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A visão da mulher asiática no século XVI através do olhar de Duarte Barbosa e de Tomé Pires

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Academic year: 2021

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Universidade Aberta

Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares

Título:

“A visão da mulher asiática no século XVI através do olhar de Duarte

Barbosa e de Tomé Pires”

Orientadora: Professora Doutora Ana Paula Menino Avelar De : Célia Maria Duarte Lourenço; aluna nº 701814

Oliveira do Hospital, 20 de Fevereiro de 2010 Dissertação d e Mes trado

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2 Aos m eus famili ares, com amor Aos m eus professores, com dedicação Aos m eus col egas, com amiz ade

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Índice

Índice……… ………3

Introdu ção ……… …………...5

Capí tulo I – Duarte Barb o sa e Tomé Pi re s: Comparando o Livro das Coisas da Índi a e a Sum a Orient al ……… .. 7

1. Duart e Barbos a e Tom é Pires na es crit a de viagem quinhentist a……… …..7

2. Os p ercursos bi ográficos de dois hom ens na Índi a………. 17

3. Vis ão comparat ist a das obras: o Li vro das Cois as da Índia e a Suma Ori ental ……… .. 20

Capí tulo II – A mu lher asiáti ca - vis ão con vergen te e/ou divergen te de Duarte B arb osa e d e Tomé Pires ……… . 28

1 – O corpo e a aparênci a……… … 2 8 1.1 – Traços fís icos……… ….2 8 1.2 – Bel eza e hi gi ene ……… ….3 3 1.3 – Vestuári o e adornos ……… … . 38

2 – A s ex ualidade ……… ... 45

3 – As aprendizagens e o t rabalho……… 51

4 – Os papéis des empenhados……… ………56

4.1. – Esposa, manceba, vi úva, mãe e i rm ã……… ... 56

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5 – Diversões e s oc i abil idade………75

6 – Confront ando o m as culi no……….. 7 7 Con clusão……… ……..87

Índice dos Quad ros e Mapa Mapa da área vi sit ada e referenci ada por Barbos a e P ires………27

Quadro I – R eferênci as à cor da pel e da m ulher……… .30

Quadro II – Referências aos t raç os físi cos femini nos ………...32

Quadro III – R eferênci as à bel ez a femi nina……… .34

Quadro IV – Referên ci as à hi gi ene………36

Quadro V – R eferências ao vest uário femi nino……… ...3 9 Quadro VI – Referênci as a adornos femininos……… .42

Quadro VII – R eferênci as aos cos tum es sexuais ……… .47

Quadro VIII – R eferênci as às aprendizagens e ao t rabalho feminino…. . 53

Quadro IX – Referênci as aos rituais………..67

Quadro X – R eferências aos t raç os físi cos mas culinos………..7 9 Quadro XI – Referênci as à cor da pel e do hom em……….. 80

Quadro XII – R eferênci as aos papéi s des empenhados pelo hom em…….82

Fontes i mp ress as………. .9 1 Bibliografia consultada ……….. 92

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Introdu ção

Há sem pre razões que sustent am um a es col ha. Nes te caso , a opção por um est udo de género deriva, por um lado, do gosto e da curios idade que os estudos s obre as mulheres sempre nos despertaram e, por out ro, por const atarm os como, mesmo hoje, ai nda s ão parcas est as i ncurs ões de âmbit o historiográfi co.

Debruçarmo -nos s obre as faces da m ulher asi áti ca t em um caráct er inovador porque não existem est udos aprofundados s obre es ta t emática assim como t am bém não exist e i nvesti gação s obre o estudo de caso que nos propom os fazer.

De ent re as muit as font e s pos síveis , escolhemos duas figuras incontornáveis da escrit a de vi agens quinhenti st a: Duart e Barbosa e Tom é Pires , procuramos a sua obra e a sua bibli ografi a e propomo -nos faz er um es tudo de caso com paratista entre A Suma Or ient al de Tom é Pires e O Li vro das Coisas da Índia de Duart e Barbos a .

A extraordinári a riq uez a informativa das duas obras l evou -nos a encetar est e est udo com o qual pretendemos, es peci fi cam ent e, revelar as imagens que estes port ugueses , fascinados pel o Ori ente, nos dão da mulher asi áti ca nas suas vári as facetas: no quotidi ano, nas es feras privada e pública, a função que des empenha na hi erarqui a social, tent ando contribui r, ainda que m ode st am ent e, para uma const rução de um estudo de género .

Tem os a noção de que esta abordagem do tem a fe mini no não foi, ainda, fei ta e , muito menos , ela foi feita em Quinhent os. Os aut ores em questão não ti nham como obj ectivo prim eiro ou especi fi camente definido o tem a da mul her . No ent anto , nas s uas exaustivas des crições não deixaram de referi r a mulher e é sobre essa referênci a que delineamos o nosso estudo t endo, todavi a, consci ência que se t rat a de uma visão masculi na sobre conj untos de m ulheres.

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6 Tendo todos est es aspectos em consi deração, damos iní ci o ao prim ei ro capítulo onde com eçamos por evidenciar a rel evânci a d as obras dos autores Duart e Barbos a e Tom é Pires na es cri ta de vi agem quinhentist a, segui dam ent e daremos a conhecer os percurs os biográfi cos de Barbos a e Pi res, verificando que foram cont em porâneos e, apes ar de não t erem vi ajado exact ament e pe l os m esmos lugares , o s s eus desti nos cruzaram muitos lugares em comum .

Chegaremos depois à ques tão em anál is e: a vi são comparatist a das obras: a Suma Oriental e o Li vro das C oisas da Índi a , t endo em cont a que as duas obras, apes ar de coevas , apresent am e strut uras e característ icas di ferenci adas , expondo al guns as pect os com uns de anális e, divergi ndo noutros vect ores .

No s egundo capítulo analis amos o modo como a mulher asi áti ca foi descrit a, procurando pers crut ar a vi são convergente e/ou di vergent e de Duart e Barbos a e de Tomé P ires , em divers as “faces ”do seu olhar : o corpo e a aparênci a, os traços físi cos, a bel eza e a hi giene, o vest uári o e os adornos; a s exualidade; as aprendizagens e o t r abalho; os papéis desempenhados, como espos a, manceba, vi úva, mãe e i rmã e a grande importância dos rituais.

Porque ent endem os que para t ermos um a vis ão geral da anális e sobre as gent es encontradas , t ambém nos deveríamos cent rar no olhar dest es escrivães sobre o “m as culino ”, reservam os o pont o s eis des te segundo capítul o para faz erm os um a abordagem à form a como Barbos a e Pires vi ram o “hom em ”. Est a análise possibi lit ar -nos-á perscrut ar com mais exacti dão a visão s obre o “femi nino ”, um a vez que podemos com parar as duas vis ões: s obre o m as culi no e sobre o femini no. É at ravé s da el aboração de quadros sint etiz adores sobre as referências especí ficas à mul her e ao hom em por part e dos autores em análi se, que elaboramos a noss a análi se .

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Capí tulo I – Duarte Barbosa e T omé Pi res : comp arando o Livro

das C oisas da Índia e a Sum a Ori ental

1. Duarte B arb osa e Tomé Pires na es crita d e vi agem quinhenti sta

Duarte Barbosa e Tomé Pi res int egram o conjunto de port ugues es que escreveram sobre as novas paragens. Segundo Luís Fili pe Barreto:

“Os Descobrimentos são algo bem mais profundo que um a s ucess ão cronológica de des cobert as e conquist as. O es senci al da sua import ânci a reside no facto de est abel ecerem, pel a prim eira vez, um sistema permanente e gl obal de com uni cação ent re as di ferent es s oci edades, de gerarem um a estrutura de trocas mat eri ai s e espi rituais ent re as di vers as civil izações, faz endo assim em ergi r a reali dade e idei a de Hum ani dade, is to é, de hom em plural/ gl obal com uma unidade/identidade no para al ém de t oda a divers idade” 1

De facto, u ma das heranças m ais i mportantes da expans ão ultram arina portugues a de Qui nhen tos é a vast a produção escrit a daí result ant e. Trat a-s e de um extenso conj unto de obras (di ári os, rotei ros, gui as náut icos, rel atos de experiênci as e de viag ens, tratados de geografi a) que, longe de s er hom ogéneo, encerra os mai s diversos aspectos di rect am ent e rel acionados com as navegações port uguesas, bem com o a apreens ão dos novos espaços, gent es e cul turas cont actados . Os

1 L uí s F i l i p e B a r r e t o , O s D e s c o b r i m e n t o s e a O r d e m d o S a b e r – U m a a n á l i s e

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8 Descobrim entos não foram um a empre sa exclusiva dos portugues es, embora t ivess em sido os pi onei ros a est abel ecer a rota m arí tima entre Portugal e o Índi co, daí que tam bém tenham sido eles a des crever as prim ei ras percepções dess a experi ência.

Num a t ent ativa de compreensão e racionaliz ação dos novos “mundos” descobertos, a escrita surge como um suporte de fixação, organiz ação e divul gação das novas reali dades experim entadas e vi vidas pel os viajantes portugueses, int egrando -s e num novo quadro cultural que rompe defini tivam ente com o horizont e ment al li mitado da Europa. Cria -se um a nova es crit a que s atisfaz, s im ultaneam ent e, aquel es que t êm necessidade de des crever o que encont ram de novo e aquel es que ans eiam pel o s eu conhecim ento através da l eitura .

Est a cultura dos Descobri mentos desenvolve-s e no âmbi to de um novo paradi gm a cultural para a Europa renas centis ta – em que o indiví duo é o princi pal sujei to do processo de conheciment o, sendo o sent ido crí tico e a experi ênci a vivenci al as suas principai s ferram ent as. Deste modo, um novo saber surge dest e processo, apoiado na experi ênci a pessoal dos “agentes” dos Descobrimentos. Nos seus escritos são -nos revelados os novos es paços, pais agens , fl oras e faunas, cost um es e rel i giões . Obs ervadores at ent os das novas real idades, marinhei ros , soldados, es cri vães , reli gi osos, regist avam o que vi am , ouvi am , pres enci avam e i ndagavam / cri ando:

“uma consci ênci a i ntel ectual, intuiti va e práti ca, que não raras vezes afect ava a cult ura t eoréti ca . ” 2

Encont ramos narrati vas de viagens que des crevem os novos país es visit ados com um a minúcia extraordi nári a, com um a caract erização precis a, com pitores cas des crições, com perspi cazes anot ações de âm bito diversifi cado. É entre est as que se encontram as obras que aqui

2 J o s é S e b a s t i ã o d a S i l va D i a s , O s D e s c o b r i m e n t o s e a p r o b l e m á t i c a C u l t u r a l

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9 analis amos, O Li vr o das C oisas da Índi a , da autori a de D uart e Barbos a e a Suma Ori ental de Tomé Pi res . Est as obras fi guram ent re os mais important es rel atos do Ori ent e, dada a rel evânci a d as suas inform ações e refl exões sobre a presença dos portugues es nestas paragens bem com o as represent ações por el es cri adas dest es novos “m undos ” contact ados e vivenciados . Elas foram no dizer de Luí s Fili pe Barreto :

“ Formuladoras das primeiras gramáticas civilizacionais globais das Índias.” 3

O Livr o das Coisas da Índia , da autoria de Duarte Barbosa é considerado, por Luí s Fili pe Barret o, o rel ato Quinhentista mais important e sobre o Ori ent e, t rat a -s e de um a sist em áti ca geografi a hum ana e económi ca, a mais correct a des cri ção cons eguida at é ent ão das zonas portuárias desde o cabo de S. Sebasti ão , na cos ta l est e do continent e africano at é aos Léquios ou Gores (arquipél ago de Ri u Kiu), último limit e asi áti co conhecido.

Apes ar de Eduardo R eis dizer que :

“O Li vro de Duart e Barbosa pert ence ao grupo daqueles rel atos que o governo de Dom M anuel soli cit ava com toda a indivi duaçã o para s e informar sufi ci ent em ent e do que lhe convies se s aber acerca do mundo es tranho . ”4

3 L u í s F i l i p e B a r r e t o , D e s c o b r i m e n t o s e R e n a s c i m e n t o - F o r m a s d e s e r e p e n s a r n o s s é c u l o s X V e X V I , Li s b o a , I mp r e n s a N a c i o n a l - C a s a d a M o e d a , 1 9 8 3 , p . 1 4 4 4 E d ua r d o R e i s , O N o t i c i a r i s t a d a s Í n d i a s D u a r t e B a r b o s a , Li s b o a , I mp r e n s a N a c i o na l , 1 9 4 8 , p . 4 9

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10 Concordamos com Luís Fi lipe Barret o5 que aceit ando a genuini dade do prefácio de Barbos a na edição de Ramúsi o, diz que o aut or ofereceu o seu livro a t odos os que des ej ass em i nform ar -s e sobre o Ori ent e, não s e trat ando port ant o de uma encom enda régia. Est a obra deve t er nas cido da admi ração que o escri vão s enti a pela Ásia e é consequênci a do seu desejo de inform ar os europeus sobre um a nova reali dade, sendo um manancia l extraordi nário de informação de diversa ordem: geográfica, l inguí stica, etnológi ca e económi ca. O s eu rel ato é a descri ção da Ási a viva e actual que os port ugues es ti nham acabado de encontrar, é um t exto verdadeiram ent e “moderno ”.

Escrit o ent re 1516 e 1518, é provável que del e t enha fi cado uma cópia na Índi a, o ori gi nal deve t er sido reli gios am ent e guardado em Li sboa at é que a sua consul ta foi necessária para as negociações sobre a questão das Molucas, que decorreram na J unta de Badaj oz. Foi ent ão confi ado o ori gi nal , ou um a cópia, a Martin Ci nturion para que a traduzis se para cast elhano com a colaboração do pilot o l uso Diogo Ribei ro. Em 1524 o trabalho estari a concluído, ficando as sim conhecida a prim ei ra t radução do Li vro de Duart e Barbosa. A sua divulg ação geral não foi i mediata, contudo, t emos vários dados que nos provam que est a obra foi do conheciment o dos seus contem porâneos. Gaspar C orrei a escreveu nas L endas da Índi a :

“não escreverei nada das t erras, gent e e trato porque houve alguns que n’isso se occuparão, de que vi al guns volum es e mormente um livro que d’isso fez Duarte Barbosa escrevão da feitoria de Cananor.”6

Tam bém Dami ão de Góis na Croni ca do Fel ici ssi mo Rei Dom

Manuel a referenci a:

5 C f. L u í s F i l i p e B a r r e t o , p . 1 4 6 6

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11 “quomo meu officio seja screver Chronica,

&nam cos tum es de gent es nem hi storia geral rem eto ho l ector aho li uro que fez Duart e Barbos a em lingoa Po rtugues a, dos cost um es de toda a gent e que há do cabo de Boa Sperença att e a China & Lequeos , no qual tratt a dos costom es, cerimoni as & seit as dest es. Canari s & B ramannas & toda há gente do Malabar, assaz copiosamente.”7

Muito provavelm ent e, para al ém do us o por l etrados foi, pel o facto de des crever detal hadam ent e a real i dade económi ca, de consul ta obri gatória para mui tos dos que estavam ligados ao com érci o ori ent al, caso de práti cos e comerci antes. No ent anto, da noss a l eitura concluímos que O Livr o das Coi sas da Índi a é, s obretudo, um verdadei ro tratado de Costum es , onde foram met iculos am ent e regist adas as formas de vesti r, fal ar, com er, sentir, das gent es que de s creve, regist ando ainda as formas políti co -soci ais , a demografi a, as caract erísticas físi cas e r itos reli giosos prati cados . De notar que o nosso escri vão rel at a o que vê ou tom ou conhecim ento, não emite juízos de val or sobre os cost um es ou os ri tos rel i giosos , apes ar de est ar perant e reali dades cultu rais díspares das que conheci a. Ali ás, el e confront a as realidades , as iát ica e europeia aceit ando -as como válidas , apesar das di ferenças. A import ânci a da obra justi fica as vári as cópias m anuscrit as que dela fo ram feitas , bem como as versões impress as.8

Segui ndo o minucios o exam e de Maria August a da Vei ga e S ous a, ficam os a saber que, est a obra, só no século X IX, conheceri a vers ão

7 D a mi ã o d e G ó i s , C r o n i c a d o F e l i c i s s i m o R e i D o m M a n u e l , C o i mb r a , P o r o r d e m d a U ni v e r s i d a d e , 1 9 4 9 , p . I , c a p . X L I I , p . 9 6 8 C o n s u l t e - s e , a e s t e p r o p ó s i t o , a e x a us t i v a a n á l i s e d e M a r i a A u g u s t a d a V e i g a e S o us a n a e d i ç ã o c r í t i c a e a no t a d a d e O L i v r o d e D u a r t e B a r b o s a , Li s b o a , M i ni s t é r i o d a C i ê nc i a e T e c no l o g i a , I n s t i t u t o d e I n ve s t i g a ç ã o C i e nt í fi c a e T r o p i c a l , 1 9 9 6 , V o l . I , p p . 2 0 - 4 1

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12 port ugues a pel a ini ci ativa da Academi a Real das Ci ênci as em 1812, surgindo num a compilação de t extos com o tít ulo: C oll ecção de N oti cias

para a Hist oria e Geogr afia das Nações Ultr amarinas que vi vem nos Dominios Port ugueses . Ainda em Novecentos, em 1865, conheceu

tradução inglesa, publi cada por Lord Stanl e y of Alderl e y, com o pat rocíni o da Haklu yt Soci et y. J á no s éculo XX, em 1918, é publi cado o prim ei ro volum e de uma nova t radução i ngl esa, agora da aut ori a de um funcionári o apos ent ado da Adm inist ração Civil da Índi a, M ansel Longworth Dam es e também patroci nada pel a Haklu yt Soci et y.

Tam bém em Es panha, o livro é impres so, prim ei ro por António Bl azquez e Del gado Aguil era, ai nda que sob um títul o errado: Fernando

de Magall anes. Des cription de las cos tas des de Buena Esperanz a a Leyqui os, e, em 1920 é publi cado um excerto do m anuscrit o na Colecci on General de Documentos r elat ivos a las yslas Fili pinas exist ent es en el Archi vo de Indias de Sevil ha.

Na s egunda m et ade do sécul o pas sado, em Portugal , o Li vro conheceu m ais quat ro versões im press as. Em 1961, Luci ano Ribeiro, publi cou um a cópi a com o títul o Uma Geografia Quinhentista. Reis Machado publi cou uma reprodução da versão im press a pela Academ ia das Ci ências com o t ítulo: L ivro em que s e dá r el ação do que viu e ouviu

no Ori ent e Duart e Barbosa. Em 1989, com títul o s em elhante: Li vr o do que viu e ouvi u no Oriente Duarte Barbos a, nova versão, agora um a

leitura act ualizada do manus crito conservado na Bi bliot eca Nacional de Li sboa, por M aria August a da Vei ga e S ous a e com coment ário de Luís de Albuquerque sobre Duart e Barbos a e a sua obra.

Surge i gualm ent e com o tít ulo O Li vro de Duart e Bar bosa, introdução e not as de Neves Águas, um a reprodução, com grafi a actualizada e not as explicat ivas, da prim eira edi ção port ugues a fei ta pela Academi a R eal das C iênci as.

Finalm ente, em 1996, a edi ção crítica e anot ada com o título: O

Livro de Duart e Barbosa , de Mari a August a da Vei ga e Sousa, que j á

cit amos at rás . At endendo ao fact o do t exto ori ginal ter sido i nterpolado, com plet ado ou m esmo corri gi do pel os sucessivos copistas , est a edi ção

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13 crí tica de Mari a Augus t a da Vei ga e Sousa , onde const a toda a inform ação regi stada, l evando em consideração t odos os manuscrit os conheci dos , revest e -se de grande utilidade para os est udiosos. Foi, por isso, este estudo que seguim os na nossa análi se.

Na sua vast a obra dedi cada aos cronist as da expansão portuguesa , nom eadam ente no at urado estudo publi cado com o tít ulo Fi gurações da

alteridade na croní st ica da Expansão9, Ana Paula M eni no Avel ar faz jus

à relevânci a da es crit a de Duarte Barbosa como mat riz da croní sti ca port ugues a.

Por s eu turno, a Suma Ori ental , da aut ori a de Tom é Pires é um extens o t ratado de geografia asiát ica, es cri to nos anos anteri ores (1512 -1515), enquanto est eve ao s ervi ço de El -R ei em C ananor e Mal aca. De espí rit o curios o t eve oportuni dade de recolher vas t a informação, de indí genas , de m ercadores e capit ães de embarcações de várias ori gens geográfi cas, com quem li dava por dever de ofíci o. A vari edade e ri queza de informação da Suma são enorm es do ponto de vist a histórico. Ali ás , muitas das des cri ções que P i res faz do Extremo Orient e , como al guns histori adores defendem, não foram ul trapass adas durant e pelo m enos dois sécul os. Curi osam ente al gum as terras são m enci onadas pel a prim ei ra vez com os nom es act uai s, como, por ex emplo, S ingapura e J apão.

Segundo Arm ando C ort es ão :

“o valor da Sum a Ori ent al é em es pecial caracteriz ado pel a nota de veracidade qu e através de toda ela se sente.” 10

9 A n a P a ul a M e n i no A ve l a r , F i g u r a ç õ e s d a a l t e r i d a d e n a c r o n í s t i c a d a E x p a n s ã o , Li s b o a , U n i v e r s i d a d e A b e r t a , 2 0 0 3 10 A r ma nd o C o r t e s ã o , P r i m e i r a E m b a i x a d a E u r o p e i a à C h i n a , M a c a u, I n s t i t u t o C ul t ur a l d e M a c a u, 1 9 9 0 , p p . 2 4 -2 5

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14 O aut or procurou inquirir inform ação at é à exaust ão e, quando não pode verificar el e própri o, es creve a informação que obt eve de out ros. Sustent a, ainda, Arm ando Cort es ão que :

“Ao contrário do que julgava Ramúsio, Pires, nunca l eu o Li vro de Duart e Barbosa, mas es te poderi a t er lido a Suma. ”11

A Suma revel a um estilo s uci nto e o olhar met iculos o do seu aut or que registou os pot ent ados m ercantis da cost a as iát ica m eridional, as redes com erciai s que os unem, as m ercadori as export adas e importadas, os governant es , as lí nguas, as reli giões, os costum es . Segredos mercantis que o Ventur oso precis ava s aber da s ua Ási a. Efecti vament e, Tomé Pi res dedica a Suma a D. M anuel, sendo o seu t ratado es cri to de forma consci ente in us um Ser eni ssi mi Regis, não para s er l eit ura atracti va m as sim útil. Por est as razões, provavelm ent e, envi ou o ori ginal do seu escri to para Portugal, onde terá cheg ado em 1515/16. J ulga -se que t erá desapareci do nos arquivos régios , j á que nos anos s egui ntes não s e encontram r eferênci as suas na documentação . Contudo, uma cópi a da obra, ou parte, foi encontrada ent re 1525 e 1528 por um enviado do erudit o venezi ano Gi ov anni Batt ist a R am usio, que publi cou em 1550 um a vers ão it aliana do texto obtido. Para al ém dest a cópi a, de que se perdeu o rasto, foram feit as na época, que t enhamos conhecim ent o, mais duas, uma complet a e a outra abreviada. O manuscrit o extenso est á num a bibliot eca de P aris , onde foi des cobert o, em 1937, pelo insi gne histori ador Arm ando Cort es ão que publi cou uma vers ão em inglês, em Londres, em 1944, pel a Haklu yt S ociet y e, só em 1978, um a edi ção em port uguês , pel a Universidade de C oimbra, com o t ítul o: A Suma Ori ent al

de T omé Pir es e o Li vro de Francisco Rodrigues .

O manus crit o incomplet o da Suma cons erva -s e na Bi bl ioteca Nacional de Li sboa, del e foram reti radas a dedicat óri a a D. Manuel e as

11 I b i d e m, p . 3 1

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15 secções dedi cadas a Mal aca e à Insulíndia. Segundo R ui Lourei ro12, os cort es – de i nformações de nat ureza est ratégi ca e de referênci as ao R ei – fei tos nest a cópi a fazem senti do s e entendermos esta como um docum ento de t rabalho, onde eram recolhidas notí cias sobre a vi da mercant il, políti ca e cult ural d a Ás ia marítim a, s endo suprimi do s os trechos de naturez a “doutri nári a ”, que nada acres centavam em termos inform ativos. Assi m sendo, diz Loureiro que o m anus crito de Lis boa é ainda um t rat ado bas tant e exaustivo sobre a geografi a do litoral asi áti co ent re o mar Vermel ho e a c idade de C ant ão, justi fi cando a sua edi ção com o títul o: O Manus crito de Lisboa da “Suma Ori ent al ” de Tomé

Pires.

Tal como O Livro de Duart e Barbosa , a Suma Ori ent al é referenci ada por Ana Paul a Avel ar13, na m edida em que, tam bém est a voz é m at ricial na nos s a croní s tica. Sust enta est a histori adora , rel ativam ent e a Duart e Barbos a que :

“Os seus segmentos descritivos elaborados a parti r do percurso que acompanha a geografi a físi ca, surgem a par da geografia hum ana dos lugares, num a bus ca i dênti ca à de Tom é Pi res, de aproximação ao Outro.”14

Fazendo referência a Luís Filipe Barret o e a Arm ando C ort es ão, a mesm a investi gador a, afirm a15 que Barbosa part e dos s enti dos e da recolha de i mpressões, procurando s empre o ri gor da informação, as suas pal avras pr ocuram i mi tar as cois as e o lisível convi da -nos a um visí vel

do própri o mundo à mão (Barreto:1983) . J á Tom é Pires adopt ari a um

procedim ento t écni co -pr áti co, um est ilo mecânico empregue por 12 R ui M a n u e l L o ur e i r o , O M a n u s c r i t o d e L i s b o a d a “ S u m a O r i e n t a l ” d e T o m é P i r e s . M a c a u , I n s t i t ut o P o r t u g u ê s d o O r i e n t e , 1 9 9 6 , p p . 4 1 -4 3 13 A na P a u l a M e ni no A ve l a r , o p . c i t . , p p . 1 2 0 -1 2 5 14 I b i d e m , p . 1 2 6 15 I b i d e m, p p . 1 2 6 -1 2 7

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16

qualquer ar tífi ce (Cortesão: 1978 ). Avel ar ainda afirm a16 que,

rel ati vament e a est as duas obras estudadas , encontram os dois discursos diferentes, o dis curs o Barbosiano pat ent eia o f as cínio pela ori ent alidade , enquanto que a linguagem d e Pires evidenci a o vector pr áti co -mer cantil que enforma a sua condi ção.

No estudo referenciado, Av elar det ect a a im agem da m ulher asi áti ca pat ent e nos test emunhos de Barbos a e de Pi res, deixando regist adas al gum as alusões ao femi nino.

Tam bém o his toriador J oan -Pau R ubi és deu parti cul ar atenção ao

Livro das Cois as da Índia e à Suma Orient al na s ua obra Travel and Ethnology i n the Renaissance: South India t hrough Eur opean Eyes,

1250-162517. Es te i ns igne estudi oso refere longament e Barbosa e Pires

enquanto vi aj ant es europeus na Índi a bem com o a i mport ânci a do seu meti cul oso discurso sobre as etni as, a polít i ca e a reli gi ão, dest acando parti cul arment e a i mportânci a do relat o barbosi ano sobre os ri tos e os cost um es segui dos pel as várias cast as indi anas. Rubiés não deixa de sali ent ar que estes dois aut ores qui nhentist as ti veram a percepção da diferença cult ural encontrada e que ambos têm um a part ici pação efecti va no nas cim ent o do que el e desi gna por etnograf ia col onial .

Apes ar das i nvesti gações e est udos enumerados , crem os que se justi fica pl enam ent e o t em a que nos propomos abordar, porque el e é, ainda, um campo a desbravar, na reali dade efectuar um est udo de género, encontrando a pres ença feminina nest es dois autores, est á por fazer. Ali ás, o t ema da mulher, o femini no não foi ai nda tema de uma investi gação autónoma, t al como não est ava presente , de forma deli be rada, na centúria quinhentist a.

16 I b i d e m, p . 1 2 7 17 J o a n -P a u R ub i é s , T r a v e l a n d E t h n o l o g y i n t h e R e n a i s s a n c e : S o u t h I n d i a t h r o u g h E u r o p e a n E y e s , 1 2 5 0 - 1 6 2 5 , C a m b r i d g e , C a m b r i d g e U n i v e r s i t y P r e s s , 2 0 0 0 , p p . 2 - 3 , 2 0 - 2 7 , 9 9 - 1 0 7 , 1 5 2 - 1 7 6 , 1 8 2 , 2 0 0 - 2 1 5

(17)

17

2. Os p ercu rsos biográficos de dois homens na Índi a

A parti r das inform ações disponí veis acerca dos dados biográficos de Duart e Barbos a é possí vel constatar que existiram três indi víduos com o nom e de Duart e Barbos a e qu e esti veram na Índi a, ao serviço de Portugal, nas prim ei ras décadas de Quinhent os.

Segundo Luí s de Al buquerque18, que parti u da aturada anális e de histori adores como Sous a Vit erbo e G. Schurhamm er, existi u um Duart e Barbos a, sobri nho de Diogo Barbosa, que teri a si do al caide de Sevi lha, e cunhado do navegador Fern ão de M agalhães. Terá parti cipado na vi agem de ci rcum -navegação e faleci do nas Fili pinas . Um outro Duarte Barbos a seria pil oto na carreira da Índi a e teri a reali z ado duas vi agens, t endo regressado d a últim a à capital em 1527. Já em 1532, em Lisboa, t eri a recebi do um despacho régio que lhe dava o ordenado pel a sua actividade, tendo faleci do em 1533.

Segundo Al buquerque o autor do Li vr o era o Duarte Barbosa escri vão da fei toria de C ananor que Gasp ar C orrei a conheceu directamente na Índia e a quem i denti fica como autor do Livr o das

Coisas da Índi a . Teria chegado a C ananor em 1511 e t eri a es cri to o s eu

livro ent re 1516 e 1518. S egundo Gaspar Correi a:

“aprendeo tanto a lingoa dos Malauares que a fallava m elhor que os própri os da terra”19

facto que o tornou destacado int érpret e, m esmo ao servi ço de Albuquerque.

Avelar20 sust enta que Duarte Barbosa, em 1517, acom panharia o governador Lopo Soares ao m ar Verm el ho, volt ando a C ananor no ano seguint e, ocupa ndo o cargo de primeiro es crivão ent re 1519 -1520. Em

18 L u í s d e A l b uq ue r q ue , L i v r o d o q u e V i u e O u v i u n o O r i e n t e D u a r t e B a r b o s a , p . 1 7 4 19 G a s p a r C o r r e i a , o b . c i t . , 1 , I , p . 3 3 5 20 A na P a u l a M e ni no A ve l a r , o b . c i t . , p . 1 2 6

(18)

18 1529 ainda era es cri vão e, dado o seu conhecim ento da l íngua l ocal , foi intérprete nas negociações de paz com o Sam orim . A sua mort e t eria ocorrido ent re anos de 1545 (na opini ão de Luís Filipe Barreto), 1456/7 (na opini ão de Luís de Albuquerque).

Tomé Pires, segundo Gaspar Correia, era “filho do boticário d’ElRey dom João”21

, por es sa razão, apes ar da s ua ori gem soci al modest a terá sido educado na Cort e, fazendo el e próprio referência às “delicadezas em que me criey viciosamente”, e que não o prepararam para a durez a da vi da ult ramari na.22 Seguiu a carrei ra do pai, Fernão Lopes de Castanheda escreveu que ele foi “boticairo do príncipe dom Afonso”23

, primogénit o de D. J oão II falecido em 1491. Afonso de Albu querque t ambém o refere, em 1513, como sendo “boticai ro do príncipe”24

, report ando -s e, est e, a D. J oão, futuro D. J oão III. Terá nascido provavel mente ant es de 1470 não sabem os ao cert o onde, t alvez Lei ri a, tal vez Lis boa.

A sua vida ant es da partida para a Índi a não é ai nda muito conheci da. Gaspar C orrei a es creve que Pi res era :

“homem muyto prudente, e muyto corioso de saber todalas cousas da Indi a . ”25

Na Suma faz várias cit ações dos Anti gos, revel ando formação livres ca. C erto é que, a par de al guns est u dos hum aní sti cos, P ires era um conceituado bot icári o, provavelm ent e t endo feito aprendiz agem empí ri ca, pois não refere aut ores quando nos seus es critos fal a de drogas e especi ari as . O s eu val or profissi onal mereceu a nom eação régia para

21 G a s p a r C o r r e i a , o b . c i t . , 2 . I V . p . 4 7 3 22 C a r t a d e T o m é P i r e s a J o ã o F e r n a n d e s ( M a l a c a , 7 d e d e N o v . 1 5 1 2 ) , i n c a r t a s d e A f o n s o d e A l b u q u e r q u e , e d . H . L. M e nd o nç a & B u l hã o P a t o , vo l . V I I , L i s b o a , 1 8 8 4 -1 9 3 5 , p . 5 9 23 F e r n ã o Lo p e s d e C a s t a n he d a , o b . c i t , l i v. 4 , vo l . I , p . 8 7 6 24 C a r t a d e A f o n s o d e A l b u q u e r q u e a D . M a n u e l I , 1 5 1 3 , i n C a r t a s d e A f o n s o d e A l b u q u e r q u e , c i t . , vo l . 1 , p p . 1 4 1 -1 5 0 25 G a s p a r C o r r e i a , o b c i t . , 2 . I V , p . 4 7 3

(19)

19 “feitor das drogarias” na Índia, com um vencimento anual de “trinta mill reaes”, acrescidos de “vimte quimtaes de drogarias”.26

O cargo era important e, Pi res supervisionava a escolha, aquisi ção e acondici onam ento das drogas asi áti cas envi adas para Portugal, evitando o em barque de m ercadori as de fraca quali dade. Terá parti do para o Ori ent e em 1511, t endo vi aj ado na arm ada de D. Garcia de Noronha. Ter -se-á i nst al ado em C ananor, onde desem penhou as funções de feit or das drogas, foi cham ado a C ochim por Afons o de Albuquerque que p ret endia travar as irregul aridades que est avam a ser cometidas pel os funcionários régios na praça de Mal aca. Aqui chegou pel o mês de J ulho de 1512 e lá perm aneceu nos anos seguint es desem penhando as funções de es cri vão da fei toria, cont ador e vedor das dro gas, adqui rindo grande conhecim ento da t erra. A sua est ada em M alaca27 apenas terá s ido i nt errom pida por uma expedição a J ava, realizada ent re Março e Junho de 1513, na qual servi u com o feitor da armada, apes ar de al gum as pas sagens da Suma darem a ent ender que t eve conhecimento vivenci al de outras regiões do Sudest e Asi áti co.

Em 1515 preparava -s e para regres sar à Índi a e at é t alvez, ao Reino, quando chegou o novo governador, Lopo Soares de Albergaria que trazia a i ncumbênci a de enviar um a armada sob o com an do de Fernão Peres de Andrade para :

“assentar trato & amizade na China, & em Bengalâ.”28

Segundo Rui Loureiro, a expedi ção deveri a t rans portar um embaixador, que s eri a des embarcado em Cant ão, para a parti r daí t ent ar

26 C a r t a d e T o m é P i r e s a A f o n s o d e A l b u q u e r q u e , 1 5 1 3 , o b . c i t . , vo l . 7 , p p . 4 -7 27 M a l a c a e r a u m gr a nd e e mp ó r i o d o c o mé r c i o d e e s p e c i a r i a s c o m a s M o l uc a s , i nd o a t é l á na v i o s d e z o na s d i s t a nt e s . O p r ó p r i o T o mé P i r e s e s c r e v e u na S u ma q ue nã o s e c o n he c i a p o r t o c o me r c i a l t ã o gr a nd e c o mo o d e M a l a c a , ne m m e r c a d o r i a s d e t ã o b o a q u a l i d a d e e t ã o va l i o s a s . 28 F e r n ã o Lo p e s d e C a s t a n he d a , o b . c i t . L i v. 3 , vo l . 1 , p . 8 5 6

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20 um cont acto com o monarca chinês, e stabel ecend o as bas es de um rel acionamento pací fico, e mut uamente proveitoso para o Est ado da Índi a.29 A escolha para embaixador recai u em Tomé Pi res por várias razões , ent re el es dest acam -se o facto de s er pess oa di gna, embora de baixa condi ção, s endo faci lm ent e s acri ficável s e a expedi ção corres se mal, sobret udo os s eus conhecim ent os profissi onais permiti riam aval iar as muit as drogas que se dizi a existi rem no Cel est e Império e avali ar o interess e do fut uro rel aci onam ento. Al ém dest as raz ões, Pi res era ami g o de longa data do novo governador, Lopo Soares de Albergaria.

Segundo Rui Lourei ro, em fi nais de Abril de 1516, 30 saí a do Indust ão a embaixada que levava a bordo o noss o feitor. Infel izmente, não regres sari a dest a viagem, t erá fal eci do talvez por volt a de 1527, em territ óri o chi nês, depois de fracass ada a missão de que i a incumbido.

3. Visão comp arati sta das obras o Li vro das Cois as da Índia e a Sum a Orient al

As obras em a nális e, apesar de coevas , apresent am est rut uras e característ icas diferenci adas . Sem t ermos a pret ens ão de fazermos aqui, um est udo exausti vo da estrutura das duas obras ou das razõ es que justi ficaram o i nteresse por el as demons trado al ém front ei ras, ess e s erá propósit o de est udos subs equent es, queremos t ão s ó regist ar um a breve anális e comparatis t a do Li vro das Coi sas da Índi a e da Suma Ori ental .

Duart e Barbosa, logo no prólogo, es cl arece o s eu propósit o dizendo que t rabalhou para que:

29

R ui M a n ue l Lo u r e i r o , A C h i n a n a C u l t u r a P o r t u g u e s a , d o S é c u l o X V I –

N o t í c i a s i m a g e n s e v i v ê n c i a s , vo l . I . , L i s b o a , 1 9 9 4 -9 5 , p p . 3 8 1 -4 6 5

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21 “ os lugares e limites de todos aqueles

rei nos aonde esti ve pess oal mente , ou de que tive inform ações di gnas de fe; e bem assim quaes s ej ão os rei nos e paiz es de mouros, quae s os de gentios e os s eu s cost um es. Nem deixarei em s ile ncio e s eu trafi co e as m ercadorias que nel es s e acham os lugares aonde nascem e para onde se conduzem (…).”31

Efectivam ent e o seu rel at o identi fi ca dezenas de “rei nos ” e dá um conjunt o de notí ci as al argado sobre todos eles. S egundo J oão M ar inho dos S ant os, para Barbos a :

“Um reino é uma unidade territorial (cujos contornos físi cos ou limites nem s em pre consegue defini r m uito be m ), habit ada por gente com caract erísticas fí sicas e cul turai s com uns (e s ob est a perspectiva especí fica, fal a de país es), com um a apreci ável organiz ação políti ca, adm inist rativa, soci al e militar centrada num a realez a (que obedece a tradi ções, a costum es ancestrais e pratica ritos ) e, obvi am ent e, com um a economi a que com m aior ou m enor di fi culdade funci ona. Destacam -s e, naturalment e, os reinos cujas trocas logram al cançar, at ravés da di mensão das s uas ci dades e vi las (quase s empre portos ou com li gação ao mar), áreas de i nfluênci a

(22)

22 considerávei s de acordo com a u tili dade

/val or das m ercadori as .”32

A vis ão apresent ada por Tom é Pires não difere da de Barbos a, el e própri o decl ara ser objecto da Suma Ori ental fal ar da :

“repartiçam das partes provycias regnos regiõees e de suas com fromtaçoees m as aimda do tracto e comerci o que humas tem com outras o qual l trato de mercadoria hé tam neces ario que s em elle nom se sosteria o mundo est e hé o q nobrece os regnos que faz gramdes as jem t es e nobelit a as ci dades e o q faz a guerra e a paaz .”33

Pires era um m ercador por excelência e, é por i sso, que at est a que no Orient e o com ércio era basil ar para a pros peridade dos reinos, s endo os elementos de defi nição dest es os m esmos que Barbos a util iza.

Ana P aul a M eni no Avel ar sustent a, relati vam ent e a Duarte Barbosa que:

“Os seus segmentos descritivos elaborados a parti r do percurso que acompanha a geografi a físi ca, surgem a par da geografia hum ana dos lugares, num a bus ca i dênti ca à de Tomé Pires, de aproximação ao Outro.”34

32 J o ã o M a r i n ho d o s S a n t o s ; O s P o r t u g u e s e s e m V i a g e m p e l o M u n d o . R e p r e s e n t a ç õ e s Q u i n h e n t i s t a s d e C i d a d e s e V i l a s , L i s b o a , G r up o d e T r a b a l ho d o M i ni s t é r i o d a E d uc a ç ã o p a r a a s C o me mo r a ç õ e s d o s D e s c o b r i me n t o s P o r t u g u e s e s , 1 9 9 6 , p p . 9 9 -1 0 0 33 Ar ma nd o C o r t e s ã o , A S u m a O r i e n t a l , p . 1 3 2 34 A na P a u l a M e n i no A ve l a r , F i g u r a ç õ e s d a a l t e r i d a d e n a c r o n í s t i c a d a E x p a n s ã o , Li s b o a , U n i v e r s i d a d e A b e r t a , 2 0 0 3 , p . 1 2 6

(23)

23 Podem os, contudo, at est ar que exist e di versi dade nos dois discursos , desde l ogo porque , enquanto Tom é Pires dedi ca a Suma ao rei D. Manuel, s endo o seu trat ado es cri to de form a cons cient e para dar conhecim ento ao Vent uros o dos s egredos mercantis , pret endendo s er fundam entalment e uma lei tura úti l, Duart e Barbosa ofereceu o seu livro a todos os que des ej ass em inform ar -se sobre o Orient e . Assim, a sua escri ta pode ser ent endida como um a espécie de gui a para todos aquel es que des ej avam, m ai s do que conhecer, p ercorrer est as ilhas em mi ssões ofi ci ais ou parti cul ares, onde o comércio teria papel cent ral.

Avelar, faz endo referênci a a Luí s Fili pe Barret o e a Armando Cort es ão , com o ali ás j á ant eriorm ent e referimos, afirma que quanto a Barbos a:

“O s eu processo parte dos s entidos, e da recolha dest as impressões, com binando com o ent endim ento dos mesm os. Bus cari a, com efeit o, o ri gor da inform ação, onde as pal avras, procuram imitar as coisas e o

lisível convi da -nos a um vi sí vel do pr ópr io mundo à mão (Barret o:1983) . Po r s eu t urno,

Tom é Pires segui ri a um processo t écni co -práti co em que, part i ndo do que el e próprio afi rm a s er o seu processo de construção prim ei ro, is to é, o estilo m ecânico empregue por qual quer art ífi ce (Cortes ão: 1978), a sua ordenação dis cursiva s eri a post eriorment e filt rada pel a verdade, partindo o s eu conhecimento da im pres s ão sensitiva.”35

Concordamos i nteiram ent e com Avel ar quando est a afi rm a que rel ati vament e a est as duas obras estudadas :

(24)

24 “Deparamo-nos, como é óbvio com dois

discursos diferent es : na obra de Duarte Barbos a o fascí nio da orientalidade s eri a o seu núcl eo condutor, enquanto os as pect os práti co -mercantis , fruto de um a vivênci a indivi dual, e a estruturação de leit uras , e formas de olhar os anti gos sobre o diferente, enform am as pal avras de Tomé Pires.”36

Consideramos que é precis ament e o fascí nio pela ori ent ali dade que faz da obra de Duart e Barbosa um verdadei ro t ratado de “Et nografi a ”, o seu dis curso é ri quíssimo de porm enores quando retrat a costum es e rituais reli gios os, como ali ás J oan-P au R ubi és37 defendeu.

J á na obra de Pi res, podemos diz er que o dis curso antropol ógi co se empobrece na as fixiant e presença do económi co. Dest a forma, a Suma desenha s obret udo uma geografia económica. Apes ar das cat egori as rel i giosas est arem present es na de scri ção do outr o, a sua frequência at enua -s e medi ante uma obs ervação mais vari ada. P ara lá da cl assi fi cação reli giosa, procura -se fazer uma anális e s oci oprofis sional e verificar s e det ermi nado reino tem um a m aior vocação guerrei ra ou mercant il, conhecim ent o essencial para o sucesso das trocas com erci ai s. Mais que um s aber rel i gioso -fil osófi co, Tom é Pi res procurava saber a alt eri dade de m odo utilitário .

É ex act am ent e es te aspecto que diferencia as d uas obras e os doi s aut ores, pois o dis curs o de Barbos a é mu ito mais ri co e abundante de descri ções rel ativas à mulher, à sua aparênci a, aos costum es, à sexual idade, aos rituais.

36

I b i d e m, p . 1 2 7

(25)

25 Rel ativam ent e à organização estrutural da s obras também há divergênci as . Seguindo a descrição de C ort es ão38 A Suma est á dividida em cinco li vros: N o prim ei ro t rat a do Egipt o a C ambai a, com o Mar Verm elho, Arábi a, Orm uz e P érsi a; no segundo t rat a de Cambai a a Ceil ão, com Daquem (Deccan), Goa, C anar á, N arsinga e Mal abar; no tercei ro, de Bengal a à Indochina, com Brema (Bur ma ou Birmânia ) e

Sião; no quarto, C hina a Bornéu , com Lequeos ( Liu Ki u), J apão e

Fili pinas; o quint o, Insulí ndia; e o sexto l ivro, M al aca.

Veri fi cam os que o Livro de Barbos a39 apres ent a uma es trut ura diversa daquela que é apresentada por Pires n’ A Suma. Não temos aqui a organiz ação em li vros, m as sim um a descrição minuciosa desde o cabo de S . S ebasti ão, no S ul de Áfri ca até ao país dos Léqueos .

Pass emos à anális e dos núcl eos t extuais das duas obras onde se espelham as im agens femini nas.

Rel ativam ent e à Suma, encont ramos referênc i as à mul her no livro I, na Descrição das Três Ar ábi as , em Or muz, na Pérsi a e no Malabar ; no livro II, em Goa; no livro III, em Pegu e no Camboj a e no l ivro IV, na

China .

N’O Li vr o de Duart e Barbosa , as referênci as femininas s ão mais abundant es: no Zi mbao che, em Quil ôa, em Pemba, Mamfia e Zinzibar, em Maçuá , no Pr est e João , na cidade de Ormuz, no rei no de Guzarat e, no reino de C ambai a, na cidade de Cambai a, em Reinel, em Goa, em

38 N ã o p a r t i mo s d a a ná l i s e d a na r r a t i va o r i gi n a l d a S u m a O r i e n t a l ma s s i m, o t e xt o e m p o r t u g uê s , a q ue l e q u e fo i p ub l i c a d o e m 1 9 7 8 p e l o hi s t o r i a d o r Ar ma nd o C o r t e s ã o , a p ó s t e r d e s c o b e r t o o ma n u s c r i t o d e P a r i s e a e d i ç ã o d e R ui Lo u r e i r o d e 1 9 9 6 , d o ma n u s c r i t o d e Li s b o a . J á r e fe r i mo s a t r á s q ue e s t e s ma n u s c r i t o s d i ve r ge m e n t r e s i , ma s e n t e nd e m o s q u e s e j u s t i fi c a a a n á l i s e p a r a l e l a , p o i s t a l c o n fr o n t o p o s s i b i l i t a a p r e e nd e r a v o z d o a ut o r . 39 D o L i v r o d e D ua r t e B a r b o s a e x i s t e m d i ve r s o s ma n u s c r i t o s , c o m o j á r e p o r t a mo s , e d e q ue d e u no t á ve l c o n h e c i me nt o e a ná l i s e a e d i ç ã o c r í t i c a f e i t a p o r M a r i a A u g u s t a d a V e i ga e S o u s a .

(26)

26

Bisnaga, no Malabar onde a des cri ção é minucios a, em Bengala , em Aracangil, no Pegú , em Mal aca, em Jaoa, no Maluco e na Chi na.

Não era propósito de nenhum dos autores fixar -s e sobre a m ulher asi áti ca. A referência a vári os grupos de mulheres deriva da anális e meti cul os a que os aut ores fizeram dos rei nos , terras, lugares e suas gentes di sponibiliz ando -nos grande riquez a i nform ati va .

Neste nosso estu do procuramos faz er a anális e comparati sta das duas obras para, especi ficam ent e, revel ar as im agens que est es port ugues es , atraídos pel o Ori ent e, nos dão da mulher nas suas vári as faces: no quotidi ano, nas esferas pri vada e públ ica, a função que desempenha na hi erarquia social , t entando contri bui r, ainda que modest ament e, para uma anál ise do estudo de género.

Dos lugares referenciados pelos autores se visl umbra que , embora o percurs o seguid o pelos dois não sej a totalm ent e coincident e, a verdade é que eles esti veram, rel ataram e comentaram em e s obre mui t os espaços com uns.40

40

C o n s ul t e - s e o ma p a d a p á gi n a 2 7 q ue p e r mi t e a v i s u a l i z a ç ã o e s p a c i a l d o s p r i nc i p a i s l u ga r e s r e fe r e nc i a d o s p e l o s d o i s a ut o r e s

(27)

27

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28

Capí tulo II – A mulher as i áti ca - vis ão con vergen te e/ou divergen te de Duarte Barbosa e d e T omé Pires

Neste s egundo capít ulo abordaremos a visão que os dois autores nos t ransmit em da mulher asi áti ca. S ão nos sos vect ores de anális e a aparênci a femi nina, a sexualidade , as tarefas d es empenhadas e os papéis represent ados pela m ulher enquant o espos a, manceba, viúva, m ãe e i rmã. Daremos parti cul ar at enção à represent ação fem inina nos com plexos rituais enunci ados, seguidament e trat amos a s oci abil idade fem inil e, a finalizar o capítul o, confront amos femi nino e m as culi no.

1 – O corpo e a ap arên ci a

Neste pri mei ro pont o é nosso propósito apresent ar fisi cam ente a mulher asi áti ca s egundo a vi são de Barbosa e de Pi res, desde os traços fisionómi cos, à hi gi ene s eguida e ao vestuári o e ornam ento s femini nos usados .

1.1.T raços físi cos

Tanto no L ivro das Coisas da Índia com o n’A Suma Ori ent al são num erosas as referênci as ao aspecto físico das mul heres as iát icas.41 Barbos a e Pi res sali ent am os t raços fís i cos que l hes parecem di gnos de not a para caract erizarem a mul her , obvi ament e diferent e da europei a. Os dois aut ores vi aj aram por lugares de diferentes l atitudes, em que o aspecto físi co, a tez , o cabelo, os olhos, enfim os traços anat ómi cos divergiam .

41

O t e r mo a s i á t i c o é a q ui a p l i c a d o n u m c o nc e i t o l a t o s e n s u , t e nd o e m c o n s i d e r a ç ã o q ue o l i t o r a l d a Á f r i c a O r i e n t a l f o i c o ns i d e r a d o p e l o s p o r t u g ue s e s d o século XVI, e d ur ante muito tempo mais, par te integrante da “Ásia”. De facto, a c o s t a o r i e nt a l a f r i c a na e s t a va l i g a d a à A r á b i a e à Í n d i a , d o p o nt o d e vi s t a p o l í t i c o , c u l t ur a l e e c o nó mi c o .

(29)

29 Em Maçuá, na região que desi gna d’Arabia Felix , Barbosa refere que os mouro s s ão pretos . Est a é um a das poucas referênci as que encontramos à cor es cura da pele, nas alusões s eguint es, tant o des te aut or, quanto de Pi res, predomina a m enção à pele cl ara, t ant as vezes fei ta que evidenci a a admiração de q uem escreve.42

Ao referi r-se ao r ei no de Ormuz na Persia , Barbos a diz que os hom ens e mulheres s ão brancos. Pi res des igna-as de mul heres al vas.

Tam bém a cidade de Ormuz em Pers i , Barbos a volt a a fazer referênci a que t ant o os homens como as mulheres s ão m uit o alvos.

J á sobre os gentios43 do rei no de Guzarat e report a que as m ulheres são baças44, quase brancas.

Ao falar, com porm enor, das vári as cast as45 exist ent es nos rei nos do Mal abar especi fi ca a cast a dos “mogeres” diz endo que as mulheres dest a casta s ão brancas e gent is e acrescent a que isso acont ece porque, na sua m aiori a, s ão filhas de hom ens brancos est rangeiros . O es crivão não deixa aqui de explicar ao l eitor a razão do tom m ais cl aro da pele dest as mul heres e, s imult aneam ente , faz a const atação da mi s ci genação, fenóm eno t ão as soci ado à expansão ult ramarina, neste caso no M alabar.

Sobre as fei ções e est at ura dos Pegus e estabelecendo uma com paração ent re homens e mul heres, Pi res diz que as mul heres s ão m ais brancas que os homens.

Barbos a, j á na ilha de Jaoa Maior refere t ambém que hom ens e mulheres s ão alvos.

42 V e j a - s e o q ua d r o I c o m r e f e r ê nc i a s d o s d o i s a ut o r e s à c o r d a p e l e d a s mu l h e r e s . 43 O s no s s o s i n fo r ma d o r e s u t i l i z a m o t e r mo ge n t i o p a r a d e s i g na r u m g r up o he t e r o g é ne o e m q u e e r a m i nc l uí d o s t o d o s a q u e l e s q ue n ã o e r a m c r i s t ã o s , j ud e u s o u mu ç u l ma no s . 44 R e f e r ê n c i a q ue i nd i c a a c o r e s c ur a d a p e l e . 45 B a r b o s a fa z na s ua o b r a , c o mo t e r e mo s o p o r t u ni d a d e d e c o n s t a t a r , a a n á l i s e c ui d a d a d o s i s t e ma d e c a s t a s d o M a l a b a r , d e s d e a s s up e r i o r e s : b r â m a n e s e n a i r e s , à s i n fe r i o r e s : b r a b a r e s , c u j a v e m , m a i n a t o s , c a l e t i s , t u i a s , m a n e n , c a n a c a s , a g e r e s , m o g e r e s , m o n q u e r , b e t u n e s , p a n e e n s , r e v o l e n s , p o l e á s , p a r e e n s , c h a t i n s e m a p u l a .

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30

Quadro I - Referên cias à cor da p el e d a mulher

Barbosa Pires Locais

h o m e n s e m o l h e r e s s ã o p r e t o s . (S o u s a : 9 4 ) Macu á h o m e n s e m o l h e r e s s ã o b r a n c o s . (S o u s a : 1 3 8 ) m o l h e r e s a l l v a s . ( L o u r e i r o : 6 2 ) Orm uz (Pérsia) h o m e n s e m o l h e r e s m u i t o a l v o s . ( S o u s a : 1 5 1 ) cidade de Orm uz m o l h e r e s b a ç a s q u a s i b r a n c a s . (S o u s a : 1 8 2 ) Guzar at e m o l h e r e s b r a n c a s . (S o u s a : 2 0 4 ) Malabar M o l h e r e s s a m m a i s b r a n c a s q u e o s h o m e n s . ( L o u r e i r o : 1 0 6 ) Pegu m o l h e r e s s ã o a l v a s . (S o u s a : 3 8 9 ) Jaoa Mai or m o l h e r e s a l v a s e c o r a d a s . (S o u s a : 4 1 2 ) China ( T o d a s a s c i t a ç õ e s s ã o r e t i r a d a s d a s e d i ç õ e s j á r e f e r i d a s d o L i v r o d a s C o i s a s d a Í n d i a e d a S u m a O r i e n t a l )

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31 Na C hina o noss o autor nom eia que ambos os géneros s ão brancos e repete que as mul heres s ão alvas e coradas .

Not e-se a abundância com que s ão us ados os adj ectivo s alvo e

branco para com provar a cor cl ara da pel e na mai ori a das paragens

enunciadas.

Para al ém da cor da pel e out ros t raços fís icos s ão assinal ados pel os aut ores, Barbos a refere que no rei no de Guzar ate as m ulheres dos gentios são de mui t o bons corpos, assinal ando a boa constit uição fí sica fem inina e no rei no de Cambaia diz que as mulheres têm mui to bom

cabel o.46

Rel ativam ent e aos habit ant e s da ci dade de Bisnaga referenci a qu e os hom ens e m ulheres t êm b o a estat ura, revel ando as s uas feições sem elhanças às fi s ionomi as portugues as . Est a comparação c om os padrões conhecidos é us ada para faci litar a compreens ão dos s eus leitores, m as é também a vis ão eurocê nt ric a do confront o com o Out ro civil izacional que es tá pat ente .

J á Pires, fazendo j us ao s eu sentido des cri tivo e subj ectivo, faz referênci a a um a doença m uito frequente nas r egiões ori ent ais , a el efantí as e:

“Muita gemte do Malavar asi bramines com o nai res e suas mulheres, e t abem a jemt e baixa, geral l ment e há qurt ou a quint a parte de t odos, tem as pernas m uito grosas e im chadas de grande grosura, e morrem disso. Hé cousa fea de ver.”47

O s eu porm enor des cri tivo vai ao ponto de enunciar as possí ve i s caus as de t ão feia, comum e fatal d oença, a cont aminação das águas e a prom is cuidade das gent es do Malabar.

46

V e j a - s e o q ua d r o I I c o m r e fe r ê nc i a s d o s d o i s a u t o r e s a o s t r a ç o s fí s i c o s fe mi n i no s .

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32

Quadro II - Referên cias aos traços fís icos femininos

Barbosa Pires Locais

m o l h e r e s d e m u i b o n s c o r p o s e b o m c a b e l o . (S o u s a : 1 8 2 ) Gu zarate h o m e n s e m o l h e r e s d e b o a s e s t a t u r a s e d e n o s s a s p r ó p r i a s f e i ç õ e s . (S o u s a : 6 0 ) Bisnaga g e n t e b a i x a (h o m e n s e m o l h e r e s . ( L o u r e i r o : 1 0 6 ) Mal abar M o l h e r e s s a m a s i m e s m o d o s c o r p o s d o s h o m e n s . ( L o u r e i r o : 1 0 6 ) Pegu m o l h e r e s d e b o m c a r ã o e f e r m o s o s c o r p o s e o s r o s t o s l a r g o s . (S o u s a : 3 8 9 ) Jaoa Maior H o m e n s g r a n d e s e a s s i a s m o l h e r e s . M o l h e r e s d e m u i g e n t i l c a r ã o e t e e m o s o l h o s m u i p e q u e n o s . (S o u s a : 4 1 2 ) O s h o m e n s s a m d a n o s a a l u u r a & d e l e s t e m o s o l h o s p e q u e n o s e & o u t s ª g r a m d e s . E n a r i z e s c o m o h a m d e s e r . ( C o r t e s ã o : 2 5 3 ) China ( T o d a s a s c i t a ç õ e s s ã o r e t i r a d a s d a s e d i ç õ e s j á r e f e r i d a s d o L i v r o d a s C o i s a s d a Í n d i a e d a S u m a O r i e n t a l )

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33 Sobre as fei ções e est at ura dos Pegus e estabelecendo uma com paração ent re homens e mulher es, Pires afirm a qu e as m ulheres tem corpos sem elhant es aos homens.

Barbos a, j á n a ilha de Jaoa Mai or refere que as m ulheres t êm boa cara e ros tos largos .

Finalm ente, na China o nos so autor referencia que os aut óct ones são hom ens grandes, ge nt is, t al com o as mulheres e na sua m aiori a, t êm os ol hos muit o pequenos.

Tam bém , no que diz respeito à C hina, Pi res assi nala que as mulheres têm um a altura i gual à noss a e que t êm os olhos pequenos , embora ress alve que al gum as os t êm grandes e apresent am nariz es perfeit os.

Repare -s e que Barbosa uti liza vári as vezes o adj ectivo b o m que tem como objecti vo reforçar a boa apres ent ação e compl ei ção físi ca dos nat urais .

É evident e da anális e efectuada que Barbos a m enciona mais vez es do que Pires os traços femininos, a cor da pel e e a caract erísti cas fí sicas . Mas , t ambém , podemos dizer que Pi res é m ais minuci os o nas suas descri ções. No ent anto, o discurs o de ambos não deixa de est ar em sintonia.

1.2 – B el eza e higiene

A bel eza averi guada e a hi gi ene seguida foram singul arment e referenci adas pel os aut ores.48Com eça Barbos a por as sinal ar os traços de bel eza nas gent e s que encontra na cidade de Ormuz em Persia diz endo que s ão formosos , t ant o homens com o mulheres . Pi res corrobora esta opini ão, diz endo que na cidade de Ormuz há formosas mulhere s e utiliz a

48 C o n fr o nt e m - s e o s q ua d r o s I I I e I V c o m r e f e r ê nc i a s d o s d o i s a ut o r e s à

(34)

34

Quadro II I - Referências à b el eza f emin ina

Barbosa Pires Locais

s ã o f e r m o s o s e g e n t e m u i b e m a p e s s o a d a , a s s i h o m e n s c o m o m o l h e r e s . (S o u s a : 1 5 1 ) f r e m o s a s m o l h e r e s . ( L o u r e i r o : 6 2 ) cidad e d e O rmuz f r e m o s a s m o l h e r e s . ( L o u r e i r o : 6 5 ) cidad e d e X i ra m o l h e r e s m u i f r e m o s a s e d e l i c a d a s . N a c a b e s s a n ã o p õ e m n a d a s e n ã o s e u c a b e l o m u i t o b e m a p a n h a d o s o b r e e l a . (S o u s a : 1 8 0 ) Gu zarate f r e m o s a s m u l h e r e s . (S o u s a : 1 9 1 ) reino d e Cambaia M o l h e r e s f r e m o s a s . (S o u s a : 2 0 8 ) cidad e d e Cambaia F e r m o s a s m u l h e r e s . (S o u s a : 2 2 6 ) Rein el M o l h e r e s f r e m o s a s e d e g r a n d e p r e s u n ç ã o . (S o u s a : 6 4 ) Bisnaga M o l h e r e s s a m m a i s f r e m o s a s . ( L o u r e i r o : 1 3 4 ) Pegu A s m o l h e r e s t ê m f r e m o s o s c o r p o s . (S o u s a : 3 8 9 ) Jaoa Maior A s m o l h e r e s a n d a m t o s q u i a d a s p o l a s o r e l h a s , p o r g e n t i l l e z a . A s m o l h e r e s u s a m o s c a b e l o s c o m p r i d o s e m R o d i l h a d o s p º g e m t i l l m a n e i r a . P o e m m u y t o a l u a y a d e n a s f a c e s h e a r r e b i q e s o b r e e l l e . ( C o r t e s ã o : 2 5 3 ) China ( T o d a s a s c i t a ç õ e s s ã o r e t i r a d a s d a s e d i ç õ e s j á r e f e r i d a s d o L i v r o d a s C o i s a s d a Í n d i a e d a S u m a O r i e n t a l )

(35)

35 a m esm a express ão para cl assifi car as mulheres da ci dade de Xira , na

Pér sia.

J á rel ati vam ente aos gentios baneanes do reino de Guz arate , Barbos a expli ca que as mul heres são formosas e deli cadas e o mesm o diz das mul heres dos m our os do reino de C alecut e, das naturais da cidade

Cambaia, das mouras de Rei nel e das gentes de Bi snaga.

Ao referir as fei ções das mul heres dos Pegus, Pires tam bém ut iliza o adj ectivo for mosas e Barbosa, aludi ndo ao rei no de Jaoa Maior refere que as m ulheres têm formos os corpos.

A cami nho da Chi na, Pires quedando -se no rei no de C amboj aa dá not a do estil o de corte de cabel o us ado pel as mul heres que denunci a um a moda comum e, j á na Chi na, detendo -s e i gualm ente nas preocupações com a aparênci a e bel eza feminina s refere que as mulheres usam os cabelos com pri dos e penteados em cim a da cabeça e ainda not a que us am produtos para embel ezar o rosto.

A adj ectivação constante de f ormosa revela a preocupação de rel at ar e transmiti r a bel eza reconheci da às asiáticas , não es quecendo que temos dois hom ens a anali sar a form osura femi nina e dois portugues es, cuj os padrões de bel eza seri am aqueles por si j á conheci dos .

Os hábit os de hi giene t ambém s ão devidam ent e assi nalados por Barbos a. C om eça por referi r os gentios baneanes do rei no de Guzar at e dando nota de um cerimonial de puri fi cação at ravés do banho que , duas vez es por di a, lava o corpo e alm a , dos homens e das mul heres .49

Rel at ando acerca dos Costumes do Rei e das Gent es da T er ra de

Bisnaga refere que as mulheres que vi v em no paço do rei tomam banho

duas vez es por di a e unt am -se com subst ânci as nat urai s de efeito tónico para a pel e.

Det endo -s e demoradam ent e numa regi ão que conheceu bem, o Mal abar, descreve com minúci a a cast a naire no T itulo dos Cos tumes e

49

O b a n ho r i t ua l a q u i r e f e r e n c i a d o é u ma d a s c a r a c t e r í s t i c a s d a r e l i g i ã o hi n d u . A p ur i f i c a ç ã o c o m á g ua é u m a s p e c t o t í p i c o d e mu i t o s a c t o s r e l i g i o s o s d o hi n d uí s mo .

(36)

36

Quadro IV - Ref erências à hi gi ene

Barbosa Pires Locais

L a v a m - s e c a d a d i a d u a s v e z e s , a s s i h o m e n s c o m o m o l h e r e s . (S o u s a : 1 8 0 ) Gu zarate A s m o l h e r e s b a n h a m - s e c a d a d i a e m t a n q u e s e u n t a m - s e c o m s â n d a l o s e a l o é s . (S o u s a : 6 5 ) Bisnaga A s m o l h e r e s n a i r a s l a v a m -s e c o m a g o a q u e n t e e v e s t e m p a n o s l a v a d o s . Q u a n d o p a r e m s a m l o g o l a v a d a s c o m m u i t a s a g o a s q u e n t e s e f r i a s . (S o u s a : 1 8 7 ) Mal abar M o ç a s m u i t o l a v a d a s c o m m u i t o s c h e i r o s e f r o r e s . (S o u s a : 3 3 0 ) Aracangil ( T o d a s a s c i t a ç õ e s s ã o r e t i r a d a s d a e d i ç ã o j á r e f e r i d a d o L i v r o d a s C o i s a s d a Í n d i a )

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