RevBrasAnestesiol.2014;64(2):128---130
REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
Official Publication of the Brazilian Society of Anesthesiology www.sba.com.brINFORMAC
¸ÃO
CLÍNICA
Anestesia
em
crianc
¸a
com
síndrome
de
Walker-Warburg
Emine
Arzu
Kose
a,∗,
Bulent
Bakar
b,
Gokay
Ates
a,
Didem
Aliefendioglu
be
Alpaslan
Apan
aaDepartmentodeAnestesiologiaeReanimac¸ão,SchoolofMedicine,KirikkaleUniversity,Kirikkale,Turkey bDepartmentodeNeurocirurgia,SchoolofMedicine,KirikkaleUniversity,Kirikkale,Turkey
Recebidoem30deoutubrode2012;aceitoem19dedezembrode2012 DisponívelnaInternetem12demarçode2014
PALAVRAS-CHAVE
Síndromede Walker-Warburg; Distrofiamuscular congênita; Anestesiageral
Resumo
Justificativaeobjetivos: AsíndromedeWalker-Warburgéumadistrofiamuscularautossômica recessivacongênitarara,manifestadapelosistemanervosocentralcommalformac¸õesoculares e possívelenvolvimentode vários sistemas. Odiagnóstico éestabelecido pela presenc¸a de quatro critérios: distrofiamuscularcongênita, lisencefalia tipoII,malformac¸ão cerebelar e malformac¸ãodaretina.Amaioriadascrianc¸ascomasíndromemorrenosprimeirostrêsanos devidaporcausadeinsuficiênciarespiratória,pneumonia,convulsões,hipertermiaefibrilac¸ão ventricular.
Relatodecaso:Édiscutidaacondutaanestésicaemumacrianc¸adosexomasculino,dedois meses,programadaparacirurgiaeletivadederivac¸ãoventrículo-peritoneal.
Conclusões:Umaabordagemanestésicacuidadosaénecessáriaporcausadoenvolvimentode
váriossistemas.Relatamos acondutaanestésicaemuma crianc¸adosexomasculinodedois mesescomsíndromedeWalker-Warburg,quefoiprogramadaparacirurgiaeletivadederivac¸ão ventrículo-peritoneal.
©2013SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados.
Introduc
¸ão
A síndrome de Walker-Warburg (SWW) é uma
distro-fia muscular congênita (DMC) rara,autossômica recessiva e congênita.1 O diagnóstico geralmente depende das
manifestac¸õesclínicas;odiagnósticogenéticofoifeitopor análise de DNA em apenas 10-20% dos casos. O diagnós-ticoéestabelecidopelapresenc¸adequatrocritérios:DMC,
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:arzuhct@hotmail.com(E.A.Kose).
lisencefaliatipoII, malformac¸ãocerebelaremalformac¸ão daretina.2Outrasanormalidadesobservadascom
frequên-cia são dilatac¸ão ventricular, com ou sem hidrocefalia; malformac¸ão da câmara anterior do olho; macrocefalia congênita e malformac¸ão de Dandy-Walker. Microcefalia congênita,microftalmia,colobomaocular,catarata congê-nita,anomaliasurogenitais,lábioleporinoefendapalatina são observados com menos frequência. O diagnóstico diferencial com DMC de Fukuyama, doenc¸a cérebro-músculo-ocular depende da gravidade das manifestac¸ões clínicasedosachadosradiológicos.2,3Manifestac¸õesclínicas
estãopresentesaonascimentoousurgemdepoisdeumcurto
AnestesiaemsíndromedeWalker-Warburg 129
período.Amaioriadascrianc¸ascomasíndromemorrenos primeirostrêsanosdevidaporcausadeinsuficiência res-piratória,pneumonia, convulsões,hipertermia efibrilac¸ão ventricular.Odiagnósticopré-natalépossíveleorisco de teroutracrianc¸acomasíndromeéde25%nasfamíliascom umacrianc¸aafetada.4
Relato
de
caso
Crianc¸a do sexo masculino, dois meses, peso de 3,3kg, programadapara cirurgiaeletiva de derivac¸ão ventrículo-peritoneal.Opartofoicesárioàs38semanasdegestac¸ão. A gestac¸ão anterior da mãe foi interrompida por aborto médico por causa de hidrocefalia, determinada por exa-mesultrassonográficos,e dograu deparentesco dos pais. O pacientefoi internado em unidadede terapia intensiva neonatalporcausadehidrocefaliaedesconforto respirató-rio. Macrocefalia,baixa pontenasal,abaulamento frontal da testa, micrognatia, recuamento mandibular, hipotonia moderadaedescolamentobilateralderetinaforam deter-minadosporexamefísico.Osníveisdecreatinafosfoquinase (CPK)medidosforamde4.226uL−1(normal:24-195uL−1). A ressonância magnética (RM) revelou lisencefalia tipo II, hipomielinizac¸ão de substância branca, ventrículos
dilatados,hipoplasiacerebelarbilateral,agenesiadosepto pelúcido,malformac¸ãodeDandy-Walker,hiperplasia bilate-ralvítreaebuftalmia(fig.1).
Após obter o consentimento informado assinado pelos pais, o paciente foi colocado em jejum por trêshoras. A probabilidade de intubac¸ão difícil foi aventada, por-tantooequipamentofoipreparado.Emseguida,opaciente foi monitorado com oximetria de pulso, pressão arterial não invasiva, eletrocardiograma e temperatura corporal. A induc¸ão daanestesia foi feitacom sevoflurano e óxido nitrosoem oxigênio. Uma cânula intravenosa foi inserida e alaringoscopia feitadurante ventilac¸ão espontânea. As tentativasdeintubac¸ãofeitaspormeiodeabordagem tra-dicional pelalinhamédia com pressão cervical anteriore aumentodaextensãodacabec¸a falharam ea visibilidade foiavaliada comograu 4.Portanto,a cabec¸a dopaciente foiligeiramenteviradaparaaesquerdaeumalâmina Mil-lerreta,tamanhozero, foiintroduzidapeloladoextremo direitodaboca. Apontadaepiglotefoivisualizadacoma ajudademanipulac¸ãoexterna dalaringeeaintubac¸ão às cegasfeitacomtuboendotraquealde3,5mmsembalão.
Oposicionamento dotuboendotraqueal foiconfirmado por meiode capnografia e ausculta dos pulmões. O tubo endotraquealfoifixadoeotamponamentoorofaríngeocom gazesfeito.A anestesiafoimantida comsevofluranoa2%
130 E.A.Koseetal.
commistura deoxigênio e óxidonitroso na proporc¸ãode 50:50. Agentes bloqueadores neuromusculares e opiáceos nãoforam usados durante a cirurgia. O manejo de líqui-dos foi feito com administrac¸ão intravenosa de soluc¸ão balanceadadeeletrólitos,considerandoocálculodos défi-citsperioperatóriose osvaloresbasaisdacrianc¸a.Nofim da cirurgia, o tamponamento foi removido e a traqueia extubada quando o paciente estava completamente des-perto. Paracetamol (25mgkg---1) foi usado para analgesia
pós-operatória.Apósumperíododerecuperac¸ãosem inter-corrências,opacientefoilevadoparaaunidadedeterapia intensiva.
Discussão
Omanejo anestésicocuidadosoé necessáriopor causado envolvimento de vários sistemas. Deve-se ter sempre em mente apossibilidade de via aéreadifícil diante de paci-entecompescoc¸ocurto,micrognatiaerecuodemandíbula, àsvezescomfissuralabiale/oufendapalatina.Apóso pre-paroparaintubac¸ãodifícil,preferimosainduc¸ãoanestésica porinalac¸ãocomsevofluranosemsupressãodaventilac¸ão espontânea. Por causa da possibilidade de introduc¸ão de uma lâmina curva na linha de visão, uma lâmina Miller reta, tamanho zero, foi usada, mas a laringe não pôde servisualizadapelaabordagemtradicionaldalinhamédia. Portanto,alaringoscopiacomlâminaretaparaglossal des-critaparaintubac¸ãotraquealdifícilfoiusadaeaintubac¸ão àscegas feita após se visualizar a ponta da epiglote.5 A
abordagem lateral foi feita para ultrapassar a língua e as estruturas maxilares e melhorar a visão da glote. Em caso de fracasso na intubac¸ão, o nosso plano de reserva era fazer uma laringoscopia por fibra óptica. O uso de máscaralaríngea foidiscutido, masnão escolhidoporque poderiaser impossível garantir umavia aérea segura por causa dos movimentos da cabec¸a durante a operac¸ão e dapossibilidade de aspirac¸ão das secrec¸ões orofaríngeas. Ouso de succinilcolina foi evitadoporque poderiacausar a liberac¸ão em excesso de potássio, disritmias cardíacas fatais e hipertermia maligna. Por causa do risco aumen-tado de hipertermia na SWW, a temperatura corporal foi monitoradaduranteacirurgiaenoperíodopós-operatório.
2,3 Relaxantes musculares não despolarizantes e opiáceos
nãoforamusadosporcausadapossibilidadederecuperac¸ão tardiaedadepressãorespiratóriapós-operatóriaresultante dafraquezacrônicadosmúsculosrespiratórios.2,3Analgesia
pós-operatóriafoifornecidacomparacetamole asedac¸ão profunda foi evitada. Disfunc¸ão pulmonar pós-operatória e consequente pneumonia poraspirac¸ão foram considera-das; portanto, as secrec¸ões orofaríngeas foram aspiradas regularmente.
Embora nossopaciente nãoapresentasse anormalidade geniturinária, disfunc¸ão renal e envolvimento dos múscu-loscardíacospodemserobservadosnaSWWeéimportante reconheceroaumentodoriscodeinsuficiênciacardíacae renalnoperíodoperioperatório.2Ocontroledamanutenc¸ão
adequada delíquidosdeve serfeitopara evitardisfunc¸ão renaledepressãocardiovascular.
Ascrianc¸ascomSWWpodemestarcomapressão intra-craniana(PIC)aumentada;portanto,aconduta anestésica deve incluirprecauc¸ões ao fornecer umacirculac¸ão cere-bral adequada, como evitar o aumento ou a diminuic¸ão excessiva da pressão arterial média.3 Também é
impor-tantereconhecerqueospacientescomSWWsãopropensos a desenvolver convulsões, episódios de apneia central e obstrutiva,dificuldadedeengolireconsequente insuficiên-ciacardiorrespiratória,pneumoniaporaspirac¸ãoesepse.2,3
O uso de fármacos epileptogênicos e episódios hipóxicos podemlevaraconvulsões.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
1.Walker AE. Lissencephaly. Arch Neurol Psychiatry. 1942;48:13---29.
2.DobynsWB,PagonRA,ArmstrongD,etal.Diagnosticcriteriafor Walker---Warburgsyndrome.AmJMedGenet.1989;32:195---210. 3.Sahajanda H, Meneges J. Anaesthesia for a child with
Walker---Warburgsyndrome.PediatrAnesth.2003;13:624---8. 4.CroweC,JassaniM,DickermanL.Theperinataldiagnosisofthe
Walker---Warburgsyndrome.Diagnosis.1986;6:177---85.