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Territorializando os espaços a partir da fé: Atos de desobriga no território da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó (1788-1818)

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ - CERES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA - DHC

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DOS SERTÕES

TERRITORIALIZANDO OS ESPAÇOS A PARTIR DA FÉ:

ATOS DE DESOBRIGA NO TERRITÓRIO DA FREGUESIA DA GLORIOSA SENHORA DE SANTA ANA DO SERIDÓ (1788-1818)

ISAC ALISSON VIANA DE MEDEIROS

CAICÓ 2018

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TERRITORIALIZANDO OS ESPAÇOS A PARTIR DA FÉ:

ATOS DE DESOBRIGA NO TERRITÓRIO DA FREGUESIA DA GLORIOSA SENHORA DE SANTA ANA DO SERIDÓ (1788-1818)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em História dos Sertões, do Centro de Ensino Superior do Seridó, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Especialista em História dos Sertões. Orientador: Prof. Dr. Helder Alexandre Medeiros de Macedo.

CAICÓ 2018

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TERRITORIALIZANDO OS ESPAÇOS A PARTIR DA FÉ:

ATOS DE DESOBRIGA NO TERRITÓRIO DA FREGUESIA DA GLORIOSA SENHORA DE SANTA ANA DO SERIDÓ (1788-1818)

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em História dos Sertões, do Centro de Ensino Superior do Seridó, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos professores:

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Professor Doutor Helder Alexandre Medeiros de Macedo Departamento de História UFRN

(Professor Orientador)

_________________________________________________________

Professora Doutora Juciene Batista Félix Andrade Departamento de História UFRN

(Avaliador)

_____________________________________________________________ Professor Doutor Thiago Alves Dias

Departamento de História UFRN (Avaliador)

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Propõe um estudo acerca das desobrigas ocorridas na Freguesia da Gloriosa Santa Ana do Seridó no período de 1788 a 1821. Autores a exemplo de Muirakytan Macêdo e Helder Macedo destacam o papel das desobrigas para a manutenção da cristandade em espaços afastados da sede da freguesia, isso porque era necessário impor a ideia de que a Igreja detinha de uma autoridade em relação ao espaço e sujeitos, portanto, o cumprimento dos ritos cristãos tornou-se, mais do que uma obrigação, caracterizando-se como um modo social de vida. Esses autores ainda afirmam que as desobrigas possuíam importância fundamental no processo de territorialização, pois se entendido como movimento de transformação do espaço em território, pode-se discutir o movimento dos padres como proposta para se entender até onde iam as fronteiras da freguesia. Metodologicamente, parte de revisão historiográfica; seleção, coleta e análise quantitativa e qualitativa das fontes paroquiais (livros de batizado e casamento e óbito, que vão de 1788 a 1818 e que juntos somam um total de 2.653 registros) para estabelecimento de perfil dos párocos e reconstrução de suas trajetórias. Concluiu-se após análise documental que para a realidade do nosso recorte, as desobrigas ocorreram durante todo o ano, não se restringindo apenas ao período quaresmal. Ainda, no que tange aos sacramentos, percebeu-se que não se limitavam apenas a comunhão e confissão, ampliando-se para batismos e casamentos.

Palavras-chave: Desobriga. Território. Processo de cristianização. Freguesia da

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It proposes a study about the absolutes occurred in the Parish of Gloriosa Santa Ana do Seridó from 1788 to 1821. Authors such as Muirakytan Macêdo and Helder Macedo highlight the role of the disengagement for the maintenance of Christianity in spaces away from the parish's headquarters, this because it was necessary to impose the idea that the Church had an authority over space and subjects, therefore, the fulfillment of Christian rites became, more than an obligation, characterizing itself as a social way of life. These authors still affirm that the detachments had fundamental importance in the process of territorialization, because if understood as a movement of transformation of the space in territory, one can discuss the movement of the priests as proposal to understand as far as the frontiers of the parish. Methodologically, part of a historiographical review; selection, collection and quantitative and qualitative analysis of the parish sources (books of baptism and marriage and death, ranging from 1788 to 1818 and together totaling 2,653 records) for the profile of the parish priests and the reconstruction of their trajectories. It was concluded after documentary analysis that for the reality of our cut, the releases took place throughout the year, not being restricted only to the Lenten period. Still, as far as the sacraments were concerned, it was realized that they were not confined to communion and confession, but extended to baptisms and marriages.

Keywords: Relieves. Territory. Process of Christianization. Parish of Gloriosa Senhora

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1 INTRODUÇÃO ... 5 2 AS DESOBRIGAS NAS TERRAS ULTRAMAR: DO SEU SIGNIFICADO AO CARÁTER DE SUA IMPORTÂNCIA EM UM CONTEXTO SOCIAL DA CONQUISTA DO TERRITÓRIO... 19 3 PERFIL DOS PÁROCOS ENVOLVIDOS NAS AÇÕES DE DESOBRIGAS DA FREGUESIA DA GLORIOSA SANT’ANA DO SERIDÓ (1788-1818)... 31 4 AS DESOBRIGAS NA FREGUESIA DA GLORIOSA SENHORA DE SANTA ANA DO SERIDÓ: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O COADJUTOR INÁCIO GONÇALVES DE MELO (1803-1806) ... 46 5 APENAS CONSIDERAÇÕES, EVITEMOS OS “FINAIS”, POR ENQUANTO. .... 73 REFERÊNCIAS ... 75

(7)

1 INTRODUÇÃO

No respectivo trabalho de conclusão de curso realizado junto ao Departamento de História do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), objetivamos analisar o processo de territorialização da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó1 por meio da cristianização deste espaço. Para tal, analisamos cerimônias ocorridas nos templos religiosos – matriz e capelas dispostas nas povoações – e atos de desobriga ocorridos pelas fazendas, sítios e serras dispostos no território da freguesia. A proposição desta introdução, assim, é a de promover uma breve discussão sobre as balizas teóricas e metodológicas que nortearam tal estudo.

O texto está dividido em três partes. Para que possamos compreender a forma em que o processo de territorialização desse espaço se relaciona a prática religiosa2 primeiro é necessária uma reflexão sobre o modelo de povoamento das terras a qual nos referimos, isto é, uma contextualização do objeto de estudo do ponto de vista histórico e espacial. Na segunda seção, discutimos os conceitos de cristianização espacial, experimentação espacial e território, demonstrando a sua aplicabilidade na realidade da pesquisa que estamos desenvolvendo. E, por fim, discutimos os corpus documentais que compõem o repertório de fontes da pesquisa e a forma pela qual iremos tratá-los a partir dos Métodos Indiciário e Onomástico e da História Serial.

Historicizando os espaços: processo de territorialização da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó.

Entendemos que o início da conquista e colonização do sertão da capitania do Rio Grande do Norte só se deu anos depois da ocupação da faixa litorânea das terras da América portuguesa3. O motivo para tal deveu-se à hostilidade de grupos indígenas que,

1

Como o nome do recorte é uma constante em nosso trabalho, por uma questão de convenção, adotaremos outros títulos que o referenciam – Freguesia do Seridó, Freguesia de Sant’Ana – de agora em diante, para uma melhor fluidez do texto.

2

Nos referimos a forma em que padres e fregueses seguiam as doutrinas do cristianismo. No caso da nossa pesquisa, a ênfase será dada para as cerimônias – batizado, casamento e enterramento – ocorridas na Matriz e nas desobrigas.

3

CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2.ed. Rio de Janeiro: Achiamé; Natal:

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com o avanço da conquista, passaram cada vez mais a concentrar-se na área sertaneja, dificultando assim o processo de tomada das terras. Segundo Olavo de Medeiros Filho:

A primeira referência existente da presença do elemento desbravador no território que viria a fazer parte integrante da futura freguesia da Senhora de Santana do Seridó, data do ano de 1670, quando o Capitão Francisco de Abreu de Lima e seus companheiros de petição obtiveram uma vasta sesmaria, medindo cinquenta léguas de comprimento, por doze de largura, seis para cada banda do rio Espinharas, começando pelas fronteiras da serra da Borborema, pelo rio abaixo4.

Percebe-se a partir da fala do autor que o processo de territorialização do sertão da capitania do Rio Grande do Norte ocorreu tardiamente se comparado ao litoral5. De acordo com Muirakytan Macêdo6, a sedução pelas terras dos sertões teria se originado a partir do ajustamento da região à lógica dos lucros do comércio atlântico exigidos pelo capitalismo mercantil que movia a empresa colonial. Dessa forma, tendo em vista a necessidade do gado para o sistema de produção açucareiro – mão de obra, força motriz para o transporte da cana, propulsão para o engenho, uso do sebo para lubrificação de peças e de carros de boi, fonte de alimento – e a impossibilidade de abrigo de plantações de cana e pasto (necessário para a alimentação dos animais) na mesma região, os sertões

a priori passariam a servir de apoio para a produção açucareira nos litorais. Porém, logo

a pecuária também seria capturada pelo comércio atlântico, deixando de ser apenas um suporte para ser outra fonte de economia destinada tanto ao mercado interno quanto ao externo.

No entanto, a historiografia acerca do início da colonização da região7 concorda que o processo de expansão territorial precisou ser refreado devido aos diversos

4

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhas famílias do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1981. p. 3.

5

Onde as primeiras incursões já datam a partir de 1535. Ver: CASCUDO, Luís da Câmara. História do

Rio Grande do Norte. 2ed. Rio de Janeiro, RJ: Achiemé; Natal, RN: Fundação José Augusto, 1989.

6

MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais: Patrimônio e cotidiano familiar nos sertões da pecuária. (Seridó - Século. XVIII). Natal, RN: Flor do Sal: EDUFRN, 2015.

7

Podemos citar autores como: AUGUSTO, José. Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1980; LAMARTINE, Oswaldo. Sertões do Seridó. Brasília: Cento Gráfico do Senado Federal, 1980; LIRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 2.ed. Natal: Fundação José Augusto; Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1982; MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras

famílias do Seridó: genealogias mestiças no sertão do Rio Grande do Norte (séculos XVIII-XIX). 2013.

360f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013; MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais: Patrimônio e cotidiano familiar nos sertões do Seridó. (Séc. XVIII) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal: EDUFRN, 2007; MEDEIROS FILHO, Olavo. Velhas Famílias do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1983.

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conflitos entre conquistadores e nativos que foi chamado, na documentação da época, de “Guerra dos Bárbaros” 8

(1683-1725), só voltando a ser dado o prosseguimento após a vitória dos primeiros. Somente após o fim das batalhas na área centro-sul da capitania, nos últimos anos do século XVII, é que pôde ser retomada com mais afinco a doação de sesmarias para a ocupação do território por meio da pastorícia.

Porém, ao nos referirmos à colonização da América portuguesa não podemos levar em consideração apenas os aspectos econômicos. Torna-se relevante também atentarmos a outro viés, o religioso. Isso porque a tomada das terras do Novo Mundo estava também atrelada à conquista das almas. Bruno Feitler9, ao tratar do funcionamento do aparelho religioso na América portuguesa mostra que o Concílio de Trento, em 1545, reafirmava a importância dos sacramentos para a Igreja católica. A Contrarreforma trouxe uma maior preocupação para a Igreja Católica em relação à necessidade de manter e reavivar a fé entre os fiéis, bem como angariar novas almas.

Deste modo, podemos entender que essas duas instituições, Estado e Igreja, serviam como representação da Coroa portuguesa nas terras do Novo Mundo. Assim, ao mesmo tempo em que se abriam os espaços para a penetração do gado nos sertões, a fé cristã também se impunha conquistando espaços antes abençoados por entidades das religiosidades indígenas e demarcando territórios a partir da construção de templos cristãos10.

A partir da lógica de conquista empreendida pela Coroa portuguesa, a metrópole passou a construir diferentes instâncias administrativas nas áreas de maior passagem do gado pelo sertão, buscando assim consolidar cada vez mais a ocupação e o povoamento colonial. Uma dessas instâncias era a freguesia que possuía cunho eclesiástico e objetivava a assistência da espiritualidade dos povos residentes nas ribeiras11 da região.

8

LOPES, Fátima Martins. Missões Religiosas: Índios, Colonos e Missionários na colonização da

Capitania do Rio Grande do Norte. 1999. 210p. Dissertação de Mestrado (História do Brasil) – Universidade Federal de Pernambuco. Recife.

9

FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergtno Sales. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia (ed. e

estudo introdutório). São Paulo: EdUSP, 2010.

10

As igrejas, capelas, matrizes e cruzeiros tornaram-se umas das principais simbolizações utilizadas pela Igreja Católica – nas conquistas portuguesas – para demarcar a posse de terra pela ordem cristã. Ao chegar em novas terras encontradas tornou-se comum erguer uma cruz e posteriormente construir um edifício cristão para simbolizar àquelas terras como posse de Portugal e da Igreja Católica. Ver: MARCOCCI, Giuseppe. A consciência de um império: Portugal e o seu mundo (sécs. XV-XVII). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.

11

Segundo Helder Macedo o termo “ribeira” refere-se a uma das duas cartografias que foram traçadas

para o sertão durante o período referente ao início da conquista da região. A respeito do significado do termo, o autor aponta que: “considerava como seu contorno a região cortada pelo rio Seridó e pelos riachos que para este afluíam, apropriando-se, portanto, da toponímia desses cursos d’água para designar o espaço de instalação das fazendas de criar gado”. Ver: MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de.

(10)

A respeito da criação da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó, tal fato ocorreu a partir da desmembração de freguesias maiores, que, buscando um maior controle da religiosidade do território conquistado, acabavam por fracioná-lo. Dessa forma, ocorria a diminuição territorial de uma freguesia em favor da criação de outras de menor tamanho. Tal fato retrata o aumento do poder da Igreja, que ficava cada vez mais forte, se entendermos que a criação de novas freguesias implicava em um controle ainda maior dos espaços e suas almas, pela Igreja Católica. De outro modo, o surgimento de novas freguesias também justificava o sucesso da conquista dos sertões, tendo em vista que a necessidade de uma melhor racionalização do território significava um maior número de habitantes que passavam a povoar a região12.

Em relação à criação da freguesia, segundo Olavo de Medeiros Filho, na data referente a 15 de abril de 1748, a mesma se originou da fragmentação da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Piancó. Nascia assim, a Freguesia do Seridó, sob o título e a invocação da Gloriosa Senhora de Santa Ana13. Assim, podemos perceber que ao passo que se concretizava o avanço da colonização luso-brasílica, ao mesmo tempo também era notório o aumento do território da cristandade. A Freguesia do Seridó, desse modo, ocuparia importante papel no processo de cristianização da população residente no sertão da capitania do Rio Grande do Norte. De acordo com Helder Macedo:

O surgimento de freguesias no século XVIII, por conseguinte, acompanhava o ritmo do povoamento e o território que abrangiam possuía “uma forte homogeneidade econômica e social”. Assim, a instalação de um cruzeiro no dia de Santa Ana de 1748, na Povoação do Caicó, significava mais que a delimitação de um território da cristandade: era a própria reafirmação de posse da terra pela Coroa Portuguesa, amalgamada com a Igreja Católica pelos liames do Padroado Régio14

Percebe-se então que a criação de freguesias fazia parte de um processo de conquista do espaço, onde Coroa e Igreja uniam-se para dar características europeias a

Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no sertão do Rio Grande do Norte (séculos

XVIII-XIX). 2013. 360f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. p. 41..

12

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; LINHARES, Maria Yedda L. Região e história agrária.

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 4, 1995.

13

MEDEIROS FILHO, Olavo de. Cronologia Seridoense. Mossoró: Fundação Guimarães

Duque/Fundação Vingr-Un Rosado, 2002 (Mossoroense, Série C, v.1268). p. 49.

14

MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no sertão

do Rio Grande do Norte (séculos XVIII-XIX). 2013. 360f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. p. 50.

(11)

um novo território. A freguesia, além de cuidar da cristianização das almas, também fazia parte de uma cristianização do espaço, adequando o mesmo sob características de um território cristão. Portanto, como demonstrado por Macedo, a freguesia tratava-se de um território que demarcava essa dupla função: tanto a posse da Igreja católica, quanto da Coroa portuguesa.

A partir do exposto, este trabalho buscou, como já anunciado, analisar o processo de cristianização da Freguesia de Santa Ana do Seridó, atentando ao fato de que o mesmo se dava por meio da transformação dos espaços pela Igreja Católica e, a partir da atuação dos padres com a territorialização do espaço e o cuidado espiritual com os fregueses. Desse modo, cristianizar os espaços significava não apenas a transmissão da palavra de Deus a partir da garantia de administração e manutenção de sacramentos ou a fiscalização das ações da população de fiéis, mas também investir na construção de prédios cristãos, a exemplo de igrejas e capelas que pudessem assim marcar a presença da Igreja nas novas terras conquistadas15.

O principal enfoque abordado foi em relação aos atos de desobriga, viabilizados pelos agentes da fé. Desse modo, ao pensarmos no processo de territorialização como movimento de transformação do espaço em território, o movimento dos padres também é discutido como uma proposta para se entender até onde iam as fronteiras da freguesia. Desse modo, o estudo em questão incide sobre o território da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó a partir da 1) Revisão do significado das desobrigas na historiografia já produzida em cenário nacional, regional e local; 2) Do estudo acerca dos párocos que realizaram as cerimônias de batismo e casamento em nosso recorte e 3) através da análise da forma em que ocorriam as desobrigas a partir de um estudo de caso, o do coadjutor Inácio Gonçalves de Melo.

Por meio desses pontos é que buscamos dar nossa contribuição para a historiografia referente ao Rio Grande do Norte, afinal, embora alguns estudos já tenham tocado no processo de territorialização do espaço da Freguesia do Seridó16,

15

COSTA, Renata Assunção da. Porta do céu: o processo de cristianização da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação (1681-1714). 11 de Setembro de 2015. 179 f. Dissertação – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em História. Natal, 2015.

16

Nos referimos aqui tanto a autores da tradição clássica da historiografia norte-rio-grandense, como Olavo de Medeiros Filho, José Augusto, Oswaldo Lamartine e Augusto tavares de Lira quanto a autores mais recentes que realizaram pesquisas após a criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte a exemplo de Fátima Martins Lopes, Muirakytan Macêdo e Helder Macedo. Estes autores retratam em suas pesquisas as questões da territorialização e cristanização do espaço, porém tal temática serve muitas vezes para direcionar o estudo para outras questões, não sendo estes os focos principais das pesquisas. Buscaremos aqui aprofundar a temática a partir da contribuição desses autores. Ver: MEDEIROS FILHO, Olavo. Velhas Famílias do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1983; MEDEIROS

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entendemos que ainda existem lacunas. Por exemplo, carece-se de uma investigação que incida, diretamente, no processo de cristianização do espaço e, deste modo, é o que tentamos propor nesse trabalho.

Quadro Teórico

Como referência teórica para alcançarmos tais objetivos trabalhamos com três conceitos fundamentais para se entender a relação entre os cristãos e os espaços que estes habitavam no sertão da capitania do Rio Grande do Norte, mais especificamente a Freguesia de Santa Ana do Seridó, durante o período aqui analisado. Em primeiro lugar, o conceito de cristianização espacial, o qual nos inspiramos na obra de Cláudia Damasceno17, em que a autora analisa os processos de constituição – institucional e material - dos núcleos e territórios urbanos de Minas Gerais, e buscamos fazer a adaptação para a realidade de nosso recorte espacial. Desse modo, verificamos uma das estratégias utilizadas na conquista territorial/espiritual empreendida pela Coroa portuguesa que baseava na criação de prédios sagrados a garantia de conversão e manutenção da fé católica nos diversos espaços da freguesia. Assim, quando nos referimos ao ato de cristianizar os espaços, estaremos aludindo à construção de capelas e igrejas, espaços estes considerados sagrados pela população e que recebia a realização dos atos de fé.

A utilização desse conceito parte do pressuposto de não aceitação do espaço como dado e, sim, produzido pelas práticas humanas. Para tanto, entendemos que a Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó se estabeleceu como um território cristão a partir das vivências da população que ali residiram e que atuaram como agentes históricos, modificando o meio.

FILHO, Olavo de. Velhos inventários do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1983; MEDEIROS FILHO, Olavo de. Cronologia Seridoense. Mossoró: Fundação Guimarães Duque/Fundação Vingr-Un Rosado, 2002 (Mossoroense, Série C, v.1268); AUGUSTO, José . Seridó. Brasília: Centro gráfico do senado federal, 1980; LAMARTINE, Oswaldo. Sertões do Seridó. Brasília: Cento Gráfico do Senado Federal, 1980; LIRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 2.ed. Natal: Fundação José Augusto; Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1982; LOPES, Fátima Martins. Missões Religiosas: Índios, Colonos e Missionários na colonização da Capitania do Rio

Grande do Norte. 1999. 210p. Dissertação de Mestrado (História do Brasil) – Universidade Federal de

Pernambuco. Recife; MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Rústicos cabedais: Patrimônio e cotidiano familiar nos sertões da pecuária. (Seridó - Século. XVIII). Natal, RN: Flor do Sal: EDUFRN, 2015; MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no sertão do Rio Grande do Norte (séculos XVIII-XIX). 2013. 360f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

17

DAMASCENO, Cláudia. Arraiais e vilas d’el rei: espaços de poder nas Minas setecentistas. Belo

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A partir desse conceito, entendemos que a cristianização perpassava a população e se estendia para o próprio espaço, a Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó foi um exemplo disso. Se tratava de um território identificado a partir de uma invocação a uma divindade religiosa. As capelas, oratórios e matriz eram uma extensão desse ato e seguiram o mesmo modelo. O próprio território ganhou traços da religião católica, passando a ser cristianizado. Portanto, mais do que um local de fé, esses templos religiosos se constituíam em pontos de legitimação da conquista do território onde a sua presença caracterizava um local pertencente a Coroa portuguesa e de um território em que o estágio de povoação já se mostrava avançado, visto que quanto maior o número de pessoas em determinada área, mais prédios eram necessários para suprir a quantidade dos rituais cristãos dessa população. Assim, o conceito de cristianização espacial foi útil ao ponto que nos permitiu pensar as áreas de atuação católica no território da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó a partir da localização das capelas vinculadas a Matriz que ostenta o nome da freguesia, visto que servem de referencia espacial do território oferecendo um indício de seus limites a partir da prática religiosa realizada nesses espaços.

Junto ao conceito de cristianização dos espaços, também trabalhamos no decorrer da pesquisa, com o conceito de experimentação espacial, do geógrafo Yi-Fu Tuan18. Em sua perspectiva, as pessoas têm como característica o ato de transformar os espaços em lugares, imprimindo marcas próprias através de suas vivências. Dessa forma, podemos explicar o fato de que o território que passou a ocupar a Freguesia de Santa Ana do Seridó adquiriu no decorrer e avanço da colonização, marcas da presença portuguesa e, consequentemente, traços da religiosidade cristã europeia.

A espacialização dos templos religiosos também nos permitiu observar essa prática espacial da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó, já que esta se trata de umas das estratégias de produção desse espaço, no momento em que são características arquitetônicas da cultura europeia que passam a ocupar novos domínios, atuando como símbolo de uma religião que não existia nessas terras antes da chegada dos europeus.

A espacialização dos templos religiosos, assim como a própria nomeação da freguesia discutida anteriormente já é um exemplo de como se aplicar o conceito de experimentação espacial de Tuan, visto que o próprio território ganha marcas – culturais

18

(14)

e físicas – europeias e isto ocorre por meio de referências oriundas das vivências dos colonizadores – assim como de seus descendentes – no território ao qual nos referimos.

Essa perspectiva de Tuan pensa o espaço constituído a partir da lógica das pessoas que nele convivem, entendendo que estas conferem significado por meio da experimentação. Logo, esse conceito ajudou a aprofundarmos a discussão acerca da freguesia como lugar praticado pelas experiências humanas, principalmente no que tange às desobrigas que também fazem parte de nossos objetivos de análise. Estas foram entendidas em nosso trabalho como o ato dos padres passarem nos sítios, fazendas e serras, espaços mais afastados dos centros das povoações da freguesia19, e que, portanto, necessitavam de uma maior atenção e cuidado para a manutenção da doutrina cristã.

O conceito de experimentação espacial nos permitiu compreender como se dava o espaço praticado pelos padres e coadjutores que atuavam nas desobrigas, permitindo que a partir de nossas fontes20 notássemos as formas que esses se relacionavam, a partir de suas vivências com o espaço e população da freguesia. Ao ponto em que os padres aprofundavam o conhecimento acerca do espaço durante os movimentos de desobriga, eles atribuíam valores e significados àquele espaço, convertendo-o em lugar.

Desta forma, pudemos relacionar o movimento de desobrigas realizado pelos padres ao processo de territorialização da freguesia. Afinal, estes sacerdotes acabavam percorrendo todo o território e deixando registros dos nomes dos sítios, fazendas, igrejas e capelas por onde passavam. Portanto, as fontes paroquiais21 se convertem no registro da produção de um espaço a partir da experiência desses párocos, que por meio das desobrigas – onde buscavam cristianizar a população que não tinha condições de frequentar os templos religiosos22 – nos proporcionam uma forma de entendimento dos limites da freguesia baseado nas localizações das povoações, fazendas e sítios que visitavam. Esses locais eram escritos nos livros de registros paroquiais da freguesia que faziam parte, logo se um padre visitava determinada fazenda para realizar um batismo e

19

Eram nesses locais que normalmente eram erguidas as capelas e a Matriz, para o caso da Vila do Príncipe que era a povoação sede da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó.

20

Serão discutidas mais à frente, junto com a metodologia.

21

Para a região do Seridó não tivemos acesso aos róis de desobriga que eram os documentos característicos da época para registrar as desobrigas. No entanto os batismos, casamentos e óbitos possuem informações acerca do deslocamento desses padres, alguns, inclusive, apresentam os verbetes “em desobriga” se referindo ao padre responsável pelas cerimônias. Devido a isso é que utilizamos essa documentação em nossa pesquisa. Mais a frente constará maiores informações sobre essa fonte.

22

Os motivos podiam variar desde a distância entre as residências e os centros das povoações em que localizavam-se as capelas; a condição física ou de saúde dos fregueses ou até mesmo por comodidade, dependendo do cabedal das famílias. Porém, estas são inferências nossas que serão analisadas no decorrer da pesquisa.

(15)

este era registrado no livro de batismos da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó, podemos entender que essa fazenda fazia parte dos limites da freguesia23. Portanto, um conjunto de fazendas e sítios registrados podem nos permitir ter uma noção desse território. Nesse aspecto, a Freguesia de Santa Ana do Seridó se configuraria em um território fruto da experimentação espacial desses padres durante os atos de desobriga.

Deste modo, a Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó converte-se em um conjunto de costumes e traços culturais e pode converte-ser compreendida como um “lugar” se levarmos em consideração as experiências das pessoas que viviam nessa localidade, fossem párocos ou fregueses. O território ficou marcado por uma lógica característica da colônia portuguesa que podia ser percebida tanto pela construção dos templos cristãos, pela nomenclatura das povoações, sítios e fazendas24, quanto pela própria forma de praticar o espaço a partir da vivência das obrigações da religião católica.

Por último, analisamos a Freguesia de Santa Ana do Seridó, a partir do que Marcelo Lopes Souza25 entende pelo conceito de território, o qual configura-se como um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder e, também, e a partir de relações sociais e culturais historicamente situadas no tempo.

Em relação ao nosso recorte, a questão das forças detentoras de poder que atuavam nesse espaço podem ser analisada por diferentes prismas. Durante o percurso histórico de ocupação das terras do Seridó da capitania do Rio Grande do Norte existiram muitos processos que motivaram a fixação das pessoas na região. Segundo Manoel Rodrigues Melo, na introdução que faz da 17ª edição do livro Seridó, escrito por José Augusto26, à região se caracteriza pelo fato de não existir uma origem comum para as vilas e cidades que se estabeleceram nesse território. Muitas tiveram seu início ligado a fazendas de criar gado, outras no espírito religioso da sua população, algumas

23

As exceções eram expressas nos registros, ou pelo menos a maioria delas. Por exemplo, quando uma cerimônia ocorria em outra freguesia, esse fato era documentado a partir do verbete “fazenda pertencente a Freguesia do Cuité”.

24

Os nomes dessas localidades, em grande quantidade faziam referência à religião cristã, a exemplo do próprio nome da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó, Povoação de Nossa Senhora da Guia do Acari, Fazenda Bom Jesus, Fazenda da Glória, Fazenda São Pedro e Fazenda das Almas, somente para citar algumas das muitas existentes no território.

25

SOUZA, Marcelo Lopes. O território: sobre espaço e poder. Autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (orgs). Geografia:

conceitos e temas – Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995, p. 78-80.

26

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se relacionam com o ciclo do algodão. Ou seja, são múltiplas as relações de poder ali estabelecidas e, portanto, para quem deseja estudar a territorialização da Freguesia do Seridó, muitos podem ser os caminhos para essa tarefa, os quais podem variar mediante o tempo e espaço analisados.

Para nossa pesquisa, o viés escolhido é justamente o religioso, abordaremos, portanto a territorialização da freguesia entendendo a Igreja Católica como agente modelador do espaço. Para isso levamos em consideração que a doutrina cristã se estabelece como um conjunto de práticas que tem como função o controle do território e das pessoas sobre as suas próprias diretrizes e interesses, a partir de estratégias que visam manter a existência e legitimar a fé, assim como a sua reprodução ao longo da história. As experiências religiosas – a exemplo das desobrigas – e as cerimônias ocorridas no âmbito dos templos religiosos são formas de fortalecer os vínculos à fé cristã e garantir a posse do território.

Portanto, a partir da perspectiva de Souza, territórios seriam, no fundo, antes relações sociais projetadas no espaço que propriamente espaços concretos, ou seja, seriam uma espécie de projeção espacial das relações de poder. É nesse contexto que entendemos a Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó, onde a mesma situa-se como uma representação espacial do poder que a Igreja Católica mantinha naquelas terras. Assim, entendemos que ao classificar a instituição religiosa como agente modelador do espaço, torna-se possível reconhecer a forma e a intensidade do poder desse agente e, dessa maneira, a crença, a identidade e o contexto geográfico participam ativamente na definição e na redefinição dos territórios.

Logo, a Freguesia do Seridó se apresenta como um espaço produzido pelas relações e atividades humanas, assim, não se trata de algo natural, dado gratuitamente ou pré-existente à própria história. Consideramos o espaço como um conceito carregado de historicidade e, portanto, desnaturalizado e repleto de discursos e intenções que refletem na sua construção decorrente do tempo e lugar analisados. Em nosso trabalho, a Freguesia do Seridó está longe de ser apenas o palco das ações dos homens no decorrer da história, não se enquadra nesse modelo naturalizado e gratuito. O território da freguesia se enquadra no próprio objeto de nosso estudo. E, nesse aspecto, acaba por oferecer caminhos diferentes para se analisar os processos pelo quais se deu sua territorialização.

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No que tange ao corpo documental necessário para a análise de nosso problema utilizamos uma série de registros paroquiais devidamente transcritos e alocados em banco de dados na plataforma Microsoft Access27: são eles referentes a 4 tomos divididos em batizado e casamento (dois de cada tipologia) que juntos somam um total de 2.653 registros e cobrem o período de 1788 a 181828. Visto isso, essa foi a nossa fonte principal, em parte por nos possibilitar um panorama da população cristã, templos religiosos e agentes evangelizadores presentes em nosso recorte, como também devido ser a que dispomos em maior número.

Essa documentação fundou-se em um caráter fundamental em nossa pesquisa, pois sendo as mesmas de posição direta elas provêm de maior proximidade com o nosso objeto de estudo, nos permitindo o acesso à população envolvida nas tradições cristãs da região do Seridó, sem que passassem por filtros que estivessem fora da temporalidade e da norma exercida em nosso recorte. Afinal, desde a sua padronização29 e obrigatoriedade30, essa tipologia documental ganhou caráter social e cronológico, permitindo ao historiador fazer uso de uma dupla função dos mesmos, individual e coletiva31. Desta forma, “cada indivíduo é registrado com suas características pessoais e em cada momento da sua existência e cada um deles integra uma série cronológica de

27

É importante salientar que o trabalho com as fontes abordado nesse tópico no que se referente a revisão, transcrição e alocação dessas em banco de dados não foi de realização exclusiva nossa e, sim, por bolsistas de projetos de pesquisa ligados a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação dos professores Muirakytan Macêdo e Helder Macedo, desde o ano de 1999 em diante, até o ano atual em que continua-se dando prosseguimento ao projeto. Realizamos apenas uma parcela destas atividades no período de 2013 a 2016 quando estávamos na graduação e vinculados a projetos de pesquisa e trabalhamos com parte dessa documentação.

28

Referimo-nos às fontes paroquiais da Freguesia do Seridó, já coletadas e disponibilizadas em bancos de dados por pesquisadores e bolsistas dos projetos de pesquisa coordenados pelos Profs. Muirakytan Kennedy de Macêdo e Helder Alexandre Medeiros de Macedo. São as seguintes: Paróquia de Sant’Ana de Caicó (PSC). Casa Paroquial São Joaquim (CPSJ). Livro de Batismo n° 1, Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (FGSSAS), 1803-1806. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro de Batismo n° 2, FGSSAS, 1814-1818. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro de Matrimônio n° 1, FGSSAS, 1788-1809. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro de Matrimônio n° 2, FGSSAS, 1809-1821. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro de Óbito n° 1, FGSSAS, 1788-1811. (Manuscrito); PSC. CPSJ. Livro de Óbito n° 2, FGSSAS, 1812-1838. (Manuscrito)

29

Segundo Barros a padronização de nossas fontes indica que as mesmas são compreendidas como fontes seriais onde uma mesma estrutura de produção repete-se, alterando-se apenas as informações contidas em cada documento. Ver: BARROS, José D’Assunção. Fontes históricas: revisitando alguns aspectos primordiais para a Pesquisa Histórica. Mouseion, Canoas, n. 12,mai/ago. 2012, p. 129-159.

30

O fato de a fonte ser um documento de teor obrigatório para a população da época faz com que a mesma seja entendida, conforme Barros, como possuidora de uma intencionalidade involuntária por parte daqueles que aparecem nessa tipologia documental. Ver: BARROS, José D’Assunção. Fontes históricas: revisitando alguns aspectos primordiais para a Pesquisa Histórica. Mouseion, Canoas, n. 12,mai/ago. 2012, p. 129-159.

31

BASSANEZI, María Silvia. O historiador e suas fontes. In: Os eventos vitais na reconstituição da

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eventos, que cobrem uma localidade fisicamente bem demarcada – a paróquia” 32. Essas características nos permitiram o uso tanto de uma abordagem quantitativa quanto qualitativa em nossa pesquisa, propiciando uma melhor compreensão da realidade da freguesia e da formação das tradições cristãs nesse território.

Em relação ao método e fontes utilizados para essa tarefa, buscamos algumas informações essenciais dispostas nos registros paroquiais a partir da história serial: a

data da cerimônia nos auxiliou na organização do período de análise; o local nos

forneceu o nome e tipo do templo religioso, assim como a localização – povoação em que foi erguido –; o tipo de cerimônia forneceu os rituais que ali ocorriam – batizado, casamento ou enterramento – e o nome das pessoas presentes nessa documentação – batizado, noivos, pais, padrinhos, sacerdotes, filhos, avós, testemunhas, cônjuges – assim como os locais em que nasceram e residiam – fazendas, sítios, serras, riachos, povoações, freguesias – nos permitindo montar um panorama e fazer as conexões necessárias para formar uma ideia do território da Freguesia do Seridó, assim como das práticas que envolviam os fregueses, párocos e religião católica ao espaço, por meio de suas vivências.

No entanto foi preciso ter em mente a noção de que essas informações presentes nos registros paroquiais nem sempre estavam completas, por isso a necessidade de empregarmos os métodos Indiciário e Onomástico, apropriados e discutidos na perspectiva de Carlo Ginzburg33. Em relação ao primeiro, nos imputou a pesquisarmos também através de estratégias de análise baseadas primeiramente em pequenos indícios, que, por meio de cruzamentos de dados em outras fontes e obras publicadas, nos possibilitou um melhor resultado34. Já o método Onomástico, também de Carlo Ginzburg, foi útil ao ponto que propõe a utilização do nome como fio condutor para identificar os sujeitos e espaços envolvidos nas tradições cristãs da Freguesia da Gloriosa Santa Ana do Seridó35.

32

M. D. Hameister, op. Cit.; NADALIN, S. O. João, Hans, Johann, Johannes: dialética dos nomes de batismo numa comunidade imigrante, Revista História, Unisinos, São Leopldo, 2007. (rever ABNT)

33

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989a

34

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989a.

35

GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: _____. A

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Cruzamos os nomes das pessoas que aparecem nas cerimônias com informações dispostas nas obras de genealogia que tratam do período estudado em nosso recorte36. Algumas dessas obras, em especial “Cronologia Seridoense” de Olavo de Medeiros Filho e “Nomes da Terra”, de Câmara Cascudo nos permitiram ter uma ideia mais direta das localizações dessas capelas, assim como das fazendas, sítios e serras que ficavam ao entorno destas, já que essas obras trazem as toponímias e localizações das sesmarias da região.

Dessa forma, pudemos cruzar as genealogias desses autores, assim como as informações acerca dos locais em que a população contida nos livros moravam com os dados registrados nas fontes paroquiais e, deste modo, tivemos indícios dos pontos geográficos em que se localizavam essas capelas.

Mesmo com tudo isso, diante da falta de informações, ainda buscamos realizar cruzamentos com outros documentos que nos permitem analisar essa relação das pessoas com o espaço da freguesia, a exemplo dos mapas da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM)37 que trazem o nome da cartografia da região e, já que muitas localidades ainda preservam os mesmos nomes do período em nosso recorte, principalmente no que diz respeito as malhas hidrográficas, serras e povoações – que atualmente são municípios – se analisadas com cuidado para evitar anacronismos podem prover dicas importantes na análise do território da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó.

* * *

Para o primeiro capítulo realizamos uma revisão da historiografia acerca das desobrigas, com o intuito de observar o que já foi produzido (em nível de Brasil, Nordeste, Rio Grande do Norte e Seridó) sobre esse tema no período colonial e

36

MEDEIROS FILHO, Olavo. Velhas Famílias do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1983; MEDEIROS FILHO, Olavo de. Velhos inventários do Seridó. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1983; MEDEIROS FILHO, Olavo de. Cronologia Seridoense. Mossoró: Fundação Guimarães Duque/Fundação Vingr-Un Rosado, 2002 (Mossoroense, Série C, v.1268); COSTA, Sinval; Os Álvares

do Seridó e suas ramificações. Recife: Editora Globo, 1999; CASCUDO, Luís Câmara. Nomes da terra: Geografia, História e Toponímia do Rio Grande do Norte. Natal, RN: Fundação José Augusto.

1968.

37

Para maiores informações sobre essa fonte podem ser encontradas na própria página online do Portal CPRM. CPRM Serviço Geológico do Brasil. Disponível em < http://www.cprm.gov.br/ >. Data de acesso: 27/09/2018.

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atentamos as lacunas deixadas por esses autores. Dessa forma, refletimos sobre as possíveis contribuições da nossa pesquisa para a comunidade científica.

A seguir, no segundo capítulo, foi feito um levantamento de dados, analisando quais sacerdotes atuaram nas desobrigas e que rituais realizaram. Nesse aspecto, foi organizado um perfil dos párocos que faziam a manutenção dos ritos cristãos em nosso recorte, destacando os rituais realizados e lugares visitados por eles. A principal fonte utilizada nessa tarefa foram os registros paroquiais. Em relação a estes, os mesmos nos ofereceram os nomes dos párocos e suas funções eclesiásticas – se o mesmo era coadjutor, visitador ou estava de licença de outro padre. Ainda nos informaram o nome dos rituais que foram realizados –batismo ou casamento – e as suas respectivas datas e locais em que esses ocorreram, o que nos ajudou a identificar os atos de desobriga, quando esses não estavam expressamente catalogados.

Por último, de modo a finalizar a obra, buscamos refletir sobre a forma como eram feitas as desobrigas no sertão da capitania do Rio Grande do Norte. Nesse sentido, dentre todos os sacerdotes listados em nossa documentação foi feita a escolha de um pároco para analisar a maneira que este se locomoviam pela freguesia durante os atos de fé, atentando ao período e as localidades expressas nas fontes. Dessa forma, pudemos observar o quanto o processo de cristianização da Freguesia do Seridó relaciona-se com a territorialização desse recorte. A escolha desse padre foi feita de acordo com a quantidade de informações levantadas na documentação.

Neste sentido, atentamos para os dados referentes aos nomes dos padres, as localidades que ocorreram os rituais, juntamente com o período. Assim foi possível observar como ocorria o trajeto desses sujeitos pelo território da Freguesia do Seridó e termos uma noção das fronteiras desse território a partir dos locais em que ocorriam os atos de fé. O período indicado nas fontes foi importante para entendermos se esses movimentos de desobriga, para a realidade do nosso recorte, ocorriam de acordo com a quaresma pascoal ou durante todo o ano38.

38

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2

AS

DESOBRIGAS

NAS

TERRAS

ULTRAMAR:

DO

SEU

SIGNIFICADO AO CARÁTER DE SUA IMPORTÂNCIA EM UM

CONTEXTO SOCIAL DA CONQUISTA DO TERRITÓRIO

2.1 Considerações iniciais

O objetivo deste trabalho é o de discutir o processo de cristianização da Freguesia de Santa Ana do Seridó, em meio ao período de 1788-1818. No entanto, tal movimento origina-se a partir de um contexto maior, o da conquista dos origina-sertões da América portuguesa, período onde a metrópole já exercia um forte domínio dos litorais e passava a investir para o interior. Desse modo, no que tange à temática da história dos sertões, entendemos a pertinência do estudo no ponto em que nossos recortes espacial e temporal nos permitem revelar uma nova ideia de sertão que começa a surgir no decorrer da segunda metade do século XVII e início do XVIII. Autores que discutem o conceito de sertão – Erivaldo Neves; Jerusa Ferreira; Janaína Amado; Antônio Morais – citam a complexidade do termo: o mesmo é entendido como um discurso volátil que vai se (re) elaborando a partir do tempo e espaço em que é vinculado, bem como, ao sujeito que o nomeia. No entanto, há uma certa concordância em afirmar que se trata de um discurso de alteridade, algo que vem de fora, do outro, como maneira de criar um efeito de espelho para comparar certa região a outra.

Em sua dissertação de mestrado, Renata Costa, ao tratar de uma temática próxima à nossa, ou seja, o processo de cristianização na Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação39 exemplifica bem esse olhar do outro sobre o sertão. Levando em consideração o seu recorte espacial, que se localiza nas terras do litoral da capitania do Rio Grande, em um período mais recuado ao nosso (séculos XVII-XVIII), a autora incorpora, a partir de suas fontes, um pouco desse discurso de alteridade, colocando o sertão como oposto ao litoral. Dessa forma, sendo o segundo um local em que a conquista já andava a passos largos, nesse sentido, um lugar “civilizado” de amplo domínio português, ao primeiro ficava a cargo uma apresentação que o colocava como uma terra desconhecida e perigosa; um lugar estranho aos olhos do conquistador, infestado de povos bárbaros que acabam por refrear o avanço português no referido espaço.

39

COSTA, Renata Assunção da. Porta do céu: o processo de cristianização da Freguesia de Nossa Senhora da

Apresentação (1681-1714). 11 de Setembro de 2015. 179 f. Dissertação – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em História. Natal, 2015.

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Também na obra “Rústicos Cabedais”, Muirakytan Macêdo40

, ao se remeter ao processo de conquista das terras que hoje representam o sertão do Rio Grande do Norte, quando aborda sobre os primeiros contatos do colonizador com a terra, ainda deixa transparecer um pouco do olhar de fora. O sertão é visto de forma pejorativa, estranha e perigosa. O autor mostra que esses são fortes argumentos dos sujeitos responsáveis pela conquista das terras para dar prosseguimento a empreitada, principalmente no tocante de justificação para a dizimação da população nativa que habitava esses espaços41.

Porém, no período compreendido pela nossa pesquisa, que situa-se entre a segunda metade do século XVII e início do XVIII, já começamos a notar uma certa mudança no entendimento desse sertão. A exemplo disso, Helder Macedo42 nos oferece um sertão pós- Guerra dos Bárbaros, em que o processo de conquista das terras já estava avançando. Dessa forma, já conseguimos, em certa medida, enxergar um sertão não mais tão estranho, pelo contrário, uma região que já se mostra mais íntima dos colonos e que denota certo grau de pertencimento. Trata-se de um sertão que começava a ser traduzido, onde a antiga sensação de terror e estranhamento dava lugar a um maravilhamento pelas novas terras. Podemos perceber que, do estranhamento inicial, começa a surgir uma necessidade de compreensão por parte dos novos habitantes. Assim, acreditamos que a nossa pesquisa possa oferecer uma interpretação desse “novo sertão” que começa a ser reformulado, passando a se diferenciar do discurso que possuía no início da conquista.

Nesse sentido, a Igreja Católica, ao atuar como importante centro de difusão da cultura portuguesa nas novas terras teve um grande papel para esse processo de “descobrimento/reconhecimento” desse sertão. A partir da construção de templos e da utilização de um léxico cristão para a nomeação desses, como também dos novos territórios que eram formados – a exemplo das freguesias – serviu para, além de marcar um espaço de alteridade –administração eclesiástica de origem europeia, nesse caso, a Igreja Católica –

40

MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Cada palmo desse chão: a ocupação colonial da Ribeira do Seridó.

In:_____. Rústicos cabedais: patrimônio e cotidiano familiar nos sertões da pecuária (Seridó – séc. XVIII). Natal: Flor do Sal/EDUFRN, 2015. p. 29-79.

41

É importante deixar claro que utilizamos Costa e Macêdo para pensar a volatilidade do conceito de sertão. Nosso objetivo não é criticar esses autores e, sim, mostrar como o entendimento acerca dessa espacialidade muda conforme o período analisado e etapas do processo de conquista e povoação das terras da Capitania do Rio Grande do Norte. Em relação ao posicionamento desses autores, entendemos muito bem que no caso de Costa, não era seu objetivo tratar sobre o sertão. Já Macêdo referia-se a um período singular – o início da conquista das terras interioranas da Capitania do Rio Grande do Norte –, durante o decorrer de sua obra ele mostra um sertão totalmente diferente. Portanto, nosso interesse é mostrar que existem vários sertões e o nosso trabalho busca apresentar mais uma versão, o sertão formado pelos passos dos padres, o território da Freguesia da Gloriosa Senhora de Santa Ana do Seridó a partir das desobrigas desses sujeitos pelas fazendas, sítios e povoações.

42

MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Percepções dos colonos a respeito da natureza no sertão da Capitania do Rio Grande. In: ______. Populações indígenas no sertão do Rio Grande do Norte: história e mestiçagens. Natal: EDUFRN, 2011.

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também proporcionar um sentimento de pertencimento ao trazer todo um vocabulário conhecido pelos povos portugueses para designar os espaços desse novo território a ser conquistado.

É nesse contexto que pode destacar-se a importância das desobrigas para o processo de cristianização da Freguesia do Seridó. Diferente do litoral, onde já se podia encontrar um avanço da conquista, no referente às povoações de colonos – existência de pequenos centros urbanos –, no sertão, esse processo ainda era embrionário para o período analisado em nossa pesquisa. Como exemplo, podemos citar a dissertação de Renata Costa que discute o processo de cristianização da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, entre os anos de 1681 e 1714, onde a autora consegue identificar três espaços distintos de cristianização: a cidade do Natal, os Aldeamentos e as Missões populares. Percebemos que, mesmo se tratando de um recorte anterior ao nosso, Costa já se refere a uma “cidade do Natal”. No entanto, quando se trata da Freguesia do Seridó, não podemos utilizar o conceito de cidade, tendo em vista que tratava-se de um espaço marcadamente de características rurais. Segundo Muirakytan Macêdo43, para o período analisado nessa pesquisa, o território de que estamos tratando configurava-se por um conjunto de fazendas dispersas e, que tinham como centro a povoação da Vila do Príncipe, onde localizava-se a Matriz de Santa Ana.

Tendo em vista isso, era inviável que toda a população pudesse se dirigir para os templos religiosos para efetuar os ritos e sacramentos sagrados da fé cristã. Nesse sentido é que o movimento dos padres pelo território da freguesia ganhava importância para a cristianização dessa população. Foi a partir das desobrigas que grande parte das pessoas desse território puderam exercer a religião católica. O movimento dos padres e coadjutores foi essencial para a manutenção e reprodução dos ritos e sacramentos cristãos para o espaço e período analisados aqui.

Porém, no contexto das desobrigas, apesar das mesmas exercerem um protagonismo no processo de cristianização da Freguesia do Seridó, tal aspecto não o torna um fenômeno isolado para nosso recorte. Fosse ele exercido com maior ou menor frequência, é fato que foi um recurso bastante utilizado na conquista portuguesa das terras que hoje entendemos como Brasil.

43

MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. A penúltima versão do Seridó: espaço e história no regionalismo

(24)

2. Do que se tratavam as desobrigas?

Para início da busca pelos significados do termo desobriga, é correto recorrermos a princípio aos dicionários coloniais, os quais nos fornecem uma fonte mais próxima do léxico utilizado em nosso recorte. Tivemos acesso a três, são eles: Os Dicionários de Língua Portuguesa de Raphael Bleteau (1729)44; Antônio Morais de Silva (1789)45 e Luiz Maria da Silva Pinto (1832)46. Em todos os casos encontramos apenas o termo “desobrigar”, o qual possuía o mesmo significado, nesse caso, relacionado a desobrigar-se da quaresma ao realizar os sacramentos da comunhão e confissão.

Já a partir da nossa pesquisa bibliográfica pelas obras que tocam na temática das desobrigas, pudemos identificar duas formas em que as mesmas podem ser caracterizadas no contexto da cristianização do território que hoje consideramos como brasileiro. Comecemos primeiro pelo sentido observado nos dicionários, ou seja, aquele em que a desobriga estaria ligada a obrigação de se confessar e comungar pelo menos uma vez ao ano, de preferência durante o período da quaresma. De acordo com Guilherme Pereira das Neves, o termo “desobriga” refere-se:

Ao ato de desobrigar-se do preceito tridentino segundo o qual cada cristão devia-se confessar-se e comungar ao menos uma vez por ano. Cumpria-se durante toda a quaresma, até o domingo in Albis, com preferência pela Páscoa da ressurreição. Aos escravos, em virtude das tarefas nos engenhos, concedia-se uma prorrogação até a festa do Espírito Santo. De acordo com as Constituições de Mons. Monteiro da Vide (1707), estavam sujeitos a desobriga da confissão, os maiores de 7 anos, época em que revelava a capacidade de pecar. Embora a Eucaristia não fosse considerado um sacramento indispensável à salvação, também estavam obrigados à comunhão os homens maiores de 14 e as mulheres maiores de 12 anos, ou mais cedo, à discrição dos párocos.47

Dessa forma, vemos que, nesse primeiro caso, a desobriga é entendida quase como um evento anual, com período definido e que obrigatoriamente deveria ocorrer pelo menos uma vez a cada ano. Percebemos também a relação íntima com o período da Quaresma, que devia

44

BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v, p. 159.

45

SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado, por ANTONIO DE MORAES SILVA. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813, p. 591.

46

PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira por Luiz Maria da Silva Pinto, natural da Provincia de Goyaz. Na Typographia de Silva, 1832, p. 45.

47

NEVES, Gilberto Pereira das. In: (coord) SILVA, Maria Beatriz Mizza da. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2013, p. 254

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preparar os cristãos para estarem aptos a comungarem na Páscoa. Nesse sentido, como bem afirma o autor, nem aos escravos era permitida a exceção a essa regra, porém, no caso destes, fica clara a flexibilização por parte da Igreja ao permitir que se estendesse o prazo para suas obrigações cristãs. Tal ato remete-se à ligação que a Igreja possuía com a Coroa, que tinha no trabalho escravo, o sustento de sua economia nos trópicos.

Dalila Zanon também entende a desobriga nesse primeiro sentido abordado aqui, no que tange ao seu recorte. A mesma apresenta um estudo acerca de medidas tomadas por bispos da Diocese de São Paulo no século XVIII, referentes a aspectos da vida religiosa, mais especificamente, a aplicação dos sacramentos e distribuição de indulgências. No que tange às desobrigas, afirma que:

A delimitação das paróquias da diocese de São Paulo – preocupação presente na atuação dos bispos paulistas – fazia parte das condições estruturais que favoreceriam a desobriga quaresmal dos fiéis. Obrigatórios para todos, os sacramentos da confissão e da eucaristia na época da Páscoa foram preceituados pelo Concílio de Trento e mereceram grande destaque nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.48

Zanon reafirma o significado das desobrigas discutido aqui, como também a sua obrigatoriedade e relação com o período da Quaresma. Ainda, atenta para a questão espacial de seu recorte, ao afirmar que havia uma preocupação em organizar as paróquias da região de acordo com o espaço que os agentes da fé teriam que percorrer para adequar a população aos preceitos cristãos aqui abordados. Os templos religiosos teriam que se localizar de forma a dar conta de todos os povoados que existiam na região. Com isso, esperava-se que a grande maioria da população cumprisse com as obrigações espirituais propostas pela Igreja.

Muirakytan Macêdo, ao analisar o processo de ordenamento civil e espiritual da população das áreas sertanejas da capitania do Rio Grande do Norte, durante o século XVIII, cita as desobrigas como uma forma do aparelho estatal organizar e controlar a população das terras conquistadas. Nesse sentido, afirma que:

Ausência da Igreja, fermento do pecado. Distância do rei, ignorância da lei. Eis dois grandes temores projetados sobre as terras de ultramar. Rarefeita de gentes, e pior, sem funcionários suficientes, as colônias criaram uma demanda administrativa, que, se não fosse satisfeita, tornaria perigosa a integridade civil e o estado das almas sertanejas. Uma das saídas engenhosas já estava posta pelo Concílio de Trento quando este indicava a necessidade do registro nominal dos sacramentados. (VIDE, 2007). Em sertões, onde o

48

ZANON, Dalila. Os bispos paulistas e a orientação tridentina no século XVIII. História: Questões &

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escasso clero não podia atender, cotidianamente, a todos os cristãos, a tentação poderia facilmente erodir a alma de leigos e religiosos. Assim, para o rebanho de fiéis não ser perdido, devido à insuficiência de pastores, escolhia-se o período quaresmal para a autenticação coletiva da fé. A população era reunida em uma fazenda ou povoado e ali recebia os sacramentos não ministrados no período anterior. Era o momento da desobriga, ocasião em que os cristãos deveriam se desincumbir do dever da confissão quaresmal, para se tornarem aptos à comunhão, pelo menos uma vez ao ano no tempo pascal.49

A fala do autor nos proporciona pensar algumas questões valiosíssimas para se entender o contexto das desobrigas em nosso recorte. Primeiramente, atentamos ao fato do mesmo reafirmar esse primeiro significado para as desobrigas que vimos até aqui, ou seja, entendida como o ato de se confessar e comungar durante o período da Quaresma. No entanto, Macêdo também faz menção clara à preocupação da Igreja em controlar as práticas cristãs na colônia. Temia-se que a vida cotidiana longe da metrópole pudesse acarretar uma subversão por parte da população, gerando um afrouxamento com as obrigações cristãs. O autor também aponta que o número de agentes da fé era muito baixo, tendo em vista todo o território da América portuguesa. Essa preocupação aumentava ainda mais quando se tratava dos sertões, já que estes eram os territórios mais recentemente conquistados e, desse modo, todos os problemas já relatados ocorriam de forma bem mais intensa.

Nesse sentido, a desobriga ocorria como uma forma de relembrar aos cristãos daquelas “terras distantes” do controle estatal metropolitano, os preceitos religiosos da fé cristã. Já que muitos não poderiam se locomover às sedes das paróquias, cabia aos padres e coadjutores irem até os fiéis para fazê-los relembrarem seus pecados e se arrependerem, ficando aptos a receberem a comunhão, símbolo este do corpo de Cristo.

Porém, como afirmado anteriormente, no que tange ao significado das desobrigas, a partir da bibliografia analisada pudemos identificar outro contexto ao qual esse fenômeno se encaixa. Na verdade, não se trata essencialmente de uma nova forma ou maneira diferente de considerar ou entender a desobriga e, sim, de uma ampliação do seu sentido. Percebemos que, em alguns casos, dependendo do recorte considerado, a desobriga passa a abarcar mais sacramentos, ou seja, em alguns trabalhos analisados, pudemos observar que o movimento dos padres servia não só para prestar auxílio aos sacramentos da comunhão e confissão, como também aos demais, a exemplo do batismo, casamento, óbito e, ainda, para a realização de missas e demais atos de fé. Ainda, percebemos também que, não necessariamente, a desobriga

49

MACÊDO, Muirakytan Kennedy de. Estado das almas: população, família e educação escolar no Rio Grande do Norte colonial (século XVIII). In: Revista Educação em Questão, v. 41, n. 27, Natal, jul./dez. 2011, p. 245.

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ocorreu apenas no período da quaresma, como preparação para a Páscoa. Em alguns casos, o seu significado ampliou-se para designar o giro dos párocos pelas povoações em qualquer época do ano.

Desse modo, para algumas regiões da América portuguesa, mais especificamente, daquelas que hoje atendem a terras brasileiras, o termo desobriga tem um sentido que – se comparado com o que vimos anteriormente – amplia tanto as quantidades de ritos cristãos a serem realizados, como também o período em que os mesmos ocorrem.

Em nossa pesquisa, percebemos que essa ampliação de sentido para a desobriga ocorreu em trabalhos que se referiam a regiões que hoje são referentes ao Nordeste brasileiro. No entanto, não são muitos os trabalhos que abordam essa temática e, até mesmo esses apenas tocam no assunto ao abordarem sobre outras temáticas, a exemplo de sacramentos, religiosidades, conquistas territoriais e população. Portanto, ainda não podemos afirmar se esse modelo de desobriga foi característico dessa região, mas, sem dúvida, a presença do mesmo foi bastante forte.

Roberto de Sousa Santos, em sua dissertação de título A reestruturação

sociorreligiosa em Sergipe, no final do século XVIII analisa a forma que a religiosidade da

região se adaptou após a expulsão dos jesuítas. Ao mencionar as desobrigas, afirma que:

A desobriga tinha como principal objetivo levar à obra de se confessar, comungar, além disso, eram realizados batizados e casamentos aos fiéis. As desobrigas eram fundamentalmente feitas na época da festa dos santos padroeiros locais, unindo dessa forma um número maior de fiéis da região.50

No caso mencionado percebemos que há uma ampliação, no que tange ao maior número de sacramentos ofertados pelos padres. Já em relação ao período, para a região analisada, as mesmas ocorriam nas festas dos padroeiros, sob a alegação de ser o momento em que mais pessoas estavam na região. Certamente a justificativa tem a sua lógica. Se considerarmos que as desobrigas tinham como função levar o sacramento ao maior número de pessoas possível e a dificuldade do processo para os padres, visto a grande extensão do território a ser visitado, é cabível a organização da Igreja para escolher um período mais propício para o ato.

Quando adentramos nossa pesquisa para o sertão da capitania do Rio Grande do Norte, esse segundo modelo de desobriga torna-se mais comum no período analisado. Francisca

50

SANTOS, Roberto Sousa. A reestruturação sociorreligiosa em Sergipe, no final do século XVIII.

Dissertação (estrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, RN, 2010. p, 107.

Referências

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