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Três escravos.

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Academic year: 2017

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RES UMO: Lacan considera dois m odos de escravidão. O prim eiro é parte integrante do discurso do senhor, tom ado em parte de Hegel. O segundo consiste na generalização proletarizada do prim eiro em virtude do im pacto do discurso capitalista. Mas deve-se considerar ainda um terceiro, devido à Colonização Escravagista Racializada/ CER. Subm eterem os cada um desses m odos aos critérios de lógica de reversibilidade e da clínica de especularidade.

Pa la vra s - c h a ve: Reversibilidade, especu laridade, gozo.

ABSTRACT: Three slaves. Lacan considers two types of slavery. The first is an integrant part of the speech of the m aster, partly taken from Hegel. The second consists in the proletarized generalization of the first due to the im pact of the capitalist discourse. But a third one should be considered because of radical slave colonization. We w ill su b m it each o f th ese typ es to th e criteria o f th e lo gic o f reversibility, clinic of speculation.

Ke y w o rds: Reversibility, speculation, jouissance.

A

partir do discurso do analista, Lacan juntou três outros

discursos, form ando com os quatro um a estrutura. Basea-do na tram a da dialética hegeliana Basea-do senhor e Basea-do escravo, ele pôde propor esta estru tu ra com o m atriz da relação social hum ana. É a partir de tal lógica que subm eterei esta relação aos critérios de reversibilidade e de especularidade. Eles se referem ao real e ao im aginário de lugares distribuídos pelo sim bólico e são de ordem lógica e analítica. Esta escolha não invalida outras, com o o trabalho forçado, ou a alienabilidade do escravo que o assim ila a um m óvel, ou ainda aquelas per-tinentes a outros cam pos, sociológicos ou jurídicos, m as que não nos conferiam nenhum apoio clínico, um a vez que o su-jeito enquanto susu-jeito do inconsciente estaria ausente. Analista e m em bro

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Tem os assim o risco do recurso aos “discursos” decorrentes da clínica; eles podem ter efeitos sobre a prática analítica. Logo, m inha preocupação ao usar discursos com relação à situação do escravo não é nem antropológica nem histór ica, m as visa a prática cotidiana junto àqueles para quem a escravidão constitui parte conseqüente da econom ia subjetiva. Num erosas perguntas ficam sem resposta, tanto na Am érica Latina com o nas Caraíbas, se esta dim ensão não for levada em consideração. Este artigo visa, pois, participar apenas de um a elaboração conceitual que perm itiria conseqüentem ente a constatação dessa dim ensão.

Colonização escravagista racializada é a expressão proposta por Jeanne Wilford para caracterizar os m odos de produção e de relações que criaram o tipo de relação social perpetuado nas Caraíbas: CER — bem expresso por m eio dessa abreviatura — form a m oderna de atribuir significado a partir da função da letra, em consonância com o term o que designa o cam ponês m edieval ligado à terra do senhor.

A DIALÉTICA DO S ENHOR E DO ES CRAVO S EGUNDO HEGEL OU LACAN

Para Hegel, o senhor vai ceder à sua inclinação para o gozo e perder assim sua hum anidade, enquanto, pelo trabalho, o escravo vai realizá-la. A apreciação de Lacan é outra, pois ele tom a a questão do gozo de form a m uito diferente. Esta diferença deve-se essencialm ente ao fato de que Hegel tem um a visão filosófica dos protagonistas de sua dialética, enquanto Lacan raciocina com o analista freu-diano e pós-m arxista. Analiticam ente, o gozo é, em prim eiro lugar, aquele que diz respeito a um sujeito em seu corpo, aquele cujo sim bólico o separa, e através do qual, com a ajuda do m esm o sim bólico, ele deve resolver o resto de excessos possíveis. Foi tom ando este real em conta que Lacan pôde propor um a escritura do discurso do analista em que essa parte de real, este resto de gozo vem ordenar a estrutura.

A partir daí podem -se escrever outros discursos, até m esm o o do novo se-nhor que entra em com bate com a dupla arm adura da ciência e do capitalism o. Um não existindo sem o outro para definir, cernir a cultura ocidental atual e os efeitos de sua globalização.

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gozo que ele m esm o desconhece. Aqui ele faz a união de Freud com Marx: o sintom a, subjetivo assim com o social, é o resultado deste gozo ignorado. Mas se o gozo prim eiro não for outro que a vida, pois sem ela não há gozo, optando pela vida, o escravo escolheu o gozo. O senhor, por sua vez, renuncia a isto e é esta renúncia que garante seu lugar de onde ele apenas recupera a “m ais-valia”, o m áxim o de prazer tirado do que produz o escravo. São os significantes deste m áxim o de gozo que são proibidos ao saber = reprim idos, ficando tão ignora-dos do senhor quanto do escravo.

O que Lacan acrescenta a Hegel é retirar desta dialética a m atriz m esm a do discurso. Isto ultrapassa o sim ples face-a-face entre senhor e escravo, faz dela a estrutura de qualquer relação social organizada pela dialética da linguagem incluindo a função do gozo. De fato, não é tanto de com unicação que se encar-rega o discurso m as da regulação de um gozo articulado aos sistem as identifi-catórios. O fato de inscrever senhor e escravo com o peças do discurso faz com que fiquem indissoluvelm ente ligados nesta dupla dim ensão.

No discurso do senhor, com o nos é proposto por Lacan, o escravo m antém -se no lugar ocupado pelo saber. Ao contrário do -senhor que não sabe, o escravo, ele, sabe. Ele possui em prim eiro lugar um a com petência — m ãe de todos os saberes. Mas o que o escravo sabe privilegiadam ente recai sobre algum a coisa que escapa ao senhor: seu próprio desejo de sujeito. O saber está assim voltado diretam ente para o desejo do Outro, confirm ando o escravo com o desejante, o que o salva de ficar totalm ente subordinado ao gozo apesar de sua escolha. Ele pode participar, tanto quanto o senhor, da subjetividade dividida da form a com o ela é oferecida no discurso: com o verdade, sem ligação com o saber.

QUANDO A REVERSIBILIDADE IMPLICA

NA ES PECULARIDADE = O ANTIGO ES CRAVO

Lacan cham ou a atenção para a reversibilidade dos lugares de senhor e escra-vo na Antiguidade. De fato, o essencial da população de escraescra-vos era com pos-to de prisioneiros de guerra. Assim , os acasos das batalhas podiam perfeita-m ente fazer de uperfeita-m senhor de hoje o escravo de aperfeita-m anhã. Esta possível recipro-cidade tinha um a conseqüência em term os de especularidade. O escravo po-dia ser u m a im agem do eu , m as observem os qu e esta reversibilidade n ão im plica na reciprocidade, um a vez que o escravo reconhece o senhor sem ser por ele reconhecido.

m --- i ( a)

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Certam ente, era um a im agem desvalorizada, m as, exceto o prim eiro júbilo, que im agem especular não o é? Mesm o se o sim bólico restabelece o poder de jogar com a castração que nele se inscreve: é aqui que vem se articular a im a-gem do outro com o castrada. Meu escravo sou eu com o castrado, assim se esclarece o lugar da castração no discurso do antigo senhor. É ele, este lugar, que assegura que aí haja um desejo, desejo de senhor assegurado pelo escravo neste discurso. Da m esm a form a que não há em cada discurso senão um lugar

para assegurar a subjetividade, não há, aqui, senão um desejo, um desejo de

senhor cuja verdade é a divisão subjetiva.

Da m esm a form a havia algo sem elhante no escravo, aliás ele próprio o reco-nhece quando o senhor o reprim e com o significante do intolerável do gozo. Mesm o se a apreensão do sem elhante dá lugar ao sentim ento de ciúm e, Lacan

( 1984) lem bra nos Com plexos fam iliares que “ele representa não um a rivalidade

vital m as um a identificação m ental” que ocupa o papel principal “na gênese da sociabilidade e conseqüentem ente do conhecim ento enquanto hum ano”( p. 36) . E Lacan acrescenta que o dram a do ciúm e tira o sujeito de um a posição narcísica de puro investim ento do próprio corpo, para abri-lo a outro e ao m esm o tem po à ereção do eu. Pode-se ver assim senão um a via de liberação m as pelo m enos a hum anização do escravo?

É tam bém baseada nesta relação particular que se fundam enta a função da dívida que eterniza a relação de escravidão. Ao confirm ar esta idéia do sem e-lhante, o escravo fica agradecido ao senhor por não usar contra ele seu direito absoluto. É com o se ele lhe devesse a vida, o que im plica no horizonte do sem elhante. Christian Geffray ( 1977) analisou particularm ente esta função, m ais especificam ente em casos nos quais se confirm a o discurso capitalista. Um a tentativa absolutam ente indiscutível do sistem a da dívida quase se im pôs na Martinica sob o poder do governador alm irante Gueydon ( em 1855) quando o não-pagam ento de im postos obrigava ao reem bolso com dias de trabalho.

QUANDO A REVERS IBILIDADE É EXCLUÍDA = O ES CRAVO MODERNO

Encontrarem os estes critérios de reversibilidade e de especularidade no escravo m oderno? Constatam os de início que a com petência no discurso m oderno está dissociada da palavra dada, logo, perdeu sua referência quanto à verdade. Seu único objetivo é financeiro. O salário justifica um fazer em que o desejo se exclui para dar lugar a um sucedâneo de necessidade. É deste salário que o lucro será retirado sem constituir propriam ente um desejo do senhor. O gozo é livre, separado do corpo, sem necessidade de nenhum laço sim bólico.

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disse Lacan. Não há m ais relação reversível de escravo a senhor, pois o senhor é apenas virtual, há, contudo, em contrapartida, um a relação reflexiva quanto ao Outro com o m esm o, e com o atado ao m esm o gozo. O resto im aginário do seu gozo próprio em correlação com o do Outro. O sujeito do discurso m oderno só conhece a alteridade do próxim o, o que levou Lacan a dizer que ele é “a im inência intolerável do gozo” . A im agem do outro não pode passar a sím bolo deste intolerável do real. Tanto do lado do sujeito que tem certa dificuldade em lim i-tar seu gozo próprio, com o do lado do Outro que representa este intolerável, a relação é de rejeição e de interpretação persecutiva. Este agarram ento ao gozo poria todos os trabalhadores, todos os “em pregados” na posição de escravos. “Em pregados” é o term o usado por Hannah Arendt para descrevê-los. Já Lacan os reconhece desde o discurso m aternal, com o “cham ados a”, substituindo qual-quer m etáfora paternal.

O senhor não se encarna m ais neste discurso. Ele deixa de ser a referência para ser “puram ente m eteórico” ( LACAN, 1972) , isto é, um sim ples fenôm eno perceptível no m eio do discurso, em sua atm osfera, m as pode-se pressentir que isto vincula-se à sua própria natureza. Virtual com o a m oeda que faz funcionar o discurso. E, se anualm ente se faz o recenseam ento dos hum anos m ais ricos, é para m ostrar que há ganhadores e com o nos jogos de azar vale a pena apostar. Sem jogadores para repetir a aposta, o jogo pára. Não é certam ente o que se pode esperar tão cedo do discurso capitalista que arrasta cada vez m ais jogado-res em sua rede. Vem os assim alastrar-se um novo discurso do senhor que não com porta seguranças, garantias e rejeições do antigo, aquele que Freud reco-nheceu no Pai do m ito de Édipo. Mas, com o vem os, o novo senhor funciona seguindo o cam inho da ciência, excluindo o m ito. Não se necessita m ais desta relação sim bólica para fornecer origem e história. Foi certam ente o pressenti-m ento disto que levou Freud a construir o pressenti-m ito — o do Pai gozador da horda prim itiva. Esta construção seria um a form a de dizer: “Não tom em os m ais o sim bólico com o ponto de apoio para nosso pensam ento m as o real do gozo pois que é por ele que se deverá responder”.

Entre os discursos dos senhores, clássico e m oderno, há um a passagem do sem elhante ao próxim o.

Na Ética, Lacan ( 1959-1960) lançava a seguinte questão: “E o que m e é m ais próxim o do que este coração em m im m esm o que é o do m eu gozo de que não ouso aproxim ar-m e? Pois desde que m e aproxim o dele, tem os aí o sentido do

Mal- estar na civilização, surge esta insondável agressividade diante da qual recuo...”

( p. 2 1 9 ) . Ele respon deu tam bém a isto n a Terceira ( 1 9 7 5 ) n estes ter m o s:

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exterior, m esm o e principalm ente se ele for interno, no m ais íntim o. Podem os assim afirm ar que qualquer Outro é antes de tudo o de nosso gozo m ais

priva-do, o que escapa ao sim bólico e do qual o objeto aestabelece o lim ite, a dem

ar-cação extrem a do “gozar-se da anim alidade”.

QUANDO A ES PECULARIDADE TAMBÉM ESTÁ EXCLUÍDA = O CER

Em 1865 foi prom ulgado na França o Código Negro, que legislava sobre a prática da escravidão nas ilhas francesas da Am érica. Ele aponta claram ente para o surgim ento de algum a coisa extrem am ente m oderna com o esclarece Hannah Arendt, o “princípio da vida com o bem soberano”, em que se deve entender “bem ” antes em seu sentido jurídico do que m oral. O bem separou-se tanto de seu valor cristão quanto do antigo pragm atism o; a ciência com eçava a oferecer seu princípio segregativo. É preciso insistir sobre este ponto. Mesm o se alguns

proprietários puderam vestir a toga do pater familias, o escravagism o do com ércio

triangular não foi um arcaísm o m as sim um a form a de expressão da nascente m odernidade.

Não é porque o escravo conhece algum a coisa do desejo, nem porque seria errado m edir sua força, que é necessário preservar sua vida, m as por se conside-rar com o um a m á gestão deixar-se degradar um bem produtivo. O trabalho nas

plantações não im plicava apenas na sobrevida do escravo. O trabalho não

produ-ziria com o no caso antigo um m aior gozo para o senhor, m as produprodu-ziria

dire-tam ente um a m ais-valia, um a vez que com preenderia o gozo do bem e o gozo

dos corpos, e que podia neste caso subm eter qualquer um . ( BASTIDE, 2000) Lem brem os m ais um a vez os critérios abordados, pertinentes à lógica do discurso do antigo senhor: reversibilidade e especularidade, isto é, um sistem a identificatório posto a serviço da gestão do gozo ignorado do sujeito. Lem bre-m os tabre-m bébre-m o lugar central do saber no sistebre-m a do antigo senhor que perbre-m ite distinguir radicalm ente o “em pregado” m oderno, ele, separado do seu. Com base nestes critérios sim ples, podem os operar aproxim ações e distinções ao descrever relações particulares ao escravo CER.

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de afrontam ento ( LAHENS, 1999) , ou m esm o P. Cham oiseau ( 1997) , quando ele faz de seu escravo hom em velho o agente de um m ito fundador capaz de reunir todas as origens e a pedra am eríndia de sua m orte livre.

Tem os, no caso do CER, um a alteridade sem dialética. O sem elhante está

excluído dela. A relação i( a) / m desaparece para dar lugar a m v i( a), um a alteridade

privada de especularidade. Isto tem conseqüências. Há um a, im aginária, que se deduz de im ediato. O senhor parece continuar na sua antiga posição de não-reconhecim ento do escravo. Este últim o, por sua vez, não está m ais em sua antiga situação. De fato, ele não tem m ais a possibilidade daquilo que Lacan cham ava em 1937 de “identificação m ental” ( LACAN, 1984) pelo reconheci-m ento de ureconheci-m outro “coreconheci-m o objeto”. O senhor é totalreconheci-m ente Outro coreconheci-m o ele é totalm ente Outro para o senhor. Esta total alteridade não se inscreve no

entrela-çam ento do sim bólico A e do im aginário I, m as na não-ordem do cam po de um

gozo indizível porque intraduzível.

Esta não-relação de qualquer alteridade acarreta tam bém um a conseqüência na ordem da castração. Mostrou-se há pouco que o senhor clássico reprim ia os significantes do gozo, escolha do escravo. A renúncia ao gozo que esta rejeição p e r m it e in clu ía o se n h o r n a o r d e m d a cast r ação q u e e le r e co n h e cia especularm ente por m eio do escravo. Disto nada resta aqui. O senhor CER, continuando sem pre cristão, não reconhece um sem elhante no espelho da rela-ção. No discurso clássico, a rejeição do senhor autoriza-o a ignorar a razão do discurso que o justifica e o m áxim o de gozo que sua posição lhe perm ite. Na relação CER, trata-se de u m a m ais-valia clara qu e é a cau sa da com pra do escravo ou de sua m anutenção.

Da m esm a form a que o perverso não quer a castração da m ulher para evitar o reconhecim ento da sua, o senhor CER vê a do escravo m as a rejeita. O escravo está ali, diante dele, castrado, m as ele não pode especularm ente reconhecê-lo.

Um verdadeiro m ecanism o de desm entido, de Verleugnung, é instalado e regula a

relação. O senhor CER, que guarda um pé na Antiguidade, m antém o outro em plena m odernidade. Sua parte de conservantism o leva-o a conservar para com seu escravo a suspeita de algum gozo intraduzível. Não é pois a m ais-valia que é garantida nesta relação m as um a certa relação com a castração. É ela que é de fato negada na im agem especular. Assim o próprio escravo é investido desta função particular que o inscreve de pleno gozo quando ele tudo perdeu. Mas um a perda já atesta esta função: a perda sim bólica de seu próprio nom e, que constituía um lim ite justam ente. Um elem ento tirado do im aginário, o lugar da

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nom e do lim ite desm entido do gozo do discurso. Poder-se-ia ver na ausência de m asculino e fem inino em crioulo um reflexo desta particularidade? Ou a difi-culdade para o hom em de dirigir-se em crioulo a um a m ulher, com o se esta língua acentuasse instantaneam ente a intenção de gozo, carregada com o ela

está da Verleugnung de que foi constituída?

NÃO- REVERSIBILIDADE OU NÃO- ESPECULARIDADE EXCLUIRIAM

TODO DIS CURS O?

Evitei até agora em pregar o term o discurso para usar som ente o term o relação no

caso do CER. Um a relação não é sem efeito, m as não im plica necessariam ente um discurso no sentido estrito do m esm o, isto é, com o organizador de um a ligação social. Toda um a corrente de pensam ento se inclina neste sentido, en-tendendo a sociedade extraída da plantação com o louca, ou seja, não ligada, então, por um discurso. Neste caso, os conceitos que definem o social aparecem som ente em negativo, em prim eiro lugar a história vista por Glissant ( 1981) no

Discurso antilhano é “não-história”. Tam bém a produção por Affergan ( 1983) na

Antropologia da Martinica. E com o a estruturação subjetiva reflete a estruturação da sociedade, J. André ( 1987) pode falar de um “ não-sistem a de parentesco” . É fácil então im aginar com o todas estas apreensões negativas inclinam -se para a descrição de um a sociedade anôm ica acarretando efeitos perversos para as subjetividades.

Em sua notável obra, Christine Chivallon ( 1988) cham a a atenção para to-das estas referências, opondo-se às m esm as com sua tese. Ela sustenta, com efeito, que desde o fim da escravidão houve um verdadeiro m ovim ento dos “Novos Livres” para se apropriar legalm ente de um espaço: o alto dos m orros que não eram alm ejados pelos colonos. Eles instalaram aí, segundo C. Chivallon ( 1988) , um a cultura e um a econom ia que rom piam com “a proxim idade das plantações”. Esta alternativa estaria baseada na auto-subsistência que teria per-m itido uper-m a desper-m onetarização parcial e uper-m a pluriatividade suficiente para su-prir a parte m onetária necessária para o pagam ento das com pras de instrum en-tos ou de sem entes, e principalm ente dos im posen-tos. Enfim , as tarefas pesadas de cultura ou de construção eram realizadas graças a um a divisão recíproca, a

prática do “koudm en” ( dar um a m ão) .

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quanto à estrutura fam iliar patrifocal. Havia é claro certa ruptura cultural e econôm ica, m as será que a relação real entre o senhor e o novo livre, ou m ais precisam ente aquilo que servia de base para a relação entre o prim eiro e o segundo, havia sido realm ente transform ada? Será que esta ruptura, ao contrá-rio, não atestaria a sobrevivência de um a ligação que parecia contradizer a aquisição da liberdade? A ligação não é nem de relação nem de diálogo, m as de com plem entaridade no trato do gozo.

Portanto, tem os o direito de nos perguntar se esta nova divisão, esta segre-gação inédita, não reproduz coletivam ente a estrutura que a antiga realizava individualm ente. Em caso afirm ativo, é necessário saber se, no nível subjetivo, efetuou-se um a real transform ação. Esta m udança social, tão patente, não foi con str u ída sobre a m esm a ilu são? Talvez ten h a m esm o vin do con fir m ar a

disjunção m v i(a) e, ao m esm o tem po, confirm ar a Verleugnung, já que se fundava

num “livre arbítrio”. Não é pois adm issível considerar-se que foi nesta disjunção que se inspirou a do senhor m oderno? Este últim o oferecia, aliás, um a aborda-gem da castração por sua rejeição radical que perm itia um a certa continuidade im aginária com a técnica do desm entido e explicaria a facilidade com a qual o discurso capitalista pôde vingar.

No sentido lacaniano, um discurso não é a fórm ula de um a relação inter-subjetiva nem de um esquem a de com unicação, m as sim a form a de agir com o gozo graças ao sim bólico. Lacan insistiu no fato de que o discurso capitalista era um verdadeiro discurso do senhor que fracassava em sua tarefa de perm itir um a relação social. Nesta m edida, pode-se dizer que ele rejeita o im aginário da relação intersubjetiva para evidenciar de form a clara a gestão do gozo. Com o então não reconhecer um discurso na articulação oferecida pelo senhor CER? Este discurso, entretanto, apresentava um a diferença com relação ao discurso do capitalista: não podia dispensar um senhor presente em carne, em im agem e não m eteórico. É esta particularidade, em com um com o antigo senhor, que perm ite “ im agin arizar” a estr u tu ra, falar de relação e propor o cr itério de especularidade. A clínica m ostra que, em bora com dificuldades, a possibilidade de introduzir o sujeito m oderno no discurso analítico existe. Esta introdução se faz sem pre passando pelo discurso histérico. É desta form a que se redescobre um senhor classicam ente ordenado, m as é sobretudo o que perm ite ao sujeito se restabelecer na ordem da castração. Aquele que adm ite o discurso CER não poderia ser excluído desta prova, m esm o se, curiosam ente, a insistência do senhor for para ele um a dificuldade a ultrapassar.

Tradução: Gicélia Lim a Azzedine

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REFERÊNCIAS

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ANDRÉ, J.( 1987) L’inceste focal dans la fam ille noire antillaiseI, Paris, PUF. BASTIDE, C. ( 2000) “Pour tenter d’en finir avec le bon m aître”, in Derades,

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CHAMOISEAU, P. ( 1 9 9 7 ) L’Esclave vieil hom m e et le m olosse, Par is, NRF Gallim ard .

CHIVALLON, C. ( 1998) Espace et identité à la Martinique, Paris, CNRS. GEFFRAY, C. ( 1977) Le nom du Maître: Contribution à l’anthropologie analytique.

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GLISSANT E.( 1981) Le discours antillais, Paris, Seuil.

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LAHENS, Y. ( 1999) “Notes sur le m arronage”, in Derades, n.4, p. 65-74, Paris, Petit Bourg.

Guy Lérès

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