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Visões da história e da arte em Herman Melville : Timoleon : uma metáfora da América

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ARMINDA JOÃO DE SEABRA DO AMARAL

VISÕES

DA HISTÓRIA

E DA ARTE

EM

HERMAN MELVILLE

Timoleon, uma metáfora da América

Dissertação de Mestrado em Estudos Anglo-Americanos — Literatura Norte-Americana — apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto

(2)

Arminda João de Seabra do Amaral

VISÕES DA HISTÓRIA E DA ARTE EM HERMAN MELVILLE

Timoleon: Uma Metáfora da América

Dissertação de. Mestrado em Estudos Anglo-Americanos (Literatura Nor te-Americana) apresentada à Faculdade de Letras da

Universidade do Porto

Porto 1999

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ANini Ao Zé

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Agradecimento

"All things revolve upon some center, to them fixed". Melville, Mardi

... E terminado este trabalho, vislumbra-se o seu princípio, fechando um círculo em redor de quem favoreceu a sua realização. A todos os envolvidos os meus agradecimentos:

Ao Professor Doutor Carlos Azevedo, instante primeiro desta dissertação, pelo saber e estímulo contagiantes das suas aulas de Licenciatura, geradoras de vontades que o tempo acabou por fazer cumprir;

À memória da Professora Doutora Margarida Losa e ainda aos Professores Doutores Gualter Cunha, Filomena Vasconcelos e Rui Carvalho Homem, pelo saber que transmitiram e pela atenção que dispensaram no decurso dos Seminários de Mestrado;

Às Professoras Doutoras Ana Luísa Amaral e FátimaVieira e ao Mestre Celso dos Santos, pela generosa disponibilidade demonstrada;

Aos Colegas e Amigos, pelo encorajamento, apoio e partilha preciosos, fundamentais e necessários em momentos (tantos!) de sobressalto e angústia;

À minha Família, pelo silêncio abnegado, paciente e incondicional, imprescindível às minhas exigências.

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CRONOLOGIA BIOGRÁFICA

1819 Nasce Herman Melville em Nova Iorque, a i d e Agosto, terceiro filho de Allan Melvill, comerciante, de ascendência escocesa, e Maria Gasenvoort, filha do General Peter Gansevoort, herói da Revolução Americana e membro duma ilustre família de Albany.

1825-29 Frequenta a "New-York Male High School".

1829-30 A partir de Setembro de 1829, frequenta a "Columbia Grammar School" em Nova Iorque.

1830 O pai entra em falência nos negócios e em Outubro a família muda-se para Albany.

1830-31 Frequenta a "Albany Academy" até Outubro de 1831.

1832 A 28 de Janeiro, morre Alan Melvill, deixando a mulher com oito filhos e muitas dívidas por pagar.

1832-34 Abandona os estudos e emprega-se como funcionário do "New York State Bank", em Albany.

1835 Frequenta a "Albany Classical School".

1835-37 Trabalha em Albany como guarda-livros e funcionário na empresa de peles do irmão.

1836-37 Volta a frequentar a "Albany Academy" de 1 de Setembro de 1836 a 1 de Março de 1837.

1837 O negócio do irmão abre falência em Abril. É professor na "Sikes District School", que fica perto de Pittsfield, durante o período do Outono.

1838 Regressa a Albany no início do ano. Na Primavera, muda-se com a família para Lansingburgh. Volta, por breve tempo, à quinta do tio no Outono. De novo em Lansingburgh, inicia estudos na "Lansingburgh Academy" a 12 de Novembro. 1839 Em Maio, publica, sob pseudónimo, "Fragments from the Writing Desk" em

Democratic Press and Lansingburgh Advertiser. A 5 de Junho, parte de Nova Iorque para Liverpool a bordo do navio mercante "St. Lawrence" como elemento da tripulação. Regressa a 1 de Outubro.

1839-40 É professor em Greenbush, N. Y., e, por breve tempo, em Brunswick, N. Y.. 1841-42 A 3 de Janeiro de 1841 parte de New Bedford a bordo do baleeiro "Acushnet"

com destino aos Mares do Sul. Passa pelo Rio de Janeiro, Cabo Horn, costa da África do Sul até às Ilhas Galapagos. A 9 de Julho de 1842 abandona o navio emNuku Hiva, nas ilhas Marquesas, juntamente com Richard Toby Green; vão para o Vale de Typee onde permanecem um mês como prisioneiros duma tribo canibal (Typees).

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1842 A 9 de Agosto embarca no baleeiro australiano "Lucy Ann" até Taiti. Aqui é expulso do navio por participação num motim. A 15 de Outubro escapa-se com John B. Troy e os dois exploram Taiti e Eimeo antes de trabalharem numa quinta.

1842-43 Embarca no baleeiro de Nantucket "Charles and Ami" de Novembro de 1842 até Abril de 1843. Desembarca em Lahaina, nas Ilhas do Havai, a 2 de Maio e tem vários empregos em Honolulu.

1843 Alista-se, em Honolulu, na Armada Americana e a 19 de Agosto parte a bordo da fragata "United States", sob o comando do seu amigo John J. Chase.

1844 A 3 de Outubro chega a Boston (depois de uma ausência de quase quatro anos). A 14 é dispensado da Marinha e regressa a Lansingburgh.

1845 Escreve sobre as suas aventuras nas Ilhas Marquesas. O livro é rejeitado pela Harper & Brothers, de Nova Iorque, mas aceite pela John Murray, de Londres, graças aos esforços do seu irmão Gansevoort que ali desempenhava as funções de Secretário da Missão Diplomática Americana.

1846 A 26 de Fevereiro, a John Murrey publica, em Londres, o seu primeiro livro, Typee, com o título Narrative of a Four Month's Residence among the Narratives of a Valley of the Marquesas Islands. Por volta de 20 de Março, a Wiley & Putnam, de Nova Iorque, repete a publicação mas sob o título Typee. Em Agosto publica-se em Nova Iorque uma "Revised Edition". Foi um sucesso de vendas e teve boa recepção crítica.

1847 Publicação de Omoo em Londres, a 30 de Março, pela John Murray e em Nova Iorque, a 1 de Maio, pela Harper & Brothers. A 4 de Agosto casa-se com Elizabeth Shaw e muda-se com a família para Manhattan, onde comprou casa, na Fourth Avenue, n° 103.

1847-50 Publica artigos anónimos na Literary Wold, editada pelo seu amigo Evert A. Duyckinck e sátiras em Yankee Doodle, editada por Cornelius Mathews, do círculo de Duyckinck.

1849 Nasce o seu primeiro filho, Malcom, a 16 de Fevereiro. A 16 de Março, a Richard Bentley publica em Londres Mardi e a 14 de Abril a Harper em Nova Iorque. Foi um fracasso de vendas. A 29 de Setembro a mesma editora londrina publica Redburn e a 14 de Novembro a nova^iorquina Harper repete a mesma publicação. Teve boa recepção quer do público, quer da crítica.

1849-50 A 11 de Outubro de 1849 parte para a Europa com o seu amigo Evert Duyckinck a bordo do "Southampton". Visita Londres, Paris, Bruxelas e a Alemanha oriental e regressa a 1 de Fevereiro de 1850.

1850 Publicação de White-Jacket a 23 de Janeiro pela Bentley, em Londres e a 21 de Março pela Harper, em Nova Iorque. A 5 de Agosto conhece Nathaniel Hawthorne num piquenique perto de Pittsfield, Massachusetts, e tornam-se amigos. Publicação de "Hawthorne and His Mosses" na Literary World de 17 e

14 de Agosto, reacção à sua leitura, algumas semanas antes, de Mosses from an Old Manse, de Hawthorne. A 14 de Setembro, compra uma quinta perto de Pittsfield, a que chamará "Arrowhead", passando a ter Hawthorne por vizinho.

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1 8 5i 1851 Publicação de Mobv-Dick (dedicado a Hawthorne) em Londres, pela

Bentley a 18 de Outubro, sob o título de The Whale, e em Nova Iorque pela Harper a 14 de Novembro. A 22 de Outubro nasce o seu segundo filho, Stanwix.

1852 1852 Publicação de Pierre em Nova Iorque pela Harper, a 6 de Agosto, e em Novembro pela Sampson Low, em Londres. Tem o seu maior desastre editorial com vendas inferiores a 300 exemplares.

1853 A família e os amigos, preocupados com a sua saúde, tentam conseguir-lhe um emprego no consulado. A 22 de Maio nasce a sua filha Elizabeth. A partir daqui e por muito tempo, a família da mulher preocupa-se com a debilidade financeira e o estado depressivo de Melville.

1853-56 Publicação de catorze contos e artigos no Putnam's Monthly Magazine e no Harper's New Monthly Magazine.

1855 Publicação de Israel Potter nos princípios de Março, pela G.P.Putnam de Nova Iorque (publicado em fascículos no Putnam's Monthly Magazine de Julho de 1854 a Março de 1855) e, em Maio, pela George Routledge, de Londres, sem autorização do autor. Tem sucesso moderado. A 2 de Março, nasce a segunda filha, Frances.

1856 Em fins de Maio, a Dix & Edwards, de Nova Iorque, publica Piazza Tales (composta por cinco contos já publicados na Putman 's e um título novo), com distribuição em Inglaterra pela Sampson Low. Em Junho "Arrowhead" é posta à venda.

1856-57 Por questões de saúde, a 11 de Outubro de 1856 faz uma viagem, financiada pelo sogro, com destino a Glasgow. Visita Hawthorne em Liverpool. Interessado pelas civilizações antigas, viaja ainda pela Terra Santa, Egipto, Grécia e Itália. Regressa a Liverpool e a 5 de Maio de 1857 inicia a viagem de regresso, chegando a Nova Iorque a 20 de Maio.

1957 Publicação de The Confidence Man a 1 de Abril, pela Dix & Edwards de Nova Iorque e, ainda em Abril, pela Longman, Brown, Green, Longmans & Roberts, de Londres.

1857-60 Inicia um período de palestras: a primeira sobre "Statues in Rome", a segunda sobre "The South Seas" e a terceira sobre "Travelling".

1860 A 28 de Maio embarca no navio "Meteor", a caminho de São Francisco, a convite do capitão, o seu irmão Thomas. Regressa a Nova Iorque, via Panamá, a 12 de Novembro.

1861 Em Março viaja para Washington na tentativa de conseguir uma entrevista no Consulado. Morre o sogro. Rebenta a Guerra Civil.

f$63 Em Outubro deixa definitivamente Pittsfield, trocando a quinta '^Arrowhead" pela casa do seu irmão Allan em Nova Iorque, no n°104 East da 261 Street.

1864 Em Abril, visita o seu primo Henry Gansevoort num acampamento do exército na Virgínia. O panorama de guerra fá-lo iniciar-se na poesia. A 19 de Maio morre subitamente Hawthorne, deixando-o destroçado.

1866 Publicação de alguns poemas de guerra na Harper's. A 23 de Agosto, a mesma editora publica uma colecção de poemas de guerra, Battle-Pieces and Aspects

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of the War. A 5 de Dezembro é nomeado Inspector da Alfândega de Nova Iorque.

1867 Na primavera, a família da sua mulher discute a hipótese da separação do casal (alguns elementos achavam-no demente). A 11 de Setembro o seu filho Malcom suicida-se com um tiro de pistola.

1876 Publicação do longo poema Ciarei, subsidiada pelo seu tio Peter Gansevoort, feita pela Putnam nos princípios de Junho.

1885 Demite-se de Inspector da Alfândega a 31 de Dezembro.

1886 Morre o seu filho Stanwix a 23 de Fevereiro, em São Francisco.

1887 A 4 de Março recebe o balanço da editora Harper: fim de publicações em 1876; alguns exemplares em "stock" de Typee, Mardi, Redburn, Pierre e Battle-Pieces, mas Omoo, White-Jacket e Moby-Dick esgotados. (A venda total destes oito livros durante a vida de Melville, foi de 35.000 exemplares nos Estados Unidos e 16.000 na Grã-Bretanha; os lucros foram de cerca de $5.900 nos Estados Unidos e $4.500 na Grã-Bretanha.)

1888 Em Setembro, edição privada de 25 exemplares de John Marr and Other Sailors, pela De Vinne Press.

1891 Em Maio, edição privada pela Caxton Press de 25 exemplares de Timoleon Etc. (no manuscrito constava o título Timoleon and Other Ventures in Minor

Verse). Morre a 28 de Setembro, deixando muitos trabalhos em manuscrito (poemas, artigos e Billy Budd, Sailor).

1920-30 Dá-se o "Melville Revival". Descobrem-se e publicam-se os manuscritos. Reexamina-se a obra de Melville.

1924 Publicação póstuma de Billy Budd, edição de Raymond Weaver.

1967 Publicação póstuma do livro de poemas, Weeds and Wildings Chiefly: With a Rose or Two, edição de Robert C. Ryan.

1997 O "The New Bedford Whaling Museum" promove a exposição "Moby-Dick: The Man and The Voyages".

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I have said before

That the past experience revived in the meaning Is not the experience of one life only

But of many generations - not forgetting Something that is probably quite ineffable: The backward look behind the assurance Of recorded history, the backward half-look Over the shoulder, towards the primitive terror.

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INTRODUÇÃO

If I can only hold to the memory

I can bear any future. But I must find out

The truth about the past, for the sake of the memory T. S. Eliot, Cocktail Party

O presente trabalho visa uma abordagem histórico-cultural de Timoleon, volume de poesia inspirado nas viagens que Melville fez ao Oriente, Grécia e Itália e publicado no ano da sua morte, em 1891. Atendendo ao contexto epocal em que se situa, de forte apelo à história, de grandes conflitos políticos, económicos e sociais, de redefinição conceptual da arte e, por outro lado, à apropriação do passado feito pelos Americanos conjugada com a sua luta pela independência cultural, o livro adquire particular significado pela figura histórica que o titula.1

A viagem pelo espaço da memória que Melville empreende em Timoleon radica na visão da história como sustentáculo mítico da América, no desejo constante de peregrinação do povo americano, de retorno nostálgico à origem, que é lugar de confronto e superação de resistências, de recomeço e reconquista, de representação de uma identidade regenerada onde a utopia se renova, de visão da América como um novo mundo em constante revisitação e que Melville consagra na sua escrita poética:

The Ancient of Days is forever young, Forever the scheme of Nature thrives; I know a wind in purpose strong

-It spins against the way it drives.

' Timoleon (d.c. 334 B.C.), chefe militar coríntio que, pelas suas qualidades de liderança e astúcia política, libertou a Sicília grega de ditadores e dos invasores cartagineses. Iniciou um programa de reconstrução política e social, trouxe paz à Sicília grega e construiu as bases da sua nova prosperidade. N.G.L.Hammond and H.H.Scullard, eds., The Oxford Classical Dictionaiy (Oxford: Oxford UP, 1970) 1076-77.

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What if the gulfs their slimed foundations bare? So deep must stones be hurled

Whereon the throes of ages rear

The final empire and the happier world.2

Considerando a visita que Melville faz às suas raízes históricas e culturais, Timoleon será aqui o ponto de partida para a busca de convergência nos conceitos de história e arte na sua obra que remetam para o tempo, a arte e a contemporaneidade do poeta. Perspectivar-se-ão assim as relações que Melville estabelece entre a sua poesia e o momento particularmente acutilante do processo histórico, político e social da nação americana vivido no século XIX.

Como decorrência do propósito enunciado, organizar-se-á o presente trabalho do seguinte modo:

No primeiro capítulo far-se-á a contextualização histórica da América, desde a epopeia puritana que a sonhou, passando pela ideologia que a alimentou, as transformações que sofreu, os conflitos que gerou, até à fragmentação ideológica operada e a independência nacional conquistada. Ou, no dizer de Bercovitch,

The flight of Abraham, the desert wanderings of Israel, the revival of the church, its war of independence against Catholic Rome, and the march of civilization from Greece and Rome through Renaissance, Reformation and Enlightment

Abordar-se-á também a vida do autor como reflexo do seu tempo e gérmen da sua obra literária.

No segundo capítulo, focar-se-ão as motivações da jovem nação para a demanda de uma identidade cultural, desencadeadoras da vontade e auto-confiança expressas na "(Re)Naissance" Americana. Abordar-se-ão as influências herdadas e as diferenças percebidas, a atitude de rejeição e as dualidades sentidas, os conflitos decorridos do confronto

2 Herman Melville, «The Conflict of Convictions», Battle-Pieces, Poems of Herman Melville, ed. Douglas

Robbilard (New Haven, Conn.: College & UP, 1976) 36. Todas as citações de poesia de Melville, com excepção de Ciarei, pertencem a esta edição.

3 Sacvan Bercovitch, The Rites of Assent: Transformations in the Symbolic Construction of America (New York,

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entre o novo ("Naissance") e a tradição ("Renaissance") até à afirmação da voz diferente daquele povo, que um outro lugar e uma outra experiência haviam moldado.

No terceiro capítulo, incidir-se-á sobre os poemas constitutivos de Timoleon, tentando ali descobrir as novas propostas estéticas e mundivisão melvilleanas. Optou-se pela abordagem sequencial dos poemas inspirada no arranjo cuidadoso que o poeta lhe deu. Espaço de confluência da História e da Arte, ver-se-á como Timoleon é o percurso poético que Melville cumpre para visitar o passado e fortificar raízes, olhar o presente e conciliar contrastes, entrever o futuro e apontar novos rumos; como a sua poesia - centro de intersecção entre a realidade de que partiu e o momento histórico em que se situa - procura, nas dúvidas que instala, a repercussão de outras reflexões e o exercício de estratégias poéticas múltiplas conducentes à instauração de novos jogos de leitura ; como, perante as profundas mudanças ocorridas e as novas exigências do progresso, projecta um outro paradigma do conhecimento ao gerar novos sentidos e favorecer uma diferente visão do conhecido.

Deste modo se entenderá melhor o emergir da América como espaço político e como nação, a sua identidade cultural e a sua ideossincrasia, como também melhor se entenderá a proposta multifacetada de Melville no âmbito da história e cultura americanas que este trabalho abordará.

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Deslumbrado que ficou o universo crítico a partir do "Melville Revival" nos anos 20, de que se falará adiante, a ficção melvilleana passou a captar recorrentemente as atenções, obrigando a voz poética de Melville a permaner quase ignorada. Douglas Robillard resume a situação do seguinte modo: "...the anthologies of American Literature have given poor representation to the poems, [...] relatively little commentary has been written about the poetry. [...] and useful articles dealing specifically with the poems can be quickly counted."4

As referências críticas a que a seguir se alude reflectem, na sua maioria, o alheamento ou a ligeireza com que se moveram em torno da poética melvilleana:5 Em 1941, Matthiessen

pouca relevância lhe atribuiu, afirmando mesmo: "His poetry, though very illuminating for his inner biography, adds little to his stature as an artist"; mais tarde, ao editar alguns "selected poems", Matthiessen dedica 20 páginas ao autor.6 Em 1946, Robert Perm Warren, analisando

parcelarmente alguns volumes, reconheceu a qualidade de certos poemas embora tenha considerado Melville um poeta esporádico - ideia que parece manter-se.7 Em 1961, Richard

Harter Fogle olhou pela primeira vez para todo o corpus poético em «The Themes of Melville's Later Poetry», não indo, porém, além da identificação temática.8 Em 1968 Hennig

Cohen apresenta uma selecção de poemas com prefácio e comentários de muito interesse. Em 1970 William Bysshe Stein, em estudo mais vasto, reconhece o valor poético de Melville: "Every significant new poet (and so I deem Melville) changes the definition of poetry, and his innovation whatever they are, preclude impartial evaluation by the old and familiar standards

4Robbilard, ed., Poems of Herman Melville, Introduction, 11.

5 Coligidas em Barbara Jane Smith, Cognitive Dissonance and Revolution: Melville's Final Volumes of Poetry,

Diss. (Brown University, 1993; Ann Arbor: UMI, 1994) 31-32, e Robbilard, ed., Poems of Herman Melville, Introduction, 11. „^ . ,. , .

6 F O Matthiessen, American Renaissance - Art and Expression in the Age of Emerson and Whitman (London.

OUP) 494; Selected Poems by Herman Melville, Introduction (New York: New Directions, s.d.), edição posterior em The Responsibilities of the Critic: Essays and Reviews, (New York: OUP) 1952.

7 Robert Penn Warren, «Melville the Poet», Kenyan Review 8 (1946) 208-223. Também publicado em Selected Essays of Robert Penn Warren (New York: Random, 1958) e Melville:A Collection of Critical Essays, ed. Richard Chase (Englewood Cliffs, N.J.: PrenticeHall, 1962).

8 Richard Harter Fogle, Tulane Studies in English 11, (1961): 65-86.

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of craftmanship"; igualmente identifica'a intenção estética do poeta, subjacente a uma mudança de visão do seu tempo: "deromanticize the idealistic view of human destiny [...] exalt [the] temporal over the eternal".10 Em 1972 William Shurr lamenta a falta de atenção

crítica que ainda se verifica naquela altura e defende Melville como um poeta em constante maturação nos longos anos que dedicou à poesia.11 Nas últimas décadas tem-se assistido ao

aparecimento tímido de mais alguns trabalhos críticos, mas pouco acrescentam, antes, confirmam o essencial: Melville-poeta permanece um "isolate" no universo crítico, não ressarcido do carinho que dispensou à poesia em tantos anos da sua vida.

Deixou uma quantidade considerável de poemas que representam um trabalho intenso e contínuo, dedicado e criativo.12 Os manuscritos existentes revelam um poeta votado à sua

condição de artista, preocupado com o constante aperfeiçoamento da sua arte. Com efeito, o seu trabalho foi alvo de alterações repetidas, de escrita e re-escrita, ordenação e re-ordenação sequencial dos poemas, agrupados e re-agrupados em volumes, antecipando o que o poeta Carlos de Oliveira viria a confidenciar um século depois: "correcções, rasuras, acrescentos, o meu forte (e o meu fraco)".

Não é propósito deste trabalho analisar ou confrontar as mudanças operadas; tão pouco analisar o ciclo evolutivo de Melville, tarefa sinuosa pela datação incerta dos poemas e das respectivas revisões.14 Por isso elas apenas se referem lateralmente, não só como

apontamento do carácter do escritor, mas também como evidência de que a sua criação

10 William Bysshe Stein, The Poetry of Melville's Later Years: Time, History, Myth and Religion (Albany, N.Y.:

State U of New York P, 1970)3-4.

11 William Shurr, The Mystery of Iniquity (Lexington: UP of Kentucky, 1972). „ „ . , _ , , „ _ „ „ po e m s- em 12 Esses poemas, cerca de 40, foram publicados pela primera vez sob o titulo M l s c ^ o u s P°«™ ™ Poems, Volume XVI de The Works of Herman Melville, Standard Ed.t.on (London. ConsmbJe 924) Cf George Monteiro, «Melville's Camões and the Figure of the Artist», Colóquio Melville, Coord. Teresa Alves e Teresa Cid (Lisboa: Edições Colibri, 1994) 100 e 101, nota 58. r F ..

13 Carlos de Oliveira, O Aprendiz de Feiticeiro, 3> edição (corrigida) (Lisboa: Livrant Sa da C o t t E t e i ,

1979) 40 Registe-se ainda, o comentário de Vernon Shetley: "In the process of revising some of the poems Melv lie r a d S Y a ered his original conceptions; in other cases, the poems diverge significantly from the journallevies on which they are based", A Private Art: Melville s Poetry of Negation, Diss. (Columbia U, 1986,

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poética foi mais do que mera ocupação de homem reformado.15 Aliás, suspeitando de que a

ordem organizativa de Timoleon obedecerá a determinada intenção do autor, segue-se à risca a rota por ele traçada, tentando descobrir o plano que ela encobre.

Em Maio de 1891, pouco antes de morrer, Melville publicou de forma discreta e despretenciosa um punhado de exemplares (25) do seu terceiro e último livro de poemas, Timoleon Etc. Fruto da sua viagem ao Mediterrâneo e à Terra Santa (1856-57), este volume organiza-se em duas partes distintas: a primeira, composta por 23 poemas de extensão variada, em que o primeiro titula o livro (como já acontecera em John Marr), abre com dois poemas longos, retratos de duas figuras clássicas, Timoleon e Urania, seguindo-se-lhes poemas representativos de artistas individuais ou colectivos; a segunda, composta por 19 poemas mais curtos agrupados sob o título «Fruit of Travel Long Ago», evoca a arquitectura da Itália, Grécia e Egipto, num desfile de monumentos e espaços marcantes da civilização ocidental.

Conhecedor do seu público, a razão daquela publicação não foi certamente a fama e o sucesso, até porque em 1921 ainda restavam exemplares que permitissem à sua neta Eleanor usar um como oferta.17 Leon Howard estará, por certo, mais próximo das intenções do autor

quando afirma: "His whole attitude [...] was that of an author who had reconciled himself to being his only reader but who could no longer endure to read himself in manuscript." , I Í

14 Barbara J. Smith refere "confusion about dates of original composition and dates of re-writes", Cognitive 15 No âmbito das alterações a que Melville sujeitou os seus poemas, veja-se o trabalho desenvolvido por Robert

C. Ryan, Weeds and Wildings Chiefly. With a Rose or Two by Herman Melville. Reading Text and Genetic Text, Edited from the Manuscripts, with Introduction and Notes, Diss. (Northwestern U, 1967).

16 Já no poema Ciarei Melville conjuga estes três lugares relacionando-os através das suas expressões artísticas,

apresentando as ruínas do Médio Oriente combinadas com a pureza das formas gregas e dos tons sensuais de Itália: "In Esau's waste are blent/ Ionian form, Venetian tint.", Selected Poems, ed. H. Cohen (I ^xxx, 17-18).

17 Eleanor M. Metcalf, Herman Melville, Cycle and Epicycle (Westport, Conn.: Greenwood P, (1950) 1972, 294.

18 Leon Howard, Herman Melville, 195. _

A morte de Melville obrigou a que outros poemas prontos para publicação privada ficassem em manuscrito. Apareceram apenas nos anos 20 numa edição "standard" em Londres e em Collected Poems, editados por Howard P. Vicent em 1947. Cf. Poems of Herman Melville, ed. D. Robbilard, 11.

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O título do livro mascara as verdadeiras inteações do autor: em vez de Timóteo» Etc., o manuscrito grafa Timoleon and Other Ventures in Minor Verse.- Goram-se aqui as expectativas do leitor cm vislumbrar terreno seguro para interpretação: Será que a mudança esconde uma critica a si mesmo qne ecoa a opinião dos leitores que há muito o abandonaram? ou espelhará o desprezo amargo que um artista sem público devota à sua arte? ou a aceitação da sua arte como produto do conflito que em tempos confidenciara a Hawthorne? "What I feel most moved to write, that is banned, - it will not pay. Yet, altogether, write the other way I cannot. So the product is a final hash, and all my books are botches.»1» Parece haver mesmo

uma subvalorização assumida, convergente com alguns desabafos seus quanto ao valor estético da sua poesia. Assim, em carta a Thomas Melville, de 25.Maio.1862, diz: "I have

disposed of a lot of it [poetry] a. a great bargain. ... a trunk-maker took the whole stock off my hands a, ten cents the pound»; em carta a John Hoadley, em 3I.Marco. 1877, a propósito do poema «The Age of the Automnes», afirma: "What the deuce the thing means I don't know; but here it is.»21 Felizmente, viria a surpreender o mundo com os «remendos" de que

fala: «many of the patches are of a massy and kingly fabric - no product of the local cotton mills. „22

O livro é dedicado ao artista plástico Eli.hu Vedder: 'To my countryman Elihu Vedder". Pela carta que o artista escreveu à viúva a agradecer a oferta de um exemplar, poderá supor-se que desconhecia a admiração que Melville lhe dedicava: "the knowledge that my art has gained me so many friends - even if unknown to me - makes ample amends."23

Contudo, Melville já incluíra em Battle-Pieces um poema inspirado num quadro de Vedder, «Formerly a Slave», com o subtítulo "An Idealized Portrait, by E. Vedder, in the Spring

19 Ver fac-símile em Anexo, 23.

20 Carta a Hawthorne de 1? de Junho de 1851. Metcalf, Cycle and Epicycle, 10b. 21 Metcalf, Cycle and Epicycle, 198 e 248.

22 Warren, «Melville the Poet», Critical Essays, 148. 23 Metcalf, Cycle and Epicycle, 288.

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Exhibition of the National Academy, 1865» (p. 108). E a verdade é one a concidadania a que Melville alnde deriva de una ontra pátria a que também Vedder perteneia: [Vedder] realized early that art itself provided a homeland and to it he was a loyal citizen"2"

É curiosa a ordem dos poemas que constituem a secção «Fruit of Travel Long Ago»: a viagem neles desenhada cumpre o percurso que Melville realmente fez ao Médio Oriente,

Gréeia e Itália, contudo organizada em sentido inverso. Esta estratégia remete para a importância que Melville dá à exploração retrospectiva dos seus poemas, á abordagem das civilizações progressivamente mais antigas, á visita da memória partindo do passado mais recente para o passado mais remoto. Desta forma capta mais eficazmente a atenção do leitor pela identificação mais rápida e progressiva que este fará com as civdizações apresentadas.

Mas esta estratégia poderá encerrar maior profundidade: ao percorrer os eentros culturais da Antiguidade por ordem cronológica (Egipto, Grécia e Itália). Melville t„ma-se testemunha privilegiada da evolução cultural operada, o que lhe permite apresentar uma visão crítica experiente e fidedigna. Pode, atnda, significar uma forma original de encarar o passado, obrigando à reformulação dos conceitos comummente aceites:

from the past it supposedly confirms.

Qualquer que seja a intenção, o percurso torna-se, para além dela, um desafio ao leitor, à sua capacidade de olhar e reconhecer em Timoleon um universo crítico e poético de Melville.

" " , r .■ TU„ Art nf Flihii Vedder citado por Barbara J. Smith,

24 Joshua Taylor, Forward, Perceptions and Evocations: The Art oj Llihu eaaer, v

Cognitive Dissonance, 127. Pnoland- UP of New England, 1993) 112. 25 Patrick H. Hutton, History as an Art of Memory (Hanover and New England. U P ot New tng

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CAPÍTULO I

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1. A Herança Puritana: Atitude de Rejeição

Though leaves are many, the root is one; Through all the lying days of my youth I swayed my leaves and flowers in the sun; Now 1 may wither into the truth.

Yeats, «The Coming of Wisdom with Time»

Os descobrimentos marítimos, nos finais de quatrocentos, conjugados com a invenção da imprensa, o Renascimento e a Reforma, são os acontecimentos primordiais que tecem a Idade Moderna e moldam a construção da América. Ao tempo em que se encontravam e se ligavam novos mundos através dos oceanos, conheciam-se outras gentes, revelavam-se novas riquezas e oferecia-se outro espaço à propagação do Evangelho. Através da imprensa, descreviam-se novas paisagens, divulgavam-se os saberes e tomava-se a Bíblia acessível a todo o crente. O impacto daí resultante provoca uma mudança na economia dominante: o aumento do consumo, o crescimento económico, forte pressão demográfica, desenvolvimento do capitalismo comercial, transformações sociais (mobilidade e também degradação do nível de vida das classes trabalhadoras), implicações culturais, religiosas e políticas.

O Renascimento, iniciado em Itália nos séculos XIV e XV, fruto da descoberta de novos mundos e de avanços científicos sobre o universo e o homem, depressa se propagou ao resto da Europa, destruindo a concepção medieval do mundo e abrindo espaço a uma nova civilização. O humanismo, ao forjar uma nova concepção de vida, vai corroendo a mentalidade medieval e, em seu lugar, faz emergir o espírito crítico, individual e laico,

separando razão e fé. Na esteira da máxima grega de que "o homem e a medida de todas as coisas", a arte, nas suas variadas formas de expressão, passa a representar mais o ser humano pluridimensional e menos a natureza divina e as figuras sagradas. No campo das letras, a

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biografia ultrapassa o simples relato da vida de santos e mártires, floresce o drama e aparecem grandes nomes da literatura universal: Erasmus, Shakespeare, Cervantes.

A descoberta da pólvora e a invenção da imprensa tiveram também papel relevante na mudança que se iria operar e que começa a definira como fractura em relação ao período cultural precedente: as armas de fogo destroem armaduras e ameaçam o poder feudal, a multiplicação dos textos enfraquece a autoridade monárquica e religiosa, as classes sociais já defendem as suas próprias ideias. A publicação de Copérnico On the Revolution of the Celestial Spheres (1583) as invenções do microscópio (1590) e do telescópio (1606) foram inspiradoras de uma nova ordem na pesquisa científica. O desenvolvimento da matemática e da física terrestre permite a integração da astronomia copernicana na nova cosmologia de Galileu e Newton. Na Inglaterra do século XVI as máquinas eram mais rápidas que as mãos dos artesãos e o homem mostrava-se capaz de entender e controlar o seu meio, moldar a sua vida e traçar o seu destino.

O interesse renovado na cultura clássica, nomeadamente literatura grega e hebraica, originou uma nova forma de olhar o texto bíblico - e o espírito crítico renascentista deu ímpeto ao movimento da Reforma na Europa do século XVI, que derrubou o pensamento cristão medieval, provocou a contestação generalizada e protestou contra excessos cometidos.

Questionavam-se os aspectos políticos, sobrenaturais e miraculosos do Cristianismo, exigia-se uma religião empenhada na moral cristã e apelava-se para a leitura científica do mundo segundo os princípios de Newton. No final do século XVII quebrava-se a hegemonia cristã europeia: multiplicavam-se as igrejas e os credos, formavam-se novas forças políticas e com elas emergia uma nova ordem social. Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564) protagonizaram a mudança.

1 George McMichael (gen. ed.), Concise Anthology of American Literature (New York: Macmillan; London:

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Em Inglaterra as novas correntes doutrinárias têm repercussão particular. Pela sua situação geográfica, que a isola da Europa pelo Atlântico, a Inglaterra poucas vezes vira o poder religioso contestado;2 mas o século XVI vai assistir a mudanças radicais na vida

nacional que não via desde a conquista normanda. Iniciá-las caberá a Henrique VIII e a razão próxima é uma questão de amor.

Mostrando-se inicialmente contra as teses de Lutero, Henrique VIII ataca-as no seu livro Assertio septem sacramentorum (o primeiro rei inglês a publicar um livro, diga-se), o que lhe confere o título papal de Defensor da Fé. Mas quando mais tarde, casado com Catarina de Aragão, se apaixona por Ana Bolena, operar-se-á uma mudança irreversível. Perante a recusa do Papa em dissolver-lhe o casamento, Henrique VIII quebra as ligações com Roma, substitui-se ao papa como Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra e casa com Ana Bolena. Inicia-se, então, uma tumultuosa reforma religiosa que ocupa as dinastias Tudor e Stuart e só acalmaria com Guilherme de Orange. De premeio ressalta o esforço de Isabel I de, ao optar por uma via media, tentar moldar uma igreja nacional que evitasse os excessos católicos e a severidade calvinista: "So far as possible the formulation of doctrine was kept vague and [...] the services of the Church were carefully drawn up so as to be capable of alternative interpretations".

É então que surge o termo "puritano". Usado inicialmente com sentido depreciativo, designará depois os que exigem pureza de princípios na Igreja nacional e retorno à simplicidade das origens:

"Originally 'Puritan' was a term of derision that moderate English Christians and Catholics cast upon radical Protestants, that later embraced it as a badge of Honor. [...] When the Protestant Elizabeth I was crowned [...] Those English reformers who most adamantly opposed the

2 Refira-se no século XIV, William Langland que contesta o poder da Igreja, Wycliffe que, atacando o que

chama d "Caesarean clergy", reclama a expropriação dos bens da Igreja, a leitura da B bha e a d«vator^çao dos sacramentos, John Bali que prega a igualdade e bem comum e lidera arevolt a cos Lotados. A. L. Morton, A People's History ojEngland (New York: International Publishers, (1938) 1979) 12U-31.

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compromise were labeled 'Puritans' for their insistence on returning to the pure forms of the early Christians".

Mais tarde, aplicar-se-á a todos os que de qualquer forma discordem das medidas instituídas. É que, paralelamente às discordâncias religiosas, contestava-se a forma de governo e defendia-se a pregação como meio de reforma pessoal e social:

"In the main Puritanism was not so much a matter of theological dissent as of a peculiar attitude towards morals and behaviour, a different conception of church-discipline and of civil government. The political radicalism of the Puritan grew naturally from his relation to God and to society."

É na guerra com Espanha e na derrota da Armada Invencível - conseguidas por uma burguesia empreededora - que germina o sentimento puritano. O sucesso obtido, que derrota o feudalismo europeu e consolida a Reforma, permite à burguesia triunfante que dispense a protecção da monarquia, que anseie pelo poder no Parlamento e que nela floresça um sentimento de eleição.

A desarmonia cultural e social que então se vive associa-se ainda ao aumento demográfico verificado no século XVI: O processo de enclosures, iniciado com Henrique VII, gerara bandos de mendigos que povoavam as cidades; a supressão dos mosteiros libertara religiosos do dever do celibato; o afrouxamento do guild system acelerara o casamento dos aprendizes; a prosperidade das cidades atraíra os aldeões excedentários. Urgia solucionar o problema e a imagem da América configurava a solução. Embora lugar remoto e distante naquele tempo para a maioria dos ingleses - que o receio pelo domínio espanhol, a publicação tardia da literatura de viagens (iniciada nos fins do século) e o analfabetismo generalizado justificavam - a América tornava agora o mundo maior e abria-se à imaginação dos mais afoitos e poderosos ou transparecia como recurso para os mais desprotegidos. A par de Portugal, Espanha e França, a Inglaterra sentia-se merecedora de um lugar no Novo Mundo, o

4 Sacvan Bercovitch (gen. ed.), Cambridge History of American Literature (1590-1820), vol. 1 (Cambridge:

CUP, 1995) 184-85.

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que fazia aumentar a auto-confiança do seu povo. Ao mesmo tempo, as novas forças económicas europeias impunham o alívio da pobreza que a emigração poderia solucionar. Assiste-se, então, à promoção colonial por parte da classe dirigente, à descrição de um paraíso expectante, de uma terra ampla, fértil e disponível que as mãos desocupadas e os espíritos empreendedores poderiam aproveitar.

Incomodada pela insistência dos puritanos nas reformas que preconizavam, na escolha divina de que se reclamavam e na verdade que queriam impor, Isabel I inicia preseguição àqueles que ousavam questionar o seu poder, perturbar a sua palavra e incomodar os seus planos. Iniciam-se, então, as primeiras emigrações para a Europa, particularmente para os Países Baixos de um povo que persiste em impor uma verdade que entendia emanar de Deus.

Os esforços de Jaime Stuart, I de Inglaterra (IV da Escócia), para a pacificação do reino, consubstanciados numa nova e abrangente tradução da Bíblia em língua inglesa, não surtem efeito e as dissidências religiosas prosseguem a par de protestos por razões de Estado. Aos puritanos juntam-se outras seitas (que viriam a tornar-se os quakers, congregacionistas e baptistas), mas àqueles movia-os um sentimento inabalável de missão, aliado a um prestígio conquistado pela prosperidade do negócio. Por isso usam a Millenary Petition como mais uma estratégia de reforma que Jaime I, ao contrário do previsto, viria a ignorar: o espírito democrático inerente ao Puritanismo, a sua organização a partir das bases contrariava o absolutismo monárquico visado pelo rei. Jaime I inicia, então, uma purga da Igreja para enfraquecer os seus opositores que provoca a primeira onda emigratória para o Novo Mundo, em 1620, a bordo do Mayflower.

A insistência de Carlos I na defesa do direito divino, porém de cariz mais despótico que o de seu pai, faz emergir um sentimento generalizado de revolta e desejo de liberdade que origina o êxodo para o Novo Mundo de outra leva de puritanos, de que se destaca o grupo

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liderado por John Winthrop a bordo do Arabella (1630): "Between 1628 and 1640 some 20,000 Puritans emigrated to New England to escape from a land that seemed doomed to revert to Catholicism".7 À imposição de rituais uniformes, à perseguição a possíveis desvios

das suas directrizes e ao desprezo a que o rei votara o Parlamento, respondem os puritanos e parlamentares com o reacender do sentimento de Reforma, que levará à guerra civil em 1642 e ao regicídio em 1649:

The Puritan gentry, bound together by an elaborate webbing of blood ties and business connections, was unquestionable the social group most responsible for carrying resistence to Crown policy to the point of armed rebellion, and later for carrying rebellion through to victory and revolution.

A experiência protestante que se segue, sob o comando férreo de Cromwell, não resolve as divergências em contenda e leva à Restauração, em 1660. Ciente cada um da sua verdade, cioso cada qual de poder para a impor, convictos todos eles do seu papel de povo eleito para a salvação do mundo, partem em demanda heróica na busca de um lugar onde a sua palavra seja lei.

Com a chamada ao trono de Carlos II acalmam-se as classes dirigentes: o rei dependia agora delas, já não do direito divino. O seu irmão, Jaime II, faz ainda uma última tentativa para restabelecer o catolicismo, que se frustra com a Revolução Gloriosa em 1688 e o seu exílio para França. Haveria que esperar pela sua filha Mary e por Guilherme de Orange, nos fins do século XVII, para que o apaziguamento de forças religiosas e políticas se verificasse em Inglaterra, com a institucionalização definitiva da Igreja Anglicana e o triunfo do Parlamento com o Bill of Rights.

Quanto ao Novo Mundo, os ideais contestatários iriam ter desenvolvimento peculiar.

Macmillan, (1948) 1974) 4-5.

7 Morton, A People's History of England, 223.

8 W. Hunt, The Puritan Moment. The Coming of Revolution in an English Country (Cambridge: Harvard UP,

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2. O Lugar: Contradições e Ambivalências

Do I contradict myself?

Very well then I contradict myself, (I am large, I contain multitudes.) Walt Whitman, «Song of Myself»

A viagem de Colombo e a consequente descoberta da América foi um empreendimento secular impulsionado pelo conceito de progresso do seu tempo. Nome dado à terra incognita a partir de Amerigo Vespucci, "América" simbolizava o triunfo do imperialismo europeu pela apropriação da terra, pelo subjugação dos povos e pela metáfora do nome - terra de fortuna e abundância, da utopia realizável:

the fabled land of gold, the enchanted Isles of the West, springs of eternal youth, and "lubLlands" of case and plenty ... It promissed opportunities for reahzmg utopia, for unl.m.ted riches and mass conversions, for the return to pastoral arcádia, for .mplementing schemes for

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moral and social perfection.

Os relatos reais que se seguiram (de Colombo ou do capitão John Smith) alimentavam o imaginário europeu incensado, desde a Antiguidade, pelos mitos de antigos Paraísos na Terra: o "Jardin do Éden", algures no Leste, sustentado pelo Genesis, a Atlântida em Timeu e

Crítia, de Platão, reforçados na Renascença europeia pela Utopia de Thomas More que delineava um mundo alternativo e ideal. Apresentando a América como terra de beleza, de abundância, de redenção, revelava-se semelhante ao lugar que o poeta inglês Michael Drayton (1563-1631) cantara:

Earth's onely Paradise. Where nature hath in store Fowle, Venison and Fish, And the fruitfull'st Soyle, Without your Toyl, Three Harvests more,

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All greater then your Wish.10

As belezas naturais descritas, o clima ameno, a existência de riquezas (ouro e prata), a afabilidade dos indígenas nos primeiros contactos, conjugados com a opressão sentida na Idade Média, as perseguições decorrentes da Reforma e o caos da Guerra Civil Inglesa, serviam para sustentar a esperança de realização e bem-aventurança na terra. Parecia confirmar-se a existência de um lugar de eleição. E os Europeus, comprimidos pela sensação de falta de espaço e por uma ordem social rígida, olhavam com apetite para o outro lado do Atlântico onde a terra e a oportunidade se ofereciam à concretização de um mundo melhor.

Os puritanos, perseguidos pela incompreensão e intolerância - mas também eles intolerantes à fé e às regras ali vigentes - procuram, nas costas da Nova Inglaterra, o paraíso na terra, uma Nova Jerusalém. Chegam ao Novo Mundo iluminados por uma fé inabalável no alcance da Terra Prometida e esperança de, iluminados por Deus, estabelecerem um lugar onde a Sua palavra seja reverberada. Sentindo-se cercados pela graça divina, acreditavam que todos os acontecimentos faziam parte de um plano divino intemporal que urgia interpretar: "every event from the greatest to the most trivial could be classed as a trial or a leading, a mercy or a judgement".11 Considerando-se povo escolhido, sentiam-se mandatados para altos

desígnios no espaço selvagem do Novo Mundo: a realização da cidade de Deus naquele lugar e a preparação do milénio, o fim dos tempos. Deus, o Senhor da História, assim o destinara e a Sua vontade cumprir-se-ia. Se Deus permitira que o barco chegasse a salvo, esse era o sinal da aceitação do acordo feito, o selo da sua missão. O sermão de Winthrop, a bordo do Arabella, na Primavera de 1630, é a afirmação eloquente daquele povo como sociedade

exemplar, dos grandes desígnios a que se propunha e de que se sentia investido. Fiéis às

» Michael Drayton, «To t h e n a r . Voyage», "Virginia", English Poetry Full-Text Database (Cambridge: Chadwyck-Healey, 1994) 1.

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palavras de Deus, oferecia-se-lhes uma terra plena de glória para onde convergiam todos os olhares:

We shall find that the God of Israel is among us... He shall make us a praise and glory, that men 1 1 1 say of succeeding plantations: 'The Lord make it like that of New England^For we must consider that we shall be as a city upon a hill, the eyes of all people are among us."

Consumada a travessia do Atlântico, transportam agora as Escrituras Bíblicas para a realidade americana, associando as alegorias ali contidas à sua própria experiência: tal como os Judeus do Velho Testamento, os Puritanos acreditavam que adoravam o Deus verdadeiro; a sua fuga deveu-se a pressões sofridas por ideais religiosos; se Moisés libertou os judeus da escravatura do Egipto, os líderes puritanos libertaram os seus seguidores da opressão do Velho Mundo. Assim, a viagem para o novo continente não era uma simples emigração, mas,

sim, um novo Êxodo ordenado por Deus, previsto na Bíblia, onde se prometia na América a criação de uma Nova Jerusalém. Recebida e não conquistada, reclamavam a América como espaço sagrado destinado a realizações divinas. Substituído o passado histórico pelo passado bíblico, viam no espaço selvagem do novo continente o desenho da Terra Prometida.

Para trás ficava a prepotência, a perseguição e a morte; em frente inscrevia-se a esperança do novo, a fé das realizações, a força da vontade; de permeio, a segurança inspirada na extensão do oceano: "If they looked behind them, there was the mighty ocean which they had passed and was now as a main bar and gulf to reparate them from all the civil parts of the world."13 Instalava-se, desta forma, uma atmosfera eufórica proporcionada pelo olhar

fascinado que lançavam ao Novo Mundo:

Like the New Engenders, the Maryland and Virginia settlers regarded the continent with wonder commensurate to the unique prospect before therm They personified the Nevj'World simultaneously as nourishing mother and as undefiled v.rgin (a m.xed metaphor that adds

12 John Winthrop, «A Model of Christian Charity» (1630), The Makers and the Making, vol. 1, ed. Cleanth

Brooks R W B Lewis e Robert Penn Warren (New York: Martin's, 1973) 26-27.

-WUliàrn Bradford, «Of Plymouth Plantation» (1630-51), The Makers and the Making, ed. Brooks, Lews e »M£O Mel£Herman Melville: Diálogos e Recusas em Instantes da sua Poesia, Diss. (Lisboa: Faculdade de Letras de Lisboa, 1985)29-30.

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pungency to the concept of the rape of the land) - providing material plenty, perennial good health, and moral purity against a backdrop of Edemc Rushness.

Mas após o adeus a Inglaterra, viam-se de repente sozinhos na imensidão selvagem do novo lugar, como relata William Bradford:

Beina thus passed the vast ocean, and a sea of troubles before in their preparation [...] they had now no S e n d t o welcome them nor inns to entertain or refresh their weatherbeaten bod.es; no nouses o S less towns to repair to, to seek for succour. [ ] Besides, what couW -hey see b u

hideous and desolate wilderness, full of wild beasts and wild men - and what multitudes there might be of them they knew not. [...] all things stand uponthem with a weather-beaten face, and the whole country [...] represented a wild and savage hue.

Haveria agora que conciliar o espírito de missão de que estavam incumbidos e a ocupação do lugar de povo eleito que Deus lhes reservara. Para isso havia que testar o ideal através do factual, a ideia através da experiência, a que Hawthorne faz referência no sermão de Dimmsdale: "a spirit as of prophecy had come upon him [...] it was his mission to foretell a high and glorious destiny for the newly gathered people of the Lord".17

As primeiras colónias americanas fundam-se depois do Renascimento europeu e da Reforma protestante, o que veio abalar a herança medieval. Das várias influências renascentistas na evolução da América, merecem destaque a curiosidade científica, o individualismo e a visão de comunidade como estrutura autónoma.

O homem renascentista, ciente das suas capacidades múltiplas, redescobre-se e quer redescobrir o mundo. Dotado de maior raciocínio científico, observa os novos fenómenos com inocência no olhar e regista as coisas como são, não como se imaginavam. Os relatos dos navegadores são agora povoados de palavras novas que dizem de rios e de cabos, de plantas e de animais, de outros homens e de outras crenças.

A ênfase na sua superioridade e liderança é essencial ao entendimento da descoberta e colonização da América, determinadas pela virtude de alguns homens. Raleigh, Drake e Smith

15 Sacvan Bercovitch, The Puritan Origins of the American Self (London:Jale UP, 1975) 137.

16 Bradford, «Of Plymouth Plantation», The Makers and the Making, ed. Brooks, Lewis e Warren vol. 1, 20-17 Nathaniel Hawthorne, The Scarlet Letter and Selected Tales (Harmondsworth: Penguin, 1977) 262.

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são representativos da capacidade individual e empreendedora que se exigia: longe da Inglaterra e do poder, enfrentando a adversidade, dominando motins, exerciam o comando pela força da sua personalidade. Movia-os a vontade da imortalidade e da fama, como cantava Drayton, em substituição da imortalidade da alma:

Thy Voyages attend Industrious Hackluit,

Whose Reading shall inflame Men to seek Fame,

And much commend To after-Times thy Wit.

Comparavam-se às grandes figuras históricas - como César, que também escreveu sobre as suas conquistas -, porque não há glória maior que a definitiva:

Like Caesar now thou writ'st what thou hast done, ^ These acts, this Booke will live while there's a Sunne

Criados na turbulência da era Tudor, sobreviventes de conflitos civis e querelas religiosas, aqueles homens de poucas letras apenas precisavam de espírito de liderança, coragem e destemor para chegarem ao sucesso. As suas qualidades ajudaram a fundar colónias à imagem de pequenos estados, comunidades autónomas, nações miniatura bem distintas das colonizações subservientes que se faziam na costa de África. Fundadas sob o espírito da res publica, Jamestown, Plymouth ou Massachusetts Bay assumiam-se como

comunidades, como pequenos estados, cientes da sua missão histórica: o império rumava a ocidente. Seguindo a teoria renascentista, tinham como princípios a subordinação, a hierarquia e a ordem. Assumiam a existência de uma classe dirigente, minoritária, e de outra dirigida, maioritária. O governo era sancionado por Deus pela necessidade de ordem e a cidadania era um privilégio. A teoria do contrato não implicava, ao jeito de Rosseau, a

» Drayton, «To the Virginian Voyage», "Virginia", 2. Hakluyt foi dos primeiros navegadores a encorajar; a exploração e colonização de novas terras através dos relatos das suas experiências. Em 1589 publ.cou lhe f£ffl^ga«™, Voiages and Discoveries of the English Nation Cf. Karen Ordahl Kupperman, ed.,

Captai John Smith - A Select Edition of his Writings (Chapel Hul: The U of North Carolina P 1988,3

19 in abertura das obras do Capitão John Smith. Cf. The Complete Works of Captam John Smith (1580-1631), ed.

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consciência de direitos naturais; era, antes, um acordo, covenant, entre as classes dirigentes e Deus, de que os decretos reais ou as directivas da oficina eram pequenos códices.

Segundo Bercovitch, o sentido de missão dos Puritanos manifestava-se em três direcções: migração, peregrinação e progresso.20 E terá sido esse sentido de destino, surgido

de confrontos com o Velho Mundo, a força impulsionadora do progresso e do capitalismo no Novo Continente: "... in their revolt against Old World antecedents, the Puritans brought with

? 1

them a sense of purpose that facilitated the process of modernization in crucial ways".

Mas a descoberta da América não tinha ainda derrubado a velha ordem medieval, pelo que o mundo era olhado como ponte entre duas eternidades insondáveis e a salvação da alma como preocupação primordial do indivíduo. A História da humanidade configurava uma luta entre o Bem e o Mal, entre Deus e o Demónio de que urgia escapar. A salvação estava na revelação divina através de acontecimentos terrenos.

O homem ocupava o seu lugar na hierarquia social com o dever primordial de glorificar Deus. O negócio, i. e., o acto de comprar e vender aparecia, não com o propósito do lucro pessoal, mas do cumprimento dos desígnios divinos. O preço obedecia a uma ordem ideal com base na assumpção de que tudo tinha um valor justo. A unidade económica residia na cidade ou na comunidade. Mas o homem perdera já a inocência e a aspiração individual ao lucro derivava da sua imperfeição desde a queda. Além disso, a condenação de Adão ao trabalho legitimava a propriedade privada e o lucro como meio de subsistência e como meio de glorificação de Deus: só com abundância se pode praticar a caridade e com as dádivas dos crentes manter a Igreja de Deus. O mundo medieval sancionava, assim, o conceito de

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propriedade privada que a América iria herdar.

20 Bercovitch, The Puritan Origins, 31 -34. 21 Bercovitch, The Rites of Assent, 32.

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Por outro lado, o dever do homem para com Deus era, para Sua glória, trabalhar na sua profissão e melhorar os seus talentos como bom e fiel servidor, pois "trabalhar é rezar".23 O

sucesso e o fracasso eram indicadores, nem sempre fiáveis, do Seu juízo face à dedicação do homem em servi-Lo. Tal entendimento levará gradualmente à delimitação das áreas de

religião e economia, a uma tendência secularizante que colherá os seus frutos no século XIX. Entretanto, o Puritanismo fazia aos seus crentes exigências paradoxais, se não contraditórias: requeria do indivíduo a procura da salvação durante a vida, mas estava cometido a fazer o mal; exigia que depositasse toda a esperança em Cristo, mas ensinava que só Deus o poderia predestinar à salvação; mandava que se afastasse do pecado, mas dizia-lhe que pecaria inevitavelmente; reclamava a reforma do mundo à imagem do reino de Deus, mas ensinava que o mal do mundo era incurável; ordenava que trabalhasse empenhadamente, aproveitasse os seus dons, partilhasse das coisas boas do mundo, mas avisava que fruísse o trabalho e os prazeres do mundo de forma ausente, com o pensamento fixo em Deus. Mantendo-se uns em dúvida constante sobre a sua vida eterna, outros felizes nas certezas que vislumbravam em seu redor, cada um trabalhava arduamente acumulando riqueza ou

ganhando fama, mas de forma contida, pautado pela frugalidade, sem nunca disso tirar prazer: he envisaged a society of landholders, excluding the extremes of rich and poor in which each femiîy worked for itself, producing the humble commodities that would const.tute American gold. I S working for thei own enrichment, these families would bu.ld a true commonwealth.

•ye

E o dilema puritano mantinha-se: fazer bem num mundo que fazia mal.

A rápida transformação social e a dinâmica da economia verificadas na Nova Inglaterra implicaram tensões de ordem vária na profunda mudança que se operava, a que Bercovitch chama "a troubled period of maturation".26 Para Whinthrop e seus companheiros,

Bastos e Luís Leitão (Lisboa: Editorial Presença) 1983. , , . _ _ . . 0~ 24 Knnnerman fed ) Captain John Smith - A Select Edition of his Writings, II.

- K K ï l M o r g a n , T h e Puritan Dilemma - The Story of John Winthrop (Boston: L.ttle, Brown, 1958) 203. 26 Bercovitch, The Rites of Assent, 31.

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o Novo Mundo era a Nova Canaã destinada a campo de experiências divinas. Envolvidos na cruzada de implantar na América uma igreja exemplar, tentam erguer os primeiros pilares assentes na obediência, na tradição, no conformismo e no trabalho. Contudo, à medida que fundavam comunidades e impunham as suas regras, o número de visionários e as diferentes concepções individuais de sociedade ameaçavam destruir o seu trabalho. A Bíblia, ao falar com autoridade inquestionável, dizia coisas diferentes a pessoas diferentes. Instalava-se, por isso, a dissidência e o repúdio dos princípios puritanos, a resistência à sua autoridade e a impugnação das suas leis:

These stirring austere, uncompromising Puritans, who had crossed the sea to live in a wilderness rather than submit to Land and the King, were not likely to be of one mind, or always submissive to one another when they differed; and within less than five years after Mr. Winthrop's first company had established themselves at the Bay signs of partial breaking up began to appear.28

Consequentemente fragmenta-se a unidade inicial, sucedem-se as cisões e desdobram-se as razões que levam à procura contínua de liberdade, ainda hoje desdobram-sentida na sociedade

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americana: "Liberty in America has meant so far the breaking away from all dominion".' Abre-se o conflito entre as exigências da autoridade e a tolerância da liberdade que irá moldar o padrão americano de liberdade constitucional dos nossos dias.j0 Os Puritanos, rebeldes ao

forçar a sua visão de igreja e sociedade, têm agora de suster a rebelião dos outros. Tornava-se perigoso permitir que cada um realizasse a sua utopia - e a liberdade que procuravam transformou-se em repressão e intolerância sobre quem divergia ou questionava os seus princípios:

it is fit you should hearken to wisdom. But well aware, that you give ear to little wisdom except of your own; and that as freeman, you are free to hunt down him who dissents from your majesties; [...] and he, who hated opressions, is become an opressor himself.

27 Adelaide Monteiro Batista, Moby-Dick: A Ilha e o Mar - Metáfora do Carácter do Povo Americano (Ponta

Delgada: Eurosignos, 1991)40.

28 William Wilson, citado por Adelaide M. Batista, Moby-Dick: A Ilha e o Mar, 42.

29 D. H. Lawrence, Studies in Classic American Literature (New York: Penguin, (1923) 1977) 13. 30 Morgan, Editor's Preface, The Puritan Dilemma, IX.

31 Melville. Mardi, Typee, Omoo, Mardi (New York: The Library of America, 1982) 1180 e 1183.Todas as

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A sua crença num mundo estático e inalterável, numa hierarquia rígida, num Deus omnipotente e omnipresente fá-los rejeitar a diversidade renascentista e a infinitude do universo de Copérnico. Eivados de fervor religioso e profundo sentido de missão, insistem na edificação de uma igreja mais pura e de um reino de Deus na terra: "the truth [should] prevail and the churches of God revert to their ancient purity and recover their primitive order, liberty and beauty".32 Intolerantes à diferença e dogmáticos nas convicções, repudiam qualquer

elemento perturbador da ordem estabelecida, recorrendo mesmo a métodos drásticos.33

Tendem, por isso a isolar-se de opiniões divergentes, a fechar-se em si na arrogância de povo 34

eleito, de salvadores do mundo:

. we Americans are the peculiar, chosen people - the Israel of our time, we bear the ark of the liberties of the world. [...] God has given to us, for a future inheritance, the broad domams£ th political pagans, that shall yet come and lie down under the shade of our ark, [...] God has predestinated us, mankind expects, great things from our race; and great things we feel m our souls.

Porém, os novos líderes religiosos, como Roger Williams ou John Woolman, exigiam menor rigor calvinista e cristianismo mais pacífico. E desaparecida a primeira geração de colonos, afrouxou a fé, a obediência e o rigor religioso. As opiniões dividiam-se, a unidade inicial deu lugar à diversidade religiosa e os esforços denodados para uma fé regenerada foram infrutíferos.36 Na verdade, a mudança prosseguiu e impôs-se. Terá sido mesmo o

estatismo autista, o conservadorismo egoísta, o impulso dionisíaco alheios ao ímpeto do progresso circundante - que Hawthorne denuncia em The Scarlet Letter e Melville personifica no Capitão Ahab de Moby-Dick - que afrouxou o fervor religioso e alargou caminho para a

32 Bradford «Of Plymouth Plantation», The Makers and The Making, ed. Brooks, Lewis e Warren vol 1,18.

» Refirtse como exemplo, a expulsão da comunidade de Anne Hutchinson, Roger Williams, William Penn JonÏcottoVe outros por desequilibrarem a ordem estabelecida, a perseguição de ^ ^ ^ e ™ s « » execução de Quakers que inspirará Hawthorne em «The Gentle Boy» ( publicado em The Token (1832) e depois ^m<^TMT^\%A Ali Hawthorne apresenta o Puritano como "of narrow minded an1 imperfec e L a d o n [ . ] violent and haSy passions, [...] his whole conduct [...] marked by brutal cruelty". The Sacrlet Letter and Selected Tales, 332.

34 Adelaide M. Batista, Moby-Dick: A Ilha e o Mar, 34 e 37. 35 Melville, White-Jacket (Oxford: Oxford UP, 1992) 153.

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secularização já em marcha: "In the last analysis the New England theocracy fell because it tried to crystallize the Puritan spirit of the early seventeetn century, while the tied of a new

"in

civilization swept over and past them".

Não obstante a diminuição da força religiosa, a sua influência mantém-se indelével no espírito americano: a supremacia do individual, o fervor da liberdade e recusa de governos opressivos, o valor da aprendizagem e da educação.38 Tais princípios ajudaram a enformar o

espírito americano, que se distingue no sentido de dever a Deus, à nação e ao próximo; na análise dos seus valores, do seu mundo e dos outros; no entendimento do trabalho como objectivo e aperfeiçoamento; no julgamento dos outros a partir das suas atitudes e não da sua classe social. Alexis de Tocqueville assaca mesmo aos primeiros colonos a responsabilidade pelo carácter do povo americano:

It was in the English colonies of the North, [...] that the [...] principles now forming the basic social theory of the United States were combined [...] spread first to the ne.ghbonng states and r 1 finally penetrating everywhere throughout the confederation. Their influence now extends beyonds its limits over the whole American world. New England civilization^ has been like beacons on mountain peaks whose light shines to the farthest limits of the horizon.'

Moldando profundamente o pensamento americano, o Puritanismo serviu também como força dominante da sua literatura. Os sermões de Edwards, abordando o mundo espiritual através de visões terrenas, terão contribuído para que a ficção fosse possível na América. E mais tarde, perante as contradições da realidade que se sucediam, a semente puritana de segundos sentidos na interpretação do mundo circundante, aliada à visão

37 T. J. Wertenbaker, «The Fall of the Wilderness Zion», Puritanism in Early America, ed. George M Waller

(Boston: D.C. Head and Comp., (1950)1976)35.

38 A existência de um clérigo culto e a importância dada ao sermão e ao estudo da Bíblia fez que a colónia de

Massachusetts depressa se tornasse num centro cultural: em 1636 fundou-se a primeira universidade "a America do Norte, em Harvard; em 1638 montou-se a primeira tipografia em Cambridge onde, em 1638 fo. publicado o primeiro livro americano escrito em inglês; em 1690 apareceu em Boston o pnme.ro jornal. McM.chael (een.ed.), Concise Anthology of American Literature, 10.

"Alexis de Tocqueville, Democracy in America, trad. George Lawrence (Chicago: Encyclopaedia Britannica, (1952)1993)15.

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libertadora do romantismo, permitirá a percepção dos acontecimentos históricos de ui forma simbólica, antecipando a corrente simbolista que viria a desenvolver-se em França.4

Em Melville, tome-se como exemplo desta influência um momento de meditação Ahab: "O Nature, and O soul of man! How far beyond all utterance are your linked analogi Not the smallest atom stirs on matter, but has its cunning duplicate in mind."

40 Assunto a desenvolver no cap. II, 1.

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3. A Promessa: Fronteira e Expansão

St. Agustine described the nature of God as a circle whose centre was everywhere and its circumpherence nowhere".

Emerson, «Circles»

Herman Melville nasce numa época marcada pela euforia de grandes transformações. Após a Guerra da Independência, que realizara as promessas do passado e completara a tarefa dos Founding Fathers, a América configurava uma ideia distintiva de progresso na crescente prosperidade da sua edificação. Olhava-se a obra feita com orgulho, ali estavam reunidos o tempo, o trabalho e o sentimento que a motivara: "Stone by stone, month by month, the tower rose. Higher, higher; snail-like in pace, but torch or rocket in its pride."1 O espírito

empreendedor do americano, aliado à expansão da revolução industrial e mecânica, gerava legítimas expectativas no avanço e desenvolvimento do país. A máquina libertava, o homem criava: "He stooped to conquer. With him, common sense was theurgy; machinery, miracle; Prometheus, the heroic name for machinist; man, the true God."

A par da estabilidade política proporcionada por Andrew Jackson (1829-1837), florescem o comércio marítimo e a indústria baleeira, que Melville registou e a que se refere em Moby-Dick como êxito dos empreendimentos navais: "...how comes it that we whalemen of America now outnumber all the rest of the banded whalemen in the world;"3 A sede de

mobilidade faz que as estradas cheguem a lugares recônditos, a locomotiva de Stephenson rasgue a vastidão do espaço e o barco a vapor serpenteie os rios. Com a ajuda do telégrafo e

1 Melville «The Bell-Tower», Billy Budd, Sailor and Other Stories (London: Penguin, (1967) 1985) 197. 2 Melville' «The Bell Tower», 210. Refira-se, no entanto, que Melville desconfiava dos triunfos da tecnologia e o

início de «Bell Tower», 195, é disso prova: "Like negroes, these powers own man sullenly; mindful of their higher master; while serving, plot revenge. [...] Seeking to conquer a larger liberty, man but extends the empire of necessity". Veja-se também a seguinte passagem de «Cock-A-Doodle-Doo!» quanto às consequências do avanço desenfreado da ciência e da técnica: "Great improvements of the age! What! To call the facilitation of death and murder an improvement! Who wants to travel so fast?". Billy Budd Sailor and Other Stories, 105.

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depois da energia eléctrica, todos convergem para o derrube de distâncias, a dilatação de fronteiras e o sentimento de unidade territorial. Consciencializa-se uma nova noção do tempo e da velocidade e aposta-se na comunicação: "When I met the engine with its train of cars moving off with planetary notion - or, rather, like a comet [...] it seems as if the earth had got a race now worthy to inhabit it".4 O aumento populacional e o afluxo de imigrantes,

particularmente em 1830, disponibiliza braços para novas iniciativas na indústria, no comércio e na agricultura: a invenção da máquina de costura de Elias Howe (1846) incrementa a indústria têxtil e reclama a produção de matérias-primas no sul; a prosperidade financeira faz aparecer a banca; o aproveitamento dos campos aumenta as exportações agrícolas; a dilatação da civilização exige a ocupação do "Far-West" e a expulsão dos índios.

O tempo que se vivia era de excelência, os progressos indesmentíveis:

the territory of the country had tripled and the population had quadrupled; at the same rate of increase [ ] the American people would, after one hundred more years, be equal in numbers to all of Europe [...] exports of domestic origin had increased from less than 20,000,000 to nearly 100 000 000 products annually, and tonnage from half a million to three times that much. Miles of post roàd had multiplied from 1,300 to 134,818, and post from 75 to 12,000. Six hundred steamboats had been constructed in thirty years [...]; and 1,000 miles of railroad track ha been laid down.5

A corrida ao ouro na Califórnia (1848) e a descoberta do petróleo na Pensilvânea (1859) permitem uma prosperidade crescente, a afirmação e reconhecimento da nova nação e o sonho de expansão do império através da diáspora do sucesso:

The rest of the nations must soon be in our rear. We are the pioneers of the the world; the advance-guard sent on through the wilderness of untried things, to break a new path in the New World that is ours In our Youth is our strength; in our inexperience our wisdom. At a period when other nations have but lisped, our deep voice is heard afar. Long enough have we been sceptics with regard to ourselves, and doubted whether, indeed, the political Messiah had come. But he has come in us if we would but give utterance to his promptings. And let us always remember, that with ourselves - almost for the first time in the history of earth - national selfishness is unbounded philantropy; for we cannot do a good to America but we give aim to the world.

3 Melville, White-Jacket, 205. , „ * ~ , „ TA

4 Henry David Thoreau, Walden, Walden and Civil Disobedience (New York: Norton, 1966) 78. Iodas as

citações de Walden pertendem a esta edição.

5 Relatório que Francis Lieber entregou ao Congresso, publicado na Democratic Review em Outubro de 1839.

Lewis, The American Adam - Innocence, Tragedy', and Tradition in the Nineteenth Century (Chicago: The U ot Chicago P, (1955) 1968) 19-20.

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