www.rpped.com.br
REVISTA
PAULISTA
DE
PEDIATRIA
ARTIGO
ORIGINAL
Aleitamento
materno
e
perfil
antropométrico
de
crianc
¸as
com
doenc
¸a
falciforme
acompanhadas
em
servic
¸o
de
referência
em
triagem
neonatal
Zeni
Drubi
Nogueira
a,∗,
Ney
Boa-Sorte
a,
Maria
Efigênia
de
Queiroz
Leite
a,
Márcia
Miyuki
Kiya
a,
Tatiana
Amorim
ae
Silvana
Fahel
da
Fonseca
baAssociac¸ãodePaiseAmigosdosExcepcionaisdeSalvador(Apae),Salvador,BA,Brasil bUniversidadedeBrasília(UnB),Brasília,DF,Brasil
Recebidoem4dejunhode2014;aceitoem25desetembrode2014 DisponívelnaInternetem3defevereirode2015
PALAVRAS-CHAVE
Aleitamentomaterno; Estadonutricional; Anemiafalciforme; Doenc¸ada
hemoglobinaSC; Triagemneonatal
Resumo
Objetivo: Descrever a história de aleitamento materno (AM) e estado antropométrico de
crianc¸ascomdoenc¸afalciforme(DF).
Métodos: Estudotransversalcom357crianc¸ascomhemoglobinopatiasSSeSCdedoiseseis
anos, acompanhadas regularmentenum Servic¸o de Referênciaem Triagem Neonatal(SRTN)
entrenovembrode2007ejaneirode2009.Odesfechocorrespondeuaoestadoantropométrico
easexposic¸õesforam:padrãodoAM,tipodehemoglobinopatia,faixaetáriaesexodacrianc¸a.
Resultados: A média(DP)de idadeobservadafoide 3,7(1,1)anos, 52,9%meninos e53,5%
comhemoglobinopatiaSS.Aprevalênciadealeitamentomaternoexclusivo(AME)atéosexto
mêsfoide31,5%,amediana(p25-p75)dotempodeAMEfoide90(24-180)diaseamediana
(p25-p75)daidadededesmamefoide360(90-720)dias.Crianc¸aseutróficasemrelac¸ãoaoP/A
tiveramotempodeAME,emmédia,quasequatrovezesmaiordoqueosdesnutridos(p<0,01),
bemcomoforamdesmamadasmaistarde(p<0,05).Odéficitdealturafoiencontradoem5%
dascrianc¸asetodasascrianc¸ascombaixaestaturagravetinhamhemoglobinopatiaSSemais
dequatroanos.
Conclusões: Otempo deAME ea idade de desmame foramsuperiores aos encontradosna
literatura,possívelefeitodoacompanhamentomultidisciplinar.Adurac¸ãodoAMEeaidade
maistardiadedesmameforamassociadasamelhoresindicadoresantropométricos.
©2014Associac¸ão dePediatriade SãoPaulo.Publicado porElsevier EditoraLtda.Todosos
direitosreservados.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:zeninogueira@gmail.com(Z.D.Nogueira).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.006
KEYWORDS
Breastfeeding; Nutritionalstatus; Sicklecellanemia; HemoglobinSC disease;
Neonatalscreening
Breastfeedingandtheanthropometricprofileofchildrenwithsicklecellanemia receivingfollow-upinanewbornscreeningreferenceservice
Abstract
Objective: Tostudybreastfeedinghistory(BF)andtheanthropometricstatusofchildrenwith
SickleCellDisease(SCD).
Methods: A cross-sectionalstudy of357 children withSS andSC hemoglobinopathiesaged
between2and6yearsoldreceivingregularfollow-upataNewbornScreeningReferenceService
(NSRS)betweenNovember2007andJanuary2009.Theoutcomewasanthropometricstatusand
theexposureswere:BFpattern,typeofhemoglobinopathyandchild’sageandsex.
Results: Theaverage(SD)agewas3.7(1.1)years,52.9%wereboysand53.5%hadSS
hemoglobi-nopathy.Theprevalenceofexclusivebreastfeeding(EBR)uptosixmonthsofagewas31.5%,the
medianEBRtimes(p25-p75)was90.0(24.0-180.0)daysandthemedianweaningages(p25-p75)
was360.0(90.0-20.0)daysrespectively.NormalW/HchildrenexperiencedEBRforanaverage
durationalmostfourtimeslongerthanmalnourishedchildren(p=0.01),andwereweanedlater
(p<0.05).Heightdeficitwasfoundin5.0%ofchildren,whileallthechildrenwithsevereshort
staturehadSShemoglobinopathyandwereover4yearsofage.
Conclusions: EBR timeandweaningagewere greaterthanfound intheliterature,which is
apossibleeffectofthemultidisciplinaryfollow-up.DurationofEBRandlaterweaningwere
associatedwithimprovedanthropometricindicators.
© 2014Associac¸ão dePediatria deSãoPaulo. Publishedby Elsevier EditoraLtda. Allrights
reserved.
Introduc
¸ão
Oefeitoprotetordoleitematerno(LM)sobreasaúdedas crianc¸aséconsensonaliteraturamundial,consideradofonte universaldenutric¸ãoparaosbebêspequenos,contribui sig-nificativamenteparaingestãodeenergiaemicronutrientes noprimeiroanodevida.1Alémdisso,muitosestudos confir-mamasupremaciadoaleitamentomaterno(AM)emconferir protec¸ãocontradiversasdoenc¸as,2,3reduzirafrequênciade internamentosporpneumonias4epordiarreia5eapontama necessidadedeincentivoeamparointegrado.
EstudoconduzidonaAméricaLatinaconcluiuque13,9% das mortes de crianc¸as, secundárias a diversas causas, seriamevitadaspelapráticadoaleitamentomaterno exclu-sivo(AME)atéostrêsmesesepeloaleitamentoparcialatéo primeiroanodevida.Entrelactentesabaixodetrêsmeses, 55%dosóbitospordoenc¸asdiarreicaseinfecc¸ões respirató-riasseriamevitadas.6
Nasdoenc¸ascrônicas,aprotec¸ãocontraasinfecc¸ões pre-veníveis e o estado nutricional têm impacto considerável nareduc¸ãodamorbimortalidade.7Diantedosbenefíciosdo AM,pode-sesugerirsuarelevanteimportânciaparacrianc¸as com doenc¸a falciforme (DF), que apresenta grande vari-edade fenotípica e é caracterizada, principalmente, por fenômenosvaso-oclusivos,anemiahemolíticaemaiorrisco deinfecc¸ões.Sabe-sequecondic¸õessocioambientais, cui-dadospessoais,profilaxiaantibiótica,vacinac¸ão,acessoaos servic¸osdesaúde,hidratac¸ãoealimentac¸ãoadequadatêm forteinfluêncianaevoluc¸ãoclínicadoindivíduocomDF.8
No Brasil, a DF é considerada um problema de saúde públicaeaBahiaéoestadoqueregistraamaiorocorrência, 1:565nascidosvivosem2009.9Deacordocomdados, Salva-dor,capitaldoestado,apresentabaixopercentualdeAME, emtornode9,4%entremenoresdeseismeses,10cenárioque
podecontribuirparao aumento damorbimortalidade. De acordocomdadosdeacordocomdadosdaIIPesquisa Naci-onaldePrevalênciadeAleitamentoMaterno,feitaem2008, apenas37%dascrianc¸asdascapitaisnordestinasmenoresde seismesesbeneficiavam-sedoAME,prevalênciainferioràs observadasnasregiõesNorte,Centro-Oeste,SuleSudeste, quetiveramprevalências,respectivamente,de45,9%,45%, 43,9%e39,4%.Adicionalmente,mesmocomoaumentodo tempomedianodeAM,quepassoude296diasem1999para 342diasem2008,11 esseperíodoaindaémuitoinferiorao preconizado:AME atéseis meses devida (180 dias) e AM complementadoatéosdoisanosoumais.12,13
Assim,considerandoosaspectos nutricionaise o possí-velimpactodoAMnocursodaDF,estetrabalhotevecomo objetivodescrevera históriade AM ea antropometriade crianc¸as com DF, com diagnóstico precoce e obtido pela triagemneonatal, acompanhadas em umservic¸o de refe-rênciaemtriagemneonatal(SRTN)deumestadocomalta incidênciadehemoglobinopatias.
Método
Estudotransversalfeitoentrenovembrode2007ejaneiro de2009 comcrianc¸as com hemoglobinopatiasSS e SCem acompanhamentoregularnoSRTNdaBahia,idadededois aseisanosedeambosossexos.Odesfechocorrespondeu aoestadoantropométricoeasexposic¸õesavaliadasforamo padrãodoAM(durac¸ãodoAMEetempototaldeAM),otipo dehemoglobinopatia(SSouSC),afaixaetáriaeosexoda crianc¸a.
consultasnoanoanterioraoperíododoestudo).Nãoforam incluídosos pacientescujosresponsáveis nãoassinaramo TermodeConsentimento Livre eEsclarecido (TCLE).Duas crianc¸asforamexcluídasporausênciadedados antropomé-tricose outrafoiexcluída somentedasanálisesacerca do aleitamentomaternopoisessedadonãofoiobtido.
Em todas asconsultas, foram aferidospeso e altura e calculadososindicadoresdeavaliac¸ãoantropométrica pre-conizadospelaOMS:14 alturapara idade(A/I)e pesopara altura(P/A),obtidospormeiodoprogramaAnthro® (WHO
Anthro,versão3.2.2,janeirode2011,entredoiseabaixo de cinco anos) e Anthro Plus® (WHO AnthroPlus, versão
1.0.4,2011, cinco a seis anos).O peso foiaferido com a crianc¸atotalmentedespida,combalanc¸aeletrônica(marca Welmy®, modelo W200/5, São Paulo, SP, Brasil, com
pre-cisão de 50g e capacidade máxima de 200kg) e a altura medidanoantropômetrodaprópriabalanc¸acomprecisão de0,5cmelimitede200cm,deacordocomasnormas pre-conizadas.Ahistóriadealeitamentomaternofoiinformada pela mãe/cuidador(a),por meio de questionário padroni-zadoaplicadoporentrevistadorpreviamentetreinado,após explicac¸ãodapesquisaeobtenc¸ãodeassinaturadoTCLE.
A classificac¸ão do estado nutricional baseou-se nos indicadorespeso/altura(P/A)ealtura/idade(A/I), expres-sos em escore Z para todas as idades, de acordo com recomendac¸õesdaOMS.15OindicadorA/I<---3escoreszfoi consideradobaixaestaturagrave;entre---3e---2,baixa esta-turaeA/I≥---2escoreszclassificadocomoalturaadequada
paraidade.Emrelac¸ãoaoindicadorP/A,valoresabaixode ---3 escoresz foram classificados como desnutric¸ão grave; entre---3e---2,desnutric¸ão;entre---2e+1,eutrofia;entre+1 e+2,riscodesobrepeso;entre+2e+3,sobrepesoeacimade +3escoresz comoobesidade.Posteriormente,oindicador P/Afoireclassificadoemdesnutric¸ão(presente/ausente)e sobrepeso(presente/ausente),conformeasdefinic¸ões ante-riores.
O AME foi definido como a situac¸ão em que a crianc¸a recebeusomenteleite humano, diretamentedamama ou ordenhado, sem outros líquidos ou sólidos, à excec¸ão de gotasouxaropescom vitaminas,suplementos minerais ou medicamentos.Desmamefoiconsideradoquandonãohouve usodoleitematernoouquandoestefoitotalmenteretirado dadietadacrianc¸a.Adurac¸ãodoAMeaidadededesmame foramexpressasemdias.
OpadrãodoAMfoidescritocommedidasdetendência centraledispersãoeospercentuaisdecrianc¸asque manti-veramAMEaos90e180diasrelatados.Acomparac¸ãodos padrõesdeAMentreostiposdehemoglobinopatia,osexo,a faixaetáriaeoestadoantropométricofoifeitacomoteste nãoparamétricodeMann-Whitney,dadaaausênciade nor-malidadedasvariáveistempodeAMEeidadededesmame. Afrequênciadealterac¸õesantropométricasfoidescritaem percentualecomparadaemrelac¸ãoaosexo,àfaixaetária, aotipodehemoglobinopatiacomotestedoqui-quadradoe, paraotempodeAMEeidadededesmame,comotestede Mann-WhitneyouKruskal-Wallis.Osdadosforamanalisados comopacoteestatísticoSPSSTM(SPSSStatisticsforWindows,
Version 17.0.Chicago,EUA). Asignificânciaestatísticafoi consideradaquandoovalordep<0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes-quisa em Seres Humanos do Centro dePesquisas Gonc¸alo Moniz,Fundac¸ãoOswaldoCruz-Bahia(CEP-CPqGM/Fiocruz),
Tabela 1 Característicasdemográficas e clínicas de 357
crianc¸ascomhemoglobinopatiasSSeSCatendidase
acom-panhadasnoSRTNde2007a2009
N %
Idade
2anos 49 13,7
3anos 115 32,2
4anos 114 31,9
5anos 61 17,1
6anos 18 5,0
Sexo
Masculino 189 52,9
Feminino 168 47,1
Tipodehemoglobinopatia
SS 191 53,5
SC 166 46,5
númerodeprotocolo112/2006,eseguiuasnormasdaética empesquisa daresoluc¸ão196/1996ecomplementares,do ConselhoNacionaldeSaúdeedaDeclarac¸ãodeHelsinque, 2008.
Resultados
Foram estudadas 357 crianc¸as entredois e seis anos com média (DP) de idade de 3,7 (1,1) anos, 45,9% (164/357) abaixo dequatro anos, 52,9% (189/357) meninos e maior frequência (191/357) de hemoglobinopatia SS (53,5%), conformedescritonatabela1.
OAMEatéoterceiroeosextomêsdevidafoiencontrado, respectivamente,em52,3%(186/356)e31,5%(112/356)das crianc¸asestudadas.Amediana(p25-p75)deAMEfoide90 (24-180)diaseamediana(p25-p75)daidadededesmame foide360(90-720)dias.
Nãohouvevariac¸ãosignificativaparaadurac¸ãodoAME segundo o tipo de hemoglobinopatia, que foi, em média (DP),de 102 (91)dias em crianc¸as comSC e 93(72) dias emcrianc¸ascomSS.Entretanto,amédia(DP)daidadede desmame mostrou que as crianc¸as com hemoglobinopatia SCmamaram,em média,quasedoismesesamaisdoque ascrianc¸ascomSS[460,1(392,8)versus406,3(371,3)dias], emborasemsignificânciaestatística(p=0,18).
Tabela 2 Tempo de amamentac¸ão exclusiva e idade de
desmame,emdias,deacordocomtipodehemoglobinopatia
eestadoantropométrico(A/IeP/A)
Variáveis AME(dias) Desmame(dias)
Média(DP) Média(DP)
TipodeHb
SS 92,7(75,3) 460,1(392,8)
SC 102,3(90,7) 406,3(371,3)
Estadoantropométrico
IndicadorA/I
Adequado 96,2(79,7) 434,5(385,0)
Inadequado 116,9(132,5) 369,3(316,3)
IndicadorP/A
Adequado 101,2(83,5)a 446,4(384,7)b
Desnutrido 25,8(18,8)a 266,3(239,7)b
Riscode
sobrepeso/sobrepeso/ obesidade
64,2(66,8) 268,8(336,8)
a p<0,01. b p<0,05.
tipodeinadequac¸ão[3,1%(6/191)compesoelevadoe3,1% (6/191)comdiagnósticodedesnutric¸ão].
Atabela2mostraqueascrianc¸aseutróficasemrelac¸ão aoP/AtiveramotempomédiodeAME(101,2dias;IC95%: 92,1-110,3)quasequatrovezesmaiordoqueosdesnutridos (25,8dias;IC95%:10,0-41,5;p<0,01),bemcomoforam des-mamadasmaistarde(p<0,05).Ademais,aidademédiade desmamefoimuitoabaixodopreconizadopelaOMS, inde-pendentemente do tipode hemoglobinopatiae do estado nutricional,apesardeseobservarumagrandevariac¸ãona populac¸ãoestudada.
O déficit de altura foi encontrado em 5% (18/357) das crianc¸as, similar em ambos os sexos [4,8% (9/189) dos meninosversus5,4%(9/168)dasmeninas]etipode hemo-globinopatia[4,8%(8/166)entreosSCversus5,2%(10/191) entreosSS].Contudo,todasascrianc¸ascombaixaestatura grave tinham hemoglobinopatia dotipo SS. A prevalência debaixaestaturaaumentoucomaidade,porémsem signi-ficância estatística(p=0,10).Foiencontrada em2% (1/49) dascrianc¸asentredoisetrêsanos;3,5%(4/115)entretrês e quatro anos e em 6,7% (13/193) em maiores de quatro anos, faixa etária que concentrou todas as crianc¸as com baixaestaturagrave(tabela3).
Paraapresenc¸adeexcessodepeso,observou-sequeem pacientescomhemoglobinopatiaSC(p=0,04)essaalterac¸ão foimaisfrequente, bemcomo entrecrianc¸as maisjovens (p=0,02).
Discussão
Nopresenteestudo, maisdametadedascrianc¸as comDF beneficiava-se do AME aos três meses de vida, embora o tempodeAMEeaidadededesmametenhamsido inferio-resaospreconizadospelaOMS,independentementedotipo dehemoglobinopatiaedoestadonutricional.Ospacientes eutróficosapresentaramdurac¸ãomédiadoAMbemsuperior aosqueapresentaramdéficitnutricional.
EstudossobreoaleitamentomaternonaBahiasão escas-sos.Em 1980, pesquisa aplicada a lactentesdo semiárido baianoencontroumedianadeAMde90dias.15Investigac¸ão feitaem1996comamostrarepresentativadelactentes sau-dáveiseresidentesem Salvador, capitaldaBahia,avaliou otempodeAM,encontroudurac¸ãomedianadoAMEde31 diasedoAMtotal(desmame)de131 dias,períodosmuito inferioresaosachadosdopresenteestudo.16 Em 2001,em FeiradeSantana,foi relatadoque 39%das crianc¸as man-tinhamAMEatéosseismeses,percentualtambéminferior aoencontradonestetrabalho.17Apesardotempodecorrido entreostrêsestudoseoatual,adiferenc¸aobservadanão podesercreditada, anossover, apenasaosinvestimentos governamentaisenãogovernamentaisnoincentivoàprática doAM.Osindicadoresencontradosentreascrianc¸ascomDF, apesarde inferiores aosrecomendados pela OMS,12 pare-cemrefletir umamelhor adesãoà práticadoaleitamento doqueaobservadaemcrianc¸asdapopulac¸ãoemgeral.A presenc¸adodiagnósticoprecocedeumadoenc¸acrônicano contextodeumsistemade atendimentonosprimeirosde diasde vida e por equipemultidisciplinar podefuncionar como umincentivador daprática de AM. Além disso, um trabalhocomgenitorasdecrianc¸ascom hemoglobinopatia descreveumamaioropc¸ãomaternade‘‘deixar temporaria-menteomundodotrabalho’’paradedicar-seaoscuidados dacrianc¸acomDF.18
Defato,estudostêmdemonstradoqueoincentivo con-tinuadoao AM podeaumentarsuadurac¸ão. Pesquisafeita noDiaNacionaldaMultivacinac¸ão,em2001,emcidadedo interiordeSãoPaulo, encontrou48%dascrianc¸asemAME atéosseismeseseatribuiuosresultadosacimados anteri-ormenterelatadosprincipalmenteàexistênciadegruposde apoioepromoc¸ãodoAMdesde1994nasunidadesbásicasde saúde,comreuniõessemanaisentremães/bebêse profissi-onaisdesaúdeparaauxiliarna tarefadaamamentac¸ão.19 FatosemelhantefoidescritoemFeiradeSantana,Bahia.17 EsseefeitobenéficopodeseratribuídoaoProgramaNacional deTriagemNeonatal(PNTN),umavezqueospacientes rece-bem acompanhamento especializado e regular. É possível tambémqueacrianc¸acomDFsejadesmamadamais tardi-amente,tendoemvistaarepresentac¸ãopsicológicadoato demamaraoseiotantoparaolactentequantoparaamãe, queseestabelececomoummeiodeacalmar,especialmente paraaquelacrianc¸aqueadoececommaiorfrequência.20A imagemdefragilidadedacrianc¸a,napercepc¸ãomaterna,e apossibilidadedesofrimentocomodesmamepodem con-tribuirparaoaleitamentoprolongado.20
Tabela3 Estadoantropométrico(A/IeP/A)deacordocomsexo,tipodehemoglobinopatiaefaixaetária
IndicadorA/I IndicadorP/A(%)
Adequado (%)
BE (%)
BEgrave
(%)
Adequado (%)
Desnutrido (%)
RSP/SP/Ob(%)
Sexo
Masculino 95,2 4,3 0,5 91,5 1,6 6,9
Feminino 94,7 4,8 0,6 91,7 3,0 5,3
Hemoglobinopatia
SS 94,7 4,2 1,0 93,8 3,1 3,1a
SC 95,2 4,8 --- 89,2 1,2 9,6a
Faixaetária
2-3anos 98,0 2,0 --- 81,7 2,0 16,3b
3-4anos 96,5 3,5 --- 96,5 --- 3,5b
4anosoumais 93,3 5,7 1,0 91,3 3,6 5,2b
BE,baixaestatura;RSP/SP/Ob,Riscodesobrepeso/sobrepeso/obesidade. ap<0,05.
b p<0,01.
proteico-calórica elevada e a baixa ingestão alimentar observada na DF estabelecem um ciclo de doenc¸a e subnutric¸ão dedifícil manejo,23 o grupo SSé mais preju-dicadodevidoàfisiopatologiamaisgraveeacarretamaior risconutricional.
Nestetrabalho,adesnutric¸ãoaferidapeloindicadorP/A foimaisprevalenteemcrianc¸ascomanemiafalciforme(SS) enafaixaetáriadequatroaseisanos,oquesugereoefeito acumuladodamaiorfrequênciadecrisessobre obinômio doenc¸a/inapetência.Aimportânciadafrequênciadecrises noestadonutricionalpodetambémserreforc¸adapela pre-valênciamaiselevadadesobrepesoeobesidadenascrianc¸as SC, sabidamente com evoluc¸ão clínica, na média, menos gravedoqueadascrianc¸ascomanemiafalciforme.24
OdéficitdeA/Ifoiinferioraorelatadonaliteraturaem estudos com crianc¸as brasileiras saudáveis pré-escolares. DadosdaPesquisaNacionaldeSaúdeeNutric¸ão,em1989, revelarambaixa estatura em 19,6% dosmenores de cinco anose 32,9%entre crianc¸as nordestinas.25 Já em 2006, a PesquisaNacional de Demografia e Saúde encontrou 5,8% debaixaestaturaemnordestinosmenoresdecincoanos.25 Alémdisso,outroestudorevelouqueabaixaestatura infan-til é inversamente proporcional ao estado nutricional e escolaridadematerna,bemcomoarendafamiliar.26Quando comparadosaosresultadosdopresenteestudo,essesdados sãosurpreendentes e,provavelmente,refletemo impacto do PNTN nos pacientes triados, uma vez que o acompa-nhamento, como dito previamente, é precoce, regular e multiprofissional,24porqueseesperaumaelevadaproporc¸ão de déficit de estatura/altura em pacientes com doenc¸a falciforme.8
Foiobservado quecrianc¸as comP/A adequado tiveram maior tempo de AME e foram desmamadas mais tardia-mente.Ditodeoutraforma,ascrianc¸asdesnutridastiveram tempo médio de AME quatro vezes menor e mamaram, emmédia,seis mesesmenosque aseutróficas. Apesar da ausênciadetemporalidade entreexposic¸õese odesfecho estudado,possivelmenteaassociac¸ãocommaiorfrequência decrisesemenorvínculoafetivoeosriscosenvolvidosna
introduc¸ãoprecocedeágua,infusõesealimentos comple-mentares devemtercontribuídoparao estadonutricional deficiente.Aassociac¸ãoentreaprecocidadedaintroduc¸ão delíquidosesemissólidoscomaconsequenteinterrupc¸ãodo AMEébemdescrita.Alémdeserconsideradaumaprática desnecessária,reduzoconsumodeleitehumano,é inver-samenteassociado aotempodeAME.27 Todososprejuízos dodesmameprecoceparaolactentesãoexacerbadospelos eventosfisiopatológicoscaracterísticosdaDF,fato preocu-pante tendo em vista a coexistência de umadoenc¸a que conferemaiorriscodeinfecc¸ões.Assimsendo,ocaráter pro-tetordoAMsobreoestadonutricionaltambémfoiobservado nascrianc¸asestudadas.Outraspesquisasquecompararamo padrãodoAMemcrianc¸ascomdoenc¸ascrônicassão escas-sas, masressaltamsua importância,relatam que crianc¸as comfibrosecísticaque mamarampormaistempotiveram menos infecc¸ões nos três primeiros anos de vida28 e uso menosfrequentedeantibiótico.29
Contudo,complicac¸õesrelacionadasaocursoclínicoda doenc¸a e marcadores prognósticos que possam ter inter-ferido direta ou indiretamente no estado nutricional não foramavaliadosnopresenteestudo,essa umalimitac¸ãoa serdestacada. Outraslimitac¸õesdevem serreconhecidas. Possivelmenteocorreuviésdememórianacoleta retrospec-tivadahistóriadeAM,oquetambémpodeterinfluenciado no tempo mais prolongado de AME e idade de desmame emnossosachados,quandocomparadosàpopulac¸ãosadia. Tambémofatodeseencontrarumaassociac¸ãoentreaidade das crianc¸as e a prevalênciamaiselevada de desnutric¸ão pode ter sido superestimado, uma vez que os pacientes foramavaliadosumaúnicavez,oqueexpõeacausalidade reversadosestudostransversais.
obenefíciodoacompanhamentomultidisciplinaremidade precocenoSRTN.
Financiamento
ConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoe Tecnoló-gico(CNPq),Brasil,Edital26/2006.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
1.Organizac¸ãoMundialdeSaúde.Alimentac¸ãoinfantil:bases fisi-ológicas.Genebra:OMS;1997.
2.GrassiMS,CostaMT,VazFA.Immunologic.Pediatria(SãoPaulo). 2001;23:258---63.
3.Brasil - Ministério da Saúde; Organizac¸ão Pan-Americana da Saúde.Guiaalimentarparacrianc¸asbrasileirasmenoresdedois anos:basestécnico-científicas,diagnósticoalimentare nutrici-onaiserecomendac¸ões.Brasília:MinistériodaSaúde;2002. 4.CésarJA,VictoraCG,BarrosFC,SantosIS,FloresJA.Impact
of breast feeding on admission for pneumonia during post-neonatal period in Brazil: nested case-control study. BMJ. 1999;318:1316---20.
5.BoccoliniCS,BoccoliniPM,CarvalhoML,OliveiraMI.Exclusive breastfeedinganddiarroheahospitalizationpatternsbetween 1999and 2008 inBrazilianstate capitals.Cien SaudeColet. 2012;17:1857---63.
6.BetránAP,DeOnísM,Lauer JA,VillarJ. Ecologicalstudyof effectofbreastfeedingoninfantmortalityinLatinAmerica. BMJ.2001;323:303---6.
7.Brasil - Agência Nacional de Vigilância Sanitária [página na Internet].Manualdediagnósticoetratamentodedoenc¸as fal-ciformes.Brasília:Anvisa;2001.Disponívelem:http://bvsms. saude.gov.br/bvs/publicacoes/anvisa/diagnostico.pdf
8.BragaJA.Generalmeasuresinthetreatmentofsicklecell dise-ase.RevBrasHematolHemoter.2007;29:233---8.
9.AmorimT,PimentelH,FontesMI,Purificac¸ãoA,LessaP, Boa-SorteN.EvaluationofaneonatalscreeningprogramofBahia from2007to2009---Lessonsofhemoglobinophaties.GazMed Bahia.2010;80:10---3.
10.Brasil-MinistériodaSaúde-DATASUS[páginanaInternet]. Indi-cadoresdefatoresderiscoedeprotec¸ão[acessadoem30de julhode2014].Disponívelem:http://tabnet.datasus.gov.br/ cgi/idb2012/g1408.htm
11.VenancioSI,EscuderMM,SaldivaSR,GiuglianiER.Breastfeeding practiceintheBraziliancapitalcitiesandtheFederalDistrict: currentstatusandadvances.JPediatr(RioJ).2010;86:317---24.
12.OrganizaciónMundialdelaSalud[páginanaInternet]. Estra-tegia mundial para la alimentación del lactante y del ni˜no peque˜no [acessadoem 30de julho de2014].Disponível em:
http://www.who.int/nutrition/publications/infantfeeding/gs infantfeedingspa.pdf
13.Brasil - Ministério da Saúde [páginana Internet]. Saúde da crianc¸a:nutric¸ãoinfantil,aleitamentomaternoenutric¸ão com-plementar[acessadoem20dejulhode2014].Disponívelem
http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo= publicacoes/cab23
14.WorldHealthOrganization[páginanaInternet].Trainingcourse on child growth assessment. Geneva: WHO; 2008. Disponí-vel em: http://www.who.int/childgrowth/training/modulec interpreting indicators.pdf
15.AssisAM,PradoMS,FreitasMC,SilvaRC,RamosLB,MachadoAD. Thepracticeofmaternalbreast-feedinginruralcommunitiesof asemi-aridregionofnorth-easternBrazil.RevSaudePublica. 1994;28:380---4.
16.OliveiraLP,AssisAM,GomesGS,PradoMS,BarretoML. Breast-feedingduration,infantfeedingregimes,andfactorsrelated tolivingconditionsinthecityofSalvador,Bahia,Brazil.Cad SaudePublica.2005;21:1519---30.
17.VieiraGO,AlmeidaJA,SilvaLR,CabralVA,NettoPV.Breast fee-dingandweaningassociatedfactors,FeiradeSantana,Bahia. RevBrasSaudeMaterInfant.2004;4:143---50.
18.GuedesC.Reproductivedecisionsandnewbornscreening:the perspective offemale caregiversof childrenwithsickle cell disease.CiencSaudeColet.2012;17:2367---76.
19.SantosVL,SolerZA,AzoubelR.Childreninthefirstsemesterof life:focusonexclusivebreastfeeding.RevBrasSaudeMatern Infant.2005;5:283---91.
20.CarrascozaKC,CostaJuniorAL,AmbrosanoGM,MoraesAB. Pro-longedbreastfeeding:mother’sarguments.Psic:TeorePesq. 2005;21:271---7.
21.Bandeira FM, Leal MC, Souza RR, Furtado VC, Gomes YM, Marques NM. Hemoglobin S positive newborn detected by cordbloodand itscharacteristics.JPediatr(RioJ). 1999;75: 167---71.
22.SilvaCM,VianaMB.Growthdeficitsinchildrenwithsicklecell disease.ArchMedRes.2002;33:308---12.
23.SinghalA,DaviesP,SahotaA,ThomasPW,SerjeantGR.Resting metabolicrateinhomozygoussicklecelldisease.AmJClinNutr. 1993;57:32---4.
24.CaldasP,Boa-SorteN,AmorimT,FreitasM,RibeiroR,Fonseca SF.Clinicaloutcomesandassociatedinacohortofchildrenwith sicklecelldisease.GazMedBahia.2010;80:14---9.
25.Brasil -MinistériodaSaúde[páginanaInternet]. Prevalência dedéficitestaturalparaaidadeemcrianc¸asmenoresdecinco anosdeidade[acessadoem30dejulhode2014].Disponível em:http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/g11.htm
26.Engston EM, Anjos LA. Stunting in Brazilian children: rela-tionship with social-environmental conditions and maternal nutritionalstatus.CadSaudePublica.1999;15:559---67.
27.VolpiniCC,MouraEC.Earlyweaningdeterminantsinadistrict ofCampinas,Brazil.RevNutr.2005;18:311---9.
28.Colombo C, Costantini D, Zazzeron L, Faelli N, Russo MC, Ghisleni D, et al. Benefits of breastfeeding in cystic fibro-sis: a single-centrefollow-upsurvey. ActaPaediatr. 2007;96: 1228---32.