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APRESENTAÇÃO 21 1 INTRODUÇÃO

1.3 CONTRIBUIÇÕES DO TRABALHO

Quando decidi estudar o tipo penal infanticídio, especialmente as maneiras como esse tipo é interpretado e mobilizado por quem participa em alguma medida do processo penal, ouvi de colegas da área jurídica que se tratava de crime raríssimo, e que seria difícil encontrar material a respeito – tanto casos jurídicos quanto bibliografia. Um promotor me recomendou o que muitos já tinham dito: ―procura na doutrina penal e médico-legal, são eles que falam disso‖. Mas meu trabalho não era no direito, e sequer pretendia fazer um estudo dizendo o que é o infanticídio, como este deveria ser interpretado ou aplicado no caso concreto. No que eu pretendia fazer, a doutrina penal e médico legal serviria, como veio a ser, como fonte primária, me permitindo interpretar as interpretações ―daqueles que falam disso‖.

Uma busca por trabalhos nacionais que tratavam da temática, feita tanto em bibliotecas físicas quanto em portais de periódicos e bancos de teses virtuais, utilizando as palavras-chave ―infanticídio‖ e ―estado puerperal‖ me levou, principalmente, a quatro tipos de trabalhos: os jurídicos, voltados a refletir sobre o tipo penal a partir da dogmática (e.g.

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Tenho comigo todos os documentos judiciais com os quais trabalhei, bem como todas as entrevistas arquivadas. Caso haja interesse em acessar algum destes materiais, basta entrar em contato (angotti.bruna@gmail.com).

ARGACHOFF, 2011); os da antropologia, principalmente tratando de infanticídio indígena (e.g. HOLANDA, 2008) e, em bem menor quantidade, de questões relacionadas à reprodução (e.g. ROHDEN, 2003); os da psicologia, trabalhando questões de ordem psíquica relacionadas à negação da gestação e infanticídio (e.g. IACONELLI, 2015); e os da história, especialmente voltados para o tratamento social do infanticídio no século XIX e início do XX (e.g. NASCIMENTO, 2008) 40.

Tratando de questões que dialogavam mais diretamente com a pesquisa ora apresentada, e que permitiram compreender os principais debates acerca da temática do infanticídio no momento em que a legislação de 1940 entrou em vigor, estão as obras A Arte de Enganar a Natureza – contracepção, aborto e infanticídio no início do século XX, da antropóloga Fabíola Rohden (2003) e Práticas Proibidas – práticas costumeiras de aborto e infanticídio no século XX, organizada pela historiadora Joana Maria Pedro (2003). Além destas, o trabalho da psicanalista Vera Iaconelli, intitulado Mal-estar na maternidade: do infanticídio à função materna (2015), referenciado anteriormente, foi de suma importância para reflexões sobre a relação entre infanticídio, maternidade e gestação apresentadas no terceiro capítulo desta tese.

Buscas em portais de periódicos internacionais, feitas tanto no Brasil quanto no período em que realizei doutorado sanduíche no Departamento de Criminologia da Universidade de Ottawa, no Canadá, (julho de 2017 a fevereiro de 2018) me possibilitaram contato com uma bibliografia específica sobre filicídio41

(sendo o infanticídio uma subcategoria deste), oriunda, principalmente, de países anglófonos como Estado Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália. Trata-se, principalmente, de pesquisas empíricas feitas na medicina (e.g. SPINELLI, 2003; MENDLOWICZ et ali. 1998, 2017) 42, na sociologia do

direito (e.g. OBERMAN; MEYER 2001, 2008) e na criminologia (e.g. KRAMAR, 2005; WATSON; KRAMAR, 2008) acerca da temática. Parte dos artigos científicos e livros

40 Esta constatação é fruto de buscas em três bibliotecas digitais - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações

(BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Biblioteca Digital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de ão Paulo Fapesp, Banco de teses e dissertações da niversidade de ão Paulo (USP), utilizando palavras-chave ―infanticídio‖, ―estado puerperal‖ e ―neonaticídio‖. Complementando-a foram feitos levantamentos bibliográficos em portais de periódicos online.

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Encontrei também, nas bases de periódicos internacionais, artigos e livros que tratam da morte de recém- nascidas do sexo feminino, especialmente na Índia e na China, por razões socioeconômicas e culturais. Assim como fiz com o infanticídio indígena, optei por não adentrar nesse debate, justamente por não ser o foco deste trabalho. Para saber mais sobre o tema ver XINRAN, 2011; HEDGE, 1999; BHATNAGAR; DUBE; DUBE, 2005.

42 O autor é um psiquiatra brasileiro. No entanto, seus artigos estão publicados principalmente em inglês, em

encontrada nestas buscas envolve pesquisas realizadas com pacientes psiquiátricas, registros criminais, mulheres presas, e/ou casos divulgados na mídia. Tais estudos, que dialogam entre si, apresentam dados e reflexões acerca da temática, representando o que há de mais atual e aprofundado produzido sobre o tema. A leitura deste material foi fundamental para esta tese, sendo apresentá-lo à academia brasileira uma das contribuições deste trabalho.

Não há diálogo entre os trabalhos produzidos e publicados no Brasil sobre infanticídio e a bibliografia estrangeira. A dissertação de Luna Borges Pereira Santos (2017) Infanticida e castigo: moral e produção de verdade em um arquivo, defendida no direito, foi o único trabalho que encontrei que trata de parte desta bibliografia. Trata-se do estudo de um caso de condenação de uma mulher por homicídio de seu recém-nascido, também trabalhado pela orientadora da dissertação, a antropóloga Débora Diniz, em sua obra Cadeia (2015).

Olhando para o conjunto de material pesquisado é possível afirmar que, na produção científica nacional, o infanticídio – aqui compreendido a partir da definição legal de morte de recém-nascido/a por aquela que a ele/ela deu à luz – é um tema pouquíssimo trabalhado. Não encontrei estudos que analisam como o Judiciário lida, na atualidade, com casos de mulheres acusadas das mortes de seus/suas recém-nascidos/as, ou mesmo pesquisas que refletiram de forma sistemática sobre como as doutrinas penais e médico-legais utilizadas hoje por personagens judiciais interpretam e sugerem a interpretação do tipo penal infanticídio. Desse modo, o presente trabalho representa uma contribuição justamente por suprir uma lacuna analítica, apresentando pesquisa que esmiuçou os manuseios do tipo penal no cotidiano do Sistema de Justiça Criminal.

Agrupar um conjunto de documentos judiciais que tratam da acusação de mulheres pelas mortes de seus/suas recém-nascidos/as é compreender como essas mortes são narradas, interpretadas, traduzidas e julgadas. É também analisar como expectativas sociais sobre o ―dever ser feminino‖, especialmente sobre a maternidade, são abordadas para acusar, defender e julgar essas mulheres. Esta é outra contribuição do trabalho.

Além disso, ao trabalhar a bibliografia científica estrangeira especializada na temática do filicídio, pude entrar em contato com categorizações dos tipos de mortes de crianças por pais e mães, encontrando categorizações de filicídio que me auxiliaram a entender os casos brasileiros. Nestas categorizações há a figura do neonaticídio que está em íntimo diálogo com a maioria dos casos com os quais me deparei na pesquisa. Apresentar tal categorização, bem como olhar para os padrões de repetição dos casos brasileiros a partir de um conjunto mais amplo apresentado na bibliografia estrangeira é também outro aporte desta tese.