Ficha Técnica Título
Santarém. Carta Arqueológica Municipal
Coordenação António Matias Revisão Editorial António Matias Helena Vicente Inês Serafim Textos
Ana Margarida Arruda António Faustino Carvalho António Matias
Catarina Viegas Ellie Gooderham Helena Santos Hugo Cardoso João Luís Sequeira Lia Mergulhão Marco Liberato Maria Antónia Amaral Olímpio Martins Tânia Casimiro Telmo Pereira Cartografia e Desenho Inês Serafim Grafismo da Capa Ah d'ldeias Produção Gráfica Ah d'ldeias Impressão e acabamento
Tipotejo - Artes Gráficas, Lda
Data de impressão Setembro de 2018 Tiragem 600 exemplares Depósito Legal N° 445623/2018 Propriedade e Edição ©2018 Município de Santarém Praça do Município 2005-245 Santarém www.cm-santarem pt
índice
06 Carta Arqueológica do Concelho de Santarém 07
1.
Introdução08 2. Arqueologia em Santarém 11 3. Legitimação
13 4. Enquadramento Geográfico e Administrativo 14 5. Enquadramento Natural
15 5.1 Clima
16 5.2. Unidades de Paisagem
18 5.3. Coberto Vegetal 20 5.4. Recursos Hídricos
21 6. Enquadramento Geológico e Geomorfológico 25 7. Enquadramento Histórico
34 8. Metodologias
34 8.1. Sistematização Prévia de Informação
35 8.2. Produção de Cartografia Digital 35 8.3. Organização da Informação
40 8.4. Prospeção Sistemática de Superfície
41 9. Resultados
/,7 10. Considerações Finais 49 11. Bibliografia
53 12. Cartografia
53 12.1. Carta Arqueológica
84 12.2. Carta de Restrições e Sensibilidade Arqueológica 85 Sínteses
86 Geossítios
I
Lia Mergulhão
eOlímpio Martins
94 O Paleolítico ITelmo Pereira
104 A Pré-História Recente I
António Faustino Carvalho
112 A Idade do Ferro
I Ana Margarida Arruda
118 A época romano-republicana
I Ana Margarida Arruda
124 Breves apontamentos sobre o período romano imperiale
a antiguidade tardia de SantarémI
Catarina Viegas
132 Uma imagem em construção: funções urbanas e materialidades em Santarém durante a Alta Idade Média
I
Marco Liberato
140 A reafirmação da centralidade regional: séculos X-XII
I
Helena Santos
eMarco Liberato
11,8 Intervenção arqueológica no paramento Norte da muralha da barbacã do Castelo de Alcanede (Santarém)
I
Maria Antónia de Castro Athayde Amaral
168
À
mesa com as Donas. Faiança Portuguesa de uma lixeira conventual em Santarém [1640-1660)I
Tânia Casimiro
eJoão Luís Sequeira
176 O Memorial de um Convento. Reconstrução dos padrões de Vida e Morte no Convento de S.
194 232
Domingos de Santarém
I António Matias
Reflections on bioarchaeological research in Santarém
I
filie
Goodheram e Hugo Cardoso
Estrutura muralhada de Santarém. Síntese e avaliação do estado de conservação
I António Matias
13. ANEXO
I
DVD-ROM com as fichas de sítio da Carta Arqueológica do Concelho de SantarémSANTARÉM ~ CARTA ARQjJEOLOGICA MUNICIPAL
Na área do concelho de Santarém, a Idade do Ferro está plasmada, quase exclusivamente, em dois sítios arqueológicos icónicos: a antiga Alcáçova da capital ribatejana e os Chões de Alpompé, localizado em Vale de Figueira.
Estão ambos implantados em cotas altas, com boas condições naturais de defesa, em planaltos mais ou menos recortados sobre linhas de água, o primeiro sobre o Tejo, o segundo sobre o Alviela, importante afluente do primeiro, próximo, aliás da área de confluência dos dois rios.
Há uma absoluta inter-visibilidade mútua, não surpreendendo, portanto. o muito que têm em comum, do ponto de vista da sua cultura material.
o
conhecimento adquirido nas últimas duas décadas do século XX sobre o primeiro, e o que passámos a dispor, desde há três anos, sobre o segundo, permite abordá-los numa perspetiva mais ampla e integrada, que se afasta das leituras centradas quase exclusivamente na Geografia Histórica, que sempre se lhes associou.De facto, as questões relacionadas com a localização geográfica dos dois núcleos urbanos citados nas fontes clássicas,
Scallabis
eMoron,
dominou, quase sempre, o debate em torno destes dois importantes sítios.Se o topónimo indígena que os romanos mantiveram para designar a sede de um dos três
conventus
da Província da Lusitânia, oScallabitanus,
e que ainda hoje se conserva na memória coletiva da cidade, correspondeu, ou não, a Santarém é hoje uma questão ultrapassada, dados os abundantes testemunhos de um núcleo urbano de dimensão e importância consideráveis, pré-romano, mas também romano, sobposto ao atual Jardim das Portas do Sol, onde também se implantou a antiga Alcáçova islâmica,Por outro lado, os trabalhos de campo que tive a oportunidade de conduzir, juntamente com outros colegas, nos Chões de Alpompé, no Verão de 2015, permitiram também esclarecer que é neste lugar que se situou Móron, a "cidade" que o cônsul Décimo Júnio Bruto terá usado, em 138 a.n.e., para estacionar o seu exército, antes da campanha que dirigiu para o Noroeste.
«É
neste lugar [Chões de Alpompé]
que se situou Móron, a "cidade"
que o cônsul Décimo Júnio
Bru-to terá usado, em 138 a.n.e., para
estacionar o seu exército»
o
planalto da Alcáçova de Santarém ofereceu milhares de fragmentos cerâmicos, metálicos e vítreos da Idade do Ferro, para além de um muito expressivo conjunto de fauna e de restos carpológicos e antracológicos que possibilitam uma análise vasta e holística da sua ocupação sidérica, que pôde ser completada pelas estruturas domésticas identificadas Convém, contudo, começar por recordar que o planalto, com cerca de 5 hectares de área, era já habitado no final da Idade do Bronze, facto desde sempre intuído [ARRUDA, 1993; ARRUDA, 1999/20001. mas que ficou definitivamente comprovado nas escavações de 2001 [ARRUDA e SOUSA. 20151.Os níveis da Idade do Ferro da Alcáçova de Santarém estão ainda impregnados, do ponto de vista da sua cultura material, pelos elementos anteriores, do Bronze Final, sendo muito abundante a cerâmica de produção manual [ARRUDA. 1993; 1999/2000; SOUSA e ARRUDA, 20181. As próprias formas e decorações deste último período mantêm-se praticamente inalteradas, mas a cerâmica fabricada com roda de oleiro completa o inventário, apresentando morfologias e tratamentos de superfície exteriores ao sítio,
à
região e ao próprio território da Península Ibérica. O início da Idade do Ferro foi marcado, aqui e em outros sítios da região central e meridional da costa portuguesa e do SO, SE e NE peninsulares pela introdução de uma série de inovações tecnológicas, como é caso da utilização do torno, com o qual se fabricaram vasos, sobretudo de mesa e de armazenamento, mas também de transporte, e que constituem novidades absolutas nos repertórios locais, Além disso, a aplicação de pintura bícroma [vermelho e negro) ou mesmo polícroma [vermelho, negro e branco) sobre as superfícies externas dos grandes vasos de armazenamento, ospithoi,
ou nas internas dos pratos do serviço de mesa marcam também esta nova e importante etapa deSANTAREM
Ana Margarida Arruda
Santarém Por outro lado, os recipientes de transporte
de produtos alimentares, as ânforas, com conteúdos
oleícolas, mas também vinícolas, estão Já presentes
nestes níveis antigos da Alcáçova de Santarém,
havendo evidências que se trata de importações da
área de Málaga.
Estas novas realidades observáveis na produção e
utilização dos vasos cerâmicos, que, como veremos,
acompanham outras, podem e devem ser integradas
num complexo processo de "colonização" do vale do
Tejo por parte de comunidades fenícias, que se iniciou
em torno ao século VIII a.n.e
.
e no qual Santarém teve
um papel decisivo, A ele não será alheio a riqueza
aurífera do grande rio, bem como as competências do
ponto de vista agrícola do território envolvente e ainda
o controle do curso fluvial, que conduz a territórios
ricos em estanho, localizados a montante, na Beira
Baixa
A emigração para o Ocidente de grupos humanos
com origem na fachada sírio-palestiniana, a partir,
pelo menos, do século X a.n.e., tem motivações bem
conhecidas e de natureza diversa [demográficas,
económicas e políticasl e está muito bem documentada
em Chipre, na Sardenha, na Sicília e no norte de África
[nos atuais territórios da Tunísia e de Marrocosl. Na
Península Ibérica, fez-se sentir de forma intensa na
área meridional, em Cádis, uma das primeiras, se
não a primeira, colónia fenícia ocidental, mas também
em Huelva, em Málaga e até no Sudeste, na zona de
Alicante, e mesmo no vale do Ebro. Concretizou-se em
ritmos e tempo distintos e modalidades diversas, entre
o referido século X e o VII a.n.e., tendo havido fundação
de estabelecimentos coloniais
ex novo, e também
fixação em sítios indígenas, onde comunidades
exógenas se estabeleceram, muito provavelmente, em
"bairros" próprios e exclusivos
Este movimento atingiu o Extremo Ocidente, muito
especialmente os vales do Tejo, numa primeira fase, e
os do Sado e do Mondego, depois, bem como o Algarve.
A precocidade dos contactos do estuário do primeiro
dos rios com o mundo fenício ocidental foi Justamente
verificada inicialmente em Santarém, onde as datações
de carbono 14 e a morfologia de alguns materiais
mostraram a antiguidade daqueles [Arruda, 1993;
1999/2000; 20051. Em anos mais recentes, algumas
evidências de Lisboa comprovaram que desde cedo
houve comunidades orientais instaladas nesta região,
o que ficou atestado por materiais arqueológicos
[ARRUDA, 1999/2000; CALADO
etal., 2013a; CALADO et
ai
.
, 2013b; FERNANDES etal, 2013; FILIPE etal, 2014;
PIMENTA, CALADO e LEITÃO, 2014; PIMENTA, SILVA
e CALADO, 2014; PIMENTA, CALADO e LEITÃO, 20151.
e pela epigrafia
.
Esta última está materializada em
duas inscrições em língua e caracteres fenícios, uma
das quais, um grafito sobre cerâmica, pode ser datada,
paleograficamente, do século VIII a
,n,e [ZAMORA,
20141. A outra corresponde a uma lápide funerária
[NETO
et aI., 20161. do século VII a
.
n.e., na qual as
personagens identificadas, o falecido e o dedicante,
têm nomes indígenas, mas escrevem em fenício, o que
significa que o falam,
e
que haja quem saiba ler o texto.
O orientalismo de que se revestiu a Idade do Ferro de
Santarém e, como veremos, dos Chões de Alpompé,
está assim integrado num amplo movimento que
mudou, definitivamente e de forma indelével, a
fisionomia do território e das populações que nele
viviam e circulavam
.
Os restos arqueológicos, de
que se falou antes, traduzem alterações muito mais
profundas, mas que se tornam visíveis se soubermos
olhar para aqueles em profundidade.
Assim, a alteração na baixela de mesa evidencia
modificações nos hábitos de consumo e também em
algumas práticas sociais
.
E não podemos esquecer
nunca que as refeições e a comida nelas servida
têm uma importante componente simbólica, estando
repletas de significados sociais e políticos. A uma
alimentação
à base de papas, líquidas e coloides,
comestíveis em taças mais ou menos profundas,
de bordo ligeiramente evertido, típicas da Idade do
Bronze, acrescentam-se os produtos sólidos, que
podiam ser consumidos, individualmente, em pratos.
Por outro lado, a introdução do vinho, primeiramente
importado envasado em ânforas e posteriormente
produzido na região, bem como do azeite, para fritar
e para temperar, impôs novas atitudes e formas de
comer e de beber e distintas dietas alimentares. Estas
últimas puderam também ser aferidas pelo estudo da
fauna [DAVIS, 20061. que mostraram a introdução de
novas espécies, como é o caso dos galináceos, que
eram, até então, desconhecidos na Europa em geral
e no extremo ocidente, em particular.
Os cereais
continuaram, contudo, a ser a base da dieta destas
populações, tendo sido recolhidos restos, sobretudo,
de trigo, mas também de cevada, nas escavações
da Alcáçova, onde estavam associados a produtos
hortícolas, como as ervilhas [ARRUDA, 2003: 2071.
A chegada e a instalação de populações ao estuário do
TeJO implicaram também certamente um considerável
aumento demográfico.
Este ficou plasmado nos
trabalhos arqueológicos levados a efeito na área do
Jardim das Portas do Sol, em Santarém, onde a área
ocupada parece ter pelo menos triplicado em relação
à do Bronze Final [ARRUDA e SOUSA, 2015; ARRUDA,
20171. na fundação de novos sítios, como foi o caso
dos Chões de Alpompé [ARRUDA
et ai.,no prelol.
mas também em alterações ambientais
.
Em relação
a estas últimas, deve fazer-se notar o aumento da
área cultivada e a diminuição da floresta, como as
análises polínicas efetuadas na região demonstraram
à sociedade [ARRUDA, 20031. As mesmas análises
provaram que a produção de vinho se iniciou na
região em data coincidente com estas alterações, que
naturalmente podemos associar às referidas chegada
e instalação de grupos humanos exógenos.
Ainda que, infelizmente, não tenha sido possível
detetar estruturas habitacionais da Idade do Bronze,
é provável que estas fossem ovais ou elípticas, à
semelhança das que, em momento coevo, existiram
na foz do estuário, por exemplo na Tapada da
Ajuda [CARDOSO
et ai"1980/81]
As da Idade do
Ferro exibiam já plantas retangulares, das quais se
escavaram vários alicerces [ARRUDA, 1999/20001.
sobre os quais seriam alçadas paredes construídas
com tijolos de adobe ou constituídas por taipa. Os
solos eram de terra batida, muitas vezes enrubescida,
o que lhes forneceu uma considerável compactação
e lhe concedeu uma cor vermelha Em alguns, raros,
casos, estes solos eram decorados com incisões
circulares.
Outra das alterações que decorre deste complexo
processo de interação entre as duas comunidades
que se encontraram na Alcáçova de Santarém no
início do primeiro milénio a n e
.
, indígenas e colonos,
prende-se com o uso, e eventualmente com o fabrico
de artefactos de vidro
.
Falamos concretamente
das contas de colar, de cor azul, opacas, por vezes
decoradas por círculos brancos [ARRUDA, 1999/20001.
que lhes fornecem um aspeto que justifica a
designação por que são conhecidas: "contas de colar
oculadas". O aparecimento de artefactos de ferro
na Alcáçova de Santarém evidencia o conhecimento
da técnica da redução do ferro, outra das novidades
tecnológicas introduzidas pelos fenícios na Península
Ibérica, o mesmo se podendo dizer de alguns
fragmentos de mó, cuja forma indicia uma mudança
significativa nas técnicas de moagem, simplificando-a
através dos moinhos giratórios.
As relações inter-regionais da Alcáçova de Santarém
nesta etapa antiga da Idade do Ferro [séculos VIII
a VI a
.
n.e.] puderam ser diretamente rastreadas
através das ânforas que aqui se recuperaram e que
já atrás referimos, o que evidencia a importação de
produtos alimentares, como o azeite e o vinho, da
atual Andaluzia
Mas as evidentes semelhanças
entre a sua cultura material e a que se observou
na área do Estreito de Gibraltar devem explicar-se,
sobretudo, pelo facto dos seus agentes, produtores
e consumidores, terem a mesma matriz genética, e
assim étnica e cultural, partilhando antepassados
comuns
.
Outro tipo de interação terá sido a mantida com os
sítios da área do estuário do TeJO, onde se destacam,
na foz, Lisboa, na margem direita, e Almaraz, em
Almada, na esquerda, pela extensão das ocupações
e pela diversidade, quantidade e riqueza dos espólios,
que no segundo caso incluem vasos de alabastro e
escaravelhos egípcios. A ela e a eles voltaremos nas
páginas seguintes
.
No entorno de Santarém, um outro sítio famoso, os
Chões de Alpompé, destaca-se, agora também, pela
sua ocupação sidérica
.
A pequena campanha de
escavações levada a efeito em 2015 no âmbito de um
projeto de investigação que tinha por objetivo o estudo
da Idade do Ferro no estuário do Tejo ["Fenícios no
estuário do Tejo"] provou as suas características
orientalizantes e a sua relação profunda e intensa
com o implantado no planalto da Alcáçova, com o qual
mantém, aliás, contacto visual direto [ARRUDA
et ai,no prelol.
Os materiais recolhidos em contextos estratigráficos
selados e primários Inserem-se, praticamente
na
totalidade,
na
categoria
das
cerâmicas,
maioritariamente de produção a torno
.
As cerâmicas
de mesa incorporam tigelas hemisféricas, quer de
cerâmica comum, mas de superfícies cuidadosamente
polidas, quer de cerâmica cinzenta fina polida, e
pratos, alguns dos quais exibem engobe vermelho na
superfície interna. As de armazenamento cabem no
grupo dos
pithoi, pintados em bandas de cor vermelha
e negra, e as ânforas, que trariam até ao local
produtos alimentares [vinho e azeiteI. pertencem aos
tipos mais conhecidos A cerâmica manual foi usada,
em exclusividade na preparação de alimentos, na
cozinha, como provam os vasos de tipo panela, que
mostram evidentes sinais e fogo nos fundos externos
.
O tratamento das superfícies e o repertório formal
deste conjunto indica uma matriz cultural em tudo
idêntica à verificada no povoado da margem do Tejo,
ainda que tudo indique uma cronologia ligeiramente
mais tardia [segunda metade do século VIII/século VII
a n e ]
A reduzida dimensão da área escavada não
..:=rr ....
SANTAREM
~)) CARTA Ar,(llJEOLO(;ICA MLJNICIPALAna Margarida Arruda possibilitou a identificação de estruturas de habitação da Idade do Ferro, como as que se verificaram na capital do Concelho, Porém, foram reconhecidos solos de ocupação de terra batida, sobre as quais assentavam lareiras compostas por placas de argila, e/ ou fragmentos cerâmicos dispostos horizontalmente, por vezes com uma base de pequenos seixos rolados Algumas estruturas negativas de tipo fossa foram também detetadas, mas a sua interpretação funcional não é fácil, até porque parece evidente que estariam associadas a outras realidades arqueológicas que se estendiam para áreas não abrangidas pela escavação, Se pelo menos uma delas poderia tratar-se de uma fossa de evacuação de detritos domésticos, o mesmo uso é difícil de assumir para outras, de maiores dimensões, que continham elevada quantidade de blocos de argila com negativos de ramagens, o que permite avançar com a hipótese de estarmos perante o que resta de "fundos de cabana".
Estes dados, sobretudo os das cerâmicas, permitem que se equacione a possibilidade de os Chões de Alpompé poderem corresponder a uma fundação
scallabitana,
destinada, por um lado, a resolverproblemas de ordem demográfica e, por outro, visando uma expansão territorial das comunidades orientais e orientalizadas, no quadro de um processo que poderíamos designar por "colonização interna"
I/bideml. Infelizmente a área escavada foi reduzida, e apenas o seu alargamento permitiria dar solidez a
estas propostas, ainda preliminares.
Estas ocupações dos Chões de Alpompé e de Santarém com características orientalizantes tão marcadas estão, como já se referiu, em consonância com outras verificadas no estuário do Tejo e em outras áreas da Península Ibérica, e não só, tocadas pela colonização
fenícia. Este contexto geral, já sucintamente
apresentado nas páginas anteriores, merece ser particularizado para a primeira das regiões, Para além dos sítios Já mencionados, da foz do estuário, Lisboa e Almaraz, há que ter aqui também em consideração a densa malha de povoamento registada na margem esquerda do troço superior do estuário, cujo estudo detalhado se tem vindo a concretizar no âmbito do projeto "Fenícios no Estuário do Tejo" [ARRUDA
et ai,
2014; PIMENTA
et aI.,
2014; SOUSAet ai.,
2016; ARRUDAet
ai,
2017), mas também na direita, concretamente noConcelho de Vila Franca de Xira, onde os trabalhos de campo de João Pimenta e Henrique Mendes trouxeram novos e importantes dados para a discussão desta
época neste espaço,
O conjunto de sítios ribeirinhos identificados nos
Concelhos de Almeirim, Alpiarça e Salvaterra de Magos merece destaque. Um deles, o Alto do Castelo, em Alpiarça, ocupa uma posição destacada na paisagem, sendo o mais conhecido, sobretudo pela sua evidente associação às necrópoles do Bronze Final do Teixoal, do Meijão e do Cabeço da Bruxa. A evidência da sua ocupação ainda nos finais do 2° milénio é inquestionável, mas a permanência no local de comunidades da Idade do Ferro tornou-se visível
nos últimos anos [ARRUDA, etal., 2014) A avaliar pelas
características dos espólios, uma cronologia do século VII parece admissível
Com base nos dados que possuímos, uma mesma cronologia sidérica parece possível de admitir para o Alto dos Cacos [PIMENTA, HENRIQUES e MENDES,
2012; SOUSA et ai, 2016) e para a Eira da Alorna
[PIMENTA
et ai
.
.
no prelo), ambos em Almeirim, mastambém para o Cabeço da Bruxa [Alpiarça) e Porto
de Sabugueiro [Salvaterra de Magos) [PIMENTA et ai"~
2014l. Estão localizados em área ribeirinha e ocupam espaços de baixa altitude, com poucas descontinuidades
altimétricas, entre os 5,5 e os 8 metros. Em alguns
deles, os materiais estão dispersos por uma superfície consideravelmente extensa, De todos eles, sobretudo dos primeiros, a Alcáçova de Santarém é visível, e dela todos são dominados visualmente,
O universo artefactual, sobretudo cerâmico, é
partilhado por todos, e ainda com Santarém e, evidentemente, com Chões de Alpompé, dominando as produções a torno de tipo orientalizante.
No troço médio do estuário do Tejo, mas na margem direita, outra concentração de sítios idênticos na natureza e características gerais foi encontrado nos últimos anos
O Castro do Amaral salienta-se nesta área, por um lado pela sua posição muito destacada na paisagem, e, por outro, por uma evidente ocupação do Bronze Final, mas devem referir-se também a Quinta da Marqueza, sítio à beira rio de baixa altitude, onde a produção cerâmica foi, certamente, uma realidade [PIMENTA e MENDES, 2010/2011) e Santa Sofia, um povoado de
encosta, com raras estruturas habitacionais I/bideml.
O início da ocupação da Idade do Ferro de todos eles deve situar-se em torno aos finais do século VII, mas sobretudo no século VI a n.e ..
A forte componente orientalizante da ocupação da Idade do Ferro de Santarém, bem como, aliás, dos restantes sítios do estuário do Tejo, quer da foz quer do seu troço superior, permaneceu constante ao longo
de toda a segunda metade do 10 milénio a.n
.
e
"
como
se pode observar pelos espólios recuperados em
quase todos As cerâmicas de engobe vermelho estão
ainda presentes no século Van e
.
, as cinzentas finas
polidas permanecem no conteúdo dos inventários até
momentos bastante avançados e os vasos de tipo
pithoi
continuam a ser utilizados no armazenamento de
produtos alimentares. O mesmo aplica às ânforas, já
de produção local e regional, cuja morfologia, porém,
segue, ainda e sempre, os modelos mediterrâneos
[SOUSA e PI MENTA, 20141. As novidades consistem
sobretudo na fundação de novos sítios, quer nas
proximidades do rio, como o Cabeço Guião, Cartaxo
[ARRUDA
et ai ,
2017bl. quer no interior, estes mais
bem conhecidos na região da foz [SOUSA. 20141.
A chegada de grupos fenícios à foz do Tejo implicou
uma alteração significativa no modelo de ocupação
do território na área do estuário, que certamente
decorreu de uma mudança na estrutura económica,
social e política e também demográfica.
O povoamento sidérico de tipo orientalizante no
estuário do Tejo, sobretudo o do seu troço superior,
funcionou em rede, de forma sistémica e só pode
ser entendido como um todo. Os sítios estão
profundamente relacionados entre si, num processo
de controle de um território específico, em torno
do rio, que une as duas margens O papel que
Santarém representou nessa rede que ligou as duas
orlas do Tejo foi, certamente, preponderante
. A sua
antiguidade, a implantação topográfica e a extensão
da área ocupada concederam-lhe um protagonismo
único neste contexto, que merece ser devidamente
valorizado.
- Bibliografia
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