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(1)

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E

HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA

RELIGIÃO

JOSÉ HONÓRIO DAS FLORES FILHO

BROTOPENTECOSTALISMO: A RELIGIOSIDADE NEGRA

DA PERIFERIA BRASILEIRA - UM ESTUDO DA PERIFERIA

URBANA DA REGIÃO METROPOLITANA DE JOÃO

PESSOA

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2017

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JOSÉ HONÓRIO DAS FLORES FILHO

BROTOPENTECOSTALISMO: A RELIGIOSIDADE NEGRA

DA PERIFERIA BRASILEIRA - UM ESTUDO DA PERIFERIA

URBANA DA REGIÃO METROPOLITANA DE JOÃO

PESSOA

Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para a obtenção do grau de doutor.

Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2017

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Este estudo eu dedico ao ser Real por trás do ser social e cultural de cada indivíduo que

encontrei nesta jornada de conhecimento e ciência. Ser Real ao qual estou em constante

sintonia. Encontro esse Ser Real através dos distintos Olhares, dos Gestos e nas

Atitudes do ser social, ao qual foi construído e nos foi dado. E que por nossa vez

repousa a personalidade que edificamos. Mas, que, porém, o reconstruímos a cada

respiração e inspiração de possibilidades, rumo ao reencontro desse Ser Real e de sua

Realidade infinita de uma ciência iluminada.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas, que contribuíram para que este estudo fosse realizado.

Aos quais estão incluídos todos os participantes da pesquisa de campo, Associações

de Moradores, militantes de movimentos negros e negros evangélicos, pastores e

demais pentecostais que tão gentil e calorosamente me chamaram de irmão e me

acolheram entre os seus. Minha mais profunda gratidão.

À Universidade Metodista, ao IEPG e ao CNPq, pela concessão da bolsa de

estudo, por tornarem possível o presente trabalho de pesquisa.

Ao meu orientador prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera, pelo respeito, paciência e

humildade ao transmitir sua experiência acadêmica que tanto contribuiu para esta

pesquisa.

Ao grupo REPAL (Religião e Periferia na América Latina) que se apresentou como

um distinto canal de encontros, diálogos, debates, seminários e importantes

trabalhos publicados que enriqueceram enormemente este trabalho intelectual,

durante os meandros do “caminhar” de nossa pesquisa.

Aos demais professores e colegas que proporcionaram momentos inesquecíveis de

trocas de experiências acadêmicas e de amizade.

Aos meus queridos, pai e mãe, que sempre com amor e carinho me abraçam por

mais distante que eu ande e me encontre. E aos meus familiares pelo carinho e

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“Ora, os negros que se convertem, antigos bêbados e vagabundos, sobre os quais

pudemos nos documentar, são atormentados pelo desejo de sair de suas vidas de

“pecadores” e, de fato, após a sua conversão (segundo revelou nosso inquérito), se

tornaram cidadãos honestos. O que lhes permite, em troca, por causa dessas

qualidades morais, subir na escala social... Assim, nessa religião de transe místico, o

que nos parece dominante para o homem de cor, é essa vontade puritana, esse

esforço para sair da classe baixa e, por assim dizer, se aburguesar. É no momento em

que, agitado por tremores, falando línguas estranhas, dominado pelo Espírito Santo,

ele tem o ar de estar mais próximo da África, é que está, com efeito, mais longe dela

e que mais se ocidentaliza”

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RESUMO

Este estudo analisa um fenômeno pentecostal que se expande nas periferias e favelas brasileiras e que aqui chamamos de brotopentecostalismo. Este pentecostalismo possui como característica, ser um movimento com importante participação de negros. Uma vez que as periferias e favelas são de maioria negra, estes eram filiados aos candomblés e umbandas, que antes dominavam estas áreas. Com a chegada e proliferação do pentecostalismo, religiões afro-indígenas-brasileiras perderam espaço. Muitos negros moradores dessas zonas favelizadas foram convertidos ao pentecostalismo, todavia este pentecostalismo se modificou, se diversificou e se revestiu de características populares da cultura negra brasileira. Nesta transição ocorreu uma metamorfose de um protopentecostalismo oficial, mais solidificado em suas organizações, para um pentecostalismo mais fluído, com igrejas geralmente construídas de forma rápida e precária e, geralmente de curta duração. Nesses espaços a musicalidade através das percussões, a ginga, a liberdade de movimentos e o êxtase do Espírito Santo, apresentaram-se como reinterpretação do tranapresentaram-se africano. O fato fez do movimento pentecostal o veículo adequado ao negro. Esta questão tem como referência teórica Bastide e seus estudos sobre o negro e sua religião afro-brasileira. Sobre a questão da religiosidade popular, esta pesquisa encontra referência em Carlos Brandão. Na base do conceito de coerção e coesão emblemática, estão os conceitos bourdianos de habitus e violência simbólica, bem como o conceito geertiano da religião como sistema simbólico. A presente tese leva em consideração as condições reais de existência dos pentecostais negros marcados por alta vulnerabilidade social. Pesquisamos duas áreas periféricas da Região Metropolitana de João Pessoa: Mandacarú (Mandacarú e Alto do Céu) em João Pessoa e Mutirão (Mário Andreazza e Comercial Norte) em Bayeux. As populações destas áreas são de maioria negra, moradias precárias e um alto índice de desempregados. Contudo, há uma expressiva presença de igrejas pentecostais, isto faz que estas instituições se apresentem como importantes geradores de estrutura de oportunidade e capital social. E isso se dá como elemento determinante típico de afirmação de identidade brotopentecostal, e de movimento religioso popular reativo às condições adversas de vulnerabilidade social e segregação em periferias e favelas. O objetivo da pesquisa foi analisar a relação entre brotopentecostalismo como religião popular típica de periferia, segregação, vulnerabilidade social e identidade na realidade do negro brotopentecostal. A metodologia de pesquisa foi de caráter quanti-qualitativa incluindo pesquisa bibliográfica, etnográfica, observação participativa, aplicação de questionários e entrevistas em profundidade. Os participantes da pesquisa foram brotopentecostais brancos e negros em seus vários graus hierárquicos religiosos, todos eles moradores da periferia urbana de João Pessoa e seguidores de igrejas pentecostais que agem nesse contexto.

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RESUMEN

Este trabajo analiza un fenómeno pentecostal que se expande en las favelas brasileras y que aquí se denomina: Brotopentecostalismo. La principal característica de este pentecostalismo es que es un movimiento con importante participación de negros. Considerando que las periferias y favelas son de población mayoritariamente negra, estos eran fieles de la Umbanda y el candomblé que antes dominaban estas áreas. Con la llegada y proliferación del pentecostalismo las religiones afro-indígenas brasileras perdieron espacio. Los negros habitantes de las zonas marginales fueron absorbidos por el movimiento pentecostal, el cual se modificó, se diversificó y se revistió de las características populares de la cultura negra brasilera. En esa transición ocurrió una metamorfosis de un protopentecostalismo oficial solidificado en sus organizaciones a un pentecostalismo más fluido, con templos construidos de forma rápida e precaria y, generalmente, de corta duración. En esos espacios la musicalidad a través de la percusión, la danza, la libertad de movimientos y el éxtasis del Espíritu Santo se presentan como reinterpretación del trance africano. Este hecho hizo del movimiento pentecostal un vehículo adecuado a lo negro. La investigación tiene como referencia teórica a Bastide y sus estudios sobre lo negro y la religión afrobrasilera. Sobre la religiosidad popular esta investigación hace referencia a Carlos Brandao. En la base del concepto de cohersión y cohesión emblemática están los conceptos de habitus y violencia simbólica de Pierre Bordieu, también el concepto de religión como sistema simbólico de Geertz. La tesis tiene en consideración las condiciones reales de existencia de los pentecostales negros, marcadas por la alta vulnerabilidad social. Se investigaron dos áreas periféricas de la región metropolitana de João Pessoa: Mandacarú (Mandacarú y Alto do Céu) en João Pessoa y Mutirão (Mário Andreazza y Comercial Norte) en Bayeux. Las poblaciones de estas áreas son de mayoría negra, viviendas precarias y un alto índice de desempleados. A pesar de lo anterior, hay una expresiva presencia de iglesias pentecostales lo que hace que estas instituciones se presenten como importantes generadores de estructura de oportunidad y capital social. Lo anterior, ocurre como un elemento determinante típico de afirmación de identidad brotopentecostal y de un movimiento religioso popular reaccionario a las diversas condiciones de vulnerabilidad social y segregación en periferias y favelas. El objetivo de la tesis fue analizar la relación entre brotopentecostalismo como religión popular típica de periferia, segregación, vulnerabilidad social e identidad en la realidad del negro brotopentecostal. La metodología de investigación fue de carácter cuanti-cualitativa, incluyendo revisión bibliográfica, etnografía, observación participante, aplicación de cuestionarios y entrevistas en profundidad. Los participantes de la investigación fueron brotopentecostales blancos y negros en varios grados de la jerarquía religiosa, todos ellos moradores de la periferia urbana de João Pessoa y seguidores de iglesias pentecostales que actúan en ese contexto.

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ABSTRACT

This study analyzes a phenomenon Pentecostal that expands in the peripheries and favelas of Brazil and that we call brotopentecostalism. This Pentecostalism has as characteristic, to be a movement with important participation of blacks. As the peripheries and favelas are mainly black, these were affiliated with candomblés and umbandas, that once dominated these areas. With the arrival and proliferation of Pentecostalism, the Afro-Indo-Brazilian religions lost ground. Many blacks living in these areas of favelas were converted by the Pentecostal movement, but this Pentecostalism changed, became more diverse and assumed the popular characteristics of Brazilian black culture. In this transition, a metamorphosis of an official protopentecostalism, more solidified in their organizations, towards a more fluid Pentecostalism occurred, with churches generally constructed of fast and precarious form and, generally, of short duration. In these spaces, musicality through percussions, ginga, freedom of movement and ecstasy of the Holy Spirit, appeared as a reinterpretation of the African trance. The fact made the Pentecostal movement the proper vehicle for black. This question is based on Bastide and his studies on black and his Afro-Brazilian religion. On the question of popular religiosity, this research finds reference in Carlos Brandão. Based on the concept of coercion and emblematic cohesion are the Bourdian concepts of habitus and symbolic violence, as well as the geertian concept of religion as a symbolic system. The present thesis takes into account the real conditions of existence of the black Pentecostals marked by high social vulnerability. We searched two peripheral areas of the Metropolitan Region of João Pessoa: Mandacarú (Mandacarú and Alto do Céu) in João Pessoa and Mutirão (Mário Andreazza and Comercial Norte) in Bayeux. Populations in these areas are mostly black, poor housing and a high unemployment rate. However, there is an expressive presence of Pentecostal churches, this makes these institutions present themselves as important generators of opportunity structure and social capital. And this occurs as a typical determinant element of affirmation of brotopentecostal identity, and of popular religious movement reactive to the adverse conditions of social vulnerability and segregation in peripheries and favelas. The objective of the research was to analyze the relationship between brotopentecostalism as a typical popular religion of periphery, segregation, social vulnerability and identity in the reality of black brotopentecostal. The research methodology was quantitative-qualitative, including bibliographic, ethnographic, participatory observation, questionnaire application and in-depth interviews. The participants of the research were white and black brotopentecostais in their various hierarchical religious degrees, all of them residents of the urban periphery of João Pessoa and followers of Pentecostal churches that act in that context.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: julho de 2014. Fotografia de invasão no Comercial Norte ao lado do ginásio. Acúmulos de lixo. Ao fundo casas de taipa e refugos de materiais recilados. E mais ao fundo casas de alvenaria_________________________________________________________ 58 Figura 2: julho de 2014. Fotografia de exemplo de casa de taipa na invasão do Comercial Norte___________________________________________________________________59 Figura 3: Carta das lideranças religiosas tendo o selo da igreja Assembleia de Deus em 22 de dezembro de 1995_______________________________________________________72 Figura 4: Panfleto de convocação da população do Mutirão na luta pela água em 13 de janeiro de 1990 _________________________________________________________________74 Figura 5: Panfleto de convocação da população do Mutirão na luta pela água em 1990____________________________________________________________________74 Figura 6: Carta dos moradores do Mutirão direcionada ao prefeito de Bayeux contendo várias reivindicações em 27 de novembro de 1997_____________________________________75 Gráfico 1: Evolução populacional de João pessoa________________________________68 Gráfico 2: Evolução populacional de Bayeux____________________________________68 Gráfico 3: Percentual de cor ou raça por bairro/João Pessoa_________________________85 Gráfico 4: Estado civil/área do Mandacarú______________________________________94 Gráfico 5: Renda familiar/área do Mandacarú___________________________________95 Gráfico 6: Ocupação ou emprego/área do Mandacarú_____________________________96 Gráfico 7: Escolaridade/área do Mandacarú_____________________________________97 Gráfico 8: Naturalidade/área do Mandacarú_____________________________________98 Gráfico 9: Bairros ou áreas declaradas de moradia/área do Mandacarú________________98 Gráfico 10: Tempo de fixação no lugar/área do Mandacarú_________________________99 Gráfico 11: Lugar anterior de moradia /área do Mandacarú________________________100 Gráfico 12: Circuito de conterrâneidade/área do Mandacarú_______________________101 Gráfico 13: Ajuda de fixação no lugar/área do Mandacarú________________________101 Gráfico 14: Autodeclaração Livre de cor/área do Mandacarú______________________103 Gráfico 15: Autodeclaração de cor segundo o Censo do IBGE/área do Mandacarú______104 Gráfico 16: Categorias de preconceitos sofridos/área do Mandacarú_________________104 Gráfico 17: Religião do pai e da mãe/área do Mandacarú__________________________106

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Gráfico 18: Profissão do pai/área do Mandacarú ________________________________107 Gráfico 19: Profissão da mãe/área do Mandacarú_______________________________107 Gráfico 20: Escolaridade da mãe e do pai/área do Mandacarú______________________108 Gráfico 21: Cor da mãe e do pai/área do Mandacarú_____________________________109 Gráfico 22: Tempo de filiação religiosa/área do Mandacarú_______________________110 Gráfico 23: Igreja anterior de pertença/área do Mandacarú________________________111 Gráfico 24: Setores de melhoria/área do Mandacarú_____________________________111 Gráfico 25: Frequência da participação religiosa semanal/área do Mandacarú_________113 Gráfico 26: Igrejas mais visitadas/área do Mandacarú____________________________114 Gráfico 27: Depois que você se converteu o seu número de amigos aumentou ou diminuiu? /área do Mandacarú_______________________________________________________115 Gráfico 28: Participação em associações, grupos, partido político e ONGs/área do Mandacarú______________________________________________________________116 Gráfico 29: Trabalho filantrópico das igrejas/área do Mandacarú___________________117 Gráfico 30: Hábitos de lazer/área do Mandacarú________________________________120 Gráfico 31: Percentual de cor ou raça por bairro/Bayeux__________________________126 Gráfico 32: Estado civil/área do Mutirão______________________________________133 Gráfico 33: Renda familiar /área do Mutirão___________________________________134 Gráfico 34: Ocupação ou emprego área do Mutirão______________________________135 Gráfico 35: Escolaridade/área do Mutirão_____________________________________136 Gráfico 36: Naturalidade/área do Mutirão_____________________________________137 Gráfico 37: Bairros ou áreas declaradas de moradia/área do Mutirão_________________137 Gráfico 38: Tempo de fixação no lugar /área do Mutirão__________________________138 Gráfico 39: Lugar anterior de moradia/área do Mutirão___________________________139 Gráfico 40: Circuito de conterrâneidade/área do Mutirão__________________________139 Gráfico 41: Ajuda de fixação no lugar/área do Mutirão___________________________140 Gráfico 42: Autodeclaração livre de cor/área do Mutirão__________________________141 Gráfico 43: Autodeclaração de cor segundo o Censo do IBGE/área do Mutirão_________142 Gráfico 44: Categorias de preconceitos sofridos/área do Mutirão___________________142 Gráfico 45: Religião do pai e da mãe/área do Mutirão____________________________145 Gráfico 46: Profissão do pai/área do Mutirão___________________________________146 Gráfico 47: Profissão da mãe/área do Mutirão__________________________________147 Gráfico 48: Escolaridade da mãe e do pai/área do Mutirão_________________________147

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Gráfico 49: Cor da mãe e do pai/área do Mutirão________________________________148 Gráfico 50: Tempo de filiação religiosa/área do Mutirão__________________________149 Gráfico 51: Religiões ou igrejas anteriores de pertença/área do Mutirão______________150 Gráfico 52: Setores de melhoria/área do Mutirão________________________________151 Gráfico 53: Frequência da participação religiosa semanal/área do Mutirão____________152 Gráfico 54: Igrejas mais visitadas/área do Mutirão_______________________________154 Gráfico 55: Depois que você se converteu o seu número de amigos aumentou ou diminuiu? /área do Mutirão _________________________________________________________155 Gráfico 56: Participação em associações, grupos, partido político e ONGs/área do Mutirão________________________________________________________________ 156 Gráfico 57: Trabalho filantrópico das igrejas/área do_____________________________157 Gráfico 58: Hábitos de lazer/área do Mutirão___________________________________158

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

CAPÍTULO I ... 28

Mandacarú e Mutirão: aspectos conceituais para seu estudo ... 28

Aspectos conceituais ... 28

Poder simbólico e valor emblemático ... 28

Segregação e vulnerabilidade social ... 33

Estruturas de oportunidades ... 34

Religião ou religiosidade popular ... 35

Pentecostalismo: um pouco de sua historiografia e categorias ... 37

Pentecostais negros: afrodescendência e cultura negra ... 44

Brotopentecostalismo, uma religião popular das periferias das metrópoles ... 46

Pobreza urbana ... 52

Centro e periferia: conceituação ... 54

Favela, slums, banlieue, ghetto, áreas segregadas pela pobreza e precariedade social ... 55

A favela é em si uma anticidadania ... 56

As áreas estudadas ... 60

A Região Metropolitana de João Pessoa ... 60

Determinantes sociais da favelização urbana em João Pessoa e Bayeux ... 62

A área do Mutirão ... 69

A religiosidade popular no Mutirão em meio a segregação e a vulnerabilidade social ... 70

A área do Mandacarú ... 77

As convergências culturais religiosas no Mandacarú e a vulnerabilidade social ... 77

Considerações finais ao capítulo ... 82

CAPÍTULO II ... 84

Mandacarú e as dinâmicas do brotopentecostalismo ... 84

Viver no Brasil morando na área do Mandacarú ... 84

As facções criminosas OKD e ESTADO... 88

A importância dos brotopentecostais na favela e suas relações de vizinhança ... 90

Os dados Pessoais e laborais ... 93

Aspectos migratórios, hereditários e étnicos ... 97

Filiação, questões sócio étnico-raciais e de transmissão religiosa ... 106

Participação religiosa/igreja ... 109

(13)

Considerações finais ao capítulo ... 120

CAPÍTULO III ... 123

Mutirão e as dinâmicas do brotopentecostalismo ... 123

Viver no Brasil morando na área do Mutirão ... 123

As representações da violência: a facção criminosa da OKD ... 128

A importância dos brotopentecostais na favela e suas relações de vizinhança ... 129

Os dados Pessoais e laborais ... 131

Aspectos migratórios, hereditários e étnicos ... 136

Filiação, questões sócio étnico-raciais e de transmissão religiosa ... 145

Participação religiosa/igreja ... 148

Práticas associativas, solidárias, hábitos de lazer e recreação ... 155

Considerações finais ao capítulo ... 159

Capítulo IV ... 162

Brotopentecostalismo, identidade e estruturas de oportunidades ... 162

Brotopentecostalismo e imaginário popular religioso nas áreas do Mutirão e Mandacaru ... 162

A gênese e práticas do brotopentecostalismo ... 169

Identidade brotopentecostal e a (não) afirmação negra: uma identidade ainda em construção .... 175

Coerção emblemática e preconceitos de cor versus preconceitos de lugar ... 188

As igrejas brotopentecostais como estrutura de oportunidade ... 193

Brotopentecostalismo e a (não) participação política e coletiva nas áreas do Mutirão e Mandacarú ... 202

Considerações finais ao capítulo ... 212

CONCLUSÃO ... 214

BIBLIOGRAFIA ... 219

APÊNDICE A - Quadro: Núcleos religiosos na área do Mandacarú ... 228

APÊNDICE B - Quadro: Agremiações populares/área do Mandacarú ... 231

APÊNDICE C - Quadro: Núcleos religiosos na área do Mutirão ... 232

APÊNDICE D - Quadro: Agremiações populares/área do Mutirão... 235

APÊNDICE E - Quadro: Igrejas cujos membros participaram da pesquisa na área do Mandacarú .. 236

APÊNDICE F - Igrejas cujos membros participaram da pesquisa na área do Mutirão ... 237

APÊNDICE G – Questionário utilizado na pesquisa de campo ... 239

APÊNDICE H – Roteiro de entrevista utilizado na pesquisa de campo ... 242

APÊNDICE I – Perguntas direcionadas aos militantes de movimentos negros ... 243

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INTRODUÇÃO

A cidade de Nossa Senhora das Neves, atual João Pessoa, foi fundada em 15851. João Pessoa é a capital da Paraíba e localiza-se no Nordeste no lado mais oriental do Brasil. Segundo José Otávio A. Mello (1994, p. 24-25): “Devido à importância estratégica, a Paraíba fora convertida em capitania real, isto é, diretamente subordinada a coroa, o que propiciou emprego de recursos oficiais”. Ali, foi criada a capitania da Paraíba que se tornou importante à época colonial ao custo da dominação dos índios Potiguaras. Com isso, se tornou possível a coroa portuguesa avançar as terras do Norte e conquistar o que hoje constitui o Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão2.

Bayeux, é um povoado entre João Pessoa e Santa Rita, era conhecida com o nome de “Rua do Baralho” e “Boa Vista” passando em 1634 a Barreiros. Embora pudesse ser considerado subúrbio da capital, o distrito de Santa Rita denominado de Barreiros, atual Bayeux, foi criado em 1944. Seu povoamento resultou-se do intenso movimento de colonizadores e comerciantes que deixavam o interior rumo à capital e se fixavam as margens do caminho. Segundo o Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba de Coriolano Medeiros (1950, p. 32):

Grande povoamento pertencente ao município de Santa Rita e ao da capital, ligando-se a esta por uma ponte sobre o rio Sanhauá. Ocupa a península formada pelos rios, Paraíba ao N, e do Meio, Marés e Sanhauá L e S. O nome da povoação veio do engenho Barreiros, que ali existiu e na invasão holandesa pertenceu a Domingos Carreiro.

O nome Bayeux foi uma sugestão do paraibano Assis Chateaubriand em homenagem a cidade francesa de Bayeux, quando na segunda guerra mundial foi a primeira cidade a ser ocupada no território Francês pelas forças aliadas3. Posteriormente, a Bayeux brasileira foi

desmembrada do município de Santa Rita e emancipada em 1959 (OLIVEIRA, 2013).

1 Em 05 de agosto de 1585 os colonizadores portugueses nomearam a cidade que fundaram com o nome de Nossa

Senhora das Neves (nome da padroeira da cidade até o momento). Em 1588 passou a ser chamada de Filipeia de Nossa Senhora das Neves, em homenagem ao monarca Filipe rei da Espanha e Portugal. No domínio Holandês em 1634 a cidade passa a ser chamada de Frederikstad (Frederica) em homenagem ao príncipe Orange Frederico Henrique. Em 1654 com a expulsão dos holandeses passou a ser chamada de Parahyba. E finalmente em 1930, na conhecida “revolução de 1930” a cidade passou a ser chamada de João Pessoa em homenagem ao político João Pessoa Cavalcante de Albuquerque, na época presidente do estado (RODRIGUES et al, 1991; MELLO, 1994)

2 Fonte: Site do Instituto histórico e Geográfico Paraibano: http://www.ihgp.net/aconquistadaparaiba.htm -

Acessado em 28/10/2012.

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João Pessoa de acordo com os dados do IBGE, possui uma população estimada em 2015 de 791.438 mil habitantes, um território de 211,474 km² e uma densidade demográfica de 3.421,30 habitantes por km². Bayeux é fronteiriça de João Pessoa e, em seu lado Oeste, localiza-se entre João Pessoa e Santa Rita. De acordo com o IBGE sua população está estimada em 2015 de 96.140 mil habitantes, num território de 31.973 km² e uma densidade demográfica de 3.118, a segunda maior da Região Metropolitana de João Pessoa (RMJP). Bayeux possui 60% de seu território constituído de rios como os rios Sanhauá e Paraíba (estes dois os mais importantes, devido a sua localização, extensão e história, banhando a RMJP), manguezais e resquícios de Mata Atlântica, como o Parque Estadual Mata do Xém-Xém, área de preservação criada em 20004 com 851 hectares, uma importante reserva de mata urbana em Bayeux, aonde margeiam os bairros do Comercial Norte e Mário Andreazza, bairros que compõem a área do Mutirão, recorte da nossa pesquisa no Município de Bayeux.

João Pessoa é marcada por importantes reservas de mata urbana. Uma das mais importantes, devido à localização, é a “Mata do Buraquinho”, localiza-se no entorno da Universidade Federal da Paraíba, herança da Mata Atlântica com uma extensão de 32.939 hectares. Posteriormente a “Mata do Buraquinho” foi transformada no ano de 2000 no Jardim Botânico Benjamin Maranhão5. João Pessoa também é cortada pelo Rio das Bombas ao Norte dos bairros de Mandacarú e Alto do Céu e pelo Rio Mandacarú ao leste destes mesmos bairros. Estes rios desaguam como afluentes no Rio Paraíba que margeia o Alto do Céu. Estes dois bairros, Mandacarú e Alto do Céu, compõem a área do Mandacarú, a qual escolhemos como recorte da nossa pesquisa no Município de João Pessoa. Nestas áreas pesquisadas, a presença de igrejas pentecostais é significativa. O fenômeno pentecostal moderno que identificamos como brotopentecostalismo é sua principal característica.

O brotopentecostalismo se compõe de igrejas pentecostais que proliferam em regiões periféricas e favelizadas, que possuem como características: igrejas de pequeno porte e precárias em sua maioria; diversidade de práticas religiosas populares, tendo como base a vertente pentecostal; pluralidade de ministérios e determinações; e grande presença de negros. Estas características fazem do brotopentecostalismo, fenômeno do pentecostalismo de periferia brasileira.

4 Fonte: SUDEMA – Superintendência de Administração do Meio Ambiente. Disponível em:

http://www.sudema.pb.gov.br/index.php?view=category&catid=11&option=com_joomgallery Acessado em 22/08/2014.

5 Fonte: Folha de São Paulo. Disponível em:

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No que diz respeito aos aportes teóricos utilizados na pesquisa, consideramos que, tanto os aspectos objetivos como subjetivos, elementares e simbólicos que mesmo não sendo quantificáveis, são qualificáveis, e com isso determinantes importantes, pois atuam norteando e sendo protagonistas de vários fatores sociais. Os símbolos gerados pela religião, podem atuar para motivar, suscitar concepções e formular conceitos da existência que reveste a vida dos indivíduos em elementos fatuais realistas (GEERTZ, 2012a). Mais do que realidade simbólica, a religião norteia sentidos direcionando modos de ser e se portar, constrói um habitus, com suas crenças, mitos, ritos e preceitos, elementos estruturais estruturantes da sociedade (BOURDIEU, 2010). A religião seria, na sociedade, como um organismo que sobrevive a partir de elementos de fora. E tais elementos são assimilados através do chamado sincretismo ou “mestiçagem religiosa”, tão bem presente na religião popular. Na perspectiva cultural manifestada na questão “racial”6, ou de cor, nas religiões, o negro no pentecostalismo reinterpreta os elementos da

mentalidade do africanismo em seus sentimentos religiosos cristãos: um politeísmo em legiões de anjos e o transe africano em seitas de renovação (BASTIDE, 1974; 1985). Fenômenos mais adequadamente analisados sob as lentes da sociologia da religião, para pesquisar religião no meio urbano, em especial, as periferias.

Na perspectiva da sociologia urbana é importante o entendimento dos processos e causas da segregação e pobreza na metrópole, ao levar em consideração, a migração para espaços periféricos nestas áreas de grande população. Igualmente é importante o estudo que inclui dados estatísticos como de renda, escolaridade, idade, cor e demografia. E que apresentam concepções dos mecanismos de funcionamento social nos espaços periféricos. Para melhor entender esses aspectos Marques (2003; 2005; 2010) e Torres (2004; 2005), que montam perfis de grupos sociais e seus dados, que contribuem para o entendimento do processo e causas da segregação e pobreza na metrópole, levando em consideração o processo de migração para estes espaços periféricos. Brandão (2004) faz um estudo em profundidade sobre desigualdades entre negros e brancos e a pobreza gerada e reproduzida a partir dessas relações. Destarte, o reflexo produzido por estas relações de desigualdades em que o “negro” leva desvantagem em comparação ao “branco”, induz a segregação socioespacial, substantiva forma de periferização

6 Por falta de um designativo mais adequado, e por questões mais cognitivas do que conceituais, optamos por

utilizar o termo “racial”. As aspas indicam a ressalva ao termo. Uma vez que sabemos que não existem raças, mas sim tipos da raça humana. A importância de saber o conceito de raça, caído em desuso devido a carga inconsistente e pejorativa que enseja o termo diante das abordagens científicas nos campos da genética, sociologia e antropologia, que Barbujane (2007) em “A invenção das raças” faz uma importante explanação da inconsistência do termo. Outro escrito esclarecedor é o “Raça e história” de Lévi-Strauss (2012) que coloca as questões da identidade cultural e a inconsistência da ideia de raças, cingida da ideia da evolução cultural, que o autor chama de “falso evolucionismo”. Por sua vez a ideia de evolução cultural racial está matizada de preconceitos socioidentitários e excludentes.

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espacial e socioeconômica, bem como a processos contínuos de injustiças e violências, relacionadas a preconceitos de cor e lugar. E Castells (1975; 1980; 1983) analisa estruturalmente o sistema capitalista em seus fundamentos ideológicos, econômicos e políticos para formular uma teoria do urbano. E concebe o urbano como fator ideológico da fase na evolução da sociedade que está ligada aos condicionamentos técnico-naturais da humanidade.

Ao se procurar compreender o universo brotopentecostal em atuação nas duas áreas, Mandacarú em João Pessoa e Mutirão em Bayeux na RMJP, compreendemos as problemáticas como a segregação e vulnerabilidade social, a questão do negro na favela e a marginalização na perspectiva das ciências da religião, de forma a contemplar e abordar assuntos e pontos de observação que outras escolas do conhecimento não conseguiriam alcançar. Por exemplo, a abordagem do imaginário popular e do valor emblemático como importantes mecanismos de conhecimento e atuação, na criação e estruturação dos organismos de manutenção e, por fim, a desestruturação na favela, ao observar devidamente as problemáticas supracitadas que estão inseridas no espaço periférico, e que de alguma forma possuem uma “intimidade social” com tais problemas.

Nas áreas periféricas e favelizadas, onde a segregação e a vulnerabilidade social se fazem tão presentes, alí o pentecostalismo se apresenta em sua maior significância (ROLIM, 19890, 1985; MARIZ, 1988, 1991, 1995; RIVERA, 2005, 2010, 2012). Nas duas áreas pesquisadas compostas por quatro bairros, Mário Andreazza e Comercial Norte em Bayeux e Mandacaru e Alto do Céu em João Pessoa, o fato se comprova com a grande incidência de igrejas pentecostais nas mesmas. Esse acontecimento sui generis na sociedade urbana periférica é considerável para se pesquisar religião em espaços favelizados na periferia. Em especial no setentrião do Nordeste, região ainda pouco estudada com o tema do pentecostalismo. A importância desse estudo é que se pode demonstrar que o pentecostalismo de periferia das áreas pesquisadas no Nordeste, possui suas diferenças e idiossincrasias quando comparadas com o pentecostalismo em outras regiões do Brasil. A importância parte também da diferenciação do pentecostalismo pioneiro do Brasil, o protopentecostalismo, do pentecostalismo que encontramos nas duas áreas pesquisadas: uma cultura pentecostal periférica que a chamamos de brotopentecostalismo.

A pesquisa ajuda-nos a compreender a dinâmica religiosa brotopentecostal nas favelas da RMJP, seus processos religiosos populares, a construção de identidades, perfis sociorreligiosos, bem como a importância de suas crenças institucionais, ou não, para a vida das comunidades em alta vulnerabilidade social. O objetivo geral da pesquisa foi estudar a relação entre religião, segregação, vulnerabilidade social e a realidade do negro

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brotopentecostal em sua dimensão e valor emblemático morador das áreas do Mandacarú em João Pessoa e Mutirão em Bayeux na RMJP. Buscou-se, uma deflagração dos mecanismos de funcionamento das crenças religiosas populares pentecostais em estreita relação com as estruturas de oportunidade em espaços favelizados. E os objetivos específicos são os seguintes: - Identificar os determinantes sociais causais da favelização e a importância da religião nesse processo de formação das áreas do Mutirão e Mandacarú.

- Assinalar o perfil econômico e social do negro nas igrejas brotopentecostais presentes na área do Mutirão e Mandacaru e a dinâmica de sua religiosidade popular nestas áreas favelizadas; - Identificar o imaginário popular e a construção da realidade social do negro na favela a partir das dinâmicas do fenômeno da religiosidade popular brotopentecostal na geração de valor coesivo social, e seu impacto nas diferentes situações socioeconômicas;

- Analisar como as igrejas brotopentecostais e sua religiosidade popular podem contribuir na afirmação, ou não, da identidade negra e se apresentar como estruturas de oportunidade na favela junto à população e agremiações como ONGs e associações de moradores nas áreas do Mutirão e Mandacaru.

A pesquisa trabalhou com duas hipóteses que foram as seguintes:

De que o brotopentecostalismo é um novo movimento pentecostal atual típico das periferias e favelas das Regiões Metropolitanas em que o principal protagonista dessa religiosidade popular é o negro. Nas áreas do Mutirão e Mandacaru, locais de segregação e vulnerabilidade social, exclusão e baixo acesso a serviços públicos de qualidade, os agentes religiosos negros podem encontrar no culto e na evangelização brotopentecostal elementos característicos da cultura negra brasileira. Isso explicaria em parte a proliferação do brotopentecostalismo na periferia de maioria negra. O pentecostalismo popular permeia práticas populares da música, dança, do canto ou louvor emotivo e até do transe desencadeado em conjunto pelas emoções e músicas. Além disso, o negro, pelas práticas pentecostais que possuem características mais autônomas e de expressões criativas, dinâmicas e não consensuais as práticas religiosas do protestantismo oficial, podem atuar como geradoras de capital social, ou valor coesivo social, ao se juntarem na crença e se ajudarem mutualmente. Uma vez que os indivíduos nas práticas das crenças brotopentecostais populares adquirem confiança interpessoal, ou confiança mútua entre seus membros. Consequentemente o brotopentecostalismo nas igrejas pode motivar maior otimismo no futuro, abrindo precedentes para estarem abertos a interação com indivíduos de fora, de outros bairros, ou os indivíduos moradores de dentro das favelas, inclusive traficantes. A partir daí os espaços das igrejas pentecostais podem se apresentar como importantes núcleos de estruturas de oportunidades,

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contribuindo ou agindo, paralelamente, ou em conjunto, com outras instituições coletivas como associações de moradores, ONGs e agremiações culturais.

E como segunda hipótese, de que as igrejas brotopentecostais como núcleos de uma religião popular, podem configurar-se em centros de integração, assimilação, transmissão e mestiçagem religiosa. Esta religiosidade, ritma a vida do negro na periferia dando-lhe sentido de existência cotidiana, que o ajuda em seus próprios locais de cultos e moradias, nas suas lutas pela sobrevivência e espiritualidade. Tais práticas, além de poderem ser a aproximação da constituição emblemática de uma cultura do negro brasileiro e, ou do caboclo, ao ressignificarem as práticas cristãs da cultura bíblica protestante com elementos mais emocionais, criativos e interativos do pentecostalismo popular, podem gerar alteridade e afirmação de identidade brotopentecostal, ao se afirmarem e, ou reafirmarem diariamente como uma das formas surgidas em assentamentos marginais nestas áreas nas lutas históricas, ainda muito vivas dos negros pela atenuação de seus sofrimentos, discriminação, mazelas e marginalizações na sociedade. A afirmação da identidade brotopentecostal atua numa lógica em que a identidade afrodescendente, que é associada por alguns movimentos negros as religiões afro-indígenas-brasileiras como parte dessa identidade é dissolvida nessa identidade brotopentecostal. Porém, ocorre uma ressignificação dessa identidade que não é branca, nem afrodescendente, mas uma identidade brotopentecostal, negra brasileira. Com isso, o brotopentecostalismo popular atua como refúgio para negros e negras nas periferias e favelas, ao atuar no plano subjetivo de sua constituição humana.

Os aspectos metodológicos e de produção dos dados apresentados nesta pesquisa possuem caráter dialético que procura descrever, compreender e explicar o objeto da pesquisa correlacionando dados quantitativos e qualitativos. Nesta interação de dados guiados pelos objetivos e norteados pelas hipóteses, concebemos ações e fatos sociais como correlatos aos atores interativamente envolvidos na pesquisa. Os fatos sociais inerentes a este estudo, não podem ser entendidos isoladamente, mas de todo um conjunto econômico, político, cultural e religioso, que não são meros objetos fixos, mas inacabados e em constante movimento (GIL, 2008; MINAYO, 2009; MARCONI; LAKATOS, 2010). A relação dos dois métodos “quanti-quali” permeiam tanto os questionários quanto as entrevistas. Embora as entrevistas, em especial as de profundidade ou semiestruturadas que utilizamos na pesquisa, serem essencialmente instrumentos da pesquisa qualitativa (GIL, 2008), possuem perguntas passíveis de serem quantificáveis. No questionário utilizamos perguntas abertas, fechadas e de múltipla escolha. Devido as combinações, embora a maior parte das perguntas serem quantitativas e passíveis de análises estatísticas, o caráter dos questionários não pode ser entendido como

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instrumentos puramente quantitativos. Ao optar pela junção de duas metodologias (quanti-quali) e suas variáveis, optamos pela complementaridade que atendesse os objetivos da pesquisa de campo e a análise posterior da produção dos dados.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética de Pesquisa (CEP) da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP-SP), aprovado e liberado para a pesquisa de campo. Antes da pesquisa de campo, realizamos uma pesquisa bibliográfica, para ser utilizada como suporte conceitual. Dividimos a pesquisa de campo em duas etapas: pesquisa exploratória e pesquisa de campo propriamente dita. A primeira teve o objetivo de fazer o reconhecimento do campo, travar contatos e realizar entrevistas experimentais com os crentes. Além de servir para fazer recortes da área a ser pesquisada e sondar possíveis dificuldades. A segunda foi a pesquisa de campo já com os recortes realizados nas áreas a serem pesquisadas, as entrevistas e os questionários já configurados com suas versões finais. A pesquisa exploratória teve a duração de dois meses, junho e julho de 2014. E a pesquisa de campo teve a duração de nove meses, de 28 de maio de 2015 a 29 de fevereiro de 2016. Ao todo, foram onze meses de pesquisa de campo.

O critério de escolha das áreas estudadas foi a vulnerabilidade social e a quantidade de igrejas brotopentecostais bem como um alto índice de moradores negros. Ou melhor, as áreas nas quais existissem maior favelização, segregação e violências físicas e coerções emblemáticas7, maior quantidade de igrejas brotopentecostais e consequentemente aonde existisse a maior quantidade de negros. Também procuramos observar o fenômeno da diversidade brotopentecostal nas duas áreas com todos os seus problemas sociais.

Mandacarú e o Alto do Céu, que juntos constituem a área do Mandacarú, concentram um complexo de favelas e uma das maiores concentrações de negros em João Pessoa, e aonde a violência física é muito presente. A RMJP faz parte de uma estatística em que a região Nordeste no registro de 2014 teve um crescimento de mais de 89% de homicídios por arma de fogo (HAF) no Brasil em que no ranking as capitais Fortaleza 81,5% ficou em primeiro lugar seguidos por Maceió 73,7%, São Luís 67,1%, João Pessoa 60,2%, Natal 53% e Aracaju 50,5% (WAISELFISZ, 2016). Entre as 50 cidades mais violentas do mundo, João Pessoa ficou em 4º lugar no registro de 20148.

No Mapa Pontual do CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais) no Estado da Paraíba de 2014, os bairros do Mandacarú e Alto do Céu, juntamente com Padre Zé e Ipês

7 Trataremos desse conceito no primeiro capítulo.

8 Fonte: La seguridade, Justiça y Paz: consejo ciudadano para la seguridade Pública y Justicia Penal A.C. Endereço

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se em uma das áreas de maior índice de risco de CVLI. Neste estudo a RMJP aparece como a mais violenta da Paraíba, e Alto do Céu e Mandacarú como um dos bairros de maior índice de CVLI de João Pessoa. Além dessa violência física gerada principalmente pelo tráfico de drogas e as investidas da polícia na área, a coerção emblemática é um fator importante na área, que no local causa um emblema negativo, que ao mesmo tempo é autogerado pelos próprios moradores e imposto pela população de fora da área do Mandacarú. Os sintomas também são sentidos na área do Mutirão, fatores esses que motivaram a escolha também dessa área. E a violência física promovida pelo tráfico de drogas, igualmente causa, na área do Mutirão, uma coerção emblemática segregativa. A área do Mutirão é uma das áreas que sofre uma das maiores coerções emblemáticas da RMJP, por seu histórico de área favelizada de segregação e pobreza. E por se encontrar nela uma das maiores concentrações de negros no Município.

Os questionários aplicados, logo de depurar os incompletos ficamos com 200 questionários nas duas áreas, 100 para a área do Mandacarú, e 100 para a área do Mutirão. Trabalhamos com um questionário não longo, que fosse dinâmico, objetivo, sem longas perguntas, e utilizando-se de vocábulos simples, e que pudessem se aproximar do perfil sociocultural dos participantes, sem cansá-los, mas sobretudo sem comprometer o alcance dos objetivos da pesquisa.

Aplicamos os questionários independentemente da cor dos brotopentecostais, sejam brancos, pretos, pardos, indígenas ou amarelos, de acordo com as nomenclaturas adotadas pelo IBGE. Contudo, adotamos perguntas fechadas com estas nomenclaturas, e também inserimos uma pergunta aberta sobre a cor dos indivíduos. O intuito da pergunta aberta sobre a cor teve como objetivo cruzar as informações sobre cor. Com a seguinte pergunta: “Qual a sua cor? ”, o participante da pesquisa teve liberdade para responder qual a cor que compreendia que tinha. Logo, a pergunta fechada de acordo com as cinco nomenclaturas do IBGE já conhecidas. O objetivo foi procurar dar ao participante da pesquisa a liberdade e flexibilidade na autodeclaração. Ao confrontar as respostas, o resultado apresentou o reflexo da realidade dos participantes, obtendo a aproximação da definição da categoria “negro”.

Com a exceção de 22% dos questionários que foram entregues a pastores e lideranças, com instruções, para aplicarem a seus fiéis em suas igrejas, mas que com tudo atenderam as exigências e os requisitos das perguntas do documento, os questionários foram aplicados pelo autor individualmente com perguntas diretas com os participantes da pesquisa, e não deixados com os mesmos para responder. Tivemos o cuidado para que as perguntas fossem bem entendidas, salvaguardar respostas mais fidedignas com a realidade dos participantes. O questionário foi dividido em quatro partes de interesse: dados pessoais; aspectos migratórios,

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hereditários e étnicos9; informações sobre participação religiosa e igreja; práticas associativas, hábitos de lazer e recreação10.

E no que diz respeito às entrevistas, realizamos 70 entrevistas, 35 para cada área, Mandacarú e Mutirão. Para as mesmas, utilizamos um gravador de áudio digital pequeno e de fácil manuseio. As entrevistas estavam baseadas num roteiro de 10 perguntas semiestruturadas, cujo os participantes tiveram a liberdade para responder e aprofundar à vontade11. Foi pedido inicialmente ao participante que falasse abertamente sobre suas origens: lembranças da vida em família, lugar onde nasceu, mudanças, seus pais, condições econômicas entre outros. Neste ponto introdutório da entrevista o participante ficou à vontade para falar e desenvolver sua história, para depois ser confrontado com as perguntas.

O nosso objetivo ao coletar os dados qualitativos versava num suporte para melhor compreensão dos aspectos coletados pelos questionários, os quais consistem em constructos que levaram as atuais condições socioeconômicas, a sua cor, a crença e a visão de mundo. E compreender como os elementos de suas “produções subjetivas e/ou emblemáticas”, que giram em torno de tais determinantes em nível pessoal, se correlacionariam com os determinantes externos em nível social como o ambiente de alta vulnerabilidade social, tanto a vulnerabilidade socioeconômica quanto a civil (BUSSO, 2001; KOWARICK, 2009). E compreender, também, como o brotopentecostalismo destes negros, no convívio com as violências físicas e as subjetivas, como as coerções emblemáticas (por exemplo, os preconceitos de moradia e de cor), viabilizariam sua produção material e subjetiva naqueles espaços favelizados.

As entrevistas a partir das colocações de experiências individuais, revelaram o constructo pertencente ao grupo social, no qual os indivíduos estão inseridos. A deflagração pode ser observada nas falas dos indivíduos, em suas afirmações, gírias e expressões, formas e representações recorrentes e intercambiáveis entre os indivíduos participantes da pesquisa. Realizamos entrevistas com lideranças do movimento negro que foram muito importantes para compor as informações sobre identidade negra no universo pentecostal. O intuito foi contrapor as opiniões, relatos e respostas destas lideranças negras com os negros brotopentecostais das áreas pesquisadas. O objetivo foi poder cruzar as informações destas duas fontes distintas, para obter maior esclarecimento sobre como os brotopentecostais lidam com a questão da identidade

9 Devido a questões práticas utilizaremos o termo étnico, mesmo sabendo das suas controvérsias e incongruências.

O que vale também para o termo raça. Fenton (2003) fornece de forma organizada as problemáticas conceituais mais relevantes envolvendo “etnicidade”, que são a questão da nação, da raça e da identidade étnica e coloca a dificuldade da definição de tais diferenciações. Contudo, a importância do conceito de etnicidade é evidenciado e imprescindível para a investigação socioantropológica.

10 Ver apêndice G. 11 Ver apêndice H.

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negra, em seu universo religioso, e com o preconceito, que possivelmente sofrem em seu meio e no seu cotidiano. Para isso utilizamos um questionário com quatro perguntas chaves sobre a questão do negro pentecostal12. Entrevistamos três lideranças de movimentos negros e negros evangélicos. O critério de escolha das lideranças foi que tivessem grande influência e atuação na militância no meio negro e negro evangélico, além de tempo de militância considerável e currículo consistente em atuação na militância negra.

A pesquisa de campo revelou-se de grande importância para se entender o fenômeno brotopentecostal e suprir os objetivos da presente pesquisa. Todavia, dificuldades nos surpreenderam, bem como algumas oportunidades para ampliarmos o nosso cabedal de conhecimentos. Uma moradora do Mutirão foi a “minha porta” de entrada para a pesquisa no local. Sendo assim, e por esta moradora ser bem quista e possuir boa influência entre os moradores, facilitou-me a entrada, permanência e relação com os moradores. A medida que as minhas andanças se desenrolavam no bairro, os contatos com os prováveis participantes da pesquisa foram acontecendo. Entrava numa igreja e participava do culto e assim sucessivamente fui conhecendo os pentecostais e brotopentecostais das áreas pesquisadas. É certo que alguns participantes da pesquisa me foram apresentados por amigos, todavia em sua maioria os conhecia diretamente.

Foi um grande desafio a cada entrada na área do Mutirão. Mesmo possuindo conhecimento prévio do local e ter construído alguns laços de amizades com moradores em anos anteriores, quando trabalhava na escola Maria do Carmo como professor em oficina de rádio escola, no programa “Mais educação” do Governo Federal, com jovens do ensino fundamental II. A zona exigia bastante cautela e cuidados estratégicos ao transitar pelas ruas, ruelas e becos das favelas, principalmente à noite. O culto era a ocasião principal para se conhecer os pentecostais no exercício de sua crença. E também um dos melhores momentos para se entrar em contato com os crentes e marcar entrevistas, que eram realizadas geralmente após os cultos. No entanto, os cultos terminavam muito tarde, ocasião em que o transporte, que já era escasso, se tornava mais raro ainda. As reuniões geralmente aconteciam as 19:00 horas até as 21:00 horas. Mas podiam se estender até mais tarde, algumas vezes passavam das 22:30, dificultando a volta para casa, pois só existia uma linha de ônibus. E a área do Mutirão a noite tornava-se muito escura em vários pontos, inclusive no Comercial Norte, com seus muitos terrenos baldios, mato e ruas vazias. Nestas ocasiões aconteciam muitos assaltos. Só existia uma linha de ônibus que fazia o transporte na área do Mutirão, a Metro, antiga empresa Wilson,

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com os carros sucateados e em péssimo estado de conservação, e mesmo assim esperava muito tempo em paradas vazias em ruas desertas e noites escuras. Outra opção eram os transportes alternativos feito por motoristas organizados em cooperativas, ou simplesmente por veículos avulsos de particulares que faziam a chamada “lotação”, cobrando o mesmo valor da tarifa do ônibus. Não tinha muito o que escolher, a pesar de não gostar, geralmente pegava os carros alternativos para ir e voltar do bairro, já que os ônibus eram escassos.

Na área do Mandacarú as dificuldades eram evidentes. Primeiro, porque não conhecia ninguém, muito menos o local; e segundo devido a coerção emblemática, deflagrada em uma ‘má fama’ da área como uma das mais violentas de João Pessoa me causava certo receio e me inspirava cuidado, principalmente quando as pessoas em geral, tanto os de dentro como os de fora do bairro me alertavam para ter cuidado. Porém, naquele ano de 2014 na pesquisa exploratória, tive ajuda de um morador da área do Mandacarú que conheci por indicação de uma amiga. Este morador me ajudou a percorrer a área em busca dos núcleos religiosos. A pesar do seu medo que o impedia de entrar em certas favelas, áreas cruciais de violência e atividade pentecostal, não consegui, na ocasião, percorrer as partes mais difíceis e mais perigosas da área do Mandacarú, como por exemplo, as favelas do Beco de Zé Borges, Porto de João Tota, ou até mesmo a favela do Jardim Mangueira com suas “subcomunidades” que acabei conhecendo na pesquisa de campo.

Na pesquisa de campo propriamente dita, a necessidade de estar presente no local me fez procurar conhecer crentes pentecostais moradores da área e construir relações de amizade para facilitar minha entrada nos bairros. Já tinha conhecido um rapaz negro que congregava na Igreja do Evangelho Pleno na área do Mutirão em Bayeux, mas que também pertencia a igreja Assembleia de Deus - Ministério de Tambiá no Porto de João Tota. Este contato foi um dos principais que facilitou minha entrada na área do Mandacarú.

Resolvido o problema dos contados locais iniciei minha busca pelas igrejas, no final constatei que o número de igrejas pentecostais na área do Mandacarú e Mutirão era bem maior que o esperado. Na área do Mandacarú das 16 igrejas pentecostais dentre as 17 protestantes que encontrei na pesquisa exploratória, saltou para 44 igrejas pentecostais do total de 46 protestantes encontradas, sem contar as igrejas que não consegui identificar por não possuir nenhuma identificação, seja por placas, faixas ou pinturas de paredes. Na área do Mutirão, na pesquisa exploratória encontramos 30 igrejas protestantes, sendo 24 destas pentecostais. E na pesquisa de campo encontramos 48 igrejas protestantes, sendo 44 pentecostais. Ao verificar posteriormente, a grande maioria destas igrejas eram brotopentecostais.

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A violência criminal nas áreas do Mandacarú e Mutirão era algo a se observar com cuidado, na verdade era um obstáculo a ser transposto. Contudo, percebi que a figura do brotopentecostal é uma figura respeitada, não apenas pelos moradores das áreas, mas em especial pelos próprios traficantes. Utilizei esse “prestígio” ao nosso favor, o que facilitou muito a pesquisa. A partir deste descobrimento adotei algumas estratégias para me proteger, adaptar e ser aceitável não apenas nos grupos brotopentecostais em geral, mas também junto aos outros moradores das áreas, pois caminhava constantemente dentro dos seus espaços, em especial demonstrar aos traficantes que eu não apresentava perigo, que eu não era um P2, que na linguagem popular da favela significa policial disfarçado, ou simplesmente um X9, um

cabueta13. Contudo, o meu envolvimento com os brotopentecostais e participações em cultos e

eventos, me fornecia uma maior segurança e confiança junto as forças do tráfico.

Em campo tive que me adaptar para ser o mais aceitável possível no grupo dos crentes das duas áreas, tanto na aparência física quando no comportamento, principalmente quando em contado com os negros, ou de peles mais escuras. O fato de ser considerado branco não me impediu de me aproximar dos crentes negros, pelo menos não perceptivelmente a mim. Acredito que a conterraneidade, por ser pessoensse, me facilitou tal contato, juntamente ao revelar, de forma clara, minhas intensões de pesquisa. Percebi que os pentecostais se interessavam quando falava, sobre a pesquisa que estava realizando, em especial na hipótese de que a igreja poderia se apresentar como um espaço religioso de oportunidades na favela para os crentes, em especial, para os negros. Isso causava bastante interesse entre os crentes, acredito que muitos deles me viam como um agente do próprio Jesus a favor de suas igrejas. E em relação aos pastores, de forma unânime, eles se interessaram pela pesquisa que eu estava desenvolvendo entre eles

Tomando os devidos cuidados no contato com os grupos de crentes, acabei construindo laços de amizade com membros, pastores e outras lideranças das igrejas pentecostais. Isso me facilitou bastante o contato e a confiança criada na figura do pesquisador pelos crentes e a própria área pesquisada. Uma vez que, em alguns espaços eram zonas de guerra entre as duas facções OKD e ESTADO, pelo domínio de áreas de influências que será melhor explicitado mais adiante.

No meio do processo de adaptação ao campo e me valendo do respeito que gozam, os crentes, procurava estar sempre em companhia dos mesmos. Cortei os cabelos, tirei a barba, pois estes estavam grandes, me encontrava, pelo menos na visão de mundo do crente, fora dos

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padrões aceitáveis. A roupa que procurei utilizar era simples: camisa social e calça jeans azul. Adquiri uma Bíblia14 que sempre quando me dirigia aos cultos procurava deixar bem visível na minha mão, para indicar que iria para o culto. Uma vez que a Bíblia funciona muito mais que um livro sagrado para os crentes brotopentecostais, ela mesma é um emblema que por si só dá ao seu possuidor autoridade e um certo respeito religioso. Assim com a aparência e comportamentos respeitáveis ou me aproximando pelo menos da aparência dos crentes, e me comportando de forma adequada, respeitando suas crenças e manifestações de fé, seja nos cultos ou em conversas ocasionais, fui aceito nos grupos de forma muito afetuosa.

No que diz respeito aos capítulos que construímos na tese, no primeiro apresentamos os conceitos essenciais que foram utilizados na pesquisa, ou seja, poder simbólico e valor emblemático, segregação e vulnerabilidade social, estrutura de oportunidade política e capital social, religiosidade popular, pentecostalismo e brotopentecostalismo, pobreza urbana, a questão da dicotomia do centro e periferia, dos conceitos de favela, e como esse tipo de espaço social, segregado pela pobreza e marginalização possui diferentes conotações conceituais de acordo com o lugar, diferenças idiossincráticas importantes. Em seguida abordamos sobre os determinantes da urbanização na RMJP em que a migração é apenas um fator aonde convergem outros determinantes como o clima, a economia etc. Posteriormente, discorremos sobre a formação espacial do Mutirão e a importância da religião nesta formação, bem como a importância do brotopentecostalismo no Mutirão atual. Seguidamente, em roteiro semelhante, discorremos sobre o Mandacaru, sua formação e a importância da religião para a formação do seu espaço urbano e do brotopentecostalismo no Mandacarú atual.

O segundo e terceiro capítulos, foram dedicados as duas áreas pesquisadas, ou seja, aos quatro bairros: em João Pessoa o Mandacarú e Alto do Céu; em Bayeux Mário Andreazza e Comercial Norte. O segundo capítulo foi dedicado a área do Mandacarú e o terceiro a área do Mutirão. Os dois capítulos seguem semelhantemente o mesmo roteiro nas abordagens dos temas propostos que são as configurações atuais de cada área e seus bairros, suas populações, como vivem seus moradores, condições de moradia e infraestruturas. Em seguida apresentei minhas experiências em campo discorrendo sobre a violência nas duas áreas e as facções criminosas que atuam nestas áreas, a importância dos brotopentecostais nas favelas e suas relações de vizinhança. Narrativas como estas, estavam respaldadas pela experiência em campo e pelas falas dos próprios brotopentecostais e negros, atores sociais da área e foco da nossa pesquisa. Posteriormente e finalizando a dissertação sobre cada área, expomos os dados recolhidos em

14 Bíblia tradução ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994. Esta é uma edição muito volumosa e de cor azul claro,

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campo fruto da observação participante, dos questionários aplicados e das entrevistas realizadas com os crentes.

O quarto e último capítulo é o capítulo fundamental da tese. Nele, abordamos questões importantes da tese como imaginário, identidade, estrutura de oportunidade e valor emblemático. O capítulo trata sobre a importância que o imaginário religioso brotopentecostal e a visão de mundo criada a partir deste imaginário possui para tecer a realidade objetiva na comunidade em que os crentes estão inseridos. A partir daí discorremos sobre como nasce e se desenvolve uma igreja brotopentecostal e como o seu compósito de crentes possui grande parcela de indivíduos negros. Neste ponto desenvolvemos uma discussão sobre identidade brotopentecostal e identidade negra nas áreas pesquisadas. Posteriormente discorremos como as igrejas brotopentecostais se apresentam como estruturas de oportunidade para o negro e qual a relação e participação destes com as agremiações populares como Associações de Moradores, partidos políticos e ONGs.

Alguns aspectos importantes, bem como inesperados encontrados na pesquisa de campo merecem ser apontados. Algumas favelas que gostaríamos de adentrar, mas que não foi possível foi o Beco de Zé Borges na área do Mandacarú e a favela Jesus de Nazaré na área do Mutirão. Não foi possível entrar no Beco de Zé Borges para pesquisar, porque por diversas vezes estávamos pesquisando no Porto de João Tota, que é a favela rival do Beco. É por demais perigoso transitar nas duas favelas, até mesmo para os próprios moradores da área, quanto mais para um indivíduo pesquisador de fora. Já a favela Jesus de Nazaré é uma das mais perigosas da área do Mutirão. E infelizmente não conseguimos entrar por motivos semelhantes aos da área do Mandacarú, pois a favela Jesus de Nazaré é constantemente vigiada por traficantes e não tive nenhum morador da área que estivesse disposto a me levar ao local. Contudo, várias questões se abriram no decorrer da pesquisa de campo em especial.

Uma questão importante que se abriu foi a pesquisa do brotopentecostalismo no contexto do Nordeste, que posteriormente poderá ser comparado com o brotopentecostalismo de outras Regiões como Sul e Sudeste. Será que o brotopentecostalismo encontrado no Nordeste se comporta semelhantemente ao brotopentecostalismo do Sudeste ou do Sul, quanto a seus perfis, suas motivações, e ações diante da vulnerabilidade das periferias aonde estão? E os negros brotopentecostais das periferias do Sudeste ou do Sul afirmam sua negritude, ao contrário dos brotopentecostais que pesquisamos no setentrião do Nordeste, na RMJP? A participação em agremiações populares também é baixa nas periferias e favelas de outras Regiões do Brasil como se apresentou nas duas áreas pesquisadas, Mandacarú e Mutirão? São questões que se abriram e que seria importante se aprofundar na pesquisa.

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CAPÍTULO I

Mandacarú e Mutirão: aspectos conceituais para seu estudo

O presente capítulo está dividido em duas partes, na primeira apresentamos os aspectos conceituais que utilizamos ao longo de todo o estudo. Na segunda parte, apresentamos as duas áreas estudadas com seus quatro bairros Mutirão, com os bairros do Mário Andreazza e Comercial Norte e Mandacarú, com os bairros do Mandacarú e Alto do Céu. Os conceitos abordados na primeira parte são instrumentos que correspondem aos casos estudados, e que os utilizo visando uma melhor interpretação da realidade da vida social dos moradores das duas áreas, Mandacarú e Mutirão. A segunda parte começa com um estudo sobre os determinantes sociais que mais influenciaram as migrações e as favelizações no Brasil, ocasião em que são contextualizadas as cidades de Bayeux e João Pessoa. Em seguida abordaremos sobre João Pessoa e Bayeux no âmbito da Região Metropolitana de João Pessoa (RMJP) na Paraíba.

Complementando a segunda parte do capítulo abordamos sobre a ação religiosa nas áreas estudadas e como a mesma fez parte importante no processo de urbanização destas áreas. Construímos quadros descritivos15 sobre os núcleos religiosos e as agremiações populares das

áreas do Mandacarú e Mutirão. Os quadros servem como importantes fontes de informação para entendermos o contexto sociocultural e religioso, bem como das igrejas pentecostais e brotopentecostais que se encontram em maior número nas duas áreas estudadas. Seguiremos para a primeira parte deste capítulo com as abordagens teóricas.

Aspectos conceituais

Poder simbólico e valor emblemático

A violência e a dominação simbólica podem ser verificadas em instituições organizadas socialmente tanto seculares quanto religiosas. E isso significa que temos um fator importante para se observar no que se refere as questões que de outra forma não seriam possível, devido a sua sutileza, mas que se torna mais visíveis quando objetivadas em suas relações de estruturas estruturantes e estruturadas, que são atribuições do poder simbólico segundo Bourdieu (2010).

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O poder simbólico é instrumento de dominação, quando atua nas ideologias causando divisões de classes, por exemplo; as formas simbólicas podem ser estruturas subjetivas, quando atuam como elementos formadores culturais; objetos simbólicos, quando são objetivadas em formas, estruturas e, ou até significantes sociais em sentido saussuriano. De acordo com Bourdieu (2010, p. 14-15):

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. [...] se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. [...] O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder [...]

Segundo Bourdieu (2009) o poder simbólico é exercido e entendido como diferentes formas de legitimação de poder. No campo religioso, ele pode aparecer como capital religioso e suas relações de demanda e oferta religiosa. E como capital de autoridade em relação ao poder eclesiástico, que segundo Bourdieu é um poder simbólico, porque é implícito, há nessa forma de relação de poder uma subjugação de forças legitimadoras subjetivas de autoridade representadas pela figura do clero sob sua demanda, ao incutir um habitus religioso, ou seja, um sistema de representação capaz de gerar pensamentos, percepções e ações, ajustadas a uma visão política e social da realidade. O habitus são disposições duradoras ou permanentes, pelo menos possui essa pretensão, e que são adquiridas através do grupo social em que se está inserido, em um processo longo de aprendizado. O habitus também determina uma identidade. E no campo social como um todo, relações simbólicas ou ações de poder subjetivos, podem ser identificados, também, como cultura de dominação sobre outra forma cultural subalternada pelas estruturas formadas por essas mesmas relações de poder exercida e direcionada ideologicamente. Como no caso da periferia a igreja pode ser uma forma de dominação, mas ao mesmo tempo de estrutura simbólica formada e legitimada pelos próprios agentes subalternos. Destarte a importância do poder simbólico e suas trocas dinâmicas na sociedade se traduz numa forma de entendimento das relações de poder e das camadas sociais, essencial para a compreensão sociológica e o estudo do campo social da periferia e a religião como poder popular.

O valor emblemático é de certa maneira, uma vertente do conceito de poder simbólico elaborado por Bourdieu, que por sua vez utilizou conceitos durkheiminianos na sua

Referências

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