• Nenhum resultado encontrado

As histórias em quadrinhos na educação do Peru no século XXI

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "As histórias em quadrinhos na educação do Peru no século XXI"

Copied!
133
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NA EDUCAÇÃO DO PERU NO SÉCULO XXI

ROSA ALICIA NONONE CASELLA

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NA EDUCAÇÃO DO PERU NO SÉCULO XXI

Dissertação em curso apresentada por Rosa Alicia Nonone Casella ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a qualificação no Curso de Mestrado no Núcleo de Teoria e História da Educação sob a orientação do professor Vilde Gomes de Menezes

(3)

Catalogação na fonte

Bibliotecária Andréia Alcântara, CRB-4/1460

C337h Casella, Rosa Alicia Nonone.

As histórias em quadrinhos na educação do Peru no século XXI / Rosa Alicia Nonone Casella. – 2016.

120 f. ; 30 cm.

Orientador: Vilde Gomes de Menezes.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE. Programa de Pós-graduação em Educação, 2016.

Inclui Referências, Apêndices e Anexos.

1. Educação - Peru. 2. Histórias em quadrinhos. 3. UFPE - Pós- graduação. I. Menezes, Vilde Gomes de. II. Título.

(4)

ROSA ALICIA NONONE CASELLA

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NA EDUCAÇÃO DO PERU NO SÉCULO XXI

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito final para obtenção do título de Mestra em Educação.

Aprovada em 31/03/2016

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Vilde Gomes de Menezes (Orientador) Universidade Federal de Pernambuco

Prof. Dr. Amaro Xavier de Braga Júnior (Examinador Externo) Universidade Federal de Alagoas

Prof.ª Dr.ªAurenéa Maria de Oliveira (Examinadora Interna) Universidade Federal de Pernambuco

(5)

sido uma inspiração para realizar este estudo tão importante para mim. Lembro bem quando ela era pequena, nos seus momentos de descanso, depois de estudar e de fazer todas as tarefas da escola, ela sempre tinha o costume de pegar uma folha em branco que depois virou um caderninho pequeno onde ela criava historinhas em quadrinhos.

Sem nunca ter tido aulas de desenho, ela desenhava todos os personagens que vinham da mente dela, principalmente com características mangás (Los chinos de siempre en sus dibujos), com um talento incrivelmente perfeito em todos os seus desenhos de forma bem minuciosa e cautelosa.

Sempre a via calada e muito concentrada nas suas criações sequencias onde colocava diálogos entre todos os personagens com muita habilidade, precisão e beleza em cada vinheta criada por ela. Adorava ver como ela desenhava atentamente. Seu rostinho de criança refletia um semblante de paz e felicidade por estar fazendo o que ela mais gostava e ainda gosta aos seus quase 28 anos deidade.

Eu ficava admirada sempre que a minha irmã desenhava. Ela passava horas e horas

desenhando pensativa como se mais nada existisse no mundo para ela. É um nítido flashback que vem na minha mente agora quando lembro do lugar exato onde ela desenhava, sempre num cantinho da sua cama e algumas vezes, enquanto desenhava, ela levantava o olhar para ver os desenhos animados preferidos dela na TV e continuava desenhando até entrar no sono. Querida irmã mesmo estando distantes e sabendo bem dos teus sonhos que queres concretizar, quero registrar o carinho imenso que sinto por ti nesta dissertação e com este sentimento tão precioso e infinito que sinto por você, pelo meu filho Diego, e a toda a nossa família quero finalizar a minha dedicatória com esta estrofe de uma linda canção:

Eu tenho tanto paratefalar,Mas com palavras nãoseidizerComo é grande o meu amor porvocê! ¡Te quiero mucho manita! Com carinho, Rosa Alicia.

(6)

fase de extrema importância para expressar os meus mais sinceros agradecimentos por estar finalizando esta pesquisa com gostinho de conclusão e principalmente por ser um momento tão especial que ficará eternamente na minha memória e no meucoração.

Ao meu amor eterno Dieguito! Meu filho que me inspira, me alegra e me motiva. Tudo que para te dar um futuro próspero e seguro com o intuito de te ver feliz sempre.

Ao meu amado esposo Thiago Modenesi que é o meu sorriso e meu sereno bálsamo na minha vida. Eis a minha guia e fortaleza nos meus despertares diários com quem me sinto plena, principalmente por ter me dado todo o apoio, suporte, tranquilidade, dicas, conselhos e conhecimentos valiosos que foram necessários na construção e desenvolvimento na minha dissertação.

Thiago te admiro imensamente e te agradeço por ser um grande ser humano comigo, um pai dedicado e carinhoso, por querer me ver sempre feliz e por toda a trajetória dedicada aos seus estudos nas histórias em quadrinhos que estão presentes na sua biblioteca-quarto repleta de diversos tipos de gibis que você coleciona desde 1984, aos teus 10 anos de idade que começasse a colecionar gibis e te guiaram a um caminho profissional investigativo de sucesso. Neste ano completas 32 anos de puro amor a este ramo de estudo tão enriquecedor de saberes, lindo artisticamente e gratificante porque sempre te completa e te estimula, a querer cada vez, continuar com a leitura de HQs. Muito obrigada por tudo meu amor!

Ao meu prezado e querido orientador Professor Dr. Vilde Menezes a quem agradeço imensamente pelo seu apoio e crescimento intelectual que me brindou nesta etapa crucial da minha vida acadêmica. Muito obrigado professor Vilde por ter querido me orientar desde um início por ter considerado o tema da minha dissertação muito interessante e importante para abrir um novo leque de união de conhecimentos internacionais entre Peru e Brasil no campo de estudo das histórias em quadrinhos do Peru no núcleo de teoria e história de educação no mestrado da UFPE e tudo isto me motiva a querer seguir em diante com mais pesquisas sobre HQs na áreaeducacional.

Aos meus irmãos Carlos, Alfredo e Luísa que são a minha força e porto seguro em todo momento que preciso. Agradeço a Deus por serem a minha família e Los Quiero Mucho

incondicionalmente.

As minhas queridas cunhadas Maira e Catarine que me apoiaram e torceram pelo meu sucesso do meu mestrado desde o início.

(7)

A Librería Peruana Contracultura que me ajudou muito com a aquisição de material para meus estudos.

A Fernando Franco Quiróz por me orientar com a aquisição de historietas educativas peruanas para a minha dissertação e ao historietista peruano Luis Serrano por me conceder material de pesquisa para meu mestrado.

A Ricardo (Gargo) da Historieta Wayra por ter me apoiado com a minha investigação sobre as historietas peruanas com base especifica na história dos Incas.

Ao Instituto Cervantes de Recife por me conceder uma licença temporária para me dedicar ao meu mestrado e ao meu filhotinho Diego.

A minha querida família que mora no Peru, Estados Unidos e Canadá por toda força e apoio aos meus estudos por me tornar a única pessoa da família em estar fazendo mestrado. Vocês estão presente no meu coração, infinitamente!

A minha irmã do coração Angelica Reaño Cortéz por ter me ajudado a conseguir e enviado ao Brasil duas historietas peruanas Grumete Grau. Muchas gracias mi querida Angie y a tu primo mis agradecimientos también desdeBrasil!

A minha tia Roxana Maria Casella Oxley por ter-me ajudado e enviado material de pesquisa da escola do meu primo Angelo desde Peru ao Brasil.

E aos meus pais Luísa e Carlos e a minha tia Rosita Kroetch, que em paz descanse, que me guiaram com seus sábios conselhos para nunca parar de estudar e me tornar uma mulher de bons princípios e independente para tudo navida.

(8)

Esta dissertação tem como principal objetivo estudar as possibilidades educacionais contidas em histórias em quadrinhos peruanas, as chamadas historietas, que tratam dos Incas e de figuras heroicas, históricas e da literatura de reconhecido relevo para aquele país na rede de ensino público e privada do mesmo. Para tanto estudamos as historietas utilizadas nas salas de aula do ensino regular peruano, historietas publicadas no país e as cartilhas e manuais que orientam os estudantes na leitura, confecção e elaboração das mesmas. Aqui buscamos responder a seguinte pergunta: as histórias em quadrinhos são parte relevante da política

educacional que objetiva a preservação da tradição histórica e da construção do homem peruano civilizado do século XXI? Queremos demonstrar que as histórias em quadrinhos têm

e tiveram relevância no processo educacional peruano, o fazemos a partir do debate da edificação do processo civilizador daquele país nos apoiando nas teorias de Norbert Elias e José CarlosMariatégui.

(9)

This thesis aims to study the educational possibilities contained in stories from Peruvian comics, dealing with the Incas and heroic figures of historical and recognized relevant literature to this country in public and private schools ot the same. For this we have studied stories used in Peruvian mainstream classrooms, short stories published in the country and booklets and manuals that guide students in the reading and making of the comics. Here we seek to answer the following question: Are comics a relevant part of education policy which aims at preserving the historical tradition and the construction of civilized Peruvian man of the XXI century? We want to show that comics had and still have a relevance in the Peruvian educational process, we do it from the debate of the building of the civilizing process of this country by supporting the theories of Norbert Elias and Jose CarlosMariategui.

(10)

Figura 1 – Capa da revista Ayar, la leyenda de los inkas, Editora Tawa (2014) Figura 2 – Quadrinhos de Ayar, la Leyenda Inka, Editora Tawa (2014)

Figura 3 – Capa dos livros Origen de los Incas – Sketchbook, 2004 e Origen y Fundación de los Incas – Incary, 2007, editora Art Comics, ambas de autoria de Juan Carlos Silva.

Figura 4 – Página interna do livro Origen de los Incas, de Juan Carlos Silva, 2007, Art Comics

Figura 5 – Página interna do livro Origen de los Incas, de Juan Carlos Silva, 2007, editora Art Comics

Figura 6 – Tiras de jornal reproduzindo a historieta El origen de los Incas, de Juan Carlos Silva, ano 2011.

Figura 7 – Super Juan, o Super herói peruano.

Figura 8 – Imagem de uma entrevista realizada ao historietista e sociólogo peruano Juan Carlos Silva.

Figura 9 - Capa de 2 edições de Tupac Amaru, ano 1985, aqui construído como personagem por Juan Acevedo

Figura 10 - Império Incaico no Mapa do Peru.

Figura 11 – Historieta El Mundo de Wayla, publicada na página da rede social Facebook, retrata detalhes dos Incas e do idioma quipu.

Figura 12 – Campanha de inverno promovida em 2009 no Peru para ajudar as crianças que faleciam por frio, a mesma foi elaborada na linguagem de historieta.

Figura 13 – Capa da primeira edição de El Tesoro de los Huamachucos, 2011, Gobierno de Peru.

Figura 14 – Primeira página da historieta El Tesoiro de Los Huamachucos, 2011, Gobierno de Peru.

Figura 15 – Página 2 da historieta El Tesoro de los Huamachuco, 2011, Gobierno de Perú. Figura 16 – Revista eletrônica de historietas Characato Comics, na capa jovem com indumentária caracterísitca do Peru, 2013.

Figura 17 – foto com peruanos lendo historietas, fonte sítio www.arkivperu.com

Figura 18 – página interna de NUEVA CRÓNICA Y BUEN GOBIERNO de Felipe Ayala. Figura 19 – página interna de NUEVA CRÓNICA Y BUEN GOBIERNO de Felipe Ayala. Figura 20 – página interna de NUEVA CRÓNICA Y BUEN GOBIERNO de Felipe Ayala

(11)

Figura 23 – página interna de NUEVA CRÓNICA Y BUEN GOBIERNO de Felipe Ayala Figura 24 – Página de Nueva Crónica y Buen Gobierno

Figura 25 – Capa e primeira página da primeira versão em historieta do herói de guerra Miguel Grau. (1979, 90 pg., Ed. Marina de Guerra del Perú). Textos: Octavio Santa Cruz – Desenhos: Luis Baldoceda E.

Figura 26 – Capa da revista Ayar, la leyenda de los inkas, número 3.

Figura 27 – Capa e primeira página de versão mais recente com o herói de guerra Miguel Grau. GRAU El Combate de Angamos (2009, 28 pág., Ed. Andares, Sello Comix Cultura)Texto: Luis Berrios – Desenhos: Ella Bravo.

Figura 28 – Imagem dos Super Heróis Peruanos. Figura 29 – Capa de Miguel Grau Seminário.

Figura 30 - Capa e página interna de Grumete Grau – el niño de los mares (2004), Editora Vuk.

Figura 31– Última Hora, ―El periódico de mayor circulación en el Peru‖, em outubro de 1952 anuncia ―personagens 100% nacionais‖.

Figura 32 – desenho de personagem de origem Inca criado por Pablo Marcos, desenhista peruano reconhecido no mercado norte-americano de histórias em quadrinhos, desenhando para as editoras Warren e Marvel durante a década de 70 do século XX.

Figura 33 – La Raza - Equipe de super-heróis peruanos, com características culturais do país representada em suas roupas (Xcorpiona1, Descomunal2, Chola Power3, Guachy-man4 y Super-Mamacha5 no traço de José Luis Miranda).

Figura 34 – Historieta Super Cholo, publicado inicialmente no diário ―El Comercio‖ em 1957, escrito por Diodoro Kronos e desenhado pelo austríaco Victor Honigman até 1966.

Figura 35 – capa do caderno dominical de cultura do Jornal El Comercio do Peru, Supercholo repaginado para o século XXI, ao completar 55 anos, mas mantendo as características culturais e de vestimentasperuanas.

(12)

"EL INCA GARCILASO DE LA VEGA

Figura 39 – Divulgação sobre a Historieta de Garcilaso de la Vega. Figura 40 - Historieta educativa sobre Túpac Amaru.

Figura 41 – Imagem da divulgação da Historieta sobre o poeta peruano Mariano Melgar. Figura 42 - Tradiciones Peruanas – Don Dimas Tijeretas

Figura 43 - Historieta baseada na vida e obra literária do grande poeta peruano Cesar Vallejo Figura 44 - Capa de Paco Yunque adaptada por Juan Acevedo

Figura 45 - Obra de Cesar Vallejo adaptada por Juan Acevedo – Tema: o Bullying nas escolas Figura 46 - Imagem da Historieta Dioses y hombres de Huarochirí.

Figura 47 – Imagem da reportagem da historieta e divulgação dos criadores do Manuscrito de Huarochiri.

(13)

1 -INTRODUÇÃO ... 13

2 – O PROCESSOCIVILIZADORPERUANO. ... 19

3 – A HISTÓRIA DO PERU E A SUA EDUCAÇÃO ATÉ O SÉCULO XXI ...34

3.1 – O ATO DE EDUCAR E AS HISTORIETAS...44

3.2 A EDUCAÇÃO E AS NUANCES PERUANAS QUE ESTAS ACARRETAM. ... 55

4 – AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E AS HISTORIETASPERUANAS ...61

5 – AS HISTORIETAS E A INFLUENCIA LITERARIA PERUANA...,,,...86

CONCLUSÃO. ... 105

REFERÊNCIAS ... 109

APÊNDICE. ... 114

QUESTIONÁRIOINVESTIGATIVO ... 117

(14)

1. INTRODUÇÃO

O Peru é um dos principais países latino-americanos, possui rica tradição histórica e uma civilização que já se encontrava bastante consolidada antes dos espanhóis chegarem àquele país, essa consolidação se apresentava nas edificações dos prédios, nos cultos religiosos, na organização de sua sociedade e também na educação.

Os Incas já habitavam aquele território, são parte indissociável da história do país, estão intrinsecamente ligados a suas origens, sendo até anteriores a formalização do Peru comonação.

O estudo da influência do povo Inca sobre os peruanos na atualidade colabora para melhor entendermos a força que tal civilização tem até o presente sobre o povo do Peru, em particular no que diz respeito à educação no século XXI.

Nosso trabalho busca estudar como, mesmo com o passar de séculos, a tradição incaica se mantém viva e influente na atualidade, pautando desde as refeições diárias que vão às mesas até o comportamento de todo um país.

O orgulho do passado e da tradição incaica se materializa na história do Peru, esta prima pelo resgate e valorização dos seus antepassados, seja na cultura, nos hábitos ou nas figuras históricas de relevo.

A civilização Inca teve relevância para a América, e para o Peru em particular, assim como os Astecas e os Maias tiveram para México. Destacadamente, a educação na civilização incaica foi responsável por raízes históricas importantes para esta nação.

Essa história, baseada em figuras incaicas e também nas nacionais de cunho heroico e proeminente, cumpre função educacional nas escolas peruanas do século XXI, estão na forma de educar apoiada em figuras de destaque histórico associada a valorização do construído através da representação destes em histórias em quadrinhos (historietas6) que foram mudando na forma e linguagem ao passar dos anos, mas preservando a intenção de educar na ludicidade.

As historietas são vistas aqui em nossa pesquisa como parte integrante de políticas educacionais que tem a finalidade de preservação da tradição histórica e da constituição do homem peruano civilizado do século XXI.

6

As histórias em quadrinhos são chamadas por diversos nomes distintos nos mais variados países: tebeo na Espanha, comics nos Estados Unidos, banda desenhada em Portugal, fumetti na Itália e mangá no Japão, apenas para citar algunsexemplos.

(15)

Enquanto nação consolidada a partir do processo civilizador que se desenvolveu neste país, a abordaremos apoiados no uso das histórias em quadrinhos e seu uso nas escolas do Peru.

Entendemos que as Historias em Quadrinhos não foram o único elemento que influenciou na construção desse processo histórico que possui relação com a educação, mas aqui exploraremos as possibilidades que esse instrumento possuiu nesta situação, bem como a sua evolução como possível ferramenta pedagógica, vinculado a educação peruana.

Entre estas figuras heroicas se destaca na atualidade Miguel Grau, general peruano que foi considerado um dos principais heróis do século XX deste país e retratado na forma de histórias em quadrinhos publicadas pelo Centro Naval do Peru e depois por várias outras editoras. Fato este que detalharemos em capítulo específico, que tratará da relevância do mesmo como o mais importante vulto histórico adaptado aos quadrinhos com fins educacionais no Peru.

Justificamos nossa opção de pesquisa por nossa nacionalidade. Sou peruana, estudei na rede privada de ensino daquele país, vivo no Brasil desde 1989 e também leciono aqui, sou professora de língua espanhola no Instituto Cervantes e cursei minha graduação e pós- graduações em instituições de ensinobrasileiras.

A busca de uma análise científica do que vivi como estudante nas salas de aula do Peru e de como isso deve ter se desdobrado, evoluído e potencializado ao passar dos anos me motivou a seguir essecaminho.

A forte tradição que os antepassados dos peruanos seguem exercendo sobre aquele povo se deu e se dá nas mais variadas formas, entre estas tive contato com as histórias em quadrinhos ainda bem jovem e acho relevante o fato de a mesma seguir sendo uma referência na área de aprendizado, inclusive tendo ampliado sua influência.

Meu contato não se deu inicialmente com historietas pensadas com fins educacionais específicos, nem tão pouco com uma publicação originalmente peruana, mas através do título

Condorito, uma historieta chilena distribuída em vários países de língua espanhola latino-

americanos que segue sendo publicada até hoje.

O Condorito, ao lado de Mafalda, uma criação do argentino Quino, são personagens consagrados e reconhecidos no imaginário dos latino-americanos de língua espanhola até os dias atuais, tendo participado da formação de gerações.

Essa maneira de chegar ao mundo dos quadrinhos não é exclusiva minha, a maioria das crianças acabam por encontrar com uma HQ em idade escolar ou até mesmo pré-escolar,

(16)

vão ter contato com a leitura das imagens e com as primeiras letras e cores por esse instrumento pedagógico não formal e, na maioria das vezes, também não intencionalmente elaborado com essa finalidade por parte dos seus autores.

Possuímos ligação com o objeto, tenho nacionalidade peruana e vivi a minha infância e adolescência a situação de habitar um país contagiado em todos os seus aspectos pelo orgulho de ser parte da civilização e tradição incaica, o processo civilizador peruano tem sua marca mais forte na presença dos Incas no passado de nosso povo e na defesa dessa herança em contraposição ao legado do colonizador. Culturalmente, o peruano reivindica a ligação com os Incas como sua verdadeira origem, maculada pelosespanhóis.

Na escola tive contato com as historietas que retratavam o general Miguel Grau, bem como o tiveram membros de nossa família, conhecidos, amigos e outros. As histórias em quadrinhos possuem tradição e importância no Peru, são muito vinculadas a análise e sátira política e à retratação histórica, literária, e das lendas e/ou construção de personagens que carregam essa herança.

No desdobramento disso obtive informações de políticas públicas educacionais apoiadas em histórias em quadrinhos e no aumento do público leitor no Peru, inclusive através da internet e suas redes sociais com diversas páginas construídas por artistas de meu país.

Acabei por optar em tentar compreender mais e melhor a influência desse meio de comunicação de massas entre os peruanos, como participam desse processo educacional e qual o relevo da sua presença nomesmo.

Estudar a atualidade da edificação dos heróis, algo recorrente nas historietas, com o corte específico de peculiaridades educacionais e culturais de hoje, nos ajudará a compreender melhor o povo do Peru, a influência real que tal civilização tem até hoje nos peruanos e o que ela mudou nos hábitos, no educar e ser educado, além das suas consequências para aquele país no século XXI.

Mas não só, buscou também apresentar as políticas educacionais apoiadas em histórias em quadrinhos que contenha a preservação da memória histórica construída na disciplina da historia do Peru junto às novas gerações que frequentam as escolas do país.

Aqui buscamos responder a seguinte pergunta: as histórias em quadrinhos são parte

relevante da política educacional que objetiva a preservação da tradição histórica e da construção do peruano civilizado do século XXI?

(17)

Há uma percepção e ligação maior com o passado, na nossa história, no caso a do Peru, do que aqui no Brasil a grosso modo, me parece que isso possui mais força, maior vulto entre os peruanos do que entre osbrasileiros.

Digo isso por um maior culto e reconhecimento das figuras históricas e dos contextos que antecedem a chegada do colonizador, visto os nativos como heróis e defensores de uma tradição com o qual até hoje os peruanos se identificam.

Há de se destacar que as histórias em quadrinhos peruanas também apresentam relação e retratação da literatura daquele país, seja transpondo contos locais ou retratando poemas ou poetas e escritores daquela nação.

Então, as HQs podem ser parte das expressões culturais (junto com o cinema, a literatura, o teatro, a música, as roupas e outros) que buscam retratar, valorizar, amplificar e lembrar a história peruana, as características desse povo e de sua herança cultural.

Suas marcas (a exemplo do Super Cholo7 e La Chola Power8) e traços físicos e culturais ali são explorados e, às vezes, até amplificados para demonstrar a diferença de ser peruano em relação ao resto da América e do mundo.

O cholo é o mestiço entre o branco europeu e o índio peruano, ou aquele índio que adota costumes ocidentais e os miscigena com os peruanos. Nos parece que a primeira definição é a que está mais próxima ao que consideramos em uso nos dias de hoje do século XXI no Peru.

Embora isso parta da valorização dos Incas e de sua tradição como a herança mais expressiva e forte do Peru anterior à chegada dos espanhóis isso não basta, há toda uma valorização de outros personagens, roupas, idiomas, palavras, expressões, estereótipos, bebidas e várias outras coisas que os peruanos buscam manter no tempo presente em diálogo e valorização de seu passado, por toda a força e elaboração que as civilizações anteriores aos europeus têm e tiveram nesta nação e em seu povo.

Nosso objetivo geral é a construção de um estudo, das diferenças e semelhanças presentes na civilização incaica e da memória cultural na educação dos dias de hoje no Peru por meio das historietas.

Faremos isso a partir da análise das historietas, nosso objeto, que tratam sobre o tema. A relação destas com a evolução da oferta de conhecimentos e idiomas na rede de ensino, em sintonia com a valorização do passado, considerando que antigamente nem todas as escolas 7

Super Cholo foi criado por Víctor Honigman, con los guiones de Diodoros Kronos (Francisco Miró Quesada C.), em1957

8

(18)

peruanas ensinavam, por exemplo, o idioma quéchua, traço de uma herança culturas dos antepassados peruanos que o tempo foi apagando e o Ministério da Educação daquele país tem tentado retomar nos dias dehoje.

Partimos do objetivo específico para investigar a evolução da educação dos Incas até os dias atuais do Peru, nos apoiando no que o Ministério da Educação criou e planejou para as séries que formam o ensino fundamental e médio, além de fazermos a análise de materiais didáticos que tenham relação com as histórias em quadrinhosperuanas.

Para responder estas provocações, apresentarei e analisarei no capítulo 1 de nossa dissertação a construção do processo civilizador peruano e da relação entre os estabelecidos e os outsiders deste país na sua antiguidade, anterior ao processo de colonização, o impacto da chegada dos espanhóis e a mudança dessas relações, fizemos isso a partir da teoria de Norbert Elias.

Aproveitaremos a relação com os povos e as lendas do Peru para ajudar a ampliar os horizontes de possibilidades de estudos e ao melhor entendimento da profundidade e profusão cultural herdada naquela nação pelos seus antepassados, isso foi feito aqui a partir dos estudos e ideias de José Carlos Mariatégui.

Mariatégui nos auxiliou aqui dando um olhar histórico e educacional sobre o Peru dos séculos anteriores, como por exemplo, no século 16 índio queria dizer no Peru, habitante da América; depois, a partir do século 17, foi sinônimo de servo ou escravo. Para considerar a importância dos senhores da terra, não bastava medir apenas a extensão de suas fazendas, mas sim, sobretudo o número de seus índios.

Depois os índios passaram a ser cholos categoria ainda vigente no Peru de hoje, ainda que sem a força que tinha em 1928. Nessa concepção, só se tratavam os índios como objetos, isto nos ajuda a tornar acessível uma análise de conjuntura que embasa o melhor entendimento de umarealidade.

No capítulo 2 trataremos da relação do processo civilizador com a educação e as políticas educacionais peruanas do século XX e XXI. Com este fim estudaremos a utilização das histórias em quadrinhos pelos professores e estudantes, diferenciando as pensadas e publicadas com fim educacional claro e apoiadas pelo governo, em particular as que se relacionam com os Incas e com as figuras históricas proeminentes do Peru.

Aqui abrimos um subitem específico para tratar de algumas experiências concretas da utilização de histórias em quadrinhos na sala de aula, o fazemos através da análise de plano de aulas de alguns professores e entrevista dos mesmos acerca da referida experiência.

(19)

Tal estudo foi feito a partir de material do governo do Peru e de plano de aulas adquiridas junto a professores de lá, já a pesquisa foi realizada através de e-mail em formato de perguntas objetivas, no total de vinte, isso foi associado a análise de cartilhas que orientam como usar as historias em quadrinhos em sala de aula e estudos sobre a relevância das

historietas no processo educacional desta nação, documentos estes disponíveis na internet e

no sítio do Ministério da Educação doPeru.

Já no capítulo 3 pesquisamos a origem das histórias em quadrinhos, o que são, quais elementos as constituem e qual sua história, em particular dando destaque e diferenciando as que são peruanas, as chamadas historietas, fazendo o resgate histórico e da sua memória construída a partir de pesquisadores da área naquele país.

Aqui analisamos também a obra de Juan Acevedo, quadrinhista ainda vivo e que é considerado a maior expressão das historietas peruanas, em particular é relevante os seus trabalhos que possuem ligação com a história e memória cultural do Peru até os dias atuais, sendo constantemente citado em estudos acadêmicos dessa nação e cultuado pela imprensa peruana.

Nosso objetivo aqui é tornar acessível aos que não pesquisam histórias em quadrinhos a linguagem e símbolos da mesma, suas representações e variáveis em que se apresenta para o público leitor, explicar o que é o sistema que compõe uma história em quadrinhos, como ele é recebido e digerido pelo leitor, além do impacto dos estudantes produzindo as historietas no Peru, orientadas pela política educacional daquelanação.

Por fim, no capítulo 4 apresentamos a análise de conteúdo e imagens de várias histórias em quadrinhos publicadas com foco no personagem histórico Miguel Grau e nas cartilhas peruanas elaboradas para a utilização de historietas nas escolas daquelanação.

Articular historietas e educação, mostrar suas possibilidades educacionais e como esse mundo foi ampliado e aprofundado nos últimos anos, acessar um país diferente do Brasil, analisar e expor sua cultura e sua arte, aqui materializada nas histórias em quadrinhos, é a contribuição que buscamos dar à história da educação.

O principal foco de nosso trabalho tem em vista o debate teórico e metodológico envolvido no uso das historietas na educação e a análise da experiência educacional do Peru vinculada ao uso dos quadrinhos.

Analisar HQs, discutir autores pouco estudados em solo brasileiro, dar acesso a

(20)

quão amplo se tornou o universo de publicação de histórias em quadrinhos, bem como da variedade quase infinita dos temas que estas abrangem nos dias de hoje.

No capítulo 5 que segue busco apresentar na maneira mais simples e objetiva possível o Peru, a nação em que nasci e cresci, para pesquisadores de educação e histórias em quadrinhos do mundo todo.

Já no capítulo 6 discutiremos a relação das historias em quadrinhos com a produção literária peruana, seus pontos de convergência, assuntos e enfoques comuns e a importância de analisa esta relação pela relevância da literatura peruana para sua história e seupovo.

Não há dúvidas das várias convergências entre Peru e Brasil, nações exploradas por espanhóis em momentos diferentes de sua história, que viram seus povos terem hábitos, línguas e religiões soterradas pela do colonizador que impôs seu domínio, não quis colonizar, se miscigenar, mas conquistar e subjugar.

As histórias desses países se cruzam, por isso também utilizo pesquisadores brasileiros quando trato da definição de histórias em quadrinhos e de várias facetas do debate educacional.

Na minha opinião, a qual procuro corroborar cientificamente nas páginas que se seguem, as historietas peruanas são uma clara representação da história de meu país, de seu passado, do seu presente e do que pode vir a ser no futuro.

Entender que as mesmas são parte do processo educacional, que educam e formam numa determinada perspectiva, mesmo quando sequer foram pensadas e desenhadas nesse rumo, foi o que me motivou a voltar a literatura, a sala de aula e ao imaginário cultural da nação em que nasci e cresci.

Tudo isso foi feito na intenção de contribuir para o debate acerca das possibilidades educacionais contido no material pesquisado para o núcleo de Teoria e História da Educação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, onde desenvolvi esse trabalho na forma de dissertação de mestrado sob orientação do Professor Dr. Vilde Menezes nos anos de 2014 a 2016.

2. O PROCESSO CIVILIZADORPERUANO

Aqui vamos analisar elementos na educação que demonstram a forte presença destas particularidades na atualidade, como por exemplo, o uso das folhas de coca que os incas consumiam, hoje em dia transformada em bala, chá ou até mesmo a própria folha da planta da coca para combater o Soroche que é o mal-estar causado pela falta de oxigênio devido à elevada altitude em Cusco.

(21)

Os Incas são retratados recorrentemente nas histórias em quadrinhos peruanas, exemplo recente disso é a obra Ayar, la leyenda9 criação de Óscar Barriga, Virginia Borja, Kaimer Dolmos, Erly Almanza y Christian Ramos que possui alcance internacional e penetração nas escolas peruanas.

Figura 1 – capa da revista Ayar, la leyenda de los inkas, Editora Tawa (2014)

Os autores peruanos transformaram a referida criação em produto de destaque internacional, em Ayar representam os Incas como fortes homens, de pele bronzeada, adereços e roupas elaborados. Há todo um cuidado com a imagem, a mesma apresenta na capa um homem ereto, sério, mirando o horizonte, com os cabelos ao vento, há o estereótipo do herói que se desenvolve e aprofunda durante ahistória.

Cabe ressaltar que os irmãos Ayar também fazem parte do imaginário peruano, são uma lenda ligada à construção da linhagem Inca, antecedendo-a na região de Cusco a partir de uma pequena comunidade ou tribo:

Esta lenda sobre a linhagem Inca, é mais antiga que a de Manco Cápac e Mama Ocllo e é mais confiável ainda por estar próxima ao pensamento andino.Estafoiselecionadaentreoutros,pelocronistaJuandeBetanzosno

9

O título se tornou uma referência internacional do Peru em HQs, tendo inclusive participado da SanDiego Comic Con, tradicional evento da área nosEUA.

(22)

ano de 1550 aproximadamente e escrita numa linguagem moderna pelo historiador Luis. E. Valcercely publicada em !984 na Historia do Peru antigo, Antes dos Incas Cusco era um povo que tinha 30 moradias habitadas por 30 ayllus cujo senhor deste povo se chama Alcaviza; os outros terrenos adjacentes eram apenas pântanos e a sete léguas deste encontra-se a colina Tamputoco ou Tambotoco que tem três cavernas. De uma delas... Pacaritambo (―Casa da Produção‖, ―Pousada do Amanhecer‖ ou "Casa do Enconderijo"), sairam quatro casais de irmãos e suas tribus: Ayar Cachi Y Mama Huaco, Ayar Uchu y Mama Ipacura o Cura, Ayar Auca e Mama Raua e Ayar Manco e Mama Ocllo (Sarmiento de Gamboa, 1943.cap.8).

Os Incas e as historietas não educam de hoje, pesquisadores da origem das histórias em quadrinhos no Peru, a exemplo de Infantas, em seu livro Historietas de ayer...y de hoy, argumentam que os primeiros a registrarem a história daquele país nos anos de 1500 o fizeram em parte com representações artísticas que poderiam ser consideradas historietas por conter a associação entre texto eimagem:

Ao redor do ano 1536, nascia em Ayacucho, Peru, Felipe Huamán Poma de Ayala, o melhor dos cronistas indígenas da nossa história. Talvez não seja tão interessante o estudo das 1296 páginas manuscritas que consta na obra de Huáman, (quem se ocupa desde a pré-história peruana, até o ano 1615, envia seu trabalho ao Rei de Espanha), como a análise de todos e cada um dos 398 desenhos com que ilustrou sua obra, a que segundo confissão do autor, lhe tomou 30 anos de sua vida; e um ano mais, para passá-la "a limpo" para apresentá-la devidamente ao monarca hispano. Tanto respeito tinha pelo Rei, que não se atreveu a escrever a longa carta de presentação de sua obra, do seu punho e letra, se não que contratou um experiente calígrafo da época, que com belíssimos caráteres, copiou o ditado de Huamán, com data 14 de fevereiro de 1615; carta que está conservada no Arquivo Geral das Índias, emMadrid.

No seu livro, Huamán informa sobre os usos e costumes do Peru; e sobretudo, dos abusos que se cometiam contra os indígenas, com a ideia de que o Rei terminasse com tais injustiças. Por isso, algum cronista chama Huamán "o Quixote índio"

Os desenhos de Huamán, têm um valor incalculável: não só porque o cronista autor da " A Primeira Nova Crônica e Bom Governo" estivesse bem dotado para diagramar corretamente sua obra, mas pelo peculiar estilo dos seus desenhos, em que observamos curiosos detalhes. Por exemplo. ao analisar o quadro 3, vemos como esse equivocado personagem chamado "Felipillo". mostra uma cara de pícaro enganador e sem vergonha que contrasta com a expressão ingenua de outros indígenas; e assim, cada um dos seus desenhos merece o mais detalhado olhar, para valorizar devidamente esta gigantesca obra. (INFANTAS, 1981,p.24)

A partir de tal experiência peruana que remonta mais de 500 de anos de distanciamento histórico relacionamos com a construção do estereótipo do forte, do referencialaseguir,datradiçãohistóricaqueprecisavaserlembradaequeémotivode

(23)

orgulho para esse povo descendente dos incas, bem como da revolta histórica do trato violento com os índios por parte do colonizador espanhol.

Aqui cabe destacar que diferente do Brasil e dos Estados Unidos, os peruanos têm uma ligação mais sólida com o povo inca que antecede a ocupação de seu território antes da colonização espanhola do país.

O povo Inca é descrito na literatura e nos livros de história do Peru e mesmo de outros países como heroico, combatente, trabalhador, visionário e capaz de resistir bravamente à colonização.

Embora tenha sido sumariamente destruído, possui uma ligação, uma presença sobre o imaginário do Peru atual que os índios brasileiros e norte-americanos não têm na mesma proporção em seus referidos países.

A relação de orgulho, reprodução de roupas, de hábitos (mesmo na atualidade), a referência ao passado anterior a chegada do colonizador não possui semelhante nos países citados.

Tanto no Brasil como nos Estados Unidos os índios se tornaram minoria (isso ocorreu no Peru também), mas, diferente do país andino, nos dois não são um exemplo civilizacional mais largo que seja seguido até a atualidade por seus povos.

Não há com os brasileiros e norte-americanos a busca da identidade com os povos que ali habitavam antes de suas respectivas colonizações, ao menos não de maneira tão ampla e enraizada como há no Peru.

As civilizações ali edificadas trabalharam bem a negação do passado e a inculcação de novos valores, comportamentos, línguas e demais hábitos em geral. A minoria indígena não se deu apenas na quantidade de sua população, se deu também na quantidade dos que buscam identidade com esse passado.

A teoria eliasiana corrobora isso na obra Os Estabelecidos e os Outsiders: ―Um grupo só pode estigmatizar o outro com eficácia quando está bem instaurado em questões de poder dos quais o grupo estigmatizado é excluído‖. (ELIAS, 2000, p. 23)

E assim se deu o processo de estigmatização dos Incas pelos colonizadores espanhóis, com os primeiros sendo excluídos da posição de poder da sociedade e tendo seus hábitos e costumes desmontados, soterrados e combatidos pelos espanhóis.

E prossegue o autor:

A peça central dessa figuração é um equilíbrio instável de poder, com as tensões que lhe são inerentes. Essa é também a precondição decisivade

(24)

qualquer estigmatização eficaz de um grupo outsider por um grupo estabelecido. Um grupo só pode estigmatizar outro com eficácia quando está bem instalado em posições de poder das quais o grupo estigmatizado é excluído. (ELIAS, 2000, p.23)

Nesse caso, os Incas saem da posição de estabelecidos na sociedade peruana pré- colonial e se tornam outsiders na nova configuração com o colonizador espanhol ocupando o papel de estabelecido.

Figura 2 – Quadrinho de Ayar, la Leyenda Inka, Editora Tawa (2014)

A afirmação de suas tradições, a vinculação com a capacidade que os Incas tiveram de edificar em tempos tão distantes sua civilização, seus hábitos e seus costumes têm uma clara admiração e uma busca de perpetuação destas características por parte expressiva dos peruanos do séculoXXI.

Isso tudo pode ser observado na figura 2, a presença de trajes típicos que se perpetuaram até os dias de hoje: chapéus, poncho que é um grande cobertor ricamente colorido de lã de alpaca, saias coloridas de lã para as mulheres, casacos e bordados, bem como o estilo de joias e a utilização de muitas cores nos trajes são heranças inegáveis do período incaicoperuano.

(25)

Aqui fazemos um estudo nos documentos10 do Ministério da Educação do Peru e nas publicações que orientam o uso de historietas em ambiente escolar sobre a maneira como se conduz o ensino sobre o período incaico aos estudantes peruanos na atualidade, entendendo isso como parte da educação e da formação do processo civilizador de um povo.

Para tanto, levantamos a importância que estes têm para todo um país como referência de comportamento e espelho de uma tradição que parece pautar os peruanos até o presente, isso sendo feito através da ludicidade e do fácil acesso proporcionado pelas histórias em quadrinhos daquele país.

Analisamos o aspecto dos hábitos e costumes peruanos bem como as mudanças das tradições incas do Peru, materializadas na educação. Aqui cabe uma reflexão sobre a formulação de Norbert Elias11 que não vê a construção da civilização e suas consequências necessariamente como algo positivo já que a mesma também pode se prestar a destruir culturas, costumes e hábitos que a antecedem.

Elias (1990), em particular no seu livro O PROCESSO CIVILIZADOR, estuda e retrata as relações intraclasse e extraclasse existentes na construção do que hoje chamamos civilização, neste trabalho se destaca o gesto de situar historicamente o processo civilizador e a capacidade de estudar as contradições e detalhes que existe dentro de um mesmo setor, uma mesma classesocial.

A partir deste autor buscamos analisar e entender a edificação da nação inca e seu entrelace com o processo civilizador peruano, além de discutir os hábitos e costumes de todo um império, como foram irradiados para além do núcleo de poder maior na sociedade incaica chegando a influenciar de antes até os dias atuais do povo peruano.

Com isto, vamos estudar o passado e a maneira que os Incas são analisados e apresentados nas escolas no Peru, formas de aprendizagem, comportamento social de acordo a

10

As Rutas de Aprendizaje são recuros metodológicos para o professor poder se guiar no ensino dediversos temas através das HistorietasEducativas.

11

NorbertEliasfoiumsociólogoqueteveformaçãodebasenasáreasdamedicina,filosofia,psicologiae

sociologia, lecionou na Universidade de Heidelberg (1924-29) e na Universidade de Frankfurt (1939-33). A obra Über der Prozess der Zivilisation. O autor analisa a formação e a consolidação dos estados na Europa e inter- relaciona-a com as alterações nos padrões individuais de comportamento e de personalidade, recorrendo a interessantes fontes ilustrativas, como sejam as das regras de etiqueta. Esta interdependência entre os indivíduos e a sociedade em que vivem é recorrente nas obras de Elias e as suas consequências teóricas correspondem à linha da figurational sociology com a qual o autor se identifica. As influências de Max Weber e de Freud são detetáveis na sociologia de Elias. As suas obras principais: Über der Prozess der Zivilisation (1939); Die Höfische Gesellschaft (1969); Was istSoziologie? (1970); The Loneliness of Dying (1982); Involvement and Detachment (1986); Die Gesellschaft der Individuen; Studien über die Deutschen(1989).

(26)

grau hierárquico entre os Incas e influência cultural incaica na sociedade peruana dentro do campo educacional nos dias de hoje.

O fazemos dentro dos conceitos eliasianos de relacionamentos como teias que entrelaçam vários matizes de diferentes aspectos de um povo, que caracterizam toda uma complexidade e interdependência, como visto na obra Estabelecidos e Outsiders do autor. (ELIAS, 2000)

Isso é muito marcante numa sociedade complexa como foi a Inca no Peru, com suas fortes tradições, religiosidade, costumes alimentares e arte. Expressão disso é a construção de todo um império, inclusive físico, pelos seus membros o que, em nossa opinião, demonstra uma integração grande em volta de um projeto e de uma civilização que ia sendo edificada.

Elias nos ajuda ao explicar o funcionamento e evolução do que define uma civilização, da inclusão gradual de conceitos, hábitos e práticas nas sociedades, passando a fazer parte do cotidiano, da paisagem de cada uma dessas.

Crucial nisso é o sentido do processo civilizador para Elias, segundo Souza (2014), ao analisar a obra eliasiana em relação ao processo civilizador:

De acordo com Elias, nada pode parecer menos ―incidental‖ ou considerado como ―meramente histórico‖ 1 na vida social do que a trajetória traçada pelos indivíduos ao longo do tempo. Na verdade todo esforço de nosso autor em formular uma teoria dos processos sociais visa exatamente examinar essa trajetória. De fato, esta problematização e sua compreensão são o fundamento de toda a sociologia figuracional e foi desenvolvida, por exemplo, de forma mais clara na sua obra ―A sociedade dos indivíduos‖. As composições formadas pelas cadeias de acontecimentos, ao invés de conformarem amontoados históricos, que vão unicamente se sucedendo uns aos outros, dão início a processos sociais capazes de estabelecer figurações entre os indivíduos: ―isso porque as estruturas da personalidade e da sociedade evoluem em uma inter-relação indissolúvel‖ (Elias, 1994, p.221). (SOUZA, 2014, p.5)

Utilizamos aqui o conceito e análise do processo civilizador para sublinhar a civilização Inca na sociedade peruana e a importância que tiveram os detalhes e as nuances absorvidas histórico e sociologicamente na construção do tecido social peruano:

Elias tenta captar como pode haver uma mutação civilizadora dos homens através do estabelecimento de novas regras de comportamento. As formas da vida cotidiana como comer, dormir, se comportar à mesa, falar em público são as formas privilegiadas onde os desenvolvimentos das transformações podem ser vistos de maneira gradual num sentido específico. A elaboração de uma ampla teoria da civilização se inscreve dentro da teoria eliasiana como instrumento de pesquisa analítico capaz de conectar civilização a processos sociais, e fez com que o autor alemão fosse inserido dentro de um campo disciplinar específico, dos estudos processuais de longa-duração. (SOUZA, 2014, p.7)

(27)

As regras de comportamento, a mudança civilizadora no Peru se deu com a chegada do colonizador, sucedida pela introjeção de seus hábitos e costumes e, na sequência, a volta da admiração e repercussão dos referidos hábitos e costumes incaicos pelos peruanos do século XXI numa espécie de protesto e negação do colonizadorespanhol.

Aqui destacamos duas passagens de Brandão (2000) que nos ajudam a entender ainda mais o processo civilizador na visão de Elias e a força dos costumes na construção dos comportamentos ao passar dos séculos:

Quando visto como um processo de desenvolvimento do indivíduo, o processo civilizador constitui uma mudança na conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica‘. Tais mudanças apesar de não terem sido intencionais ou planejadas, não implicam uma `mera seqüência de mudanças caóticas‘. Para explicitar a sua teoria dos processos de civilização, Elias discute as relações sociais existentes nas sociedades guerreira, feudal, de corte absolutista, terminando com o advento da sociedade burguesa, sempre mostrando as relações de correspondência ocorridas entre as transformações sociais e as alterações na estrutura psicológica dos indivíduos dessas sociedades. (BRANDÃO, 2000,p.122)

Imaginemos aqui o poder da transformação social da chegada do colonizador e a imposição de seus costumes, seus modos de vida sobre uma civilização já edificada, com características já muito marcantes e firmes junto a seu povo.

O choque é inevitável, tal tradição e costumes se encontram submersos no povo peruano, não apagados, mas ocultos pela força do império espanhol que se sobrepôs a cultura e costumes incaicos já ali existentes. Para Brandão(2000):

O padrão de comportamento de uma dada sociedade é explicitado pelos seus costumes, o qual pode entender como códigos específicos de comportamento. Tais códigos surgem, inicialmente, em uma determinada classe social, geralmente a classe social dominante, expressando a sua auto- imagem.Progressivamente, esses códigos disseminam-se por extratos sociais cada vez mais amplos. Concomitantemente à difusão desses códigos, construindo um padrão psicológico moldado ‗sob pressão da tradição institucionalizada e da situação vigente‘. (BRANDÃO, 2000,p.125)

Os códigos dos extratos sociais mais elevados dos Incas atingiam o conjunto da população de seu Império, foram substituídos gradativamente pelos códigos espanhóis, mas se mantiveram pressionando historicamente por sua volta a partir do sentimento peruano de violação sofrida pelo colonizador.

Violação esta que ocorreu nos costumes, na cultura, na religião e no idioma, os peruanos buscam o resgate de rica tradição anterior a invasão, o fazem nos mais variados aspectos e meios de formação.

(28)

Isso se dá nas tradições atualmente seguidas na sociedade peruana, como no aspecto dos empréstimos linguísticos do idioma incaico quéchua12, considerada segunda língua oficial do Peru.

O uso da papa (um tubérculo oriundo dos incas) na culinária, comemorações de datas festivas onde se seguem as tradições cerimônias ao Deus Sol, uso de trajes típicos, criações artísticas no aspecto artesanal e arquitetônico, a domesticação das lhamas, vicunhas e alpacas que são animais andinos tidos com meios de transporte na civilização incaica até os dias de hoje.

Com a teoria eliasiana podemos estudar esta experiência que o Império viveu de incorporar expressões culturais carregadas de significância e com ressonância em parte da população que teve contato com essas ideias. Podemos analisar seu impacto na elite e nas camadas populares.

O desafio proposto aqui nesta dissertação é de desvendar se na atualidade do século XXI o ensino da história do Peru, no que se refere aos incas, os apresenta como uma referência do ponto de vista comportamental e de hábitos a ser seguida ou negada.

Outro enfoque que buscarmos analisar é se o passado Inca se insere meramente na cronologia da disciplina de História como algo a ser aprendido, mas não perpetuado, algo em desuso ou superado no desenvolvimento do Peru dos dias de hoje.

12

Quéchua é um conceito com vários usos, que partem de uma mesma referência: os quéchuas eram aborígenes que habitavam na zona de Cusco durante o processo de colonização do território que hoje pertence ao Peru. Quéchua também é a língua que falavam povos do período incaico e que chegou, com distintas variantes, às populações que hoje se identificam como quéchuas. Pode entender-se que o quéchua é uma família de línguas, falada por cerca de dez milhões de habitantes da América do Sul. Hoje identifica-se povos quéchuas como sendo os descendentes daquela etnia. Neste sentido, há populações quéchuas no Peru, Equador, Colômbia, Bolívia, Chile e na Argentina, afincadas em geral na Cordilheira dosAndes

(29)

Figura 3 – capa dos livros Origen de los Incas – Sketchbook, 2004 e Origen y Fundacion de los Incas – Incary, 2007, editora Art Comics, ambas de autoria de Juan

(30)

Figura 4 – Página interna do livro Origen de los Incas, de Juan Carlos Silva, 2007, Art Comics

Esta imagem representa a religiosidade dos incas que tinham com base o Deus Sol e a Pachamama que á mãe terra. Podemos ver os trajes típicos dos homens incas num ambiente de natureza e gestos faciais de

(31)

Figura 5 – Página interna do livro Origen de los Incas, de Juan Carlos Silva, 2007, editora Art Comic. Esta imagem representa a cultura, crenças e rituais religiosos dos Incas em Machu Picchu, como também podemos ver os traços típicos indígenas pelos cabelos pretos lisos, olhos puxados, nariz e lábios grandes

(32)

Figura 6 – tiras de jornal reproduzindo a historieta El origen de los Incas, de Juan Carlos Silva, ano 2011.

Figura 7 - Super Juan é o super-herói peruano que veste um traje representando as cores da bandeira do Peru vermelho que representa o sangue dos incas e dos heróis peruanos que lutaram e fizeram parte da história do Peru e a cor branca que representa a paz alcançada depois de tempos de lutas pela independência criado por Juan Carlos Silva

(33)
(34)

Figura 9 – Capa de 2 edições de Túpac Amaru, ano 1985, aqui construído como personagem por Juan Acevedo onde narra a historia do mesmo durante a colonização espanhola no Peru.

(35)

As figuras de 3 a 6 são uma demonstração da produção de historietas peruanas que tratam da temática anterior a chegada do colonizador espanhol. Retratam a figura do Inca e dos seus descendentes para os mais variados formatos decomunicação.

A obra de Juan Carlos Silva na figura 3 nos mostra a origem dos Incas em formato de álbum, cuida de retratá-los física e nas vestimentas tais qual eram, produz uma trama em tom de aventura, como podemos ver nas figuras 4 e 5 abordando a visão mitológica e a histórica da construção da cidade de Cuzco, podendo ser viável enquanto obra para a formação do leitor acerca de seu passado, mas também para informação domesmo.

Já a figura 6 reflete essa proposta no formato chamado no Brasil de tiras, ideal para publicação seriada em jornais de grande circulação, aqui ofertada em cores e com riqueza de detalhes sobre lendas e histórias peruanas, atingindo público mais largo.

A obra Túpac Amaru de Juan Acevedo está presente na figura 9, o mito é atualizado, mas mantendo nuances históricas e culturais, a proposta é chegar a um público maior com um formato e conteúdo que mescla a história e a cultura com a fantasia.

Marca a obra o detalhismo com os trajes, a retratação de ruas, moradias, animais e várias outras peculiaridades do período em que viveu Túpac Amaru, bem como a relação conflitante com o colonizador espanhol.

3. A HISTÓRIA DO PERU E SUA EDUCAÇÃO ATÉ O SÉCULOXXI

Analisamos aqui o processo de ensino-aprendizagem através de seus procedimentos metodológicos a partir dos documentos do Ministério da Educação do Peru que tratam deste processo e das teses de José Carlos Mariátegui acerca do tema, bem como cartilhas de ONGs e órgãos do governoperuano.

Há que se entender que o fato do Peru possuir uma civilização estruturada bem antes dos demais povos da América Latina, parece ter acabado por ajudar na introjeção de um orgulho desta herança e na perpetuação de rituais, músicas, artes em geral e hábitos durante todos estes séculos.

Os Incas viveram no Peru nos anos de 1.100 até 1.532. Este império se estendia desde as montanhas da Colômbia de hoje para o norte do Chile e Argentina, e da costa do Pacífico para as florestas da Amazônia. Eles tinham uma civilização avançada, mas não tinham uma linguagem escrita.

(36)

Mariátegui (2010) nos apresenta toda a pujança daquele império, sua dimensão e força, chegando a rivalizar com a população de um pequeno país na atualidade e o impacto do colonizador sobre essarealidade:

A população do império incaico, conforme cálculos prudentes, não era inferior a 10 milhões. A quem a faça subir para 12 e até 15 milhões. A conquista foi, antes de tudo, uma tremenda carnificina. Os conquistadores espanhóis, por conta de seu número escasso, não podiam impor seu domínio senão aterrorizando a população indígena, na qual as armas e os cavalos dos invasores produziram uma impressão supersticiosa, e esses passaram a ser vistos como seres sobrenaturais. A organização política e econômica da colônia, que se seguiu a conquista, não deu fim ao extermínio da raça indígena. (MARIÁTEGUI, 2010, p. 61)

Aqui é possível entender como os colonizadores fizeram o desmonte de um povo e de seus costumes, além do destaque que o autor dá a origem indígena, algo que orgulha os peruanos até os dias de hoje, no século XXI.

Sua capital era em Cusco. Os Incas chamavam seu território Tawantinsuyu, que em

Quechua, a língua Inca, significa as quatro partes (no centro do Império Inca e dominava as

áreas que foram conquistados no comando dos chefes, os curacas).

Acreditava-se que os incas eram chamados pelos deuses para dar conhecimento a sua civilização. Os pais eram os educadores por excelência entre o povo comum. Os homens aprendiam a cultivar, caçar, fazer cerâmica e tecer, já as mulheres aprendiam a cozinhar, limpar, e cuidar dos animais.

Os pais também transmitiam hábitos e atitudes, materializando um comportamento social majoritário e, consequentemente, tido como o mais adequado devido à sua aceitação entre a maioria da população. Esta educação tinha dois lados: positivo, de bons conselhos, e corretivo (ou negativo), castigando-os quando violavam as pautas de comportamento estabelecidas.

Aqui se estabeleciam relações de poder claras, com referências de comportamento, conduta e valores a serem seguidos, ou na aplicação de punições aos que se negavam a aceitar a ordem ali estabelecida.

Depois dos pais, os mais velhos constituíam o segundo nível pedagógico daquela civilização. Sua influência educativa era enorme porque eram considerados portadores de valores fundamentais como a experiência e o tempo.

Nessa civilização só os filhos da família real e dos nobres concorriam às escolas. Acreditava-se que as ciências pertenciam somente a estes. Os mesmos eram a referência de comportamento e hábito de toda uma sociedade.

(37)

Tal configuração nos permite estabelecer relação com as teorias presentes na obra Estabelecidos e Outsiders, Elias (2000), que analisa justamente essa distribuição desigual de oportunidades e de saberes, bem como a referência a ser seguida de valores por todo o conjunto de um povo contido em uma determinada sociedade.

A educação nas escolas se limitava à aprendizagem de conteúdos de memória. Compreendia um extenso programa de religião, governo, civilidade, arte militar, cronologia, história, educação dos filhos, poesia, música, filosofia e astrologia.

Os professores eram chamados de amautas, um sinônimo de sábio ou filósofo e eram muito queridos e referências de comportamento naquela sociedade, cabe aqui um paralelo com o papel do educador que o pedagogo Paulo Freire discute em sua obra Pedagogia do Oprimido ressaltando a importância de uma relação de amor entre professores e estudantes no sentido da devoção do primeiro e seu compromisso em colaborar ativamente para a ampliação dos horizontes dos seus alunos, ajudando-os a se libertarem dos grilhões não literais que os prendem nas limitações educacionais esociais.

Os amautas eram a personificação do prestígio educacional e a referência de educação e civilização para os estudantes, espelhos da sociedade e instrumentos para viabilizar a aceitação dos alunos junto a esta.

As escolas se concentravam em um bairro de Cusco e eram denominadas Yacha huaci, ou casa de aprendizagem.Ali viviam os professores amautas e os havarec, ou poetas. Toda esta aprendizagem era feita somente com a ajuda dos quipus, ou contas de nós, onde registravam sua história, sua legislação, sua demografia e os depósitos e gastos estatais. No Estado, a economia inca era acima de tudo agrária e baseada no plantio de batata e milho.

(38)

No mapa do Peru podemos observar a divisão territorial do Império Incaico que conformavam o Estado O Tahuantinsuyo, dividida em quatro regiões e províncias: Amtisuyo, Chinchaysuyo, Coitasuyo e Contisuyo em Cusco e os principais lideres incas dessas regiões foram: Pachacutec, Cápac Yupanqui, Tupac Yupanqui e Huayna Cápac.

Essa breve introdução ao que foram os Incas e sua relação com a educação nos ajudará a apontar o processo civilizador que, a partir da civilização inca, adquiriu forte nuances que transpuseram os séculos no Peru.

O processo que aqui estudamos formou uma civilização que colaborou na formação de uma particularidade, uma forma de educar fortemente influenciada pelas tradições incaicas, exemplo disso foi na Matemática.

O império Inca se originou da junção de grupos indígenas que tiveram em comum governo, religião e idioma, mas que possuíram origens culturais distintas, este era heterogêneo. Este fato, não só influenciou o aspecto cultural, mas também o desenvolvimento da matemática inca.

A grandeza da civilização Inca não se evidenciou apenas em suas técnicas de engenharia, mas também na maneira como esta civilização organizou seu Estado, criando, para tanto, um sistema de cordas – os quipus – para registro alfanumérico, usados nos séculos XV e XVI para codificar suas informações e resolver problemas numéricos. (ASCHER M. & ASCHER, R.1981).

Os quipus podem ser descritos como um sistema formado pela reunião de cordas de diversas cores com nós. A análise das cores, do posicionamento das cordas e dos nós constituem elementos de origem lógico numérica. (ASCHER, M. & ASCHRE R. 1981)

Apesar de não terem usado um sistema de escrita que representasse a palavra falada, especula-se a existência da escrita Runa Simi na cultura inca, até então considerada oficialmente como ágrafa, ou seja, não possui escrita ou não possui registro. (ACEVEDO, 1994)

Esta escrita fundamenta-se na tríplice equivalência entre os números, que são representados por nós (laços) nos quipus, certos caracteres geométricos desenhados em tecidos e cerâmicas e as dez consoantes do idioma inca, Quechua. (ASCHER M. & ASCHER R.1981)

Esta hipótese faz desta linguagem, por sua característica alfanumérica, algo inexplicável até agora e de grande importância na investigação etnomatemática e antropo histórica, porque permite avançar na decodificação dos quipus (ACEVEDO, 1994)

(39)

Observou-se que um quipu tem uma corda que é mais grossa que as demais, denominada corda principal e da qual estão suspensas outras cordas. Quando se estende a corda principal sobre uma superfície plana, a maioria das cordas direcionam-se para baixo, estas denominam-se cordas pendentes.

O espaçamento de um nó, relativo a outro, indica a diferença de valores entre eles. A cor das cordas é fator muito importante, pois cores diferentes podem representar diferentes tipos de dados, esta notação pelas cores assemelha-se à notação matemática de variáveis reais representadas por letras.

(40)

Figura 11 – Historieta El Mundo de Wayla, publicada na página da rede social Facebook, retrata detalhes dos Incas e do idioma quipu.

O armazenamento de grande quantidade de dados em quipus poderia, certamente, ter servido como uma forma de escrita, e tal uso explicaria, parcialmente, a falta de evidentes formas familiares de escrita. É evidente que o quipu só era inelegível para quem o tinha feito, ou para quem havia sido transmitido oralmente o significado que se tinha dado a cada um dos cordões.

Os quipus incaicos possuíam suas características qualitativas pelo uso de cada cordão horizontal e vertical. Os cordões horizontais representavam grupos contábeis, cuja finalidade era o registro de fenômenos de mesma natureza, como por exemplo, a cobrança de tributos, os estoques, os recenseamentos, etc.

A historieta El Mundo de Wayra mostra ao leitor de maneira bem-humorada o passado pré-colonial peruano, citando inclusive os quipus e retratando figuras religiosas, tradições, vestimentas e costumes do período.

(Ascher M. & Ascher R, 1981), relata que os quipucamayocs possuíam grande conhecimento matemático para poder construir, interpretar e transmitir as informações contidas nos quipus. Estes permitiam registrar qualquer informação de interesse Inca, sendo usado como uma espécie de banco de dados.

(41)

Cada Ayllu13 Inca era responsável pela confecção de seus quipus, que entregues aos chefes Kurakas e Tukrikuks eram enviados ao Inca soberano.Estes novos quipus eram então comparados ao outro, feito anteriormente a este, e somente de posse do novo quipu era possível analisar o que foi produzido e o que foi consumido neste espaço de tempo.

Também destacamos a importância no nosso trabalho de colaborar na elucidação de questões de como se transmitiu o conhecimento adquirido na civilização incaica até hoje no Peru e como era o processo educacional no período Inca e como é transmitida a história e costumes dessa civilização hoje nas escolas públicas de Lima.

Em função de nossas questões é importante ressaltar que recentemente o quéchua e o

aimara foram declaradas línguas oficiais no Estado de Puno onde 41% da população da

região sudeste de Puno fala quéchua e 30%, aimara. A oficialização de ambas línguas está prevista na Constituiçãoperuana14.

Universidades públicas e privadas da região altiplana incorporarão progressivamente o ensino dos idiomas quéchua e aimara com o objetivo de reivindicar a identidade e tradição sul do país.

Esta normativa foi promulgada pelo Governo Regional de Puno a través da Portaria Regional Nº 017-2011-GRP-CRP que abarca não somente as casas de estudo, mas também para os colégios. Neste sentido se dispõe que seja a Gerência de Desenvolvimento Social, em coordenação com a Direção Regional de Educação de Puno (DRE) e as universidades públicas e privadas as que promovam o ensino de ambosidiomas.

O objetivo da portaria é que ambos idiomas sejam valorizados para a sua preservação. Promover a sua prática nas 13 províncias da região e em entidades públicas sem excluir o idioma espanhol dentro do curriculum regional.

No tocante à preservação destes idiomas, é determinado dentro do marco do artigo 2do. Inciso 19 da Constituição Política do Estado, cita que toda pessoa tem direito: "a su

identidad étnica y cultural. El Estado reconoce y protege la pluralidad étnica y cultural de la Nación".(PERU, 1993, p.3)

No dia 18 de novembro de 1985, mediante a Resolução Ministerial No. 1218-85-ED, foi oficializado o alfabeto quéchua e aimara, assim como, as normas de ortografia e pontuação para a escrita de ambos idiomas.

13 O ayllu é a forma incaica da ―comunidade‖, constitutida a partit de estruturas deparentesco. 14

Em27demaiode1975,oPresidenteJuanVelascoAlvaradocomDecretoLeiN°21156,declarouoidioma

Quéchua como Idioma Oficial do Peru e com a Lei Nº 25260 em 19 de junho de 1990 foi criada a Academia Mayor de la Lengua Quechua, com base na Academia Peruana de la Lengua Quéchua

Referências

Documentos relacionados

candidaturas: as candidaturas devem ser efetuadas nos 10 dias úteis a contar a partir da data da presente publicação, em suporte de papel através do preenchimento de formulário

De acordo com estes resultados, e dada a reduzida explicitação, e exploração, das relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente, conclui-se

Meditação: “Podemos não atingir nossos ideais em um dia, mas como estrelas, eles servem para guiar-nos no nosso caminho.”. Estudo das Escrituras: 3 Néfi 11-16 Marcar e refletir:

Os alunos irão desenvolver a sua perceção espacial e utilizar conceitos de matemática para construir e programar mundos 3D pensados por si, na componente mais avançada de

As mulheres que utilizaram anticoncepcional hormonal apresentaram um risco 40% maior de ter enxaqueca comparadas às que não utilizam esse mé- todo; essa associação permaneceu,

densidade inicial uniforme, atrito ϑ =0.6, deslocamento tangencial admissível 50µm... Resultados de

A aversão, desprezo ou ódio que os membros de um grupo estabelecido sentem pelos de um grupo outsider, assim como o medo de que um contato mais estreito com estes últimos

Com o objetivo de identificar novos composto com potencial para uso terapêutico, GALEANO e MARTINEZ, (2007), analisaram a atividade antimicrobiana de 24 esponjas