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Cadernos 20 - 2003

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Cadernos de

Sociomuseologia

Centro de Estudos de Sociomuseologia

Manuelina Maria Duarte Cândido

ONDAS DO PENSAMENTO MUSEOLÓGICO

BRASILEIRO

ULHT

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AGRADECIMENTOS:

Agradeço à minha família, pelo apoio e incentivo;

Aos amigos e ex-colegas de Especialização que de alguma forma colaboraram com este trabalho e que foram muito companheiros quando de sua elaboração: Luciana, Gabriela, Gilberto, Tadeu, Álvaro, Tamima, entre outros;

À Kátia Felipini pela amizade e pela troca de idéias;

A todos os professores do Curso de Especialização em Museologia da USP, especialmente ao Marcelo Mattos Araújo, que disponibilizou o material referente a Waldisa Russio essencial para a pesquisa;

Aos museólogos estudados, sobretudo Maria Célia Santos e Mário Chagas, que se dispuseram com muita generosidade a enviar todo o material necessário e a abrir suas biografias e sua produção intelectual;

À Cristina Bruno, que orientou o trabalho e foi também objeto de estudo, pela indicação e empréstimo de fontes e pela sugestão de publicação junto à Lusófona;

À VITAE – Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social, pela bolsa concedida durante a Especialização;

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À Judite Primo e ao Mario Moutinho pela persistência na organização das publicações da Lusófona e, portanto, na divulgação da Museologia em língua portuguesa;

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Agradeço especialmente ao Gabriel, que com muita paciência e carinho acompanhou de perto a elaboração da versão original deste trabalho.

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Dedico ao meu irmão: Magno José Duarte Cândido, modelo de dedicação e disciplina difíceis de alcançar.

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Índice:

RESUMO

APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1

1.1. Vagues – a antologia da Nova Museologia CAPÍTULO 2

2.1. O Brasil em Vagues 2.2. Seleção

2.3. Resenhas

CAPÍTULO 3

3.1. Novas ondas do pensamento museológico brasileiro CONSIDERAÇÕES FINAIS 09 11 17 37 57 61 63 189 243 249

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RESUMO:

Este trabalho teve origem a partir da observação da limitada representação da Museologia brasileira na obra “Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie”, organizada por André Desvallées (1992-1994). É uma revisão do pensamento museológico brasileiro com o objetivo de localizar a produção ausente naquela antologia.

Como universo para análise, destacamos a obra de seis autores, selecionados pela relevância de sua produção acadêmica e bibliográfica, de suas experiências na aplicação da Museologia e de sua participação na formação profissional em Museologia: Waldisa Russio, Cristina Bruno e Heloisa Barbuy (São Paulo); Maria Célia Santos (Bahia); Mário Chagas e Teresa Scheiner (Rio de Janeiro).

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APRESENTAÇÃO

A versão original do trabalho que ora apresentamos é a monografia de conclusão do Curso de Especialização em Museologia (CEMMAE) da Universidade de São Paulo, produzida em 2000. Em 2001, no Encontro Internacional do ICOM1 em Barcelona, surgiu a idéia de uma publicação que reunisse a tradução em língua portuguesa de Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie”, obra de André Desvallées (1992-1994), nosso trabalho sobre o pensamento museológico brasileiro e um similar que analisasse o pensamento museológico português.

A Universidade Lusófona, como é sabido, tem realizado há mais de uma década um trabalho ímpar de divulgação da produção na área da Museologia em língua portuguesa. Fatores operacionais levam a que se agilize a publicação do presente trabalho, sem que isso invalide a idéia de ter mais tarde a tradução de Vagues e a elaboração de uma pesquisa em Portugal com objetivos semelhantes aos nossos. Tais iniciativas serão de extrema importância para fortalecer as bases da reflexão museológica em nossos países.

A base desta publicação é, portanto, a monografia. Procedemos apenas a algumas correções e adaptações. A alteração

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mais substancial foi a retirada de um anexo que consistia em um quadro comparativo da produção (ano a ano) dos museólogos estudados. Tal quadro, além de extenso, desatualiza-se constantemente, daí a opção pela supressão.

* * *

A Museologia, disciplina aplicada voltada à experimentação, sistematização e teorização do conhecimento produzido em torno da relação do homem com o objeto no cenário institucionalizado dos museus, tem sofrido profundas alterações no que diz respeito à consciência da necessidade de repensar os museus tradicionais e desencadear novos processos de musealização.

Experimentações as mais variadas, bem como reflexões e debates os mais acalorados têm ocorrido sem que isto recaia, necessariamente, numa produção acadêmica correspondente. Esta constatação evidencia lacunas no que diz respeito à sistematização e posterior teorização no âmbito destas novas tendências do pensamento e da ação museológicos.

Desde a década de 70 profundas transformações têm ocorrido na Museologia e, como marco disto, a Mesa Redonda de Santiago do Chile de 1972 considerou como sua prioridade a intervenção social. O impacto desta Mesa Redonda, organizada pela Unesco, a respeito do "Papel do Museu na América Latina",

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a, no entender de Desvallées (1992), ao lado do colóquio "Museu e Meio Ambiente" (França, 1972) entre os momentos fundadores da chamada Nova Museologia2, que remontaria, no máximo, às jornadas de Lurs, em 1966, onde se iniciou a gestação do conceito de ecomuseu, mais tarde elaborado por Georges Henri Rivière e Hugues de Varine-Bohan.

A Declaração de Quebec (1984), surgida conjuntamente à criação do MINOM – Movimento Internacional para uma Nova Museologia, é, no entender de Mário Moutinho a contribuição para o reconhecimento pela Museologia do direito à diferença.3

Em 1992, nova e profunda revolução nas bases da disciplina museológica ocorre em Caracas, onde são reafirmados a prioridade à função sócio-educativa do museu, o estímulo à reflexão

2 Segundo Peter Van Mensch, em aulas ao CEMMAE (02 a 06/10/2000), o mundo dos museus passou por duas revoluções. A primeira, no final do séc. XIX, trouxe, entre outros elementos, a organização profissional, os códigos de ética e notáveis transformações nas exposições, p. ex., com a primazia da quantidade dando lugar à oportunização do diálogo do público com os objetos expostos. A segunda, nos anos 70, foi chamada New Museology, quando a base da organização das instituições museológicas passou das coleções para as funções, além da introdução de um novo aparato conceitual, do qual destaca o museu integrado. Esta chamada Nova Museologia é hoje compreendida mais como um movimento renovador que como outra Museologia, e já tem, no mínimo, 30 anos. Ainda assim, para diferenciá-la da Museologia tradicional, utilizaremos nesse trabalho o termo Nova Museologia, para nos referirmos a esta faceta renovada da Museologia, conceitualmente ampliada e socialmente engajada, surgida por volta da década de 70 do século XX.

3 MOUTINHO in ARAUJO, Marcelo Mattos; BRUNO, Cristina (orgs.). A memória do pensamento museológico brasileiro: documentos e depoimentos. Comitê Brasileiro do ICOM, 1995. p. 29.

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e ao pensamento crítico e a afirmação do museu como canal de comunicação.4

Por outro lado, as reflexões da Museologia também apontam para a compreensão da cultura como criadora das condições necessárias para o desenvolvimento e, portanto, sua preservação como fator indispensável para tal e trabalha-se com a hipótese de que esta disciplina desenvolve aí suas potencialidades. Baseada no rompimento com a idéia de coleção como fonte geradora dos processos museológicos, ela permite vislumbrar a possibilidade de integrar outros aspectos do patrimônio e potencializar a ação interdisciplinar.

Em meio a tal ampliação conceitual, porém, os resultados têm sido experimentos localizados, profícuas aplicações ainda pouco debatidas, analisadas e sistematizadas, notadamente no Brasil. Aqui, as lacunas na formação de profissionais e o reduzido diálogo entre estes alargaram ainda mais o vácuo na produção científica e na sistematização do pensamento dessa área.

Encontramos na bibliografia internacional diligências no sentido de uma sistematização da produção da Nova Museologia, como os dois volumes de “Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie”, organizada por André Desvallées (1992-1994), em

4 DESVALLÉES, André. Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie. Paris: W M. N. E. S., 1992. Vol. 1. p. 15-16.

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capítulos que apresentam o que seria um apanhado geral de reflexões e teoria e de experiências e práticas.

Em língua portuguesa os vazios tornam-se mais evidentes, pois mesmo aspectos mais tradicionais da Museologia ainda carecem de maiores análises e de publicações, para que se ampliem os debates e a divulgação da informação. A parca – embora crescente – produção acadêmica e a inexistência de traduções de alguns documentos fundamentais têm gerado dificuldades de avanços na área, a despeito de iniciativas pontuais às quais este trabalho vem se juntar, como a engrossar o coro por uma ordenação sistemática do pensamento museológico que anteceda e dê base às reflexões teóricas5.

A limitada representação da Museologia brasileira na mencionada antologia da Nova Museologia6 motivou uma revisão do

5 Exemplos significativos deste esforço de preenchimento das lacunas na bibliografia em língua portuguesa são a organização de “A memória do pensamento museológico

contemporâneo” (ARAUJO e BRUNO, op. cit.), com a reunião e tradução de

documentos fundamentais como as declarações de Santiago, Quebec e Caracas – acompanhados de textos-comentários; e a publicação dos Cadernos de Sociomuseologia pela ULHT, raro caso de continuidade nas publicações desta área em português e onde aparecem textos brasileiros que em território nacional não chegam a obter o mesmo espaço. Em número recente, apareceu a organização de textos fundamentais de Museologia e Patrimônio: PRIMO, Judite (org.). Museologia e Património: documentos fundamentais. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, 1999. Cadernos de Sociomuseologia, 15. 6 Esta representação se resume ao texto de Fernanda de Camargo e Almeida (como se assinava Fernanda de Camargo-Moro) no v. 2 de Vagues, no capítulo referente às experiências e práticas: ALMEIDA, Fernanda de Camargo e. “Le musée des

images de l’inconscient – Une expérience vécue dans le cadre d’um hôpital psychiatrique à Rio de Janeiro” (1976), in DESVALLÉES, 1994, op. cit. p.

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pensamento museológico nacional no sentido de localizar uma produção que foi olvidada em tal iniciativa e trazer à luz uma parcela da produção brasileira dispersa em teses, anais e documentos de encontros, revistas e livros. Nosso trabalho se justificou, então, pela ausência de revisão sistemática da produção bibliográfica nacional acerca da chamada Nova Museologia.

Como recorte para análise da produção brasileira, relacionamos seis autores que se destacam pela relevância de sua produção acadêmica e bibliográfica, de suas experiências na aplicação da Museologia e de sua participação em programas de formação profissional nesta área existentes até a atualidade no Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo. São eles: Teresa Scheiner e Mário Chagas (RJ); Maria Célia Santos (BA); Waldisa Russio, Cristina Bruno e Heloisa Barbuy (SP).

A vastidão do tema e a multiplicação constante da bibliografia nos remetem à idéia de ondas. Da inspiração de Vagues trouxemos também a noção da continuidade, do infindável. Encontramos nas palavras das responsáveis pela publicação de Vagues, Marie-Odile de Bary e Françoise Wasserman, a metáfora do movimento perpétuo, que dá origem a outras vagas. E nela também o mas também de autoria de um brasileiro, o educador Paulo Freire, intitulado “L’éducation, pratique de la liberté (La société brésilienne en transition)” (1971). A influência do pensamento de Paulo Freire para este movimento de renovação da Museologia já se fazia notar no convite a ele feito para a presidência da Mesa-Redonda de Santiago do Chile, episódio esclarecido mais adiante. Algumas de suas

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conforto para as limitações e para a impossibilidade de respostas instantâneas a todas as perguntas que surgiram no decorrer desta pesquisa.

Organizamos nosso trabalho a partir de uma introdução que procura construir um painel do pensamento museológico internacional com base em um recorte específico que privilegia alguns marcos do movimento da Nova Museologia: os documentos de Santiago, Quebec e Caracas, e o documento final do Seminário Regional da UNESCO do Rio de Janeiro, de 1958.

O primeiro capítulo realça em Vagues as principais matérias de discussão que servirão como parâmetros, juntamente com os citados documentos, para confrontar adiante as idéias em circulação no mundo museológico com o discurso da Museologia brasileira.

O segundo localiza na antologia as poucas participações brasileiras, e resenha algumas obras relevantes dos museólogos estudados aqui para fundamentar, no último capítulo, a análise de seu pensamento e a existência em sua produção de conceitos que justificariam sua presença naquela obra.

idéias seriam mais tarde incorporadas por museólogos brasileiros ao se referirem ao

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INTRODUÇÃO

Cabe, nesta introdução, apresentar um panorama do pensamento museológico internacional, que pretendemos basear nos documentos do Rio de Janeiro (1958)7; no de Santiago (1972), que formalizou a introdução do conceito de museu integral; no de Quebec (1984), ao qual coube a sistematização dos princípios da Nova Museologia; e no de Caracas (1992), que realizou uma avaliação crítica desse percurso, reafirmando o museu como canal de comunicação.

Este recorte privilegia documentos que constituíram três dos principais marcos do movimento da Nova Museologia – Cartas de Santiago, Quebec e Caracas – e o documento final do Seminário Regional da UNESCO sobre a Função Educativa dos Museus, do Rio de Janeiro, que inaugura uma linha de seminários regionais e a perspectiva de pensar a Museologia a partir de olhares não europeus. São documentos fundamentais para o entendimento da renovação no cenário museológico internacional e, notadamente, na América Latina, onde a maior parte deles tomou corpo.

papel social e educativo dos museus. (FREIRE, in DESVALLÉES, 1992: 195-212) 7 Seminário Regional da UNESCO sobre a Função Educativa dos Museus, in ARAUJO e BRUNO, op. cit..

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São ainda, parcela fundamental da memória do pensamento museológico brasileiro, a ponto de terem sido alvo de um esforço de tradução e publicação, preparada para dar aporte às discussões do seminário “A museologia brasileira e o ICOM: convergências ou desencontros?”, ocorrido em São Paulo em novembro de 1995.

Nessa publicação, os documentos são precedidos pelo depoimento de um profissional que esteve presente na sua elaboração e que se destaca no cenário museológico internacional. O do Rio de Janeiro é apresentado por Hernan Crespo Toral, o do Chile por Hügues de Varine-Bohan, o de Quebec por Mário Moutinho e o de Caracas, por Maria de Lourdes Parreiras Horta.

Seminário Regional da UNESCO sobre a Função Educativa dos Museus8

Rio de Janeiro - 1958

Pontos de destaque do documento:

Este documento enfatiza várias maneiras de adequar os fatores expositivos ao aspecto educativo dos museus, no sentido de superação das barreiras que ainda o separavam do público. Evidencia

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a relação do museu com a educação e tem como contexto o período desenvolvimentista.

Objetiva a definição de conceitos como museu, Museologia e museografia, reflexo de uma preocupação contemporânea de definir as especificidades da Museologia.

Sobre a exposição, define-a como meio específico dos museus; diferencia exposições ecológicas (contextualização e reconstituição) e sistemáticas (agrupamento de objetos por categorias); discute a exposição polivalente x exposição especializada: opção ou não pela exposição explicativa diante de um público heterogêneo9; por fim, refere-se às questões sobre ambiente sonorizado. Em todos os casos, a preocupação com o conforto, o entendimento e a participação de diferentes públicos, é a tônica.

É destacado o valor didático da exposição em diferentes tipos de museus: lugares naturais; lugares de interesse cultural e monumentos históricos; museu ao ar livre; parques botânicos e zoológicos; museus de arte e arte aplicada; museus históricos, etnológicos e de artes populares; museus de ciências naturais; museus científicos e técnicos. O documento é concluído com a afirmação de que a exposição terá sempre valor didático, se respeitar

9 O documento sugere diversas exposições especializadas, destinadas uma para cada tipo de público, além de “exposições de estudo” para especialistas.

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as condições de ser lógica, agradável e propositiva, ao invés de impositiva.

Comentários de Hernan Crespo Toral10:

Segundo Hernan Crespo Toral, que na ocasião do seminário de 1995 era diretor da Oficina Regional da Cultura para a América Latina e Caribe, ORCALC/UNESCO, em Havana, o seminário teria sido momento para uma exaustiva revisão de todos os temas relacionados aos museus, sendo que as discussões centraram-se no caráter científico da Mucentraram-seologia, enquanto que a mucentraram-seografia foi definida como a técnica a ela associada.

O seminário ressaltou o objeto como cerne do museu e a utilização de todos os recursos disponíveis para potencializar a relação sujeito-objeto. Além disso, recomendou à UNESCO o apoio à formação profissional em Museologia e ao desenvolvimento de atividades educativas nos museus.

Foi enfatizada a importância da dinamização do museu perante a sociedade e seus papéis transformador e de desenvolvimento. O documento insistiu ainda na relação museu-escola, tendo aquele a possibilidade de exibir a concretude de conceitos que são ensinados de maneira abstrata.

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Mesa-Redonda sobre o Papel do Museu na América Latina11 (organizada pela UNESCO)

Santiago do Chile – 1972

Pontos de destaque do documento:

Este documento é reconhecido como a mais importante contribuição da América Latina para o pensamento museológico internacional12 e sua importância decorre especialmente da inserção, nas discussões, da questão do papel social dos museus.

As resoluções então adotadas referem-se a uma mutação do museu na A.L. que acompanhasse as rápidas transformações sociais, econômicas e culturais e contribuísse para a formação de consciências. Note-se que ao contrário de radicalismos porventura decorrentes de leituras apressadas do documento, ele propõe a manutenção das instituições já existentes, mesmo nesse processo de transformação. E enfatiza uma transformação necessária na própria mentalidade dos profissionais de museus, bem como a adequação desse novo modelo de museu à ação localizada.

São decisões gerais: a opção pela interdisciplinaridade; os esforços para recuperação e uso social do patrimônio; a

10 TORAL, in ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 8-10. 11 ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 20-25.

12 Anotações de aula do CEMMAE referentes ao seminário de Peter Van Mensch dias 02 a 06/10/2000.

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acessibilidade às coleções; a modernização da museografia; a implantação de avaliações institucionais; o aperfeiçoamento da formação profissional na A.L.; o destaque, em todos os aspectos da ação museológica, para a responsabilidade com a conscientização da sociedade sobre suas problemáticas.

É proposta a criação de uma Associação Latino-Americana de Museologia como possibilidade de superação das dificuldades de comunicação entre profissionais e entre instituições e do não reconhecimento pleno do potencial dos museus.

São apresentadas recomendações à UNESCO:

Além das recomendações relacionadas ao conceito de museu integral13, à formação profissional, à utilização educativa dos museus e à preservação do patrimônio natural, há a recomendação pela produção de um livro de caráter científico e um vídeo para divulgação mais ampla, ambos versando sobre a questão urbana na América Latina14.

13 Será discutido mais adiante.

14 Note-se a importância dada à intervenção do arquiteto argentino Jorge Enrique Hardoy nesta mesa-redonda, quando, sem exatamente estar falando dos museus, mas da vida urbana, provocou, segundo Desvallées (1992), abalos nas certezas dos profissionais de museus então presentes. A discussão, que Hardoy retoma dois anos depois, na 10a Conferência Geral do ICOM em Copenhague, referia-se ao papel dos museus na sociedade diante do processo mundial de urbanização. (HARDOY, 1974,

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A respeito da Mesa-Redonda de Santiago – Comentários de Hugues de Varine-Bohan15

Hugues de Varine, diretor do Ecomuseu do Creusot, na França, ex-presidente do Conselho Internacional de Museus - ICOM/UNESCO, identifica os precedentes desta mesa-redonda. Seriam eles: a Conferência Geral do ICOM de 1971 na França, que trouxe a revisão dos estatutos e da definição de museu, a afirmação da importância do meio ambiente e da função política dos museus; e a fala de Mário Vasquez (México), em Grenoble, quando questionou o papel do museu na sociedade.

A discussão de Santiago sobre o papel dos museus na América Latina se insere na linha de seminários regionais semelhantes que já ocorria desde 1958 (Rio de Janeiro), a seguir em 1964 (Jos - Nigéria) e 1966 (Nova Delhi).

Varine menciona que Paulo Freire chegou a ser indicado para presidir a mesa-redonda, mas foi vetado pelo delegado brasileiro da UNESCO. Essa responsabilidade acabou sendo dividida entre quatro coordenadores, sendo que o argentino Jorge Enrique Hardoy, especialista em Urbanismo, destacou-se devido às suas reflexões sobre a realidade da explosão urbana, que estava à margem das preocupações dos museólogos, até então. Em uma semana, com base nestas reflexões e em outros esclarecimentos sobre o mundo urbano e

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rural dados pelos outros três especialistas, foi gestado, em espanhol, o conceito de “museu integral”.

O autor considera como maiores inovações do documento, as considerações sobre o museu integral e museu enquanto ação. E, em oposição às tradicionais tarefas de coleta e conservação, o “conceito de patrimônio global a ser gerenciado no interesse do homem e de todos os homens”.16

Em suas considerações, entretanto, afirma que afora algumas experiências como museus comunitários no Brasil e no México, não houve muita mudança na América Latina, e nos demais países o impacto dessa Mesa-Redonda foi tardio (anos 80), à exceção da experiência do Museu da Comunidade de Creusot-Montceau. A Conferência de Caracas seria uma retomada dessas idéias.

Segundo ele, hoje os museus retomaram duas situações que estavam embrionárias em Santiago: o surgimento de “museologias nacionais ‘incultas’”, com base na formação universitária, e a multiplicação de museus locais por iniciativas comunitárias. E além disso, os museus assumiram hoje suas responsabilidades como instrumento de desenvolvimento e seu papel social, bem como a responsabilidade política do profissional museólogo.

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Princípios de Base de uma Nova Museologia17

Declaração de Quebec – 1984

Pontos de destaque do documento:

Documento fundador do MINOM – Movimento Internacional para uma Nova Museologia, a Declaração de Quebec remete à Mesa-Redonda de Santiago do Chile como suas origens.

A tomada de posição se baseia na reflexão sobre as transformações ocorridas no cenário museológico internacional. Dela decorrem: o reconhecimento da necessidade de ampliar a prática museológica e de integrar nessas ações as populações; a convocação ao uso da interdisciplinaridade e de métodos modernos de gestão e comunicação; e a priorização do desenvolvimento social.

São resoluções desta Declaração: o convite ao reconhecimento desse movimento e das novas tipologias de museus; a ação junto aos poderes públicos pela valorização de iniciativas locais baseadas nesses princípios; a criação de estruturas internacionais do movimento – que pretendiam que fossem um comitê “Ecomuseus / Museus Comunitários” no âmbito do ICOM e uma federação internacional da Nova Museologia a ele associada – ; e a formação de um GTP (Grupo de Trabalho Provisório) para formulação dessas estruturas.

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Comentários de Mário Canova Moutinho18

Mário Moutinho, diretor do Centro de Estudos de Sociomuseologia da ULHT e ex-presidente do MINOM/ICOM, participou do Ateliê Internacional Ecomuseus – Nova Museologia, em Quebec, 1984. Este ateliê teve como precedentes a Reunião de Londres de 1983, onde o ICOFOM rejeitou formalmente a existência de práticas museológicas afastadas do quadro museológico instituído; e o Ateliê no Ecomuseu de Haute Beauce, Canadá (1983), dedicado a Georges Henri Rivière, que deu início à preparação da Declaração de Quebec e do ateliê de 1984, com os objetivos de intercâmbio e incentivo a novas experiências museológicas.

O fundamento destas novas experiências deveria ser o de uma Museologia de caráter social em oposição ao colecionismo. Há o reconhecimento de diversas formas de expressões museais (museus comunitários, museus de vizinhança, etc.), além dos ecomuseus, como processos da Nova Museologia.19

Aspectos desta Nova Museologia: testemunhos materiais e imateriais serviriam a explicações e experimentações, mais que à formação de coleções; destaque para a investigação social enquanto identificação de problemas e de soluções possíveis;

18 MOUTINHO, in ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 26-29. 19 ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 26-27.

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objetivo de desenvolvimento comunitário; o museu para além dos edifícios – inserção na sociedade; interdisciplinaridade; a noção de público dando lugar à de colaborador; a exposição como espaço de formação permanente ao invés de lugar de contemplação.

O autor procura apresentar exemplos desta nova prática museológica, quais sejam: Museu Nacional do Níger (construção da identidade nacional), museus de vizinhança nos EUA, Casa del Museo (questões da vida cotidiana e caráter popular), exposições populares na Suécia, museus de Arqueologia Industrial no Reino Unido (apropriação pela população dos métodos da Arqueologia e História Local para preparação desses espaços para o turismo), ecomuseus (Georges Henri Rivière e Hugues de Varine e sua ação baseada na territorialidade, interdisciplinaridade e participação popular com vistas ao desenvolvimento social). “O confronto dos aspectos específicos com os aspectos formais destas museologias colocava, na verdade, a questão sobre a forma como em cada questão se resolviam ou não os problemas da interdisciplinaridade, da territorialidade e da participação popular”.20

Percebendo então a existência de um movimento museológico múltiplo (indo além dos ecomuseus), houve a decisão pela criação do Comitê Internacional “Ecomuseus / Museus Comunitários” no seio do ICOM, mas esta proposta nunca foi concretizada. A criação de uma Federação Internacional de Nova

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Museologia foi efetivada no segundo Ateliê, em Lisboa (1985), com o nome de Movimento Internacional para uma Nova Museologia (MINOM), afiliado ao ICOM.

Assinale-se essa mudança de perspectiva, com o reconhecimento pelo ICOM dos resultados do Ateliê de Quebec.

O autor entende que não houve em Quebec grande renovação conceitual, pois se retomaram idéias de Santiago, mas a contribuição é o confronto com a nova realidade museal que havia se concretizado desde 1972.

Seminário “A Missão dos Museus na América Latina Hoje: Novos

Desafios”

Declaração de Caracas – 199221

Pontos de destaque do documento:

Em 1992, em Caracas, são mantidos a prioridade à função sócio-educativa do museu, o estímulo à reflexão e ao pensamento crítico e a afirmação do museu como canal de comunicação. Este documento, é antes de tudo, uma reafirmação de princípios, uma renovação dos compromissos e uma avaliação crítica

20 MOUTINHO, in ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 28. 21 ARAUJO e BRUNO, op. cit., p. 36-45.

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desta trajetória da Museologia que estava sendo construída desde o Rio de Janeiro, em 1958.

Aspectos discutidos: a inserção de políticas museológicas nos setores de cultura; a consciência sobre o poder da Museologia no desenvolvimento dos povos; a reflexão sobre a ação social dos museus e museus do futuro; as estratégias para captação e gestão financeira; as questões legais e organizacionais dos museus; os perfis profissionais; o museu como meio de comunicação.

Seus antecedentes vêm da influência da Mesa-Redonda de Santiago. São as experiências que vinham acontecendo em diversos países naqueles últimos vinte anos, com destaque para a ação da UNESCO e de seus órgãos regionais. Outra motivação é a necessidade de atualização dos conceitos.

Sobre a América Latina e o museu há uma análise da conjuntura política internacional e menção aos processos de globalização e de desenvolvimento científico tecnológico acelerados nesta era da comunicação; além de destaque à problemática econômica da A.L. e a conseqüente crise de valores que afeta também a cultura, desencadeando deficiências nas políticas culturais. Estas questões são contrapostas à riqueza cultural e diversidade da região, havendo uma chamada à “afirmação do ser latino-americano”. A cultura aparece como instrumento de valorização do local, particular, em contrapartida à globalização, e o museu como

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fortalecedor das identidades para conhecimento mútuo entre os povos da A.L. (integração).

Os participantes consideram como desafios prioritários para os museus os aspectos: museu e comunicação; museu e patrimônio; museu e liderança; museu e gestão; museu e recursos humanos.

Museu e comunicação: museus como espaços e meios de comunicação, necessidade de definir a natureza específica deste meio e sua linguagem (exposições, articulação objeto-signos, produção de discurso não verbal) e de enfrentar o problema do desconhecimento dos códigos expositivos por parte do público. Museu como espaço para a educação permanente do indivíduo; construção da identidade, da consciência crítica, da auto-estima e da qualidade de vida. Necessidade de orientação do discurso para o presente – processo interessando mais que o produto – e de investigações mais profundas sobre a comunidade em que está inserido o museu. Aproveitamento da experiência dos meios de comunicação de massa, mas com o museu sendo alternativa a eles. Busca de ação integral, democrática e participativa.

Museu e patrimônio: recomendam a atualização da legislação patrimonial; a valorização e contextualização do entorno; a reformulação das políticas de musealização, mais de acordo com a comunidade na qual se inserem; a potencialização dos recursos

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humanos e materiais; o melhor controle da informação sobre acervos – sistemas de inventário; a aproximação com instituições e colecionadores particulares e contribuição para a preservação destes acervos; a relação de apoio e estímulo às iniciativas civis de preservação; a manutenção do papel de guardião do patrimônio pelo Estado; o estímulo à participação comunitária.

Museu e liderança: são feitas recomendações relativas ao patrimônio ser instrumento de conscientização da comunidade e a que o museu assuma sua responsabilidade como gestor social, com propostas de interesse do seu público e compromisso com a realidade e com sua transformação.

Museu e gestão: necessidade de gestão eficiente dos recursos humanos e materiais. Entre as considerações, destacamos a relação das deficiências dos museus com descontinuidade administrativa e programática, falta de reconhecimento social e financeiro econômicos aos funcionários, ausência de importantes técnicos e materiais. Percepção da nova atitude das empresas privadas de investimento cultural e, em particular, nos museus, como estratégia de imagem corporativa. Após as considerações, recomendam: demarcação clara da missão; definição da estrutura organizacional de acordo com as especificidades e com mecanismos de avaliação permanente; estruturação de planos a pequeno, médio e longo prazos, com base em diagnóstico da instituição e da sociedade; busca de autofinanciamento e de investimentos do setor privado;

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obtenção de apoio da sociedade na gestão do museu; uso de estratégias de mercado para conhecimento do público e de sensibilização da opinião pública; formação em gestão museológica; e princípios éticos na gestão dos museus.

Museus e recursos humanos: prioridade para a profissionalização; observação aos aspectos da interdisciplinaridade, liderança social, gerência eficiente e comunicação adequada; capacitação dos recursos humanos; valorização social e salarial dos profissionais; programas de formação voltados para adequação dos museus aos interesses das comunidades; maior relação com o ICOM no item formação profissional.

Os novos desafios para os universos museal e museológico22 seriam, portanto, estabelecerem-se como espaços para a relação do homem com seu patrimônio com os objetivos de reconhecimento coletivo e estímulo à consciência crítica; estabelecerem canais de aproximação com os governantes para sua colaboração com o museu; desenvolverem a especificidade de sua linguagem em seus aspectos democráticos e participativos; refletirem a diversidade de linguagens culturais com base em códigos comuns e reconhecíveis pela maioria; revisarem o conceito de patrimônio passando a enfocar também o entorno; adotarem o inventário como

22 Em fala ao CEMMAE, Marcelo Araujo esclareceu a diferença conceitual entre MUSEAL e MUSEOLÓGICO, sendo aquele um adjetivo correspondente a museu e este, adjetivo relativo à Museologia. (Anotações de aula de 04/10/2000 – intervenção durante o seminário de Peter Van Mensch dias 02 a 06/10/2000)

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instrumento básico de gestão patrimonial; buscarem a valorização profissional e a formação profissional integral; estabelecerem mecanismos de administração e captação de recursos como base para uma gestão eficaz.

20 Anos depois de Santiago – Comentários de Maria de Lourdes Parreiras Horta23

Maria de Lourdes Parreiras Horta, diretora do Museu Imperial de Petrópolis e Presidente do Comitê Brasileiro do ICOM à época do seminário de 1995, apresenta seus comentários sobre a Declaração de Caracas, de 1994.

Objetivando refletir sobre a missão atual do museu como agente de desenvolvimento integral, o seminário “A Missão do Museu na América Latina Hoje: novos desafios” retomava as discussões de Santiago numa perspectiva de atualizar os conceitos então formulados, renovar aqueles compromissos, e considerar as transformações ocorridas na A.L. e a proximidade do século XXI.

Seus pontos fundamentais, segundo a autora, seriam: a retomada dos pressupostos de Santiago mas com a necessária reformulação decorrente da irreversibilidade da abertura da instituição museológica para seu entorno e realidade que a carta de

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1972 provocara. Na Declaração de Santiago haveria ainda, em seu ponto de vista, uma visão catequética sobre a função social dos museus que a de Caracas revisa. Na mesma linha de raciocínio do ponto anterior, Horta destaca, no documento de 72, a idéia de um “patrimônio global a gerir” como responsabilidade do museu, não se falando ainda da comunidade. Por outro lado, a importância, naquele momento, da discussão sobre seus papéis político, social e ideológico impede a definição mais pragmática de suas tarefas funcionais e técnicas. Entretanto, a reunião de Caracas, 20 anos depois, já encontra os museus imersos nessa nova realidade decorrente das transformações pós-Santiago. “O museu não é mais um ‘dono da verdade’, mas ‘parceiro ou instrumento de desenvolvimento’”.24 Ocorre a substituição das “realizações” por “ações e processos” e da “globalização” pela “localização”. O museu é concebido como meio de comunicação e instrumento do homem em seu processo de desenvolvimento.

Maria de Lourdes Parreiras Horta destaca ainda, como ponto primordial, a transformação do museu integral em museu integrado, conceito não formulado mas implícito no documento de 92, em substituição àquele, menos palpável. Esta discussão é também proposta por Mário Chagas, numa revisão conceitual que aponta a ineficiência do termo integral para a discussão o patrimônio a ser

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preservado, sempre um recorte da realidade25. Iremos retomá-la ao tratar do pensamento museológico deste autor, no Capítulo 3.

* * *

Com esta introdução, apresentados alguns importantes documentos museológicos internacionais, suas idéias principais e parte da trajetória que levou à renovação da Museologia, temos já uma base conceitual sobre a qual amparar a análise da parcela do pensamento museológico brasileiro que nos propusemos a estudar, bem como para avaliar o panorama da Nova Museologia apresentado em “Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie”. Isto sem esquecer a tônica dada pelo último documento apresentado, de revisão crítica e avaliação dessa trajetória.

CAPÍTULO 1

1.1. Vagues – a antologia da Nova Museologia

Neste capítulo, pretendemos realizar uma revisão das idéias apresentadas em “Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie”. Esta obra, referencial para a chamada Nova Museologia, é uma publicação da associação M.N.E.S. (Muséologie

25 Anotações de aula do CEMMAE referentes ao seminário proferido por Mário Chagas dias 03 e 04/07/2000.

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nouvelle et expérimentation sociale), criada em 1982 por Évelyne Lehalle, Chantal Lombard, Alain Nicolas e William Saadé.26

André Desvallées, seu organizador, principia por enumerar os possíveis marcos de origem da Nova Museologia. São eles27:

1. Criação do M.N.E.S. (1982);

2. Mesa-Redonda de Santiago do Chile (1972);

3. Jornadas de Lurs (1966), que originaram a criação de diversos museus de sítio nos anos seguintes e a gestação do conceito de ecomuseu, mais tarde formulado por Georges Henri Rivière e Hugues de Varine;

4. Nos Estados Unidos, a data fundadora poderia ser tida como o novembro de 1969, no seminário sobre museus de vizinhança, onde participaram, entre outros, Emily Dennis-Harvey, animadora do Brooklyn Chilren’s Museum e John Kinard, que fundou, em 1967, Neighborhood Museum de Anacostia, em Washington;

5. Reunião de Aspen (Colorado), em 1966, onde Sidney Dillon Ripley, da Smithsonian Institution, lança a idéia de um

26 A criação do M.N.E.S. chega a ser mencionada como um dos marcos prováveis da criação da Nova Museologia, como veremos a seguir.

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experimento de museu de vizinhança e resolve financiar a iniciativa de John Kinard em Anacostia;

6. Surgimento do livro de Freeman Tilden sobre a interpretação do patrimônio, que permite a renovação da Museologia dos centros de interpretação (1957);

7. Pode-se ainda considerar, de acordo com Desvallées, que as idéias da Nova Museologia estiveram subjacentes a todos os escritos de Georges Henri Rivière e especialmente de Hugues de Varine, diretores do ICOM a partir de 1946 e de 1962, respectivamente;

8. A 9a Conferência Geral do ICOM (1971), realizada entre Paris, Dijon e Grenoble, com o tema “Museu a serviço do homem, hoje e amanhã”;

9. O primeiro anúncio público do termo ecomuseu (Dijon, 1971), por Robert Poujade, prefeito da cidade e primeiro ministro francês a ser encarregado do meio ambiente.

A antologia certamente não dá conta de tudo que se refletiu e produziu no campo da Nova Museologia. Comprova-o a ausência da produção brasileira que abordaremos a seguir. Por outro lado, não se limita ao que os museólogos estavam pensando, mas

27 DESVALLEES, André. Vagues: une anthologie de la nouvelle museologie. Paris: W M. N. E. S., 1992. Vol. 1. p. 15-17.

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estende-se às interfaces com reflexões contemporâneas em outras áreas que estavam repensando a sociedade em ebulição e que, por isso, se prestavam à ponderação da chamada crise dos museus.28 Tem, por assim dizer, uma concepção editorial interdisciplinar. E o que definem organizador e autores presentes na obra como sendo a Nova Museologia?

Desvallées, identifica nela uma nova preocupação: o público e como se dirigir a ele. E não uma questão de quantidade de público, mas de qualidade na interação que possa haver entre o indivíduo e o objeto.29 Alguns elementos dessa Nova Museologia são a definição globalizante de Museologia e museus – o conceito de museu cobre o universo inteiro e tudo é musealizável –; o museu como lugar específico onde podem ser estudadas as relações entre o homem e a realidade do universo em sua totalidade e a Museologia como ciência dessas relações.30

No “tudo é musealizável” encontramos o traço do museu integral de Santiago. Entretanto, por não ser possível musealizar tudo, por serem indissociáveis memória, museu e seleção, a reflexão museológica internacional vem paulatinamente questionando conceito de museu integral e se aproximando do museu integrado, sugerido em 1992, em Caracas. Ao invés da

28 A expressão quer dizer, no entender de Jean Clair, em “La fin des musées?” (1971), a problematização em torno de qual seria a função do museu. Seria, na verdade, uma crise de identidade institucional. (in DESVALLÉES, 1992: 139-142) 29 DESVALLÉES,1992, op. cit., p. 19.

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pretensão de totalidade, a viabilização da integração. No plano prático, esta posição conduz aos museus interdisciplinares devido à integração: entre diferentes vertentes patrimoniais – conseqüentemente de disciplinas e de profissionais; entre diversas atividades e setores das instituições museológicas; entre as comunidades e os museus.

As transformações necessárias aos museus, são, de acordo com Desvallées: aproximação, desde as seleções de acervos até suas interpretações, do interesses e das condições de compreensão dos públicos. E, por outro lado, as interpretações substituindo os entesouramentos. John Kinard é um dos que defendem essa proposta da ênfase nas interpretações do patrimônio.31 Para ele, toda instituição que tem o nome museu e que não tem em conta as possibilidades diversas de servir à comunidade deve repensar seu estatuto. O museu seria necessariamente um intermediário, um locus onde as contribuições culturais das minorias devem ser expostas e compreendidas.

Contudo, Desvallées não considera que o movimento ao qual pertence seja inovador ou revolucionário, mas acredita que ele seja um retorno à Museologia, que havia envelhecido e perdido alguns de seus princípios, forjados já na Revolução Francesa, como o da democratização dos museus. Para ele, esta Museologia retoma,

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para os museus de todas as disciplinas, o que Claude Lévi-Strauss definiu em 1954 para os de Antropologia: que não serviriam exclusivamente para recolher objetos mas sobretudo para compreender os homens.32 Destaca-se aqui outro aspecto da inovação epistemológica da Museologia, no que diz respeito à compreensão do seu objeto de estudo.

Peter Van Mensch é um dos estudiosos desta questão e delimita quatro tendências do pensamento museológico internacional a partir do exame da produção do ICOFOM, a saber:

- Estudo da finalidade e organização dos museus. É a adotada pela UNESCO no documento do Rio de Janeiro (1958), já apresentado;

- Estudo da implementação e integração das atividades dos museus com vistas à preservação e uso da herança cultural e natural;

- Estudo dos objetos museológicos (cultura material) e da musealidade como a definiu Stránský, associada à informação contida nos objetos museológicos e seu processo de emissão;

31 KINARD, John. “Intemédiaires entre musée et communauté” (1971) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 99-108.

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- Estudo de uma relação específica entre homem e realidade.33

Van Mensch entende que existiram duas revoluções no universo dos museus. A primeira delas no final do séc. XIX, com a criação de organizações profissionais, códigos de ética e associações de amigos dos museus, entre outros fatores, além de profundas alterações na linguagem expositiva, adotando a “limpeza” visual e possibilitando a observação da singularidade dos objetos, ao invés dos espaços atulhados até então. A segunda seria a chamada New Museology, fruto do rompimento com a idéia de coleção como base dos processos museológicos e da organização dos museus. A partir daí esta organização se estabeleceria nas funções dos museus. Nesta 2a revolução, surgiu o que ele considera a contribuição mais relevante da América Latina para o pensamento museológico internacional, o documento de Santiago e a noção de museu integrado.34

É ainda Van Mensch que esclarece a multiplicidade de significados atribuídos à expressão Nova Museologia. Segundo ele,

33 As anotações de aula do CEMMAE referentes ao seminário proferido por Peter Van Mensch de 02 a 06/10/2000 foram cruzadas com um quadro amplamente difundido anteriormente (BRUNO, Cristina. Museologia e comunicação. Lisboa: ULHT, 1996. Cadernos de Sociomuseologia, n. 9. p. 16) no qual a terceira tendência aqui apresentada desdobrava-se em duas: estudos dos objetos de museu e estudos da musealidade. A rearticulação em quatro níveis das tendências é a opção atual desse museólogo. As idéias de Van Mensch mencionadas a seguir, salvo nota bibliográfica em contrário, foram captadas durante o mesmo seminário.

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Mills e Grove utilizaram-na em 1958 para referirem-se aos avanços na Museologia naquela época nos Estados Unidos. Benoist, tê-la-ia utilizado, com grande recuo no tempo, para tratar do que ele chama de 1a revolução dos museus, na passagem do século. Desvallées a empregraria em aditivo de 1980 ao capítulo de uma enciclopédia redigido por Georges Henri Riviére. E Vergo, em 1989, lançaria tal expressão no sentido de “novas tendências da Museologia”. A predominância do significado dado por Desvallées deveu-se, no seu entender, à grande utilização daquele texto na França, especialmente por museólogos que se opunham à prática dos antigos curadores e que em seguida criariam a M.N.E.S.. Van Mensch chama a atenção, assim, para a relação entre Nova Museologia e experimentação social na idéia de Desvallées. A orientação da M.N.E.S. e do MINOM, que surgiria no seu rastro, teria aí sua origem. Ambas as organizações reivindicam que a interpretação para o termo Nova acarrete mais que inovações teóricas ou práticas, uma tomada de novas atitudes: novas funções para os museus e novos papéis para os museólogos.

As experimentações decorrentes dessa Nova Museologia teriam feito surgir, para Van Mensch, modelos como os museus integrados, os museus comunitários, os museus de vizinhança e os ecomuseus.

34 O conceito formulado no mencionado documento é, para este autor, já de museu integrado, não integral.

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Retomamos Vagues para citar as primeiras experimentações encetadas nessa nova vertente: Anacostia Neighborhood Museum – Washington (EUA), 1967; Casa del Museo – a partir do Museu Nacional de Antropologia do México; e, na França, os parques naturais de Armorique (Finistère) e da Grande Lande (Landes) e os museus a céu aberto que se tornariam os primeiros ecomuseus, em Ouessant (1968) e Marquèze (1969).35

São estas novas formas de museus, onde a interpenetração dos diferentes domínios supera a anterior organização tipológica e a visão fragmentada, que Georges Henri Rivière defende. Esta relação imbricada entre homem, natureza e cultura é que dá o tom de uma abordagem ecológica, isto é: integrada36.

Partindo das mesmas premissas, o museu concebido por Desvallées é necessariamente interdisciplinar: “Ce musée présente tout en fonction de l’homme: son environnement, ses croyances, ses activités, de la plus élémentaire à la plus complexe. Le point focal du musée n’est plus l’‘artefact’ mais l’Homme dans sa plénitude”.37

Se as experimentações estavam deslocando o centro dos processos museológicos das coleções, é interessante notar, porém, como mesmo numa publicação assumidamente da Nova Museologia,

35 DESVALLÉES,1992, op. cit., p. 26.

36 Cremos que o holístico, quando usado em Museologia, deva ter também este sentido preciso.

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os textos não ignoram as coleções já recolhidas aos museus e a responsabilidade necessária sobre este patrimônio. Somente não perdem de vista a necessária contextualização.38 Declaram ter plena consciência de que um museu nada pode fazer sem uma coleção, sem um núcleo selecionado realizando a função de instrumento mnemônico e de fermento para as orientações futuras. Na coleção é percebido o caráter de resumo da experiência coletiva, apesar das dificuldades imanentes a uma prática que a constitui por meio de um responsável único.39

Stephen Weil, em seu “La véritable responsablité du musée: les idées ou les choses?” (1989)40, já não é tão afirmativo quanto Gaudibert, por exemplo, e firma sua argumentação em que o poder dos museus está em suas idéias. Mas menciona que, apesar de não ser fator capaz de determinar sozinho a excelência do museu, a boa gestão das coleções é essencial.

A reavaliação do objeto de estudo da Museologia e do foco de atuação dos museus deslocou-se entre a coleção e as relações do homem com seu patrimônio. Grandes alterações também se

37 Idem. p. 59.

38 KINARD, John. “Pour satisfaire les besoins du public d’aujourd’hui” (1971) in DESVALLÉES, 1992. op. cit., p. 238-242.

39 GAUDIBERT et alli, "Problèmes du musée d’art contemporain en Occident"

(1972) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p 150-151.

40 WEIL, Stephen. “La véritable responsailité du musée: les idées ou les choses?"

(1989) in DESVALLÉES, André. Vagues: une anthologie de la nouvelle

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fizeram sentir na relação museu-público41 e, especialmente, na redefinição de seu papel social.

Hugues de Varine, Presidente de Honra da M.N.E.S., diretor do ICOM de 1964 a 1974, insere-se nesta discussão. Em seu texto de 1969, intitulado “Le musée au service de l’homme et du développement” disseca esta questão.42 Para ele, o museu estaria teoricamente predestinado a desaparecer junto com o tempo, o mundo e a classe social que o criaram: a era pré-industrial, o mundo europeu e a classe burguesa ‘culta’. O modelo tradicional em crise não seria revitalizado apenas pelo uso das mídias ou por reformas institucionais. Em sua avaliação, urgia uma transformação conceitual.

Ao nosso ver, essa transformação está, para ele, nos objetivos e missões, não na ruptura radical com as coleções. No texto “Le musée peut tuer ou... faire vivre” ele chega mesmo a expor esta idéia. O novo objetivo seria o desenvolvimento global e a nova missão, refletir a totalidade do meio ambiente e da atividade do homem. Mas utilizando a mesma linguagem: a das coisas reais,

41 A este respeito Duncan F. Cameron escreveu vários artigos entre 1968 e 71. A questão que se colocava era sobre os códigos interpretativos necessários para interagir com o discurso expositivo. Vagues apresenta alguns destes textos.

42 VARINE-BOHAN, Hugues. ”Le musée au service de l’homme et du

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reunidas de modo a perceber as relações entre os objetos e seu contexto.43

A questão era: para quem é esta herança? E analisando-a, Varine se contrapõe a uma cultura para consumo turístico. “Aceitaremos a transformação do museu em um lugar reservado ao público dos hotéis e restaurantes?” – Perguntava-se.44 No seu entender, é a cultura que deve criar as condições necessárias ao desenvolvimento. No museu, encontram-se todos os valores fundamentais do indivíduo e também as respostas achadas pelos diversos grupos humanos aos problemas sucessivamente colocados. Mas também, lá podem ser achados valores e respostas encontrados por outros grupos e que possam ser úteis ao seu desenvolvimento, desde que perfeitamente digeridos e fundidos aos seus valores e respostas tradicionais. De acordo com Varine, o museu precisa ser “descolonizado culturalmente”.45 E o perfil de um profissional de museu deve aproximar-se de um técnico de desenvolvimento. O desenvolvimento esperado é também continuamente repensado, do anseio pelos padrões desenvolvimentistas do Primeiro Mundo

43 VARINE-BOHAN, Hugues. ”Le musée peut tuer... ou faire vivre” (1979) in DESVALLÉES, 1994. op. cit., p. 65-73.

44 VARINE-BOHAN, (1969) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 54. 45 Idem, p. 58.

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identificado na Carta de Santiago por Evres,46 às respostas locais para os problemas específicos colocados a uma região.

O celebrado arquiteto argentino Jorge Enrique Hardoy, já mencionado quando nos referimos à Carta de Santiago, está também presente em Vagues, com o texto “Progrès ou croissance?,”47 de 1974. Nele, objetiva refletir sobre o papel dos museus na sociedade diante do processo mundial de urbanização. Para Hardoy, um museu cuja existência, razão de ser e autoridade decorram da análise contínua e apresentação do que o homem faz atualmente por ele e seus semelhantes, implica uma orientação e uma dinâmica que não estão de acordo com regulamentos institucionais estreitos. Seu papel seria pôr os valores humanos em primeiro plano, a contribuição para dissipar crenças e preconceitos. Para isso, deveriam fazer cair os muros que protegem o passado intocável e infalível e consagrarem-se a um presente onde o homem comum possa assumir sua dimensão de ator principal: expor exatamente os problemas críticos da sociedade. Sua missão deveria ser criar as bases da compreensão dos problemas, para formar indivíduos responsáveis por um processo de mudanças sociais e políticas.

46

EVRES. Ana Cristina. A Musealização da Natureza. Patrimônio e Memória na Museologia. Rio de Janeiro: UNI-RIO, 2000. (Dissertação de Mestrado em Memória Social e Documento). p. 40.

47 HARDOY, Jorge Enrique. “Progrès ou croissance?” (1974) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 213-222.

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Porque, no dizer deste autor, numa época de transformações aceleradas, instituições não revolucionárias não podem sobreviver.

Segundo Stanislas Adotevi, a contribuição possível para os museus ao desenvolvimento deve ser esta de se constituírem em núcleos de inspiração, lugares de profusão cultural, matrizes fecundas onde se fundem as teorias humanas do desenvolvimento. Daí propor mesmo que o museu deva dar lugar aos centros de formação e de reciclagem histórica. Sua ponderação sobre o desenvolvimento dá conta de que este não é somente um fenômeno econômico, mas um momento da criação contínua do homem pelo homem em todas as suas dimensões e que todo critério para sua construção é interior a cada civilização.48

Que as exposições museológicas devam pôr em causa os problemas da sociedade atual, é ponto consonante nas idéias de Vagues. John Kinard, em texto já citado, afirma que cabe a elas exibir os problemas atuais pondo-os em paralelo com seus equivalentes históricos. Desta maneira, os museus seriam guias da ação mais que seguidores dos modelos de gerações anteriores.49 O autor manifesta o desejo de que o museu possa, como catalisador da evolução social, achar o seu lugar na história humana, isto é, o de uma instituição das mais esclarecidas que o espírito humano já

48 ADOTEVI, Stanislas. “Le musée inversion de la vie (Le musée dans les systèmes

éducatifs et culturels contemporains” (1971) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p.

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concebeu.50 Porém, mais que funcionar como vitrine da Ilustração, o museu deve promover a reflexão. Retoma-se o ponto da interpretação do patrimônio, com o célebre texto “L’interprétation de notre patrimoine”, de Freeman Tilden (1957). Segundo ele, a interpretação pode resultar no interesse preservacionista. E deve basear-se mais na provocação que na instrução.51

O museu-templo x o museu-fórum é tema em expansão na Museologia e um dos textos deflagradores foi redigido por Duncan Cameron52, com questões sobre o sistema de comunicação e a linguagem dos museus, preocupando-se com seu caráter elitista. Desvallées revolve esta problemática nos “Fondements” ao Capítulo 1 de Vagues53 ao afirmar que simples reformas no museu-templo não serão suficientes e que é necessário estabelecer o fórum como instituição em nossas sociedades.

49 KINARD, John “Intermédiaires entre musée et communauté” (1971) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 102.

50 KINARD, John. “Le musée de voisinage, catalyseur de l’évolution sociale” (1985). in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 116.

51 TILDEN, Freeman. “L’interprétation de notre patrimoine” (1957) in DESVALLÉES, 1992, op. cit, p. 243-258.

52 CAMERON, Duncan. “Le musée: un temple ou un forum” (1971) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 77-86. Outro texto do mesmo autor a retomar o tema é “Les parquets de marbre sont trop froids pour les petits pieds nus” (1992) in DESVALLÉES, 1994, op. cit., p. 39-57. Nele a inspiração é a frase de Mário Vasquez para explicar como a Casa del Museo, no México, estava suprindo lacunas que o Museu Nacional de Antropologia, devido à imponência, não resolvia em sua atuação. Para Vasquez, o problema estava em que este havia esquecido que os pisos de mármore são muito frios para os pés de suas crianças.

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O significado das analogias com templos e fóruns está explicitado em Cameron: o fórum é onde se ganham as batalhas, o templo é onde se encontram os vencedores. O primeiro é lugar de ação, o segundo é o lugar dos produtos da ação54. O museu-fórum é, portanto, lugar onde é fomentada a ação. Mas, como enfatiza, sem perder suas especificidades, preocupados em se desenvolverem enquanto museus. A ênfase, no nosso entender, é mantida no caráter preservacionista e no museu como meio de comunicação.

Neste turbilhão, o museu é, para Varine, o espaço onde as noções de passado e futuro desaparecem, no qual tudo se passa no presente, numa comunicação entre o Indivíduo e a Humanidade, tendo por intermediário o Objeto. E a noção estática de conhecimento é substituída pela dinâmica do enriquecimento permanente, portanto, desenvolvimento.55 Destes elementos, partiremos para a discussão, adiante, de conceitos como: fato museal e educação permanente.

Para a concretização deste museu, o autor francês chega a propor um esquema que não seja um modelo, mas uma metodologia para repensar cada museu em função de condições particulares. Suas bases seriam: integração da instituição na comunidade; transformação psicológica do museólogo, cuja formação deve ser tripla (científica, técnica e de desenvolvimento);

54 CAMERON, (1971) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 93. 55 VARINE-BOHAN, (1969) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 59.

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abandono do caráter unidisciplinar do museu; adaptação das atividades e métodos do museu ao seu “público natural”, a comunidade próxima; associação ao museu de representantes da comunidade, particularmente dos jovens, a partir da elaboração de programas que resultem numa avaliação institucional permanente; orientação sistemática do museu tanto para a pesquisa como para a “animação”; vocação territorial (NACIONAL → REGIONAL → LOCAL) dos museus em substituição às tipologias.56

E assim apresentam-se outros pontos para análise: a imposição de novos parâmetros para a formação profissional e da substituição das tipologias pela vocação territorial dos museus. Neste último, encontramos o museu como lugar de reforço da coesão cultural e das identidades, portanto como espelho onde uma comunidade se percebe e projeta sua imagem para as demais.

Varine propõe a localização da Museologia entre as disciplinas aplicadas. Para tanto, no que se refere à formação, apresenta três domínios principais cuja articulação permitirá à Museologia preparar profissionais em sintonia com essa demanda de servir ao desenvolvimento do homem:

- Antropologia Social e Cultural, Sociologia, Psicologia, Economia (aplicadas aos problemas nacionais e locais de desenvolvimento);

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- Estudos de metodologia (do trabalho multidisciplinar, das comunicações de massa, da pedagogia, das pesquisas de avaliação);

- Elaboração de técnicas de desenvolvimento adaptadas ao caráter específico do museu.57

Colocamos anteriormente a necessidade de retomar a presença em Vagues da idéia de educação permanente. Esta, embora não mencionada, é uma noção que identificamos nos comentários de Mário Moutinho à Declaração de Quebec, quando contrapõe à exposição museológica para contemplar “um processo de formação permanente”.58 E vemo-la subjacente a diversas outras falas da Nova Museologia.

Por outro lado, para Freeman Tilden, a educação em museus deveria mais provocar que instruir, e o princípio básico da interpretação é que deva apelar necessariamente a um traço da personalidade ou da experiência do visitante. Assim, aproximamo-nos novamente da noção de educação de Paulo Freire, já mencionado como amparo teórico para a Museologia deste fim de século no que

57 Ibid. p. 64-65. O mesmo modelo de formação é mencionado no texto “Le musée

inversion de la vie (Le musée dans les systèmes éducatifs et culturels contemporaines)” (1971), de Stanislas Adotevi, dirigente do Instituto de Pesquisas

Aplicadas do Dahomey e estudioso do papel dos museus nos países subdesenvolvidos (in: DESVALLÉES, 1992: 64).

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diz respeito a metodologias para a ação educativa. Freire participou dos programas de alfabetização da UNESCO, particularmente no Chile, e também nas reflexões do Conselho Ecumênico das Igrejas sobre as condições de desenvolvimento. Formulou as bases de uma educação libertadora em substituição à educação “bancária”. Esta proposta, baseada na idéia de uma troca dinâmica entre educador e educando, corresponderia, nos museus, à abolição das barreiras culturais, vista em Desvallées.59 A influência de Paulo Freire na Museologia contemporânea é uma constatação, mas ainda não foi alvo de estudos aprofundados.

A relevância da avaliação de público é também um elemento inovador e apenas permitido quando a importância dele passa a ser ponderada pela Museologia. O conhecimento sobre metodologias para avaliação passa a ser defendido como componente para a formação em Museologia.60 Sua utilização está presente também em relatos de experiências apresentados em Vagues, e há mesmo textos61 cujo foco principal é a avaliação.

Um dos termos mais difundidos nesta Nova Museologia e ainda não analisado em nosso trabalho é o ecomuseu. Cabe aqui explorar sua conceituação. Robert Poujade tornou público o neologismo ecomuseu, pela primeira vez em 1971, de acordo com

59 DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 75.

60 Proposições de Varine e Adotevi, já mencionadas.

61 SCREVEN, Chandler G.. “L’évaluation des unités d’exposition: une approche

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Desvallées. No mesmo ano, a Maison de l’Homme et de l’Industrie criou em Creusot, uma espécie de protótipo, cujo objetivo era fazer o público apropriar-se e tomar iniciativa das ações do museu.62

Embora o anúncio público da nova palavra seja de Poujade, o conceito ecomuseu foi gestado por Hugues de Varine. Porém seu esboço é anterior e devido a Georges Henri Rivière, em cujo pensamento já estavam presentes aquilo que Varine articulou: um museu ecológico – ou seja, do homem e da natureza, relativo a um território sobre o qual vive uma população.63

Varine conduz sua reflexão no sentido de exprimir, no ecomuseu, uma ampliação dos vértices de uma relação já existente no museu tradicional. Seu modelo de ecomuseu é sintetizado em um quadro64

que expomos a seguir:

Em recente trabalho, Evres discute esta triangulação da Museologia65, já que, segundo ela, qualquer que seja a Museologia, vem sempre se baseando na definição de vértices correspondentes ao homem, ao objeto e ao espaço, de onde partem as relações. Não museu tradicional = edifício + coleção + público

MUSEU

{

novo museu = território + patrimônio + população

62 DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 27.

63 RIVIÈRE, Georges Henri. “L’écomusée, un modèle évolutif” (1971-1980) in DESVALLÉES, 1992, op. cit., p. 441-445.

64

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aprofundaremos a discussão desta autora, que rompe com esta articulação triangular, mas deixamos esta sua observação como registro para adiante entender como os museólogos brasileiros se definem nesta geometria. Mesmo porque, se buscamos especificidades da Museologia brasileira, não podemos deixar de tratar da conceituação de fato museal, considerada a mais importante formulação da brasileira Waldisa Russio.66

CAPÍTULO 2

2.1. O Brasil em Vagues

65 EVRES, 2000, op. cit., p. 52.

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Os dois volumes de “Vagues: une anthologie de la nouvelle muséologie”, organizados por André Desvallées entre 1992-94, apresentam um panorama da produção internacional que faz interface com as reflexões e teoria e com experiências e práticas da Nova Museologia. Foi a pequena representação brasileira que motivou este trabalho, intencionando localizar a produção ausente.

Lá estão Fernanda de Camargo-Moro e Paulo Freire. O texto dela aparece no vol. 2 de Vagues, na seção que diz respeito às experiências e práticas.67 É um relato da experiência museológica junto ao Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, uma instituição criada por Nise da Silveira para abrigar a produção artística dos internos do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II. A autora colaborou com aquela instituição, juntamente com Lourdes do Rego Novaes, como consultoras do ICOM-AM. Uma colaboração que se deu, particularmente, na formação em aspectos da Museologia para os profissionais já existentes no museu. Sem dúvida uma opção que pode figurar entre as idéias da Nova Museologia, onde o museólogo não deve estar encastelado em sua erudição, mas cujos conhecimentos podem ser partilhados e contribuírem para que os sujeitos diretamente envolvidos no processo museológico tomem-lhe as rédeas. E também pela ação de cunho social, cultural e educativa direcionada para as comunidades mais próximas de sua área de

67 MORO, Fernanda de Camargo e Almeida. “Le Musée des images de

l’Inconscient: Une expérience vécue dans le cadre d’un hôpital psychiatrique à Rio de Janeiro” (1976) in DESVALLÉES, 1994, op. cit., p. 204-213.

Referências

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