• Nenhum resultado encontrado

O movimento da escola moderna como prática da liberdade: o desenvolvimento da autonomia da criança no jardim de infância

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O movimento da escola moderna como prática da liberdade: o desenvolvimento da autonomia da criança no jardim de infância"

Copied!
154
0
0

Texto

(1)

Karla Bohac

O Movimento da Escola Moderna como prática da liberdade:

O desenvolvimento da autonomia da criança no jardim de infância.

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM CIENCIAS DA EDUCAÇÃO

(2)

O Movimento da Escola Moderna como prática da liberdade:

O desenvolvimento da autonomia da criança no jardim de infância.

Karla Bohac Orientação

Professora Doutora Ariana Cosme

Dissertação Apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação

(3)
(4)

EPÍGRAFE

Não cobiço nem disputo os teus olhos não estou sequer à espera que me deixes ver através dos teus olhos nem sei tampouco se quero ver o que vêem e do modo como vêem os teus olhos Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo Não me digas como se caminha e por onde é o caminho deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser Se o caminho dos teus passos estiver iluminado pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias mesmo que tu me percas e eu te perca algures na caminhada certamente nos reencontraremos Não me expliques como deverei ser quando um dia as circunstâncias quiserem que eu me encontre no espaço e no tempo de condições que tu entendes e dominas Semeia te como és e oferece-te simplesmente à colheita de todas as horas Não me prendas as mãos não faças delas instrumento dócil de inspirações que ainda não vivi Deixa-me arriscar o molde talvez incerto deixa-me arriscar o barro talvez impróprio na oficina onde ganham forma e paixão todos os sonhos que antecipam o .futuro E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei nem queiras que eu saiba o que ainda não sou capaz de interrogar Protege-me das incursões obrigatórias que sufocam o prazer da descoberta e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida Rubem Alves

(5)
(6)

RESUMO

A discussão em torno do papel da criança e da construção do conceito de infância ao longo dos anos trouxe grandes contribuições para o campo da educação infantil na contemporaneidade.

As ideias difundidas pelo filósofo Rousseau no século XVIII e sequencialmente pelo Movimento da Escola Nova no começo do século XX sobre a necessidade de se considerar a criança como centralidade do processo educativo, originou uma revolução para a pedagogia, pois esta nova proposta era, principalmente, contraposta ao paradigma da educação vigente.

A mais alta bandeira levantada pelo Movimento da Escola Nova sobre a importância de atribuir autonomia à criança na escola despertou-nos questionamentos sobre: Que autonomia é essa de que estamos falando ao relacioná-la à educação?

Diferentes teóricos apresentaram interpretações em relação ao conceito, assim como podemos encontrá-lo em propostas curriculares elaboradas no século XX, como é o caso do currículo de High-Scope, do Método Montessori, do currículo de Reggio Emília e do currículo do Movimento da Escola Moderna (MEM) entre outros. Este último foi um dos movimentos fundados a partir da Escola Nova e desenvolveu um modelo educativo e curricular específico. A proposta defendida por este movimento deslocava-se da educação apenas centrada na criança, para a valorização sociocêntrica, centrada no grupo.

Com o intuito de analisar as suas propostas pedagógicas, temos como objeto de estudo o modelo curricular do Movimento da Escola Moderna voltado especificamente, neste trabalho, para o pré-escolar. Realizamos um estudo de caso numa sala de Jardim de infância, em que a educadora é associada do movimento, para observar, compreender e refletir sobre as práticas preconizadas pelo modelo e pensadas na potencialização da autonomia da criança. Para tal, temos como hipótese que ideias e filosofias educacionais como as do Movimento da Escola Moderna podem proporcionar a formação das práticas de desenvolvimento da autonomia das crianças em idade pré-escolar.

A escolha do paradigma qualitativo como alicerce da pesquisa, permitiu-nos estabelecer uma relação com certa proximidade do contexto em questão com o intuito de serem explorados fatos específicos, complexos e particulares neste jardim de infancia e no seu quotidiano.

(7)
(8)

RESUMÉ

La discussion sur le rôle de l´enfant et de la construction du concept de l´enfance au long des années, a rassemblé de grandes contribuitions dans le domaine de l´éducation de la petite enfance dans la société contemporaine.

Les idées diffusées par le philosophe Rousseau au XVIIIe siécle et en sequence para le Mouvement de L´École Nouvelle au début du XXe siécle concernant la necessité d´éxaminer l´enfant comme le centre du process éducatif, a provoqué une révolution pour la pédagogie, car cette nouvelle proposition a été essentiellement opposée au paradigme de l´éducation alors en cours.

La plus importante ideologie soulevée par le Mouvement de la Nouvelle École concernant l´importance de donner l´autonomie á l´enfant dans l ´école nous a suscité des questions sur : Qu´est - ce cette autonomie, laquelle nous parlons et qui nous la rapportons au domaine de l´éducation ?

Des divers théoriciens ont présenté ses interpretations liées á la notion de l´autonomie ainsi comme nous pouvons également les trouver dans les propotitions curriculaires élaborées au XXe siècle, telles que le programme High Scope, de la méthode Montessori, du programme de Reggio Emilia et du Mouvement de L´École Moderne.Ce dernier a été l ´un des grands mouvements fondés a partir de la Nouvelle École. Cependant, se montrant contre ses idées, le Mouvement de L´École Moderne a developpé un modèle specifique de programme.La proposition préconisée par ce mouvement se déplace de l´éducation centrée á l´enfant vers la valorization sociocentrique du groupe.

Dans le but d´analizer leurs propotitions pédagogiques, nous avons comme objet d´ étude le modèle curriculaire du Mouvement de L´École Moderne (MEM), retourné à l´école maternelle. Nous avons realizé un étude d´un cas dans une sale du maternelle dans laquelle l´éducateur appartient au mouvement,et puisse regarder les pratiques recommendées par le MEM, s´appuyant sur la potentialisation de l´autonomie de l´enfant. À cette fin, nous avons supposé que les idées et les philosophies de l ´éducation comme cettes de L´ École Moderne peuvent fournir la formation du développement de l´autonomie des enfants en âge d´école maternelle.

Le choix du paradigme qualitatif comme base de la recherche, nous a permis d´établir un lien avec une certaine proximité du public concerné, afin d´explorer des faits spécifiques,complexes et particuliers dans ce jardin d´enfants et dans son quotidien.

(9)
(10)

ABSTRACT

The discussion around the role of the child and the construction of the concept of childhood over the years, have brought great contributions to the field of early childhood education in the contemporary word.

The ideas disseminated by the philosopher Rousseau in the eighteen century and sequentially at the New School Movement in the early twentieth century on the need to consider the child as the centrality of the educational process, caused a revolution for pedagogy, because this proposal was mainly opposed to the current paradigm of education.

The highest flag raised by the New School Movement about the importance of giving autonomy to the child at school, sparked questions like : which autonomy is that we are talking about to relate it to education?

Different theorists presented interpretations in relation to the concept, as we can find it in curricular proposals developed in the twentieth century, such as the High Scope curriculum, the Montessori Method, the Reggio Emilia curriculum and the Modern School Movement program. The last one was one of the great movements founded from the New School. However, going against their ideals, a specific curriculum was developed from its foundation. The purpose defended by the Modern School Movement shift the child- centered education to the sociocentric appreciation, centered in the group.

With the aim of analyzing their pedagogical proposals, we have as an object of study the curriculum model of the Modern School Movement, turned to the kindergarten room. We conducted a case study in a kindergarten classroom, in which the educator is associated to the movement, to see which practices are indicated by the Modern School Movement, thinking to potentiate the autonomy of the child. For such study, we have as hypothesis that educational ideas and philosophies such as the Modern School Movement can provide these practices formation.

The choice of the qualitative paradigm as the basis of this search, allowed us to establish a link with certain closeness with the public concerned, with the purpose of explore specific, complex and particular facts in this kindergarten.

(11)
(12)

DEDICATÓRIA

Ao meu pai, Michel. Por ser o maior incentivador à busca da felicidade e realização de sonhos.

(13)
(14)

AGRADECIMENTOS

“A gratidão é dom, a gratidão é partilha, a gratidão é amor: é uma alegria que acompanha a idéia de sua causa, como diria Spinoza, quando essa causa é a generosidade do outro, ou sua coragem, ou seu amor. Alegria retribuída: amor retribuído.” (Comte-Sponville)

Aqueles que me acompanharam, nesta jornada tão importante em minha vida, merecem um destaque especial:

À minha orientadora, Ariana Cosme, pelos ensinamentos, pela ajuda e por ter conseguido entender as minhas paixões e vontades na área da educação e me orientar para um brilhante caminho.

À diretora da minha especialização, Preciosa Fernandes, pelos ensinamentos, por estar presente e disponível a qualquer momento e pela sua delicada atenção a todos.

À minha família, Michel, Sonia e Leonardo pela demonstração de amor a cada passo dado, por acreditarem em mim e por sempre me mostrarem que cada etapa concluída é uma vitória, sinônimo de alegria e comemoração.

À minha mãe Sonia, especificamente, não só pelo olhar de mãe, mas também pelo olhar profissional e digno com este trabalho.

Ao meu namorado, Pedro, por caminhar sempre ao meu lado, pela paciência necessária e pelo amor de cada dia, fundamental nesta construção.

À Cecilia, um agradecimento especial pela grande ajuda e carinho que me proporcionou na hora certa. Por me guiar através de ensinamentos e questionamentos que me fizeram crescer como pessoa e pesquisadora.

Às minhas amigas e amigos que já me apoiavam e aos novos que ganhei em Portugal, que já fazem parte da minha família. Ressalva para: Danielle Braga Luz Vargas, Silvani Kempf Bolgenhagem, Fabyanna Costes, Valesca Costa e Amélia Ferreira.

À educadora de infância Noémia Peres, por me ensinar através da sua postura exemplar em relação às crianças.

À equipe da Escola da Ponte por me proporcionar uns dos meses mais incríveis na minha vida e por me fazerem cada vez mais acreditar que uma nova educação é possível.

E principalmente às crianças, por partilharem comigo os seus saberes, os seus olhares e um grande afeto. Sem elas, eu não teria conseguido.

(15)
(16)

ÍNDICE

- PREFÁCIO

- INTRODUÇÃO...1

Parte I – Enquadramento teórico...5

Capítulo I – ...5

A AFIRMAÇÃO DA INFÃNCIA...5

PRÉVIA...6

1.1 O Anonimato...8

1.2 A Visibilidade...10

1.3 As crianças como atores sociais: As contribuições da Sociologia da Infância...16

Capítulo II...19

MODELOS CURRICULARES DO SÉCULO XX E A PROMOÇÃO DE AUTONOMIA...19

PRÉVIA...20

2.1 O conceito de autonomia...21

2.2 Os Modelos curriculares para a educação infãncia...24

2.2.1 O método Montessori...27

2.2.2 O modelo de ReggioEmilia...32

2.2.3 O modelo High-Scope...36

Capítulo III –...42

O MODELO CURRICULAR DO MOVIMENTO DA ESCOLA MODERNA (MEM)...42

PRÉVIA...43

3.1 O modelo pedagógico do MEM na educação pré-escolar...44

3.1.1 Histórico do MEM...44

3.1.2 O Surgimento do modelo curricular do MEM para o pré-escolar...47

3.2 Os pressupostos do processo educativo no pré-escolar...49

3.3 O protagonismo das crianças...50

3.4 Os dispositivos de mediação pedagógica...51

3.4.1 A aprendizagem cooperativa ...51

3.4.2 A organização do espaço e do tempo...52

3.4.3 Os instrumentos de pilotagem ...53

3.4.4 As atividades e projetos...55

Parte II- Estudo empírico...57

Capítulo IV – ...57

Apresentação- Projeto de pesquisa e razões que o justificam...58

• Os pressupostos e procedimentos metodológicos de análise...60

• Os instrumentos de recolha de dados...61

(17)
(18)

3.1 A sala do jardim de infância...63

3.2 O grupo de crianças...64

3.3 O quotidiano de trabalho: Os momentos de rotina...66

4- Questões éticas...68

Capítulo V - Apresentação, análise e interpretação dos resultados...70

PRÉVIA...71

• Apresentação dos dados: estratégias e procedimentos...73

• ‘’Mostrar, Contar, Escrever ’’...75

• Atividades e projetos...79 3.1 Comunicações...88 • Reunião de Conselho...91 CAPÍTULO VI-...97 CONSIDERAÇÕES FINAIS...98 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS...100 ANEXOS...106 LISTA DE ABREVIATURAS:

M.E.M- Movimento da Escola Moderna

(19)
(20)

PREFÁCIO

‘’Vou mostrando como sou, e vou sendo como posso, jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos, e pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto (...) ‘‘ (Novos Baianos).

A vida é feita de encontros e desencontros, alguns programados, outros inesperados, alguns reais, e outros imaginários. Lembro-me bem de alguns que tive pela vida e sei que todos foram importantes de certa maneira, mas existem aqueles, aqueles inesquecíveis. Ao abrir um livro, por exemplo, sou dominada por suspiros de curiosidade e me arrisco a conhecer o desconhecido, e numa mesa de bar, onde conversa vai e conversa vem até nos encontrarmos rindo de nós mesmos. Agora estamos aqui, eu e você, diante de um primeiro encontro. Um friozinho na barriga aparece e o coração pulsa mais forte, mas como é o primeiro, visto minhas melhores histórias para me apresentar com direito a batom vermelho, aquele bem marcante, que representa a passagem que fez com que eu decidisse buscar novos encontros. Começo dizendo que sou Psicóloga, formada pela Puc - Rio... Calma! Não se preocupe, eu não o estou a analisar. Antes que você ache isso, eu interrompo os seus pensamentos complementando que decidi dirigir-me para o mestrado na área de educação, não porque tenha deixado a psicologia para trás, foi apenas um desencontro, mas porque percebi que minha verdadeira paixão está no ato de educar. Aliás, a educação é um encontro, e como dizia Paulo Freire, ‘’Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo’’. A realização do meu mestrado foi feita em Portugal, onde fui buscar uma maneira de educar compatível com as minhas convicções e valores. O que é que eu acredito ser relevante para a educação? Ah, será sempre um processo em construção, em que alguns momentos da minha vida fazem parte desse processo. Desde pequena, fiz parte de um movimento juvenil judaico chamado Chazit Hanoar localizado no Rio de Janeiro, Brasil. Frequentei este movimento durante quinze anos. Dos sete aos dezesseis anos participei como educanda, e dos dezesseis aos vinte e dois anos como educadora. Diante da apresentação de diferentes temas como atualidades, política e educação, os educadores tinham como finalidade dialogar com os educandos sobre estes temas e, através de

(21)
(22)

dinâmicas interativas, educar brincando tendo sempre como fio condutor a educação não formal. O papel do educador era principalmente o de despertar a curiosidade e a vontade de aprender do educando através de questionamentos, e não transmitir respostas únicas e corretas. Dessa maneira, tínhamos como missão nortear o educando para que ele mesmo elaborasse suas respostas e formasse suas próprias opiniões. Priorizávamos na instituição a formação do jovem crítico e analítico para que assim ele se tornasse capaz de exercer sua cidadania com ética e dignidade. Em 2008, fui morar durante um ano em Israel com um grupo de amigos também participantes deste movimento juvenil. Estudamos e vivenciamos uma nova cultura, onde me deparei pela primeira vez, com diferentes metodologias para a educação escolar, como a educação democrática. É bom relembrar essa fase da minha vida, e posso dizer-lhe que este foi o meu primeiro encontro com a educação. A vontade de conhecer instituições formais que acreditassem no protagonismo do aluno só aumentava, e quando conclui a faculdade de psicologia, interroguei-me sobre o meu futuro. Onde eu gostaria de trabalhar, com que público-alvo eu me identificava e qual seria a minha motivação para tal, eram indagações que surgiam na minha cabeça em noites mal dormidas e em conversas familiares na mesa de jantar. Desculpe, acabei falando demais e não o deixei falar. Se eu aceito um copo de água? Aceito, é isso! Eu estava com sede, sede de conhecer mais, sede de mais encontros, e como eu acredito que cada encontro é como se fosse o primeiro, decidi continuar e quem sabe encontrar-me. Optei por investir logo no mestrado na Universidade do Porto em Ciências da Educação por ser considerada uma grande referência, e pela enorme vontade de realizar um grande sonho. E você sabe como se realiza um sonho? Indo atrás dele, não tem mistério. O maior sonho que eu tenho é conseguir transformar um grande sonho em realidade, e foi isso o que aconteceu, eu consegui. Depois de um mês de e-mails mandados e telefonemas feitos, comecei o meu estágio na Escola da Ponte, Portugal, escola que eu tinha curiosidade de conhecer mais de perto. Essa é uma Escola que apresenta uma ideologia nada tradicional. Sem divisão de séries por idades, de anos, e sem avaliações homogêneas, a escola respeita e valoriza o protagonismo do aluno, para que ele, orientado pelos professores, pense e decida qual será o seu processo educativo. Os alunos sentam-se em pequenos grupos de estudo ao redor de uma mesa onde todos podem olhar-se, dialogar e ajudar-se, mesmo que cada um esteja fazendo um exercício de diferentes matérias. Em cada dia que eu regressavada escola, sentada no trem, múltiplas reflexões surgiam na minha cabeça e eu sentia que estava encantada pelas propostas da escola, mas na época em que eu realizei o meu

(23)
(24)

estágio a escola só recebia alunos a partir dos seis anos de idade. Numa conversa com a minha orientadora Ariana Cosme, e refletindo sobre o facto de valores como a responsabilidade, o respeito, a autonomia e a solidariedade devem ser proporcionados às crianças desde mais pequenas. Por isso, decidi focar o meu olhar para a educação infantil. Estudando sobre o Movimento da Escola Moderna Português, e, depois de algumas leituras, vi que tinha encontrado o que eu queria! Ao ler os livros de Maria Assunção Folque e Sérgio Niza, estava certa do que eu gostaria de estudar e pesquisar. Realizei a minha pesquisa numa sala de jardim-de-infância cuja educadora faz parte do movimento. Se eu estou satisfeita? Muito! Sinto que já sei por onde devo caminhar. E o que eu posso afirmar é que quanto mais a gente busca se encontrar, mais encontros se estabelecem. Esta pesquisa que agora partilho faz parte desse meu encontro com o Movimento da Escola Moderna. E que encontro! Espero que, a partir dela, possamos travar outros diálogos e que assim surjam novas ideias, propostas, sonhos...

(25)
(26)

1

INTRODUÇÃO

‘’O vento é o mesmo mas sua resposta é diferente em cada folha". Cecília Meireles

Diante de uma sociedade em constante transformação, uma avalanche de informações e de influências invade cotidianamente a vida das crianças. Ao mesmo tempo, a criança vem alcançando e ocupando um espaço diferenciado na contemporaneidade. Esta conquista possibilita uma visibilidade maior de suas necessidades, desencadeando um leque de preocupações e de questionamentos em relação ao papel exercido por elas.

Profissionais de diferentes áreas de conhecimento ligados às Ciências da Educação passaram a dedicar os seus estudos e as suas pesquisas à questão da formação e daeducação das crianças, como por exemplo, a pedagogia,a psicologia da educação e do desenvolvmento,a sociologia, foco que ganha cada vez mais espaço entre os temas discutidos, especificamente no âmbito do campo específico que é a educação infantil.

Um dos frequentes debates diz respeito à função que as instituições ligadas à educação infantil deve assumir para contribuir para o desenvolvimento físico, psicoemocional, cognitivo e social da criança, questionando de que forma estas devem alinhar-se às demandas contemporâneas.

O que podemos supostamente notar é que, em pleno século XXI, a frequência da ocorrência de práticas pedagógicas que estimulam as crianças a descobrirem e a desenvolverem suas habilidades preferenciais ainda é escassa. Infelizmente, alguns educadores de infância não confiam na sua capacidade de tomada de decisão e acabam escolhendo o que as crianças devem aprender no seu dia a dia. Acreditamos que a implementação de múltiplas aprendizagens pensadas na promoção e na potencialização da autonomia das crianças ainda fazem parte dos desafios atribuídos aos profissionais que trabalham nessa área.

Recorremos à Lei-Quadro da educação pré-escolar de Portugal e à Declaração dos Direitos da Criança, por serem documentos que enunciam os direitos e deveres da criança. Neles configuram-se os objetivos pedagógicos gerais voltados para a educação

(27)

2

infantil, e buscarmos averiguar se estes princípios estipulados são realmente trabalhados e estimulados no cotidiano de um pré-escolar.

De acordo com a Lei-Quadro (n.º 5/97,CAPITULO II, Artigo 2º):

‘’a educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autônomo, livre e solidário. ’’

Em relação à Convenção dos Direitos da Criança ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990 citamos:

Artigo 12:

1. Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeite, sendo estas devidamente tomadas de acordo com a sua idade e maturidade.

Artigo 13:

A criança tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de procurar, receber e expandir informações e ideias de toda a espécie, sem considerações de fronteiras, sob forma oral, escrita, impressa ou artística ou por qualquer outro meio à escolha da criança.

Para contextualizar a pesquisa, utilizamos modelos curriculares dedicados à educação infantil elaborados no século XX como embasamento teórico. Um dos modelos aprofundados, o do Movimento da Escola Moderna (MEM), fez-nos ir ao campo investigativo para, através de um estudo de caso, acompanhar a rotina numa turma específica de um jardim-de-infância, dentro da qual a educadora segue a linha pedagógica deste modelo.

O objetivo da pesquisa é analisar quais são as práticas curriculares que realmente oferecem possibilidades para o desenvolvimento do processo de autonomia e participação democrática da criança no modelo pedagógico do Movimento da Escola Moderna (MEM). Assim, tentaremos compreender se estas propostas são capazes de

(28)

3

potencializar a autonomia da criança e de que maneira ela própria lida com estas propostas. Ao mesmo tempo, acreditamos ser de extrema importância averiguar se este modelo tem a capacidade de mediar os processos de aprendizagem considerados indispensáveis para corresponder às finalidades da educação no século XXI (Folque, 2012).

Este texto de dissertação está organizado em duas partes: A primeira parte abordará o enquadramento teórico que sustentou a pesquisa, e uma segunda parte que apresentará o estudo empírico realizado.

A primeira parte está dividida em três capítulos:

No primeiro capítulo, apresentaremos um panorama histórico referente às concepções sobre a construção da infância, para assim compreendermos como se deu a evolução do papel e das funções da criança até os dias de hoje, e quais são as contribuições atuais da educação no sentido de aumentar a sua visibilidade dentro da sociedade.

O segundo capítulo será introduzido pela apresentação do conceito de autonomia através de um diálogo estabelecido com alguns teóricos que discorrem sobre diferentes interpretações e significados para o conceito, apontando de que forma estes enxergam a sua importância no campo da educação.

Sequencialmente, no segundo tópico, serão analisadas algumas propostas pedagógicas curriculares elaboradas no decorrer do século XX. Essas propostas estão voltadas para a educação de infância por meio de três modelos curriculares específicos que buscam priorizar o protagonismo da criança. As propostas pedagógicas foram elaboradas em diferentes momentos ao longo da história e possuem finalidades próprias. As ideias de Montessori foram estruturadas pela necessidade do reconhecimento da criança como cidadã (Trindade, 2012). A ação colaborativa do modelo Reggio Emilia foi pensada como resposta à falta de democracia, e o modelo High-Scope foi pensado

como resposta às questões ligadas à pobreza e às desigualdades sociais (Folque, 2012). No terceiro capítulo, será exposta a filosofia do Movimento da Escola Moderna

(MEM) como embasamento teórico essencial para a investigação, dando ênfase às práticas curriculares do MEM na educação pré-escolar.

A segunda parte deste trabalho apresenta primeiramente os procedimentos fundamentais para a concretização da parte empírica da dissertação enunciados de

(29)

4

forma minuciosa, e em seguida a apresentação da análise dos dados gerados e por último as considerações finais desta pesquisa.

Assim, esta segunda parte é constituída pelo capítulo IV, onde se apresenta, no primeiro tópico, o resumo do projeto da pesquisa em questão e as razões que o justificam, os instrumentos de recolha de dados e por fim o grupo de crianças observado. No segundo momento apresentaremos os pressupostos e os procedimentos metodológicos de análise, e num terceiro momento faremos uma análise preliminar do contexto, descrevendo a sala de aula e os momentos de rotina analisados. Finalizaremos com um quarto tópico, considerado fundamental para a pesquisa por referir-se às questões éticas chamadas a estarem presentes do começo ao fim desta pesquisa.

No capítulo V, concluiremos a apresentação procurando apontando com clareza e com rigor as estratégias e os procedimentos da análise efetuada, assim como a interpretação dos dados gerados através desta pesquisa.

Nas considerações finais foi incluída uma apreciação crítica do estudo correspondido, pensada e analisada, com o intuito de contribuir ativamente para o trabalho pedagógico voltado para a educação infantil e para a necessidade de continuar a aprofundar o estudo, o debate e as reflexões neste campo.

(30)

5

PARTE I

ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO I

A AFIRMAÇÃO DA INFÂNCIA

Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas (...) Eu tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores (Manuel de Barros).

(31)

6

Prévia

Entendo útil, mesmo que brevemente, discutir o papel da criança e a construção do conceito de infância ao longo da história para que possamos compreender o contexto atual da educação voltado ao pré-escolar. Apresentaremos um panorama histórico a partir da Idade Média até a Contemporaneidade, enfatizando como eram as crianças de cada época, e de que forma estas eram tratadas e vistas pela sociedade.

Para iniciar a análise deste estudo, confirmaremos, através dos estudos de Brás (2011), que desde os primeiros registros históricos sempre existiram crianças, todavia, não ocorre o mesmo com o conceito de infância, pois este é percebido pelo historiador Frances Philippe Ariés (1981) como uma invenção da modernidade. A emergência de um sentimento pueril surgiria como uma consciência da particularidade infantil da época em vigor não sendo associada a uma herança natural. Os recortes sobre a Idade Média serão indagados principalmente pelos textos de Ariés (1981), Faria (1997) e Wrege (2012). Estes apresentam-nos a imagem de uma criança frágil, tratada com um papel social mínimo, vista como um adulto em miniatura e submetida a uma educação pragmática cristã.

Em seguida, poderemos verificar que grandes acontecimentos como o surgimento do Iluminismo e da Revolução Industrial mudaram o cenário europeu na chegada da Idade Moderna e consequentemente a educação da época. Começa-se a pensar mais na infância e assim estimular a necessidade da educação da criança e a criação de escolas (Gauthier e Tardif, 2010). No final do século XVIII, o filósofo Iluminista Jean Jaques Rousseau influenciou radicalmente a pedagogia situando as necessidades atuais da criança como foco da educação, divergindo da visão que encarava o processo educativo como preparação para a vida adulta.

Corroborando com muitas das suas ideias, descreveremos o importante legado deixado pelos pedagogos do Movimento da Escola Nova no final do século XIX, já na contemporaneidade, por lutarem pelo posicionamento da criança como centralidade escolar, assim como as interpretações sobre a Psicologia do Desenvolvimento da criança interpretada por Piaget e Vygotsky. Kandel (1961) coloca que nada retrata melhor a mudança que se instalou na passagem do século XIX para o século XX do que a alteração da atitude geral quanto à criança. Esse foi o grande impulsionador do título do livro da escritora Ellen Key, publicado em 1909: The Centrury of the Child (O século da criança). Encerraremos o capítulo apresentando as principais ideias advindas da

(32)

7

sociologia da infância por terem sido um grande contributo para a educação infantil, considerando a criança como um sujeito ativo na sociedade, produtora e reprodutora de cultura.

(33)

8

1. A construção do conceito infância

1.1 O anonimato

No largo período em que se estendeu a Idade Média- por volta de 476 a 1492-, são profundos os acontecimentos que transformaram a sociedade e consequentemente a educação. Wrege (2012) define a estrutura feudal da época como hierárquica e estática, e a concepção de mundo da população ligada a um duplo imaginário. Por um lado, estaria a visão aristocrática, definida por uma visão mais mística e teológica e veiculada pelo livro, e por outro lado, estaria a visão popular, propagada pela palavra, pelo rito e pela imagem, distinta por simplificar a mensagem advinda da religião. A educação era radicalmente dividida entre a nobreza e as classes inferiores, e cabia à Igreja e à família determinar um ensino uniforme e invariavelmente ligado à visão cristã. A educação dogmática limitava o comportamento das crianças e as colocava em um posicionamento socialmente sem importância. Além do fator educacional, o que Faria (1997) nos explica é que o sentimento de infância na Idade Média não estava presente devido à inexistência de uma conscientização em relação às especificidades infantis que distinguissem a criança do adulto. Estas eram tratadas como adultos em miniatura e, tanto um quanto o outro, executava as mesmas tarefas diárias. Esperava-se que as crianças entendessem os assuntos e as opiniões dos mais velhos, que seguissem seus mesmos padrões, que obedecessem às regras duras e que assim elas crescessem rapidamente para poder trabalhar de forma igualitária a eles. Isto fazia com que esta fase fosse vista apenas como um momento de transição para a vida adulta. Recorremos às palavras de Dottrens (1974), por explicar de maneira precisa que educar no passado consistia ‘’ em fazer reproduzir pelas crianças os modos de vida, de pensar e agir dos adultos’’ (p.19).

As atividades exercidas pelas crianças na época não tinham relação com a condição social de cada uma. A partir dos sete anos de idade todas eram encaminhadas para famílias desconhecidas para aprender e saber lidar com os serviços domésticos. O anfitrião da casa era denominado de mestre, enquanto a criança era chamada de aprendiz. As crianças, ao saírem precocemente de casa para aprender e trabalhar em outros lares perdiam o contato com a família de origem e raramente voltavam para suas casas. Ariés (1981) complementa dizendo que ‘’era através do serviço doméstico que o mestre transmitia a uma criança e não ao seu filho, mas ao filho de outro homem, a

(34)

9

bagagem de conhecimentos, a experiência prática e o valor humano que pudesse possuir’’(p.228) e coloca que quando a criança fosse capaz de viver sem a sua mãe, esta passava a pertencer à sociedade dos adultos, deixando de distinguir-se deles. Segundo o autor, uma característica que marcava a similaridade entre adultos e crianças era a vestimenta usada por eles, pois ambos usavam roupas pesadas e desconfortáveis, o que demonstrava nitidamente que a infância era muito pouco diferenciada.

Nesse mesmo período, os colégios existentes eram reservados a um pequeno grupo de clérigos e eram frequentados por estudantes de diversas idades. Os adultos podiam assistir às aulas das turmas infantis, por exemplo, pois a sua participação era vista de forma natural. ‘’Durante muito tempo a escola permaneceu indiferente à repartição e à distribuição das idades, pois seu objetivo essencial não era a educação de infância (Aries, 1988, p. 187). Os mestres transmitiam conhecimentos de forma muito limitada, sendo a matéria ensinada o que apenas importava. Consequentemente, os mestres não tinham interesse pela convivência com os estudantes fora do espaço da sala de aula (Faria, 1997). O anonimato pelo qual a infância se enquadrava era congruente com a etimologia da palavra originaria que vem do latim in-fans, que tem como significado aquele que não fala, que não possui a palavra.

Com a chegada da Idade Moderna, ocorre um leque de mudanças nos mais diversos campos de atuação pelo mundo, como exemplo, o campo da educação. Este passa a ser direcionado para a formação de indivíduos ativos na sociedade dentro das denominadas instituições formadoras, como a Família, a Igreja e o Exército e a escola, que conquistou um lugar mais central e passou a ser aquela que forma e que ensina conhecimentos e comportamentos aos indivíduos (Wrege, 2012). Nasce como ciência a pedagogia, que passa a ser reconhecida também como parte do processo para a formação do homem como cidadão (Gauthier e Tardif, 2010 e Wrege, 2012). Os ensinamentos ligados à didática, disciplina e a racionalização da aprendizagem e das práticas repressivas passam a ficar a cargo da instituição escolar.

De acordo com Carvalho (2003), pode dizer-se que a infância surgiu em torno dos séculos XIII e XVI, mas os sinais de sua evolução tornaram-se mais claros no continente europeu entre os séculos XVI e XVII, quando a estrutura Mercantilista social vigente provocou mudanças nos sentimentos e nas relações acerca da infância. No Brasil, a preocupação com a infância tem as suas raízes no início da colonização portuguesa quando, em 1554, o Padre José de Anchieta escreve uma carta endereçada a

(35)

10

Inácio Loyola fazendo menção aos orfanatos conservados pela Companhia de Jesus para abrigar órfãos vindos de Portugal podendo amparar também crianças indígenas rejeitadas. Os europeus trouxeram, enquanto colonizadores, os seus costumes, os seus valores e suas ideias referentes à infância ao país (Silva, 2011).

No final do século XVII, a afeição pela criança encontra-se mais presente na sociedade, o sentimento de ‘’paparicação’’ (Faria, 1997, p.12) surge e passa a ser visto pelos moralistas como algo prejudicial ao seu desenvolvimento, pois poderia torná-las mimadas e mal-educadas futuramente. De acordo com Gauthier e Tardif (2010), a infância torna-se uma preocupação moral para a sociedade, sendo vista como um período negativo da vida e que deveria ser curado. Ao campo da educação, foi proposta a moralização dos pequenos com a finalidade de torná-los futuramente pessoas honradas e homens racionais. Coube aos colégios assumir esta responsabilidade. Nessa época, o ensino foi estendido aos leigos, nobres, burgueses e às classes populares (Faria, 1997).

Como ressalta Wrege (2012), grandes pensadores ganham destaque nesta época e têm grande influência na educação: Galileu Galilei, fundador do método experimental e da ciência moderna, Comenius, criador da didática moderna, René Descartes, criador do plano cartesiano e John Locke, um dos principais filósofos iluministas que acreditava que o homem adquiria conhecimento através da experiência empírica (Stigar, 2008).

1.2 A visibilidade

O conjunto de ideias espalhadas no século VXIII pelo movimento cultural que surgiu na França conhecido como Iluminismo, procurou mobilizar a reforma da sociedade e do conhecimento herdado pela idade medieval defendendo o domínio da razão sobre a visão da Igreja. O pensamento racional deveria substituir as crenças religiosas uma vez que, segundo os filósofos iluministas, estas bloqueavam a evolução do homem. Os principais interessados nesta filosofia foram os burgueses, que tinham participação na política de maneira limitada (Stigar, 2008).

Além do movimento Iluminista, outros contextos trouxeram grandes mudanças ao mundo, como a chegada da Revolução Industrial que marcou a consolidação da sociedade capitalista dominada pelo sistema industrial, pela ciência, pela tecnologia e pelo trabalho assalariado. Surgiu a grande necessidade de criar locais específicos onde

(36)

11

as crianças pudessem ficar para que suas mães conseguissem trabalhar (Carvalho, 2012). Os primeiros registros de iniciativas de atendimento a infância - nomeados de ‘’ refúgios’’ ou ‘’asilos’’- datam de 1774, na França, têm sua origem nos movimentos filantrópicos marcados por um cunho assistencial onde eram abrigadas filhas de mães operárias. Um pouco mais tarde, no final do século VXIII e início do século XIX, o Brasil escravista passou por um problema similar. Não se sabia o que fazer com os filhos das escravas e das criadas para liberá-las para os serviços domésticos. Sendo assim, as primeiras creches brasileiras foram inauguradas por médicos aliados a mulheres burguesas, que realizaram projetos com base na higiene, deixando as primeiras marcas da educação para a infância pelo caráter médico-sanitarista. Com as rápidas transformações no campo político e social, com a Abolição da escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889), a construção de uma sociedade do tipo capitalista e urbano-industrial assumiu o novo caminho brasileiro (Faria, 1997).

Na Europa Ocidental, a constituição dos Estados laicos chega com a ideia de liberdade religiosa e consequentemente os direitos do homem, da mulher, do trabalhador, das etnias, das minorias, dos animais, da natureza assim como os direitos da criança, tornam-se mais claros. Dessa maneira, a criança passou a ser considerada como parte pertencente na composição da sociedade (Wrege, 2012). Esta perdeu o caráter divertido e agradável e passou a ser educável. A aprendizagem também perdeu o seu caráter empírico e adquiriu uma forma mais pedagógica. Uma das técnicas incorporadas na época foi o castigo corporal, que começou a ser usado tanto nas escolas quanto nos ambientes familiares. O que constata Faria (1997), é que o castigo corporal estava associado à fragilidade da criança legitimando assim o adulto a exercer uma autoridade sobre ela. A pedagogia considerada tradicional compartilhava da concepção de natureza frágil da criança, e seus seguidores consideravam a índole dos garotos apodrecida, cabendo à educação disciplinar impor regras e modelos únicos através da ação direta do adulto. O reflexo da educação da época era: ‘’moralização e enquadramento da criança ’’(p.13).

O período que delimitava a primeira infância na primeira metade do século XVII era até os cinco, seis anos de idade, o que significava que aos sete anos os garotos já podiam frequentar a escola. Já a partir da segunda metade do século, preocupou-se mais com a precocidade, o que acarretou o adiamento do começo da vida escolar para crianças de dez anos, prolongando dessa maneira a primeira infância. A vida escolar era

(37)

12

até então destinada unicamente aos meninos, e as meninas aprendiam através de práticas nas casas dos próprios pais ou na casa de outras famílias, como já mencionado acima.

Os passos que demonstravam as mudanças da mentalidade em relação à criança estavam cada vez mais nítidos, resultado de um intenso processo social. Foi criado um traje especial para elas para distingui-las dos adultos, e como descreve Souza (2007), era uma vestimenta mais solta, pensada nas crianças, apropriada para elas poderem brincar. O estabelecimento de um traje destinado apenas para as crianças e o castigo corporal para os meninos, representaram os primeiros sentimentos particulares da infância provenientes da época. Se a concepção sobre a criança era associada a um mini adulto, neste momento histórico, a criança passa a ser vista como um ser específico (Brás, 2011).

Um dos motivos que desencadeou novas reflexões sobre a figura da criança relaciona-se com a evidente influência proporcionada pelo grande filósofo – Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), a pedagogia. Como visto anteriormente, as práticas e teorias educativas eram baseadas unicamente nos interesses da vida social adulta. Rousseau (1981) argumenta que ‘‘desde os tempos antigos, não existiu nem se quer um grito contra a prática estabelecida, sem que ninguém se proponha a pensar em uma melhor’’ (p: 31). Com um grito de insatisfação, o filósofo percebeu que não se conhecia a infância e que existiam falsas ideias sobre esta fase da vida. Nas suas palavras, os mais sábios se interessavam apenas por aquilo que era importante para o homem, sem considerar que as crianças estavam em estado de aprender. Rousseau dizia que a importância da infância estava no âmbito do processo de sobrevivência da espécie humana, e sobre a criança, ele afirma que ‘’uma criança é menos forte do que um homem; carece de força e de razão, mas vê e ouve tão bem como ele ou quase como ele ’’ (p: 148). Ao contrariar o pensamento da época, o filósofo defendia que as necessidades da criança deveriam ser a centralidade da educação. No romance Emilio, ele descreve um método de educação no qual deveria acontecer de maneira natural. Em seu livro descreve:

‘’Observe a natureza e siga o caminho que ela lhe traça. Ela atua continuamente sobre as crianças; amadurece seus temperamentos mediante provas de toda classe; ensina-te em seu tempo o que é pena e dor. ‘’(...) A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens. Se a gente pretende alterar essa ordem, produziremos frutos precoces, que não teriam nem maturidade, nem sabor e que brevemente se corromperiam’’ (Rousseau, 1981, p: 47).

(38)

13

Ancorada em tal pensamento, Mariana Wrege (2012) interpreta que a palavra ‘’natural’’ pode possuir três significados: o que seria oposto ao social, a valorização da espontaneidade da criança e dos seus processos de crescimento, e um contato com aquilo que não é considerado urbano, ou seja, mais genuíno.

Para Silva (2005), a educação natural formulada por Rousseau foi uma tentativa de mostrar como as paixões, se liberadas das imposições colocadas pela opinião social, poderiam ser moralmente certas. A bondade natural do homem estava presente na liberdade dele, sobretudo na liberdade das paixões. Como escreve o filósofo no seu livro ‘’Emilio’’, o bem-estar da liberdade estancava muitas feridas.

Outra característica do pensamento filosófico rousseauniano era a ênfase dada à importância de se educar no presente, pois o futuro da criança não era visualizado por ela. Nas suas palavras: ‘’O que é preciso pensar de uma bárbara educação que sacrifica o presente a um futuro incerto?’’ (Rousseau, 1981:83). A infância possui os seus modos de ver, de pensar e de sentir que lhes são próprios. A pedagogia rousseauniana desvencilhou-se das visões de Agostinho e Descartes, pois, para os dois pensadores, a desvinculação precoce da condição da criança seria benéfica para o indivíduo‘’(Carvalho, 2003).

As contribuições de Rousseau foram um grande avanço no campo educacional, pois começou assim a dar-se mais visibilidade à criança como ser distinto do adulto, com suas próprias características e necessidades. A valorização da infância desencadeou no campo da educação uma atenção maior à criança, destinando-lhe uma educação especial e única.

Com a centralidade da criança no processo educativo, elaborou-se uma teorização da pedagogia cada vez mais próxima ao valor da infância. O cenário contemporâneo iniciado a partir do século XVIII com a Revolução Francesa ficou conhecido devido às suas grandes transformações com as preocupações da população em renovaram a organização da sociedade ocidental que passou por diversas mudanças. O aumento da urbanização e da industrialização acarretou mudanças na organização e na estrutura das famílias também. A criança ganhou destaque e passou a ser debatida pelo povo, ou seja, a infância foi tida como interesse da sociedade e passando assim a ser abraçada como sujeito autêntico (Formosinho, 1996). Houve um notável aumento da

(39)

14

taxa de mortalidade infantil, o que tornou compensador investir nas crianças. O que podemos constatar é que no século XVIII iniciou-se a construção da infância moderna, assumindo o caráter de liberdade, autonomia e independência da criança (Frota , 2007).

As transformações vigentes do final do século XVIII contribuíram para o desenvolvimento mesmo que lento no início do século XIX para a chamada educação de infância (Formosinho, 1996). Uma primeira abordagem nesta nova área da educação teve origem nos EUA e estava endereçada a matricular a criança na escola primária, mesmo não sendo exclusiva para crianças menores, e sendo reconhecida como pioneira na forma de programa educativo. Nessa época não era necessário um currículo especifico para as crianças pequenas, pois não havia distinção significativa entre estas e as mais velhas. A definição de primeira infância abrangia, nessa época, dos zero aos oito anos de idade. A educação infantil desenvolveu-se com o tempo graças à premissa de que as crianças mais novas possuíam diferenças em relação às mais velhas, e por isso a educação deveria ser diferente também.

Com o investimento ampliado em relação à infância no início do século XX, levantaram-se preocupações em relação a abusos e maus tratos à criança dando início a um processo de construção de direitos a ela (Brás, 2011). Desse modo:

‘’Tendo presente que a necessidade de garantir uma protecção especial à criança foi enunciada pela Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança (5) e pela Declaração dos Direitos da Criança adoptada pelas Nações Unidas em 1959 (2), e foi reconhecida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (nomeadamente nos artigos 23.o e 24.o) 4, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais s (nomeadamente o artigo 10.o ) e pelos estatutos e instrumentos pertinentes das agencias especializadas e organizações internacionais que se dedicam ao bem-estar da criança’’(Concessão dos Direitos da Criança, 1989, p: 4).

A criança, como sujeito em construção de direitos, passa a fazer parte das influências que dão força aos estudos e pesquisas sobre a infância na área cientifica dando origem a novos discursos sobre ela.

Em pleno século XX, o chamado movimento da Escola Nova toma força, sendo este formado por pedagogos como Maria Montessori, Célestin Freinet, Adolphe Ferrière, John Dewey, Robert Cousinet, entre outros. Opondo-se ao modelo tradicional alimentado nos séculos anteriores que tinha como função instruir o aluno, os pedagogos

(40)

15

do Movimento da Escola Nova, inspirados pelas ideias rousseaunianas, reconheciam a necessidade e a importância de colocar o aluno como centralidade do seio escolar (Trindade, 2012). Eles lutavam pela substituição do autoritarismo pela democracia, e dos valores chamados conservadores pelos ideais de justiça. Onde havia o desrespeito, existiria o amor e o carinho (Singer, 2010). Os pedagogos da Escola Nova buscavam uma nova proposta para a educação na qual a criança seria a única realidade em torno da qual tanto a programação escolar quanto a atividade do professor eram realizados (Ceac, 1997).

O contexto político pedagógico da época contribuía para investigações em diferentes áreas de atuação sobre a criança cujos resultados estavam na sua maioria relacionados à visão otimista dos escolanovistas. As incertezas sobre a infância foram retratadas através das pesquisas psicológicas, como foi o caso dos estudos de Jean Piaget, teórico especializado na Psicologia do desenvolvimento infantil, assim como nos estudos de Lev Vygotsky, que também ficou conhecido. Ambos descrevem como ocorre a construção do conhecimento da criança, porém partem de diferentes pressupostos filosóficos e marcos teóricos na sua discussão sobre o conhecimento. Piaget, orientado pela sua formação em Biologia, defendia a constituição de uma epistemologia científica. Sem a presença de influências filosóficas ou ideológicas, este tinha como principal objetivo esclarecer a atividade científica a partir de uma psicologia da inteligência que teria como centralidade a construção do pensamento racional. Nas palavras de Piaget (1978):

‘’ Podemos distinguir dois aspectos no desenvolvimento intelectual da criança. Por um lado, o que podemos chamar o aspecto psicossocial, quer dizer tudo o que a criança recebe do exterior, aprende por transmissão familiar, escolar, educativa em geral; e depois, existe o desenvolvimento que podemos chamar espontâneo, que chamarei psicológico, para abreviar, que é o desenvolvimento da inteligência mesma: O que a criança aprende por si mesma, o que não lhe foi ensinado, mas o que ela deve descobrir sozinha; e é isso essencialmente que leva tempo ‘’ (p: 211).

As intenções tanto sócio históricas quanto sócio interacionistas de Vygotsky irão apontar para uma direção diferente da perspectiva evolucionista do conhecimento defendida por Piaget. Vygotsky, com a sua formação baseada em um largo conhecimento da filosofia e literatura europeia e americana, pode pensar em uma psicologia historicamente fundamentada, através do processo de mudança na história do

(41)

16

sujeito. Ou seja, as preocupações do teórico centravam-se em buscar quais os aspetos da dinâmica da sociedade e da cultura teriam influências no percurso do desenvolvimento do sujeito. Portanto, enquanto Piaget buscava compreender as estruturas do pensamento através do mecanismo interno que as produz, Vygotsky procurava compreender de que maneira se dá a interferência do mundo externo e do mundo interno, ou como a transformação da natureza sócio cultural torna-se a natureza psicológica (Henriques, 1993).

Os estudos sobre o desenvolvimento físico e mental da criança tiveram grande aprofundamento na Alemanha, na Suiça e nos Estados Unidos com autores de referência, como Jonh Dewey, Heinrich Pestalotzzi e Adolphe Ferrière, e repercutiram-se posteriormente noutros paírepercutiram-ses. Estes não eram barepercutiram-seados na experiência e sim na observação e, segundo Kandel (1961), causaram profundas mudanças em relação à natureza do crescimento da criança e no despertar do interesse e do processo de aprendizagem.

1.3 As crianças como atores sociais- As contribuições da Sociologia da Infância

Além do contributo dos estudos feitos por investigadores da pedagogia e da psicologia, o campo da sociologia também atribui à criança um novo papel diante da sociedade. Começa-se a pensar na criança como ator social, capaz de participar de maneira igual aos adultos em seus contextos e capaz de produzir culturas e significados (Muller e Hassen, 2009). Nesse sentido, analisaremos de maneira mais detalhada algumas das contribuições da então denominada: Sociologia da Infância.

Segundo Sarmento (2005), o desenvolvimento e a legitimação da sociologia da infância como um campo científico estão em curso em todo mundo desde há pouco mais de uma década. Seu desenrolar acompanha os progressos do plano internacional em que a sociologia da infância tem o seu reconhecimento com o mais recente Comitê de Pesquisa da Associação Internacional da Sociologia (ISA).

Este autor propõe considerar a infância como um objeto sociológico que vai além das perspectivas biológicas e psicológicas. Estas perspectivas enxergam o desenvolvimento da criança como independente da construção social. Além disso, ele surge também por se opor à concepção de infância vista como um objeto passivo de

(42)

17

uma socialização regida pela instituição, e por interrogar a sociedade a partir do momento em que se coloca a criança como objeto de investigação sociológico tendo o seu próprio direito, fazendo com que o conhecimento sobre esta aumente assim como sobre o conjunto da sociedade globalmente considerada.

O campo da sociologia da infância apresenta um desafio teórico-metodológico na busca da compreensão do social, através “das” e “com” as crianças. Dessa forma, esta vem ganhando espaços significativos nos debates recorrentes no cenário internacional. Pensar as crianças como atores sociais, implica pensar acerca dos conceitos de socialização no âmbito sociológico. A noção de socialização discutida no campo da sociologia da infância instiga a compreender as crianças como atores sociais, por serem capazes de produzir e reproduzir culturas, mesmo inseridas no mundo adulto (Delgado e Muller, 2005).

Agostinho (2010) acredita que as crianças são vistas como atores já que elas interagem, negociam e compartilham culturas com os adultos e entre pares, contribuindo assim com a Pedagogia da Infância, no sentido de pensar o “ofício de criança” na pré-escola.

Ferreira (2010) afirma que para a criança ser vista como ator social, ela deve ser considerada pelo menos por uma dupla significação:

(I) São seres humanos apoderados de simbolização e reflexão, de tomada de iniciativa - não somente em sua própria vida, mas também na daqueles que elas se relacionam e as rodeiam, assim como na sociedade, quando estão presentes - e quando aprendem e assim experimentam lidar com as possibilidades e constrangimentos sociais cotidianos.

(II) Enquanto seres humanos, elas são essencialmente seres sociais capazes de reproduzir culturas e interpretar seus interesses, desejos, entendimentos, crenças e valores individuais e coletivos.

De acordo com a autora:

’’Isto significa entender a infância, simultaneamente, como uma categoria sócio - histórica geracional, como uma estrutura geracional e como um espaço social dentro do qual as crianças, enquanto atores individuais e coletivos empenhados em agir nos seus mundos de vida se constituem ativamente como crianças’’(Ferreira, 2010, p: 155).

(43)

18

Com a afirmação da infância pelas contribuições de diferentes áreas como a pedagogia, a sociologia e a psicologia, a criança passa a ser mais estudada e mais valorizada e é, como consequência, disso que alguns investigadores começaram a desenvolver programas educativos específicos para a infância. Estes programas eram, em geral, voltados para o processo educativo. Como eram desenhados por cada um dos pensadores, e baseados nas suas próprias visões sobre a infância, tinham um desenho excessivamente linear e simplista, até porque a noção de desenvolvimento infantil não era muito clara e completa. É com o passar tempo que começaram a surgir distintos e específicos modelos curriculares para a educação de infância (Formosinho 1996). Em todos aparece um tema que suscitou diálogos e diferentes opiniões entre os modelos destinados à infância, o a autonomia. Veremos no capitulo seguinte o desenho de alguns dos modelos curriculares voltados para a infância, além de algumas interpretações designadas à autonomia, por ser o tema central desse trabalho, conscientes de que se trata de um tema complexo e a merecer ser debatido nos dias de hoje.

(44)

19

CAPÍTULO II

MODELOS CURRICULARES DO SÉCULO XX E A PROMOÇÃO

DE AUTONOMIA

(45)

20

Prévia

A historia da Infância e da Educação, ao retratar importantes passagens sobre a infância e a criança ao longo dos tempos, confronta-nos com uma série de inovações e de desafios relacionados ao campo da educação infantil e que permanecem relevantes até os dias de hoje. Vimos que o movimento da Escola Nova tornou-se um novo paradigma para a educação, contribuindo com férteis iniciativas para a pedagogia da participação (Formosinho 2007). Gadotti (1997) afirma que foram os pedagogos da Escola Nova que levantaram mais alto a bandeira da autonomia na escola. Posteriormente, outros teóricos analisaram o conceito de autonomia para que cada vez mais educadores se conscientizassem sobre a sua importância no âmbito da educação. Todavia, a que autonomia nos estamos a referir?

Norteados por este questionamento, iniciaremos este capitulo II com um sucinto diálogo entre diferentes autores sobre as suas interpretações a cerca deste desafio.

Outra grande contribuição conquistada pela pedagogia e já analisada no capítulo anterior, foi o surgimento de modelos curriculares para a infância em meados do século XX e descritos por Formosinho (2007) como um ‘’instrumento de apropriação e desenvolvimento de uma gramática pedagógica posta ao serviço de aprendizagem de crianças, adolescentes, jovens e adultos’’ (p: 10), além de ser uma possível ferramenta capaz de alinhar a teoria e a prática exercidas rotineiramente pelos educadores.

Com o intuito de entender melhor as funções de um modelo curricular, apresentaremos um panorama resumido sobre o desenvolvimento de alguns modelos pedagógicos voltados para a infância, apoiado pelo contributo de diferentes autores sobre a emergência, a gênese, a progressão e a repercussão destes no âmbito da educação infantil. Em seguida, pretende-se descrever e compreender a história, a filosofia e as principais propostas de três desses modelos; de High-Scope, de Reggio Emilia e do método Montessori, todos desenvolvidos no decorrer do século XX. A sua escolha tem a ver com a convicção de que incluem a promoção de práticas pensadas na visibilidade da criança em relação à organização curricular e na importância desta como agente ativo no contexto educativo até os dias de hoje. No final da breve descrição de cada modelo, serão apresentados trechos de entrevistas realizadas com educadoras que seguem a sua prática profissional a partir das ideias do modelo em referência.

(46)

21

2.1 O conceito de autonomia

"Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser". (Paulo Freire, 2011).

De acordo com Gadotti (1997), a palavra autonomia vem do grego e significa “capacidade de autodeterminação e autorrealização”, “autoconstruir-se e autogovernar-se”. (Auto) significa a si mesmo e (Nomo) significa lei e é nesse entendimento e interpretação, que os pedagogos da Escola Nova introduziram no campo da educação a ideia de que atribuir à criança o direito à livre organização e ao autogoverno é fundamental para o seu desenvolvimento.

Citamos Adolph Ferriére (1879-1960), referência a debate proposto pela Escola Nova e responsável por estudos sobre o tema da autonomia quando afirma que a autonomia é estabelecida no decorrer da socialização da criança, sendo entendida como um processo que se fomenta a partir das relações e da interação social desenvolvida a partir de experiências vivenciadas em seu cotidiano (Ferriére, 1934).

Alinhado com este pensamento, O professor português José Pacheco (2012) explica que não existe o desenvolvimento da autonomia de maneira independente e sim na ‘’relação EU-TU’’ descrita pelo teórico Martin Buber, que enfatiza a importância do diálogo entre as pessoas ao estabelecerem um vínculo verdadeiro e sem pretensões, com o objetivo de uma pessoa engrandecer a outra. Desse modo, a autonomia se apresenta como um produto da relação, mesmo sendo destinada a cada indivíduo. No olhar do autor, a autonomia de liberdade de escolha e de expressão no meio de um sistema de trocas sociais e de relações é despertada uma vez que ”a autonomia convive com a solidariedade’’ (p: 3) É nas relações estabelecidas principalmente entre os pais e os professores que as crianças encontram os limites do controle, levando ao progresso de sua autonomia.

Este autor enuncia outros conceitos aos quais poderíamos associar a palavra autonomia: a autoestima, o autocontrole e a autodisciplina. Esses conceitos são complementares e fundamentais para o desenvolvimento da autonomia da criança, e poderão provavelmente ser descobertos por ela através de oportunidades de liberdade.

(47)

22

A ênfase atribuída ao papel do professor como promotor da autonomia da criança é citada pela maioria dos autores deste Movimento Pedagógico mesmo sob diferentes ângulos. Como coloca Delval (1991), naturalmente na escola dentro da qual se preza a autonomia do aluno, o professor não ensina, mas sim coloca as condições para que o aluno aprenda, e para que ele aprenda em conjunto com os outros alunos. Em relação ao ensino-aprendizagem, os educadores devem basear-se em conhecimentos sobre o desenvolvimento humano, porém esse conhecimento não permite decidir como deve ser de fato a educação do aluno. Uma escola preocupada em contribuir para a promoção da autonomia do aluno tem como principal finalidade aumentar a atividade voltada para a participação do educando, sendo este o fator chave na construção do conhecimento.

Já Neill (1984) numa proposta um pouco mais arrojada, argumenta que o autogoverno só será possível se o professor renunciar à sua autoridade e a toda a sua pretensão hierárquica. Neill alega que se o professor mostrar como funciona um instrumento para uma criança, estará roubando a sua alegria da vida, a alegria da descoberta e a alegria de vencer um obstáculo, fazendo com que essa criança acredite que é inferior e que deve depender de auxílio.

Paulo Freire (1921-1997), pedagogo e filósofo brasileiro considerado um dos pedagogos mais notáveis da história da pedagogia do século XX e responsável pela inspiração da realização deste meu trabalho, narra em duas de suas obras a importância da autonomia, alegando é primordial que este se desenvolva na educação.

Em ‘’A pedagogia da autonomia’’, Freire (2011) afirma ser de grande importância a existência de uma inter-relação entre educador-educando para que o educando seja o construtor e o produtor do seu saber e consequentemente o educador evite apenas transferir conhecimentos ao aluno, fenômeno descrito pelo autor como educação bancária. O educador deve substituí-la por uma educação em que ambos aprendam juntos e que valorize a curiosidade, pois sem ela não existiria a criatividade e a capacidade crítica do educando.

O professor que não respeita as curiosidades, os gostos, as inquietudes, e que ironiza sobre as produções e a atitude do aluno, está desrespeitando a sua autonomia e a sua dignidade. Para o autor, estes conceitos são imperativos éticos, e não simplesmente um favor que devemos cumprir. É nesse sentido que Freire esclarece que o professor autoritário afoga a liberdade do educando, diminuindo o seu direito de ser curioso e

Referências

Documentos relacionados

disciplina que compreende a religião como parte da cultura e que busca explicar as semelhanças e as diferenças entre fenômenos religiosos em sociedades diversas. No desenvolvimento

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

Assunto: Criação de Varas do Trabalho e de cargos de juízes e servidores no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região Processo: CSJT-PP

Houve interação estatisticamente significativa entre época de semeadura e estirpe de vírus para o número de grãos, percentagem de sementes manchadas e grau de mancha na cultivar

Devido às características do Sistema Brasileiro, o Planejamento da Operação de Sistemas Hidrotérmicos de Potência (POSHP) pode ser clas- sicado como um problema de

Disse que os danos materiais requeridos pelo autor, qual seja, a restituição da integralidade do valor pago pela passagem não merece prosperar pois o trecho não cumprido foi

Em relação à faixa etária, os jovens realizam mais a variante semáforo enquanto os idosos preferem sinaleiro, mantendo o mesmo direcionamento dos demais estados