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Corpo próprio como experiência vivencial da enfermeira no cuidar do outro no processo de morrer.

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Academic year: 2017

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(1)

CORPO PRÓPRI O COMO EXPERI ÊNCI A VI VENCI AL DA

ENFERMEI RA NO CUI DAR DO OUTRO NO PROCESSO DE MORRER

1

Mar ia Ter esa B. Mar iot t i de Sant ana2

Mar ia Salet e Bessa Jor ge3

Tr at a- se de est udo da per cepção da pesquisador a, ao r ealizar análise de sua ex ist ência, obj et iv ando

apr eender o sent ido e significado do cor po pr ópr io com o ex per iência vivencial ao cuidar do out r o no pr ocesso

de m or r er . Opt ou- se pelo per cur so m et odológico da fenom enologia m er leaupont yana e da nova her m enêut ica.

Est abeleceu- se um pont o de cont at o ent r e a ex per iência v iv encial de apr ox im ação do obj et o, desv elado pelo

cor po pr ópr io in ser ido n o m u n do, o obj et o de est u do e o su j eit o. Em er gir am as t em át icas sobr e o m u n do

p er ceb id o d as in f lu ên cias d os sab er es m ág ico- r elig iosos, d os sab er es r eais e d o en sin o- ap r en d izag em . O

fenôm eno elaborado, result ado do est udo, perm it iu apreender a t ese da exist ência de um sent ido e significado

par a o cor po pr ópr io do pr ofissional de saúde ao cuidar do out r o que est á m or r endo.

DESCRI TORES: cor po hum ano; m or t e; filosofia em enfer m agem ; t anat ologia

THE OW N BODY AS A NURSE’S LI VI NG EXPERI ENCE

ON ASSI STI NG OTHERS I N THEI R DYNG PROCESS

I t refers t o t he st udy of t he researcher’s percept ion when analyzing her own exist ence, aim ing t o learn

t he sense and m eaning of her own body as a living experience while assist ing t he ot her in t he process of dying.

The Mer leau- Pont y phenom enology and t he new her m eneut ic appr oaches w er e chosen. A point of cont act w as

est ablished bet ween t he living experience of t he approxim at ion of t he obj ect , unveiled by t he own body insert ed

in t h e w or ld, t h e obj ect an d t h e su bj ect of t h e st u dy . Th e t h em es t h at em er ged w er e abou t t h e m

agical-r eligious k now ledge influences of t he peagical-r ceiv ed w oagical-r ld, t he agical-r eal k now ledge and t he t eaching- leaagical-r ning pagical-r ocess.

The phenom enon elaborat ed, result of t he st udy, allowed t he learning of t he t hesis of t he exist ence of a sense

and m eaning for t he ow n body of healt h pr ofessionals w hen assist ing ot her s in t he dying pr ocess.

DESCRI PTORS: hum an body ; deat h; philosophy , nur sing; t hanat ology

EL PROPI O CUERPO COMO EXPERI ENCI A VI VI DA POR LA

ENFERMERA AL CUI DAR DEL OTRO DURANTE EL PROCESO DE MUERTE

Est e est udio realiza un análisis de la exist encia baj o la percepción de la invest igadora, con el obj et ivo

de ent ender el sent ido y significado del pr opio cuer po com o ex per iencia al cuidar del ot r o en el pr oceso de

m u e r t e . Se o p t ó p o r l a m e t o d o l o g ía f e n o m e n o l ó g i ca m e r l e a u p o n t y a n a y d e l a n u e v a h e r m e n é u t i ca .

Est ablecién dose u n pu n t o de con t act o en t r e la ex per ien cia de apr ox im ación , m ost r ado por el pr opio cu er po

com o par t e del m undo, el obj et o de est udio y el suj et o. Sur gier on t em as r elacionados con la per cepción del

m undo con influencia del saber m ágico- r eligioso, del saber r eal y de la enseñanza apr endizaj e. El fenóm eno,

pr oduct o del est udio, per m it ió com pr ender la t esis de la ex ist encia en su sent ido y significado par a el pr opio

cuer po del pr ofesional de la salud, al cuidar del ot r o que est á m ur iendo.

DESCRI PTORES: cuer po hum ano; m uer t e; filosofía en enfer m er ía; t anat ología

1 Ex t raído de Tese de Dout or ado; 2 Dout or em Enfer m agem , Pr ofessor da Escola de Enfer m agem da Univer sidade Federal da Bahia, e- m ail:

(2)

I NTRODUÇÃO

A

m ot ivação para a realização dest e est udo

su r g i u , p a r a m i m , d a s i n q u i e t a çõ e s e n q u a n t o p esq u i sad o r a, em er g i d as d o seu co t i d i an o co m o enferm eira e docente. Com ecei a refletir sobre m inhas próprias experiências com o profissional de saúde, ao cuidar de doent es que est ão vivendo o processo de m orrer e a m orte; com o tam bém ao ensinar outros a cuidar. A experiência hum ana de m orrer acom panha-m e desde o início das at ividades copanha-m o est udant e do cu r so d e g r a d u a çã o e m En f e r m a g e m e , p ost er ior m en t e, com o en f er m eir a d e Un id ad e d e Ter apia I nt ensiva ( UTI ) , onde a m or t e n ão é u m a

abst ração, é problem a real, acont ece a olhos v ist os,

pelo fat o de ali se encont rarem int ernados doent es, cuj os quadros de saúde são m ais agravados. A partir desse cont ex t o, desenv olv o análise de m eu ex ist ir no m undo-vida do hospital em um a Unidade de Terapia I n t en siv a e n o m u n do- v ida de u m a u n iv er sidade, obj etivando apreender o sentido e significado do corpo próprio com o experiência vivencial ao cuidar do outro no processo de m orrer.

As pesquisas existentes sobre o corpo próprio com o experiência vivencial m ost ram , no vivido e não n o t e o r i za d o , q u e e ssa p e r ce p çã o d e p e n d e d o au t ocon h ecim en t o das pot en cialidades in er en t es à condição de hum ano no enfrentam ento dos fenôm enos m anifestados no am biente exterior e interior do corpo p r óp r io, f on t e d e or ig em d e t od os os sen t id os e significados por cada um atribuídos a tudo que existe em si m esm o e no m undo que lhe é dado ao nascer. Ao cor po pr ópr io da enfer m eir a, com o ex per iência vivencial, é atribuído o significado de ser instrum ento do cuidado. Esse só pode acont ecer por que ex ist e um corpo. É o corpo próprio que dom ina o cuidado -desde as ações m ais obj etivas até as subj etivas. Tudo entra em ação no corpo, quando um a enferm eira está cuidando - m ovim ent os cor por ais e psicodinâm icos. O co r p o p r ó p r i o co m o i n st r u m e n t o d o cu i d a d o t r an scen d e o m er o at o d e f azer alg u m a coisa ou procedim ento, ou técnica. É presença, que está inteira na ação de cuidar, e que t em um est ado de espírit o em per m anent e disponibilidade par a int er agir com

out ros e t ocar nos out ros( 1).

Out r o significado at r ibuído é o cor po com o corporeidade. I m plica ent rar no universo do ser que se m ost r a e per ceber o espaço do cor po em suas v ár ias per spect iv as. É v ist o com o m odo de ser do hom em sentido e que sente, que toca e é t ocado no

processo da coexistência contida em toda a dim ensão hum ana, pois não é algo obj etivo, pronto e acabado. Corporeidade é o exist ir, é a m inha, a sua, a nossa h i st ó r i a( 2 ). E, a ssi m , o co r p o p r ó p r i o t o r n a - se v er d ad eir am en t e h u m an o e m ed iad or d a r elação hom em / m undo. O client e e a enferm eira, enquant o cor por eidade, são per cebidos na união do ser e da ação, no com par t ilhar do saber e no ex pr essar de

valores e afet ividades( 3).

O corpo próprio com o experiência vivencial, propicia o coexistir da racionalidade e da sensibilidade nas prát icas do cuidar, porque perm it e ao corpo do cu i d a d o r a e x p a n sã o d e su a s p o t e n ci a l i d a d e s m ediant e um exercício cont ínuo de deixar de ser um “ e m si ” p a r a se t r a n sf o r m a r e m u m “ n ó s”, est abelecendo relação de int ercorporeidade, na qual o cor p o cu id ad o se t or n a su j eit o d o p r ocesso d e

cuidar( 4). É a dim ensão subj et iv a que per m it e falar

de sensibilidade, da estética, da im portância de estar j unt o, no cuidado com o corpo.

Ao co n si d e r a r a d i m e n sã o su b j e t i v a , o significado at ribuído ao corpo próprio da enferm eira com o ex per iência v iv encial coloca em suspensão a perspect iva obj et ivist a do corpo com o um dado real e n at u r al. As en f er m eir as, d ian t e d o cor p o r eal, nat ur al, consider am seus desej os e suas sensações e t êm con sciên cia d a im p or t ân cia d o cu id ar com sen sib ilid ad e e est ét ica. Por t an t o, a p ar t ir d essa con sciên cia, é p ossív el a con v iv ên cia d o cu id ad o e st é t i co e d o cu i d a d o t é cn i co n a p r á t i ca d a enfer m agem , que r eúne saber capaz de cuidar do su j ei t o d esej a n t e, à m ed i d a q u e se r el at i v i za a ab or d ag em d as ciên cias n at u r ais. Con scien t es d o su j ei t o d esej a n t e e d o co r p o r ea l e n a t u r a l , a s e n f e r m e i r a s d e sco r t i n a m u m h o r i zo n t e d e possibilidades para a expressão da subj et ividade no cu i d a d o co m o co r p o( 5 ). O co r p o p r ó p r i o co m o ex per iência v iv encial é a apr eensão do significado d o co r p o q u e se esp a ci a l i za n o m u n d o p r ó p r i o ; m ost r a- se com o f u g a d o p r esen t e, in st au r an d o o

tem po próprio, e possui a dim ensão da am bigüidade( 6).

(3)

d e se n v o l v e r a p e r ce p çã o d o “ se r - e n f e r m e i r o int ensiv ist a” sobr e si m esm o no m undo. Par a isso a co n t e ce r, a h i st ó r i a d e v i d a p o ssu i p a p e l fundam ent al, pois influencia a per cepção, ist o é, a con sciên cia qu e cada u m t em de si m esm o e dos out r os. Essa per cepção é expr essa pela linguagem . Se n d o a ssi m , a co n sci ê n ci a d a v a l o r i za çã o d a hist or icidade t or na- se im pr escindív el, pois o cor po p r ó p r i o q u e se a p r e se n t a é m a r ca d o p e l a s ex per iências que em er gem const ant em ent e.

CAMI NHO METODOLÓGI CO

A m et odologia ut ilizada para o est udo foi a f e n o m e n o l o g i a - h e r m e n ê u t i ca , q u e p a r t e d a i n v e st i g a çã o d o co r p o p r ó p r i o , si t u a d o e m su a ex per iência v iv ida no m undo. Significa ent ender o corpo hum ano com o um a ext ensão, um espaço que se car act er iza em t er m os de espacialidade, v olum e e m at erialidade, suj eit o às leis do universo m at erial, pois é m oldado com a m esm a subst ância dos out ros corpos não hum anos. Apesar de exist ir m ist urado a t o d o s o s o u t r o s co r p o s q u e o ce r ca m , co m caract eríst icas com uns, o corpo hum ano não é com o os out ros. Exist e algo que há de único nesse corpo q u e o f az d if er en t e. É a car n e. Essa “ [ . . . ] n ão é m at ér ia, n ão é esp ír it o, n ão é su b st ân cia. Ser ia pr eciso, par a designá- la, o v elho t er m o ‘elem ent o’ no sent ido em que era em pregado para falar- se da

água, do ar, da t erra e do fogo”( 7). Nest e est udo, o

corpo hum ano é a encarnação da natureza consciente e individuada, com capacidade para conhecer e para saber o que sabe que conhece. Esse elem ento carne, da for m a com o é const it uída, difer ent e dos out r os co r p o s, u t i l i za o co n h e ci m e n t o p r o d u zi d o co m o r ef er ên cias in t er n as e ex t er n as, capacit an do- se a circular em um m undo percebido, passando a exist ir na busca da r espost a par a a per gunt a: quem sou Eu?( 8).

En t e n d i d o à l u z d a f e n o m e n o l o g i a m erleaupontyana, o corpo hum ano é visto no sentido d e “ [ . . . ] u m a coisa g er al, m eio cam in h o en t r e o in d iv íd u o esp ácio- t em p or al e a id éia, esp écie d e princípio encarnado que im porta um estilo de ser [ ...]

a carne é um ‘elem ento’ do ser”( 7). Esse estudo trata,

portanto, de um pôr- se a cam inho das próprias coisas, pois, se sou um a consciência voltada para as “ coisas” ex ist ent es no m undo, posso “ r et or nar ” a elas com um a quest ão nort eadora: o que é para m im o corpo

pr ópr io do pr ofissional de saúde, com o ex per iência v iv en cial? Posso, en t ão, en con t r ar n ão apen as as ações, que são as ações do out ro, quant o encont rar nessas ações um sent ido, pois elas são, para o m eu corpo próprio, t em as de at ividade possível.

Ao t rilhar o cam inho m et odológico escolhido, adot o a at it ude fenom enológica de fazer o m undo vivido aparecer tal com o ele é. Assim , o suj eito deste est udo em ergiu das bases reflexivas const it uídas ao lon go de m in h a t r aj et ór ia ex ist en cial, com o cor po p r ó p r i o e x i st e n t e n o m u n d o , co - e x i st i n d o e

interagindo com outros corpos próprios( 9). A estratégia

utilizada para o estudo foi a história de vida. Fiz m eus regist ros em um diário, escrit o no período de j aneiro a dezem br o de 2003. A aplicação dessa est r at égia perm it iu- m e capt ar, de form a diret a, as percepções das ex per iências v iv idas, pr opiciando- m e o r esgat e d a s em o çõ es e sen sa çõ es d o co r p o p r ó p r i o n a s exper iências do passado, que dão sent ido às ações cot idianas( 10).

O pr ocesso de an álise se deu a par t ir do est abelecim ent o de unidades de sent ido ext raídas do corpo t ot al da hist ória regist rada. As unidades foram sendo agrupadas pela sem elhança de significados em ca t e g o r i a s e sp e cíf i ca s, p a r a , e m u m se g u n d o m om en t o, ser em r eagr u pados em cat egor ias m ais a b r a n g e n t e s o u a l o ca d a s e m n o v a s ca t e g o r i a s. Su r g i r a m , e n t ã o , a s á r e a s t e m á t i ca s, à l u z d a fenom enologia exist encial, que t rouxeram respost as

à quest ão nort eadora do est udo( 9).

FENÔMENO ELABORADO: RESULTADO DO

ESTUDO

Com o pesqu isador a, assu m i os r esu lt ados com o u m con j u n t o d e asser ções ou u n id ad es d e se n t i d o e si g n i f i ca d o q u e a p o n t a sse m p a r a a ex per iên cia do su j eit o e par a a con sciên cia desse sob r e o f en ôm en o. Assim , em er g ir am os t em as: influências dos saberes m ágico- religiosos, influência dos saberes reais e influência dos saberes do ensino-apr en dizagem .

Tem a 1 - influências dos saberes m ágico- religiosos

(4)

m e d i d a q u e co n st r u í, e m m i n h a e x i st ê n ci a , a r epr esent ação de m eu eu e da m or t e, influenciada pelos out r os, no caso os adult os r esponsáv eis por m i m . É i l u st r a t i v o o t r e ch o d a h i st ó r i a d e v i d a t ranscrit o a seguir:

[ ...] em decor r ência dos r it uais da I gr ej a Cat ólica,

vividos desde m uit o cedo, ent re 5 e 7 anos, sist em at icam ent e,

at é o final da m inha adolescência, m eus pais obrigavam - m e, t odo

ano, a cum prir na Sext a- Feira Sant a, o rit ual de beij ar a I m agem

do Senhor Mort o [ ...]

Sit uo, pois, m inha experiência infant il com o um condicionador para a aproxim ação com o obj et o d e e st u d o e , a ssi m , d e scr e v o o d e sp e r t a r d a consciência da m or t e no psiquism o infant il: “ [ ...] a cr i a n ça t o m a co n sci ê n ci a d e si m e sm a co m o indivíduo, um a vez que o hom em é o único ser a ter v er dadeir am ent e est a consciência, o único a saber

que sua existência sobre a terra é finita, efêm era”( 11).

A consciência da m ort e est á associada à consciência de si com o indivíduo e surge por volt a dos 3 anos. Assim , qu an do cr ian ça, ao m esm o t em po em qu e tom ei consciência da m orte, tom ei consciência de m im m esm a e d esen v olv i u m a n oção p r óp r ia sob r e a m or t e, m esm o sem t er v iv ido essa ex per iência na fam ília e sem t er vist o, ainda, um cadáver. A noção própria é elaborada pela criança, pois: “ [ ...] apesar de não ter experiências de decom posição do cadáver, [ a cr i a n ça ] co n h e ce m u i t o ce d o a s a n g ú st i a s e

obsessões da m ort e”( 12).

Mu i t o ce d o é d e sd e o n a sci m e n t o . E a s angúst ias e obsessões da m ort e est ão represent adas pela angúst ia fisiológica e respirat ória. É o prim eiro cont eúdo psicofísico; é o at o indiv idual com que o or g an ism o h u m an o se t or n a con scien t e d e si( 1 3 ). Ent endo esse at o com o um a m ort e, da qual não se t em lem br ança, em bor a o cor po v iv o r egist r e essa ex per iência t r aum át ica e sint a a angúst ia, o que o faz despert ar para a consciência da própria m ort e e de si m esm o. Por t ant o, a apr opr iação da idéia da m ort e e do m orrer é um a conseqüência da int eração da criança com seu próprio eu.

Quando, na m inha infância, tom ei consciência da m orte, cham ou- m e a atenção a predom inância da or ient ação r ecebida, no sent ido das r epr esent ações m ágico- r eligiosas r elacionadas à im agem do cor po hum ano que m anifestava o fenôm eno da m orte, com o revela o t recho seguint e:

[ ...] o corpo agonizant e est ava preso em um a cruz; [ ...]

e na procissão realizada na Sext a- Feira Sant a, em um at aúde, [ ...]

o corpo m ort o est ava deit ado em repouso, lindam ent e vest ido,

ser eno, t r anqüilo - m esm o est ando com as fer idas aber t as,

sangrando, por t er sofrido um a m ort e violent a, m ort e na cruz [ ...] .

Aquela im agem do corpo hum ano m ort o que eu via inert e, no at aúde, não era considerada, pelos adultos, um corpo m orto qualquer, era hum ano e era Deus e havia m orrido há dois m il anos, um a m ort e que, ao longo dos t em pos e durant e m uit os séculos, “ [ . . . ] n ã o a t i n g i u so m e n t e o s p r ó x i m o s, m a s a

globalidade do social em seu pr incípio m esm o.”( 12).

Nessa per spect iv a, com a consciência da m or t e, a cr ian ça qu e eu er a en con t r ou den t r o de si f or ças not áveis que m oldaram t ant o sua m aneira de ver as situações de m orte, no passado e no presente, com o a form a de lidar com elas.

A análise da ex per iência v iv ida na infância per m it iu- m e per ceber a difer ença do significado da m ort e para a criança e o adult o. Para os adult os, a m ort e significa, norm alm ent e, dor e solidão para os i n d i v íd u o s q u e so b r ev i v em a el a . So b o â n g u l o hum ano, “ [ ...] a m orte não é apenas a destruição de um est ado físico e biológico, ela é t am bém a de um se r e m r e l a çã o , d e u m se r q u e i n t e r a g e ”( 1 1 ). A destruição das relações hum anas entre os indivíduos, causada pela m or t e, faz sur gir um a r elação com o vazio, pois o corpo vivente, quando estim ula o corpo m ort o pelo t oque das m ãos, pelo som da voz, pelo chor o, não obt ém m ais nenhum a r espost a: o v azio d a m o r t e é se n t i d o p r i m e i r o co m o u m v a zi o int eracional, o que provoca dor e recusa pelo corpo m or t o, cu j as f u n ções ( an dar, f alar, sor r ir, ch or ar ) deixam de exist ir.

Enquanto o adulto percebe a m orte, prim eiro, com o um vazio interacional, a criança a percebe com o u m m om en t o d e au sên cia p r ov isór io, u m d esej o agradável, intenso e inconsciente de “ [ ...] voltar para o lu g ar d e on d e v eio, a v id a in t r a- u t er in a”( 1 3 ). A consciência da m ort e própria ou do out ro, na idade infant il ou adult a, é, sem dúvida, um a das m aiores conquistas constitutivas do hom em : “ [ ...] não se trata m ais de um a quest ão de inst int o, m as j á da aurora do pensam ent o hum ano, t raduzida por um a espécie d e r ev olt a con t r a a m or t e”( 1 2 ). En t en d o q u e essa revolta contra a m orte provoca no hom em a produção d e in t en sa v ar ied ad e d e r ep r esen t ações m ág ico-r eligiosas em t oico-r no do coico-r po m oico-r t o, especialm ent e quando se trata de representação do corpo m orto de Deu s.

(5)

par a seu s con flit os in fan t is er a fazer com o Jesu s, conform e est á expresso no t recho seguint e:

[ ...] via t odo ano na I grej a, na época da Quaresm a, a

im agem do Senhor Mort o - o corpo inert e de um a bela pessoa,

lindam ent e v est ido, deit ado em r epouso, m esm o t endo sido

condenado, com as feridas abert as, sangrando por t er sofrido

um a m or t e v iolent a, m or t e na cr uz [ ...] , um cor po hum ano

idolat rado, adorado, reverenciado por t odos e, principalm ent e, por

m eus pais [ ...] . O corpo m ort o era t ransport ado e t rat ado de form a

m uit o especial e não er a abandonado. Hav ia sem pr e m uit as

pessoas com ele...

A influência dessa representação foi tão forte e decisiva que não sei precisar o inst ant e de m inha decisão. Meu ent e, m eu eu, det erm inou que nenhum dia m ais se passaria sem que eu desej asse a m ort e para m im , sem que eu a esperasse todos os dias e a esper asse com o um a am iga e com panheir a, apesar da dor e do sofrim ent o at ribuídos a ela. O cadáver hum ano suscita em oções que se socializam em práticas funerárias que im plicam um prolongam ent o de vida. O não- abandono dos m ort os im plica a sobrevivência deles, por ém , não é m ais um v iv ent e com um , não t em m ais um corpo hum ano, t ornando a m ort e um a m etáfora da vida, de form a que não existe um conceito,

um a idéia da m orte, e sim um a im agem , um m ito(12).

A despeit o de m eu desej o e anseio infant il pela m orte, não tom ei a iniciativa de fazê- la acontecer, d e co n sci e n t e m e n t e b u scá - l a , p o i s t o d a s e ssa s r e p r e se n t a çõ e s f o r a m r e f o r ça d a s p e l o si st e m a educacional que correspondeu ao período da infância e adolescência, expresso no t recho seguint e ext raído da hist ória de vida regist rada no diário.

[ ...] durante treze anos, fui educada em colégio de freiras

e aprendi o dever de ser filha de Deus. Não havia direit os, só

deveres, obrigações, rigorosa disciplina aos rit uais, obediência

cega [ ...] ist o era fé, era ser filha de Deus num a época de m uit os

conflit os, m uit a repressão e m uit o m edo [ ...] . Desenvolvi um a

preferência pelo Deus Mort o.

Não foi um período dos m ais felizes na m inha ex ist ên cia, p or ém d e m u it o ap r en d izad o, p ois as idéias e doutrinas religiosas introduzidas pelo sistem a educacional provocaram o surgim ent o da dúvida de Deus e o m edo do desconhecido, conform e t recho a seguir.

[ ...] e se Deus não exist ir e Jesus não for Deus? E o que

há na m ort e? Para m im , a m ort e só faz sent ido em Deus e com o

Jesus o fez. Jesus não t irou sua própria vida. Viveu a vida e

esperou a m ort e, e m ort e na cruz, m ort e do corpo físico- biológico

sent ido e vivido com sua hum anidade, com dor e sofrim ent o,

apesar de ser Deus.

Os quest ionam ent os sobr e a ex ist ência de Deus, a atração pela im agem do corpo m orto de Jesus e a ce r t e za d e m i n h a p r ó p r i a m o r t e m e acom pan h ar am du r an t e a in fân cia e adolescên cia. Passei a conviver com a im agem em pírica da m ort e, aquela que m e foi dada pela religião de m eus pais e p e l a s r e p r e se n t a çõ e s co n v e n ci o n a i s so b r e im or t alidade, t r ansm it idas pela escola e, por t ant o, socioculturalm ente construídas. A consciência da m orte é tam bém um a conseqüência da interação do indivíduo com ou t r os in div ídu os, com su a cu lt u r a, além da

int eração com seu próprio eu( 11). O inconscient e não

reconhece a m ort e ou o t em po e em seus recessos orgânicos e fisioquím icos m ais ínt im os, o hom em se sent e im ort al. É só por experiência, na coexist ência com o out ro, que a espécie hum ana sabe que há de m orrer, um a vez que o corpo vivo torna- se um corpo m o r t o - u m ca d á v e r. A m o r t e h u m a n a é u m conhecim ent o adquirido pelo hom em , e por ser um sa b e r e x t e r i o r, a p r e n d i d o , n ã o i n a t o , se m p r e o surpreende. Por isso, o indivíduo a reconhece com o um a lei inelut áv el: “ [ . . . ] ao m esm o t em po que se

pretender, im ortal o hom em se cham ará de m ortal”( 12).

Com a noção da im or t alidade adquir ida na form ação escolar, durante a adolescência, o sentido e o significado da m orte foram por m im percebidos com o salvação. Entendo que esse contexto histórico-cultural dos saberes m ágico-religiosos, se não foi determ inante, certam ente condicionou o foco de m eu interesse pelo sentido e significado do corpo próprio com o experiência vivencial, vindo de m uit o longe, na m inha hist ória, a aproxim ação com esse obj et o de est udo.

Tem a 2 - influência dos saberes reais

A m or t e se apr esent ou nov am ent e a m im , an t es d e ser p r o f i ssi o n al d e saú d e, ai n d a co m o est udant e. Dessa vez, não era a im agem do Senhor Mor t o, j á aban don ada e esqu ecida em u m t em po dist ant e. Era m esm o um cadáver desconhecido, um a m u l h e r. Ne ssa é p o ca , e u co m e ça v a a e st u d a r anat om ia e a freqüent ar as aulas de dissecação no I nstituto Médico- Legal de Salvador, o Nina Rodrigues. A experiência regist rada no diário revela.

[ ...] o corpo est ava nu, despido de roupa e de beleza,

abandonado, sem ninguém que o beij asse ou acariciasse, e exalava

odor fort em ent e desagradável, m ist urado ao form ol [ ...] um corpo

de carne e osso est ava ali esperando por alguém que o t ocasse. E

não havia ninguém . Cont em plei aquele corpo e m e sent i paralisada

(6)

Quando a aula de dissecação com eçou, j á não est av a m ais só. Out r os cadáv er es m e fizer am sair d aq u ela f ix ação p ar a en t r ar n o esp an t o, ao o b se r v a r a d e se n v o l t u r a , a a p r o p r i a çã o d e conhecim ento, quase divertim ento, do professor e seus assist ent es, ao dissecar os cadáveres e m anusear as peças anatôm icas. Essas aulas de dissecação do corpo hum ano funcionam tam bém com o um rito de iniciação, pois, par a os est u dan t es, sign if ica est ar en t r an do r ealm en t e em con t at o com o ob j et o d e t r ab alh o p r o f i ssi o n a l d a á r ea d a sa ú d e, esp eci a l m en t e a m edicina e a enferm agem , e, ao m esm o tem po, com o sofrim ento e a dor. O sofrim ento e a superação da dor não são apenas im port ant es para a aquisição do co n h e ci m e n t o e d a s a t i t u d e s a d e q u a d a s. Sã o t a m b é m , e m si m e sm o s, p a r t e s d a s a t i t u d e s n ecessár ias. Tais au las p r ov ocam n os est u d an t es in ú m er as r eações em ocion ais e or g ân icas, e eles desenvolvem m ecanism os de defesa para lidar com

as sit uações de m ort e( 14).

Durante toda a disciplina de anatom ia, apesar d e est ar m an u sean d o os cad áv er es, em n en h u m m om ent o as quest ões da m ort e foram discut idas. Os sa b e r e s “ r e a i s”, o r g a n i za d o s so b a ó t i ca d o s paradigm as vigent es, em que predom ina a corrent e do pensam ent o posit ivist a, com um a visão analít ica e car t esian a d a ciên cia, in f lu en ciam a ad oção d o m odelo biom édico na for m ação acadêm ica na ár ea da saúde. É um m odelo fundam ent ado na ciência da n a t u r e za , q u e e st á f i r m e m e n t e e m b a sa d a n o p e n sa m e n t o ca r t e si a n o , e m q u e h á r i g o r o sa separ ação ent r e m at ér ia e espír it o, cor po e m ent e. Esse m odelo consider a o cor po hum ano com o um a m áquina que pode ser analisada em t erm os de suas peças; a doença é vista com o um m au funcionam ento dos m ecanism os biológicos.

A concepção desse m odelo perm eava t odo o ciclo b ásico - Fisiolog ia, Far m acolog ia, Pat olog ia, Bioquím ica, Hist ologia e out r as - com o t am bém as disciplinas específicas da ár ea de enfer m agem . Em t odas as et apas de m inha for m ação pr ofissional, a q u est ã o d a m o r t e f o i a b o r d a d a d e f o r m a m u i t o superficial: na graduação, apenas o necessário para apr ender o pr epar o do cor po m or t o o cadáv er -para ser encam inhado -para o sepult am ent o; na pós-graduação, algum as horas foram dedicadas ao estudo da concepção da m orte. Não havia espaço para tratar

as quest ões da m ort e e, [ . . . ] quando os pr ofessor es se

referiam à m ort e, era apenas para enfat izar, para os est udant es,

os asp ect os b iológ icos e a ev olu ção t écn ico- cien t íf ica d as

t erapêut icas [ ...] o conhecim ent o sobre o cuidado a ser prest ado

aos doent es, incluídos os m oribundos, era essencialm ent e t écnico.

O m o d e l o b i o m é d i co e x cl u i a m o r t e d a ex ist ên cia h u m an a, pois t r az u m a v isão do cor po hum ano com o um a m áquina com plexa. A doença é v i st a co m o d e st r u i çã o d o s a sp e ct o s b i o l ó g i co s m ensur áv eis est at ist icam ent e, enquant o a saúde é com pr eendida com o ausência de doença. Confor m e a concepção desse m odelo, os profissionais de saúde são “ t r ein ados” par a olh ar o cor po dos doen t es e procurar a cura de seus m ales, pois o corpo hum ano doent e apr esent a defeit os, por t er sofr ido ex cesso ou déficit decorrent e de det erm inados m ot ivos, com o algum uso indevido, acident e ou at aque de agent es desconhecidos. O papel desses profissionais é intervir, física ou quim icam ent e, para consert ar o defeit o no f u n ci o n a m e n t o d e u m e sp e cíf i co m e ca n i sm o

enguiçados( 15).

Ai n d a , co m o e st u d a n t e , t i v e o u t r a s e x p e r i ê n ci a s co m o co r p o v i v o e m o r r e n d o , a o coexistir com os doentes internados em hospitais, onde per cebia a dor, o sofr im ent o, a agonia e a solidão desse m om ent o de m orrer, conform e est á regist rado no diário da hist ória de vida.

[ ...] cuidava dedicadam ent e do corpo doent e. Banhá- lo,

vest i- lo, alim ent á- lo, adm inist rar os m edicam ent os eram rot inas

cum pridas com am or, apoiando, confort ando, consolando, enfim ,

cuidando para viver ou m orrer.

Nesse labor, observava, no processo de viver e m orrer, que é o corpo psicofísico que faz a diferença n as q u est ões d a v id a e d a m or t e: v iv o, ele t em m ovim ent o, é dinâm ico, anim ado; inert e, inanim ado, é um cadáv er dest inado à decom posição. Ent ão, o corpo psicofísico e encarnado é a referência para o fenôm eno da vida e da m ort e acont ecer. Sem ele, a existência hum ana desaparece. O que está m orto não t em corpo e, por isso, não t em exist ência hum ana, co m o a co n t e ce co m o Co r p o d o Se n h o r Mo r t o , cult uado at é hoj e pela I grej a Cat ólica na quaresm a. Por isso, p ar a p r eser v ar a ex ist ên cia h u m an a, é preciso cuidar do corpo psicofísico e do am biente onde ele está inserido. Na realidade da vida cotidiana, está o cor po, lugar da pr esença do hum ano no m undo, possibilit ando const r uir sua hist ór ia e conviver com os outros. Quando em desarm onia, o corpo m anifesta sinais, alt erando profundam ent e a personalidade, os proj etos de vida, levando à esperança de cura ou, se essa não é possível, ao desespero.

(7)

universit ária, condicionaram m inha especialização em t erapia int ensiva e, post eriorm ent e, m inha inserção no m er cado de t r abalho, com o enfer m eir a de um a Unidade de Terapia I ntensiva de um hospital geral de grande porte da rede pública, na cidade de Salvador. É no cenário das Em ergências ou UTI s que ocorre a m aioria das m ort es, e nele exist e poderoso arsenal t ecnológico para seu enfrent am ent o. Nesse, m ais do que em out r o cenár io hospit alar, o pr ofissional de saúde vivencia enfrentam ento ético e ideológico sobre o pr olongam ent o da v ida e o adiam ent o da m or t e, font e de est resse para t odos, principalm ent e para o doent e e seus fam iliares.

I m er so n esse am bien t e pr oj et ado com os m a i s a v a n ça d o s r e cu r so s d a t e cn o ci ê n ci a p a r a assegurar a vida do corpo físico- biológico do doent e, o corpo próprio do profissional de saúde tam bém está expost o a m uit os est ím ulos geradores de reações e sent im ent os. A t odos esses est ím ulos fiquei expost a durant e o t em po em que t rabalhei com o enferm eira-i n t e n seira-i v eira-i st a . Essa v eira-i v ê n ceira-i a co n d eira-i ceira-i o n o u m eira-i n h a traj etória profissional em direção à tanatologia e, para m im , a m aior dificuldade enfr ent ada, j unt o com a equipe, foi lidar com a quest ão da m ort e diant e de t a n t o s r e cu r so s t e cn o l ó g i co s, sa b e r e s r e a i s especializados e pr ofissionais habilidosos.

Em t a l a m b i en t e, est a b el eci co n v i v ên ci a diária com a m orte, com o avanço tecnológico e com o corpo hum ano. Constatei, então, pelo conhecim ento vivido, e não pelo t eorizado, com o eu e os colegas desenvolvem os atitudes de negação diante da m orte. O co n f r o n t o co m o co r p o m o r t o o ca d á v e r -conect ava- m e com um a perda significat iva - a perda do corpo físico- biológico, a est rut ura básica que nos dá exist ência. Segundo observei, do pont o de vist a biológico, e olhando para o corpo hum ano com o um t odo, a m or t e não é um fat o único e inst ant âneo, m as, antes, o resultado de um a série de processos e de um a t ransição gradual.

Te m a 3 I n f l u ê n ci a D o s Sa b e r e s d o En si n o -Apr en dizagem

Com o novo olhar adquirido sob a influência d o s sab er es r eai s so b r e o co r p o co m o l u g ar d a exist ência no m undo, sobre a m ort e com o presença co n st a n t e q u e p r e ci sa se r v i st a , co n si d e r a d a e r esp eit ad a, e sob r e o m or r er com o u m p r ocesso r ot ineir o da ex ist ência, m udei o cenár io de m inha at uação profissional. Passei a desem penhar a função

de enfer m eir a- docent e e deixei a t er apia int ensiva. As m udanças foram inúm eras e precisei m e adapt ar a esses novos est ím ulos sobre m eu corpo e a essa nova r ealidade. Esses fat os podem ser apr eendidos do t recho a seguir.

[ ...] a m udança de am biente de um a unidade fechada de

t r at am ent o int ensiv o par a unidades aber t as - enfer m ar ias e

am bulat órios; o perfil do doent e sob m eus cuidados - de crít ico

para crônico; e as pessoas sob m inha supervisão - os est udant es

de graduação de 6º sem est re.

Co m e ssa n o v a f u n çã o d e e n si n o -aprendizagem , t ive a oport unidade de circular pelos g r a n d e s h o sp i t a i s d a r e d e p ú b l i ca e p r i v a d a , acom panhando os alunos nos est ágios. O per fil do doent e nas enferm arias e am bulat ório propiciou- m e a e x p e r i ê n ci a co m a s d o e n ça s n o a sp e ct o d a cronicidade, m uit as das quais deixavam seqüelas ou er am incur áveis, e o doent e se encont r ava na fase t er m in al. Essa v iv ên cia é ex p licit ad a n o t r ech o a seguir.

[ ...] os doent es viviam seu processo de m orrer de form a

lent a e gradual, sem ut ilizar os m eios art ificiais para a m anut enção

da vida.

En t r e t a n t o , a l g o n ã o h a v i a m u d a d o : per m an ecia a at it u de de n egação do pr ocesso de m orrer e a visão da m ort e com o um a inim iga a ser vencida. O t recho seguint e expressa essa percepção.

[ ...] quando a doença at ingia um est ágio fora do alcance

da m edicina at ual e nada podia ser feit o, os profissionais de

saúde apresent avam at it udes sem elhant es: cont inuavam a negar

o processo de m orrer, cam uflando com eufem ism o, abandonavam

o caso clínico ou at ribuíam - lhe pouca im port ância, uniam - se na

con sp ir ação d o silên cio, en q u an t o as f am ílias sen t iam - se

desest rut uradas ant e a perda de seu parent e.

Qu a n t o a o s e st u d a n t e s, e st a v a m a l i esp er an d o p ar a ap r en d er, in clu siv e a lid ar com a m o r t e . En t r e t a n t o , m u i t a s sã o a s d i f i cu l d a d e s

encont radas pelos profissionais de saúde - inclusive

eu, os doentes e seus fam iliares -, para conviver com

esse f en ôm en o qu e elim in a a est r u t u r a básica da existência - o corpo psicofísico. Quando busquei apoio n a g r a d e cu r r i cu l a r d o cu r so d e g r a d u a çã o d a univ er sidade.

[ ...] lem brei- m e de que, no curso de graduação em

enferm agem , eu não havia sido preparada para lidar com as

sit uações de m ort e e o processo de m orrer. Recordei- m e, ainda,

do que sofri com isso ao ingressar no cam po de t rabalho da m inha

pr ofissão.

(8)

o u t r o m o r r en d o au m en t o u , esp eci al m en t e so b o aspect o da est r ut ur a or gânica, à qual se at r ibui o sent ido e o significado da ex ist ência hum ana, que est á expresso no t recho a seguir.

[ ...] não sabia com o conduzir o processo de

ensino-aprendizagem , um a vez que não fui preparada para lidar com as

quest ões da m ort e e não m ais cabiam as m edidas heróicas t ão

bem conhecidas por m im com o enferm eira int ensivist a.

Ne sse co n t e x t o e d u ca ci o n a l , p a sse i a obser v ar o pr ofissional de saúde sob a per spect iv a d e seu cor p o p r óp r io, n o con t ex t o h osp it alar, n a t ent at iva de const ruir um proj et o polít ico- pedagógico para o cuidado hum anizado com o corpo próprio do doent e m or r endo.

REFLETI NDO SOBRE O ESTUDO

A fenom enologia m er leaupont y ana, que se m ost rou a opção m et odológica m ais apropriada para est e est udo, levou- m e a ouvir o inaudível, perm it iu-m e iu-m oiu-m ent os de “ fechar os olhos” e agir de foriu-m a int r ospect iv a, a fim de m e r et r oalim ent ar e, dessa form a, apreender o sent ido e o significado do corpo p r óp r io com o ex p er iên cia v iv en cial. Assim sen d o, ex ist e um a int encionalidade const it ut iv a de sent ido ent r e o cor po pr ópr io e o m undo que se m ov e em hor izont es aber t os de int er pr et ações pot enciais do percebido e, por isso, sua busca não se esgotou, um a vez que a cada aproxim ação, som ent e part e dele foi desv elada.

Nessa t raj et ória exist encial da pesquisadora, seu corpo próprio com o experiência vivencial t ornou possível est abelecer um cont ínuo gnosiológico ent re a experiência, o suj eit o,

o objeto e a interpretação natural e cultural. I sso significa a inseparabilidade do corpo no m undo e que o sujeito está situado no m undo pelo corpo próprio. Além disso, toda essa rede construída com os saberes m ágico- religiosos quando criança e adolescent e, com os saberes reais com o enferm eira- int ensivist a, e com os saberes de ensino-aprendizagem com o enferm eira-d ocen t e eira-d esv ela a con ex ão ocu lt a eira-d e u m a v isão sist êm ica e fenom enológica da m ort e e do m orrer, o que im plica em m udança de sentido e significação do corpo próprio, não o vendo com o obj et o ou coisa, e sim com o um a r elação ent r e o sist em a EU-

OUTRO-MUNDO( 9 ). Desen v olv i a n oção do cor po de for m a

am pliada, super ando a dicot om ia clássica ex ist ent e entre corpo e alm a, m atéria e espírito, sujeito e objeto.

Desse m odo, a apr ox im ação com o obj et o de est udo per m it iu- m e desenv olv er a t ese sobr e a exist ência do sent ido e significado do corpo próprio do profissional de saúde ao cuidar de outro que está m orrendo, com o possibilidade de alcançar um a nova v i sã o p a r a a m o r t e h u m a n a , e m se u a sp e ct o ex ist encial, pelos significados do cor po pr ópr io dos profissionais de saúde. Acredit o que eles são vít im as d e at it u d es su p er f iciais e d ist or cid as p ar a com o m orrer, através da m anutenção dos m itos tradicionais que concebem a m ort e com o t rágica, am edront adora e dolorosa. Os profissionais de saúde podem conceber a m or t e, b asead os n a com p r een são d o p r ocesso biológico - a exist ência orgânica e psíquica são um a só coisa. Nessa per spect iv a do cor po pr ópr io com o ex p er iên cia v iv en cial d o p r of ission al d e saú d e, o sen t ido e o sign if icado at r ibu ídos ao pr ocesso de m or r er e à m or t e são or iginados do conhecim ent o cient ífico, por um a ciência libert a da m et afísica, da cult ura, dos m it os t radicionais e das concepções do senso com um .

Esse conhecim ent o, ent re out ros benefícios, constitui- se em um grande incentivo aos profissionais de saúde para cuidar- se, ao cuidar do outro m orrendo. Esse cu i d a r - se co r r e sp o n d e à b u sca d o aut oconhecim ent o pr ofundo, sobr e a pr ópr ia m or t e inser ida na sua ex ist ência, par a que sej a possív el diferenciar os conteúdos próprios e os alheios e estar apt o para a ident ificação dos principais fat ores que afet am o bem - est ar e a saúde m ent al deles.

(9)

REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS

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Referências

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