rev bras ortop.2015;50(3):348–351
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Relato
de
caso
Lesão
da
artéria
poplítea
durante
a
reconstruc¸ão
do
ligamento
cruzado
posterior
夽
Marcos
Henrique
Frauendorf
Cenni
∗,
Bruno
Fajardo
do
Nascimento,
Guilherme
Galvão
Barreto
Carneiro,
Rodrigo
Cristiano
de
Andrade,
Lúcio
Flávio
Biondi
Pinheiro
Júnior
e
Oscar
Pinheiro
Nicolai
HospitalMaterDei,BeloHorizonte,MG,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem7dejunhode2014 Aceitoem13dejunhode2014 On-lineem20desetembrode2014
Palavras-chave: Artériapoplítea
Ligamentocruzadoposterior Complicac¸õesintraoperatórias
r
e
s
u
m
o
Estetrabalhorelataumalesãodaartériapoplítea(AP)duranteumareconstruc¸ão artros-cópicadoligamentocruzadoposterior,descrevesuaevoluc¸ãoefazconsiderac¸õessobrea anatomiadessaartériaeosriscospotenciaisdessatécnicacirúrgica.Temcomoobjetivo alertaracomunidademédica,emespecialoscirurgiõesdejoelho,sobreumacomplicac¸ão cirúrgicagraveediscutirasformasdepreveni-la.
©2014SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublicadoporElsevierEditora Ltda.Todososdireitosreservados.
Popliteal
artery
injury
during
posterior
cruciate
ligament
reconstruction
Keywords: Poplitealartery
Posteriorcruciateligament Intraoperativecomplications
a
b
s
t
r
a
c
t
Thisstudyreportsacaseofpoplitealarteryinjuryduringarthroscopicreconstructionof theposteriorcruciateligament.Theevolutionoftheinjuryisdescribedandcommentsare maderegardingtheanatomyofthisarteryandpotentialrisksofthissurgicaltechnique.This studyhadtheaimsofalertingthemedicalcommunity,especiallykneesurgeons,regarding aseveresurgicalcomplicationanddiscussingthewaysofpreventingit.
©2014SociedadeBrasileiradeOrtopediaeTraumatologia.PublishedbyElsevierEditora Ltda.Allrightsreserved.
夽
TrabalhodesenvolvidonoGrupodeJoelhodoHospitalMaterDei,BeloHorizonte,MG,Brasil. ∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:cenni14@gmail.com(M.H.F.Cenni).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbo.2014.06.013
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Introduc¸ão
Acirurgia de reconstruc¸ãodo ligamento cruzadoposterior (LCP)éumprocedimentoconhecidopeloscirurgiõesdojoelho pelasuacomplexidade,dificuldadetécnicaeporseusriscos potenciaisdelesãodofeixevásculo-nervosonafossapoplítea. Astécnicasdereconstruc¸ãopodemserartroscópicas,abertas oumistas,tipoInlay. Areconstruc¸ãoartroscópica émenos agressiva ao paciente, mas apresenta maiores dificuldades técnicaseriscos.1
Relato
do
caso
Em 19 de novembro de 2010 o paciente R.J.M. sofreu um acidente automobilístico, com politraumatismo grave, que motivou sua permanência no Centro de Terapia Intensiva (CTI)porquatrodias.Apresentava comolesões mais signi-ficativas uma fratura multifragmentar da diáfise do fêmur esquerdo,luxac¸ãodojoelhodireito tipoKDIIIL(rupturade ligamentoscruzadoanterioreposteriorassociadaàlesãodo cantopóstero-lateral),rupturadobac¸oevárias escoriac¸ões (figs.1e2).
Em24denovembrode2010foisubmetidoàosteossíntese intramedularcomhasteretrógradanofêmuresquerdoeem 1◦ dedezembro de2010areparoagudoperiféricoda lesão
póstero-lateraldojoelhodireito(fig.3).
Recebeualtahospitalarem5dedezembrode2010emboas condic¸ões,porémcomindicac¸ãodereconstruc¸ãodoLCP,aser feitaemsegundotempo,apósacicatrizac¸ãodalesão perifé-rica.
Em2demarc¸ode2011foisubmetidoàreconstruc¸ãodoLCP, porviaartroscópica,comenxertoquádruplodetendões flexo-resgrácilesemitendíneo.Nofimdacirurgia,constatou-sea lesãodaartériapoplítea(AP)devidoaosangramentoefusivo peloportalpóstero-medialeàausênciadepulsoeperfusão distalnomembrooperado.
Convocou-se,emregimedeemergência,ocirurgião vascu-lar,oqualatendeuprontamenteaochamadoecompareceu àsaladeoperac¸ãoemaproximadamente50minutos.Nãose solicitouexamediagnósticoadicional,devidoaoaltograude suspeic¸ãodalesãoeànecessidadedeintervenc¸ãode emer-gência.
Figura1–Aspectodomembrocomquedaposterior
datíbia.
Figura2–ImagemdaRMdalesãoinicialquemostraa
lesãoligamentargrave.
O pacientefoi colocadoemdecúbitoventral,submetido à cirurgiaderevascularizac¸ão cominterposic¸ãode enxerto de veia safena magna, pelo acesso posterior de Trickey. A revascularizac¸ão foi terminada com cinco horas e 45 minutos após o torniquete da cirurgia de reconstruc¸ão ligamentarserinsuflado(tempototaldeisquemiado mem-bro) e o paciente foi enviado ao CTI para recuperac¸ão pós-operatória. Depois de algumas horas, o paciente retornou ao bloco cirúrgico devido à má perfusão do membro inferior direito, quando foi passado um cateter tipo Foghart, e foi submetido à fasciotomia descom-pressiva dos quatro compartimentos da mesma perna. OpacientepermaneceunoCTIpormaistrêsdiaserecebeu altahospitalaremboascondic¸õesapós24dias.
Decorridosseismesesdereabilitac¸ão,oquadroapresentou ótimaevoluc¸ão,comrecuperac¸ãofuncionalsatisfatóriaesem
350
rev bras ortop.2015;50(3):348–351sinaisclínicosdeinstabilidadeposterioroumáperfusãodistal domembroacometido.
Discussão
Ascomplicac¸õesemcirurgiasartroscópicassãoraras. Traba-lhosmulticêntricos dosanos1980constataram incidências quevariaramde0,56%a1,68%.Em1985,DeLee,2nocomando docomitêdecomplicac¸õesda Associac¸ãoNorte-Americana de Artroscopia (AANA), coordenou uma pesquisa nacional com 118.590 cirurgias artroscópicas emvárias articulac¸ões eobservou930(0,8%)complicac¸õesrelatadas.Dessescasos, somente nove foram complicac¸ões vasculares, todas no joelho, porém seis resultaram em amputac¸ões. Posterior-mente, Small3 fez novos trabalhos no mesmo comitê da AANA e constatou uma taxa de complicac¸ões de 0,56% a 1,68%.
Dessaforma,ascomplicac¸õesvascularessãomuitoraras, maspotencialmentegraves.Dentretodasascirurgiasdo joe-lhoareconstruc¸ãodoLCPeasartroplastiastotaissãoasque oferecemmaiorrisco,pelaproximidadeentreo instrumen-talcirúrgicoeosvasospoplíteos.1,4Váriostrabalhoschamam aatenc¸ãoparaostemposcirúrgicosqueoferecemriscosde lesãovascular,comoaconfecc¸ãodoportalpóstero-medial,o debridamentodacápsulaposterioreapassagemdoguiado túneltibialesuafresagem.
Kieser4 demonstrou,emestudosderessonância magné-tica,queem93,4%dospacientesavaliadosaAPestálocalizada lateralmenteàlinhamédiadojoelho.Norestante,localiza-se naáreacentralenuncamedialmenteaessalinha.A distân-ciadaartériaaorebordoposteriordatíbiavarioude2,6mm a9,9mm.Essesachadosconfirmamoriscopotencialdelesão comapassagemdofioguiatibial,cujaorientac¸ãoé discreta-mentelateral.
Em2004, Barlett et al.,5 da Universidade de Melbourne, Austrália,dirigiramumestudosobreaslesõesdosvasos poplí-teos eavaliaramsuaincidência, osfatores anatômicose a influênciadecirurgiasedetraumaspréviosnoriscodessas lesõesduranteosprocedimentosnojoelho.Eles demonstra-ramque,emjoelhosnormais,emcercadeumterc¸o(23/60) doscasosaAPseaproximoudatíbiacomaflexãodojoelho. JáemjoelhoscomlesãodoLCP,omesmoocorreuemquase 79%(11/14).Ressaltaramaindaquelesõesoucirurgias pré-viascomacometimentodacápsulaposteriordojoelhopodem aumentaro riscode lesãoinadvertida dosvasospoplíteos, quepodemestaraderidosaotecidocicatricialpóstero-lateral. Apósaanálisecuidadosadocasoaquirelatado,concluiu-se quealacerac¸ãodaAPocorreuexatamentenodebridamento dorecessoposteriorcomoshaver,natentativadeseobterboa visualizac¸ãodopontodeemergênciadotúneltibial.
Matavaetal.6estudaram,emcadáveresfrescos,asrelac¸ões anatômicasdaAPcomaconfecc¸ãodotúneltibial. Demonstra-ramqueofioguiatibialofereceriscodeperfurac¸ãoemtodos os10modelosobservados,a0◦,45◦e90◦deflexão.Somente
emflexãoacimade100◦esseriscodiminuiuparcialmentepara
seisem10.
Em2003,Wuetal.7relataramumcasodeoclusãoarterial poplíteaagudaduranteareconstruc¸ãodoLCP,comresoluc¸ão espontâneaem12horas.
Em2005,Makinoetal.8 descreveramumaocorrênciade lacerac¸ão da AP, com necessidade de reparo vascular, que apresentouboaevoluc¸ão.
Nemani et al.9 referiram um caso de lacerac¸ão da veia poplíteaeressaltaramalgumassugestõespara seevitartal ocorrência,taiscomo:manteraartrobombacomumapressão maisbaixa,paraevitaraproximidadecomosvasospoplíteos; usardispositivosdebloqueiodofio-guiatibial,paraevitaro seuavanc¸oalémdoslimitesdatíbiaposteriormente;eusar radioscopiadurante a passagem doguia eda fresagemdo túneltibial.
O prognóstico da lesão da AP depende diretamente do tempodeisquemiaedamagnitudedotraumadepartesmoles. Quandoopacienteforrevascularizadoemmenosdeseishoras enãoocorrertraumamusculoesqueléticosignificativo,orisco deamputac¸ãopassaasermínimo,comoobservadoporKhan etal.10em2011.Comoopacienteemquestãofoiprontamente atendidopelocirurgiãovascular,otempototaldeisquemiade cincohorase45minutosfoifundamentalnaboaevoluc¸ãodo quadro.
Apesar de rara, a lesão de AP pode colocar o membro inferior e a própria vida do paciente em risco. Os cuida-dosintraoperatóriosdevemserminuciosamenteobservados, cominstrumentalseguro,assistênciaporradioscopiae sem-precomapresenc¸adeumcirurgiãovascularpreparadopara o reparoouenxertovascularimediato. Casoocorra alesão vascular,aintervenc¸ãodeveráserimediata,paramelhoraro prognósticodopaciente.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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c
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a
s
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