-se ao seus instintos, perde-se diante a imensidão do novo horizonte. Ele encara o sofrimento, e admira diante de si seu contorcer, contempla a máxima que o sofrer lhe oferece, e ávido com a vida, tece seus movimentos perante a estes estranhamento, dançante suaviza e intensifica seu corpo na direção do êxtase que se apresenta pelo gozo do sofrer.

Neste estado de transmutação, o homem vai deixando pelo caminho as pesadas armaduras que brutalmente o fixavam no perfeito solo da aparência. O homem que está leve e presente sentirá sobre o corpo uma força, mais pesada que as armaduras, mais custosas de se carregar e mais sofrível de se agüentar. Esta força animalesca fere o homem com brutalidade, faz o estomago ansiar pelo vômito e o corpo pedir pelo choque que o mundo descarrega no existir humano. O que ser a vida quando comparada as imensuráveis torrentes que o universo experimentou? Nesta ausência de foco, o homem tem a imagem de si mesmo, ele vê se vendo, e percebe que esse seu desmantelamento, que este seu desnudar das armaduras o destrói e o reconstrói na forma do homem antigo, o homem filho da natureza, que de volta aos braços de sua materna existência, e mamando sobre os seios da terra irá lançar seus olhos ao seu semelhante: O outro, aquele que se apresenta como irmão, filho do mesmo útero criador.

Dado o encontro orquestrado pelo ditirambo dionisíaco, este homem remontado, excluiu de si os incendiários raios do idealismo, e terá sobre sua visão do outro a semelhança consigo, o verá como viu a si mesmo, propenso ao sofrimento e inclinado ao que o mundo tem de mais horrível e temível. Admite todo o sofrer que está impregnado nas entranhas da vida, admira o amargo gosto que a fruta da existência o reservou e contempla esta mesma sensação no contorcimento do outro. Esta semelhança insere os corpos a um conceito de unidade e totalidade, fazendo renascer uma reconciliação tão esperada entre a natureza e seu filho perdido, o homem.

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esta mescla entre o entusiasmo de se lançar sobre o abismo da vida com o sentir das queimaduras direcionará o homem a uma mistura de dor êxtase, a qual deste degustar provirá um gozo orgiástico do corpo como resposta de sua força perante a vida.

O homem não se espantará quando as feras vierem se deitar ao seu lado, e nem hesitará se for permitido que se passe a mão sobre suas cabeças. Tranqüilas as feras apresentam ao homem seu mais novo companheiro: o selvagem, que agora repousa junto a ele. Essa transgressão que o sujeito experimenta transpões os limites dado a seus instintos, sua vontade não se fixará em representações de um ideal, passará a ser o devir natural que transborda de seu inquieto corpo. Transbordante o individuo se delicia com o turbilhão que se aflora, vê de suas mãos brotarem-lhe sementes, de seus movimentos libertarem-se pássaros, de seu pisar erguerem-se montanhas, os instintos agora criam e tem a sua força máxima extravasada pelo onipresente espírito dionisíaco. A calmaria se apossa do homem, mas não aquela que se apossa do movimento, mas aquela de nada mais temer, o abismo da vida está distante, as feras dos instintos estão atiçadas e livres, o homem se põem também como fruto da natureza, e perene se mostra como própria obra natural.

O salutar vento dionisíaco sopra para longe as densas nuvens dos estados dos sonhos e traz consigo as tempestades dos estados embriagantes, estas pesadas nuvens descarregam violentamente suas águas sobre o mundo. O homem junto aos rios da vida transborda com as águas da embriagues. As ruídas e velhas estruturas dos sonhos se colocam em duelo contra a ira das enchentes embriagantes, e sem bons alicerces cede perante as violentas ondas que quebram sobre seus pés.

Nessas águas o homem mata sua sede, se entorpece o ponto de sair soluçando vida, com o corpo formigando e de bochechas rosadas, sente seu corpo e vê nele brotar a fértil arvore da vontade, que se manteve em semente por longos anos e agora, encharcada pelas águas dionisíacas, encontrou no corpo o substrato para germinar. Suas raízes se firmam sobre o corpo e o põem em movimento, o sujeito caminha seguro sobre as rochas da vida, sente o peso do imenso tronco, mas se delicia com a imensa sombra que a arvore dos desejos deposita em seu existir.

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tornados que suas asas criam. O homem dionisíaco sente sua antiga vontade se despedaçar, para então dar lugar a um novo sentimento, aquele que anseia pela vida, que pede por calos e nega o mascarado mundo presente. Esta nova sensação faz o sujeito querer apenas a vida digna de ser vivida, aquela que resgata o sofrimento e o põem junto a si, nesta união se proliferam todos os espasmos de vontade que preenchem o corpo, o obriga a se agitar, inclina-o a traçar o verdadeiro caminho da vida, onde se excluem os atalhos e afiam-se as pedras que desafiam os passos sobre o mundo.

Seu novo tipo de vontade também despertará uma nova necessidade, o individuo dionisíaco precisará do outro da mesma forma como a flora necessita da chuva. Este sentimento trará ao homem a percepção de que em seu semelhante também se encontra a vida, e disposto a atravessar o caos que este gera pra si, o homem dionisíaco se volta terno para aquele que também sofre contigo. E norteados pelo comum, os dois corpos se atiram um em direção ao o outro, a explosão gerada pela colisão dos corpos descarrega uma energia delirante que se origina pelo entrelaçar dos corpos, e se expressa pelo bailar que realizam. Dada a reconciliação, ambos estão lado a lado perante o mundo, e dançantes admiram a liberdade que o outro lhe apresenta, se entorpecem com as prazerosas alucinações criativas. De corpo presente, um sentirá o outro como sente a si mesmo, transcorre junto a eles todas as avalanches que o principio dionisíaco desencadeia, esta força é evocada duas vezes mais forte, pois agora um tem ao outro, e os dois se tornaram combustíveis para o flamejante Dionísio.

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imagem de Apolo surgir sobre o horizonte, para assim clamar: “Serei um eterno sonhador”.

Nesta eterna ausência de movimento, os homens se perdem do presente, abdicam-se da casualidade e protegem-se de todos os golpes que o instante possa proferir em seus corpos. Vestindo a carapaça apolínea, caminham rumo aos templos, se deliciam com as aventuras de seus heróis e fazem sacrifícios de sua carne para seus deuses. Tornam-se expectadores da obra artística que é a vida, e se sentindo na posição de críticos gritam: “Mais belo, mais belo.”. Este homem apolíneo quer que no palco da vida, surjam fagulhas luminosas que amenize a profunda escuridão a qual se encontra a existência, se refugiam sobre a beleza da razão para tornar a vida simples de se ser expressada, fácil de ser sentida e suave de ser vivida.

Os estados paralisantes dos sonhos apolíneos serão perturbados pela insônia dionisíaca, e como água fria desperta o homem e exalta no corpo calafrios intensos. O dionisíaco bate no homem apolíneo, assim como a freqüência da musica golpeia os sensíveis tímpanos artísticos. Este duelo se inicia quando Dionísio dará de presente ao mundo seu poder festivo, preencherá as entranhas da terra com seu vinho, e verá nos homens a extravasação orgiástica que a muito tempo fora permitida somente ao Olimpo. Toda a vontade que antes era representada através dos processos de divinização será colocada ao lado do homem como realidade empírica. Nesta batalha entre o sonho e a embriagues, veremos o lado dos sentidos tomarem vitória quando a caravana dionisíaca se instala nas entranhas de um povo. Os tonéis de vinho se abrem, a música se liberta dos instrumentos, e a festa começa: O povo dança e o corpo vibra.

A festa dionisíaca apresenta um novo mundo que queima os olhos do homem a ponto que ele se guie através de seu corpo, o tato assume o leme da embarcação, os ventos que bate aos ouvidos direcionam o individuo para o choque com o outro, a união dos dois corpos permite que o encontro transcorra em orgia. Suplico ao leitor que se ausente de uma interpretação conservadora a qual se aplica o termo orgia, falo aqui de uma orgia ancestral, uma que se extravasa através das superabundâncias presentes na vida, aquela orgia que fora criada pelo coito de Dionísio com o mundo.

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assume o comando e salivante vai à busca de seu deleite nos infinitos orgasmos do antropofágico encontro. Os indivíduos desfrutam o gozo do viver, ejaculam sobre o mundo a virilidade que reside no corpo, e através do excesso da carne, e pela gula do corpo, os sujeitos movimentam-se para seus estados mais libertinos, e descompassados perante ao devir casual que lhes roçam, permitem suas ações serem orquestradas pelo mais saudoso maestro do universo: o instante.

Nesta eloqüência criada pelo instante, os corpos sentem pairar sobre eles Cronos, o saudoso mestre do tempo. O imensurável peso do titã pressiona o homem contra a terra, o esmaga ao ponto de torná-lo um fino filete diante as duas potencias que se friccionam no cosmo da eternidade. O homem na forma de fina camada se torna maleável diante ao roçar dos titãs, ele se deixa ser conduzido pelo movimento dos colossais corpos. Desfruta do eterno sofrer, sente no corpo os cortes proferidos pela terra, e vê seus analgésicos se desintegrarem perante o poder do tempo. O homem se põe de joelho frente aos dois titãs que se erguem, o tempo e a terra descarregam sua imortalidade sobre a estéril existência humana. Neste estado desamparado, o homem percebe o quão minúsculo é e que de nada vale seus esforços em busca do eterno, que não adianta querer tatuar-se sobre o universo, pois o corpo é feito de carne, e a carne apodrece quando ela se confronta com tempo.

A celebração ao deus bacante invoca o amanhecer do homem, seu dialogo com o mundo é tecido pelo presente poder da arte, transcendendo a representação para uma expressão intempestiva do corpo, o deleite ao prazer faz exalar dos movimentos a virilidade da criação. Os festejos fornecem a terra como palco para este homem artista, a musica se faz presente quando Dionísio se põem a tocar o instrumento corpo, os golpes que ele descarrega sobre a tênue linha da vida a faz vibrar ecoando do corpo um som estridente.

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pressiona o corpo com sua potencia, ele pesa com a gravidade e apodrece com tempo, sente na carne seu afastamento do eterno, mas também vê surgir o alimento que sacia seu apetite pela vida, a terra fornece ao corpo a semente da vida para que ele junto a primavera dionisíaca brote em vida. Por fim o homem, como a matéria que vibra diante aos tormentos que são proferidos sobre sí, aquele homem que desprendeu de si próprio e se torno uno com o mundo, que traz consigo o simbolismos dessas forças e da ao corpo o movimento como um todo, as partes se interligam em uma coreografia que se compassa pela violência da harmonia presente na musica dionisíaca.

Este som que ecoa da vida são as notas da musica dionisíaca, que ao se alastrar, percorre as entranhas do mundo e faz florescer uma quente epidemia, o vírus da vida abre o corpo e o retira de sua caverna, seus sintomas percorrem o sofrimento da carne e são remediados pelo bel prazer da arte. O corpo faz da criação o tratamento para esta doença que se chama vida, o poder epidêmico do deus artista se justifica quando ele se põem a infectar o mundo com este vírus tão desconhecido pelo homem. Os doentes procurarão refugio nos artista que também como eles, estão infectados. Os artistas percebendo a aproximação tocam ainda mais forte a musica dionisíaca, a massa infectada amplifica o som, o dançante bater dos sapatos faz a terra tremer.

A epidemia dionisíaca se alastra quando os corpos se entrelaçam, o roçar das peles faz com que o vírus da vida percorra os corpos e os coloquem num plano de composição mutua, os infectados dão as mãos, e como numa dança de roda experimentam a intensidade presente na criação em coletivo. O coletivo se faz pelas mãos desse saudoso deus artistas, que une em sua obra as partes para que ela se faça em um único todo. Tal junção remete o homem aos primórdios da vida, aquele tempo em que não se distinguia a delicadeza da força, nem o feminino do masculino, um primórdio onde se transcorria o divino na criação do homem como matéria e do mundo como simbolismo do perene sofrimento do existir.

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verdadeiro, o artista percebe que tudo está nele, a transcendência se encontra presente em si e também no corpo do outro, o divino não mais dialoga pela idéia e sim pelo orgasmo criativo que se apossa do corpo quando ele se conjura sobre um povo. Este coletivo a qual se entregam os delirantes sacerdotes dionisíacos provem de uma totalidade que se forma na junção do homem com o todo e dele como o todo, nesta completude encontra-se tudo relacionado, a dor e o êxtase se misturam, a natureza junta-se com o mundo, o corpo se funde com o outro, o uno florescesse neste mergulho aos primórdios.

O mundo verdadeiro que se desabrocha no ventre do uno-primordial golpeia o tão imóvel mundo apolíneo, ele sente suas bases estremecerem perante a potencia da vida. Apolo cobre o mundo com o véu de maia, aquele que transfigura a realidade, que serve de colírio para a ardência dos olhos e que repousa o corpo no leito das idéias. Diante a esta proteção os feixes cortantes que o sofrimento profere na carne são refletidos para longe do homem, e ele distante deste sofrível prazer se rende as algemas do idealismo. O encantamento que se dissipa ao som da lira apolínea converte o mundo verdadeiro em um mundo aparente, lá edifica-se o belo e a individualização do homem.

O idealismo se deu presente quando Platão aos braços de Apolo cria o mundo das idéias, nesta concepção as idéias imperam sobre o corpo, a necessidade do conhecimento que orbita o idealismo afasta para longe a tempestade dionisíaca, o obscuro se ilumina ao modo que o desconhecido é decifrado pela idéia. Surge um modelo para tudo que possa vir a inquietar o corpo, o intenso e o intempestivo são capturados e amordaçados para que o sujeito não mais consiga ouvi-los em suas relações com o mundo.

Este idealismo esvazia o mundo presente e o direciona para as lentes do belo, neste ponto o homem se abdica do presente para se representar através de um futuro, toda a criação que transcorre na apreciação do devir se esgota sobre este insaciável homem apolíneo. Quando a representação anseia pela perfeição ela se escraviza perante as idéias, a criação se afunda na métrica e se rende ao oco compasso apolíneo, o belo retira o delicioso orgasmo que corpo tem com o sofrimento da vida e o remonta sobre os altares das artes plásticas, os homens apolíneos o admiram e se masturbam diante a idéia de um dia desfrutá-lo.

Referências

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