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História e Memória: a construção do herói na pessoa do Coronel Napoleão Ferraz

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História e Memória: a construção do “herói” na pessoa do Coronel Napoleão Ferraz

Misael Silva Lacerdai (misael.lacerda.lmj@gmail.com) Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Graduando em História

Resumo

Este artigo tem como objetivo a problematização da figura do Coronel Napoleão Ferraz de Araújo, precursor da cidade de Belo Campo, durante os anos (1903-1915) em que exerceu influência sobre a região, à época Chapada. Intenciona-se questionar as características atribuídas ao Coronel, tidas como diferenciais ou excepcionais, pelo memorialista Roberto Lettière em seu livro “Belo Campo – Memórias” (1997). Confrontando as informações trazidas por Lettière em seu livro com a historiografia sobre Coronelismo a nível nacional e regional, buscaremos apontar que as características atribuídas como excepcionais ao Coronel Napoleão Ferraz de Araújo, e que compõe a memória da população de Belo Campo, na verdade eram comuns aos chefes e mandões da região mesmo antes do período aqui tratado.

Palavras-chave: herói, coronelismo, Belo Campo, memória

Napoleão Ferraz de Araújo (1876-1915) chega à região da Chapada (atual Belo Campo) em meados de 1903, quando essa região ainda pertencia a Conquista (atual Vitória da Conquista), instalando-se inicialmente na fazenda Bom Jardim (Lettière, 1997, p. 19). A maior parte das informações que se têm sobre a figura do Coronel Napoleão Ferraz está contida em cartas que o mesmo escrevia aos conterrâneos e na memória da população mais antiga. Tais cartas pertencem a arquivos particulares, sendo que uma delas foi reproduzida no livro “Belo Campo – Memórias” (1997) de Roberto Lettière.

As informações disponibilizadas para a população, a respeito do Coronel Napoleão Ferraz, foram interpretadas pelo memorialista Roberto Lettière e publicadas no livro acima citado. Grande parte dessa interpretação não leva em consideração o contexto histórico nacional e regionalii no qual a Chapada (atual Belo Campo) estava inserida. Formando-se

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assim conjecturas anacrônicas e historicamente desproporcionais ao momento vivido por Napoleão Ferraz de Araújo.

Napoleão Ferraz, no livro em questão, é envolvido por uma aura heroica, como homem de sentimentos polidos, posturas de caráter reto e sentimentos aflorados pela população da Chapada. É interpretado como um homem à frente do seu tempo e avesso ao Coronelismo. Napoleão era um homem à frente do seu tempo, ou é um personagem histórico retirado de seu contexto?

Antes de responder tais questionamentos é necessário compreender como, ao longo da história do Brasil, os “heróis” são usados para moldar a mentalidade da população a respeito de sua história ou mesmo de sua origem. Também se torna importante conhecer a relevância que a memória tem na história e como uma interpretação ou interpretações desprovidas de uma análise histórica podem despir tal memória de verossimilhança.

A história do Brasil, e do mundo, é repleta de símbolos que ao longo de séculos tiverem um papel importante na formação política das sociedades. Em momentos importantes, atores históricos são postos em relevo na memória popular através de sua sacralização nos diversos tipos de símbolos. No Brasil, os ditos heróis tiveram papel importante na formação da mentalidade popular. Sobre o uso dos “heróis” na formação ideológica da população, José Murilo de Carvalho afirma:

Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico (CARVALHO, 2017, p. 58).

Para que o herói caia no gosto popular, é necessário que o mesmo esteja imbuído de características que sejam acolhidas pela sociedade que o recebe. Sobre essa particularidade dos heróis, Carvalho afirma:

Herói que se preze tem de ter, de algum modo, a cara da nação. Tem de responder a alguma necessidade ou aspiração coletiva, refletir algum tipo de personalidade ou de comportamento que corresponda a um modelo coletivamente valorizado (CARVALHO, 2017, p. 58).

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Analisando a figura do Coronel Napoleão Ferraz de Araújo, percebe-se que tal coronel foi envolvido de uma aura heroica, sendo tratado como um homem à frente do seu tempo, amado por todos e injustiçado por muitos.

No entanto, antes de adentrarmos numa problematização a respeito do coronel em questão e da obra que o aborda, é preciso entender a importância da memória como fonte histórica, bem como a necessidade da história enquanto ciência para a abordagem de tal fonte. A memória constitui parte importante do trabalho do historiador. Não apenas como fonte que resgata características de um determinado evento ou sociedade, mas como um objeto de estudo específico e complexo que precisa ser analisada a partir dos métodos científicos da história para que melhor uso se faça das informações adquiridas a partir de tal fonte. É preciso entender a memória e o trabalho memorialista como objetos de estudos passíveis de análises, críticas e refutações.

Sobre a importância da memória e sua ligação com a história ou com o ofício do historiador, José D’Assunção Barros aponta:

A história e a memória entrelaçam-se nas “memórias históricas” para preencher uma função importante: quando a memória viva de determinados processos e acontecimentos começa a se dissolver através do desaparecimento natural das gerações que os vivenciaram, começa a se tornar ainda mais necessário um movimento de registro destas memórias. Foi assim, por exemplo, que se intensificou o interesse pela produção das “memórias do holocausto”. Assegurar o registro destes acontecimentos tão trágicos é também uma forma de adquirir controle sobre eles, de impedir que um dia se repitam, que caiam no esquecimento e que deixem de ser analisados criticamente. (BARROS, 2017, p. 21)

Cabe ao historiador a análise dessa fonte, a respeito de como as mesmas foram utilizadas, pois este tem a função de aproximar tais memórias e eventos históricos da verdade. Sobre as contaminações e distorções das memórias, Barros afirma:

O olhar crítico do historiador, deste modo, é conclamado a estar atento contra as eventuais manipulações, distorções, contaminações da memória coletiva sobre a história. Essas mesmas manipulações e distorções, elas mesmas, tornam-se objetos interessantes para a própria história (BARROS, 2017, p. 27)

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Nesse sentido, propõe-se aqui questionar e problematizar a interpretação dos documentos e informações contidas no trabalho de Roberto Lettière, analisar tal trabalho de forma crítica, compreender como foi construída a memória de um Napoleão Ferraz herói, idealista e à frente de seu tempo.

Buscaremos entender como, a partir da interpretação romantizada e anacrônica da figura de Napoleão Ferraz de Araújo, formou-se na memória popular de Belo Campo a ideia de heroicidade do Coronel aqui abordado.

Roberto Lettièreiii estudou entomologia na área de insetos domésticos e artrópodes peçonhentos. É natural de São Paulo, radicado na cidade de Belo Campo, na Bahia, desde 1991. É palestrante e escritor, tendo escrito mais de doze livros, alguns deles sobre a história regional do sudoeste Baiano (Belo Campo – BA e Cândido Sales – BA). Escreveu, dentre vários, o livro “Belo Campo – Memórias”, lançado em 1997, “Belo Campo – minha terra, minha gente” (2008), “Anais da Câmara Municipal de Belo Campo (2009) e “A Guerra do Tamanduá – 1895” (2011). O trabalho memorialista de Lettière é importante para a história de Belo Campo, pois seu livro “Belo Campo – Memórias” e os demais livros sobre a região de Belo Campo reúnem inúmeras informações acerca de diversas características da cidade desde sua formação, como também reproduz documentos importantes acerca da origem e desenvolvimento do município em questão.

No entanto, as conjecturas feitas a respeito da pessoa do Coronel Napoleão Ferraz de Araújo mostram-se um tanto romantizadas e destoam do contexto vivido pelo Coronel, construindo assim uma memória dissonante sobre a origem do precursor da cidade de Belo Campo. O que aqui nos interessa é analisar as características a partir das quais Lettière confere, no livro “Belo Campo – Memórias” (1997), a Napoleão a aura de herói ou homem à frente de seu tempo.

Para tal fim é necessária a confrontação de tais informações com a historiografia no que tange ao Coronelismoiv, os estudos sobre esse período e sobre as características dos coronéis para levantar a problematização aqui proposta.

O autor de “Belo Campo – Memórias” (1997) inicia o capítulo III do livro em questão, intitulado “Napoleão Ferraz de Araújo” trazendo as seguintes afirmações:

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Napoleão era filho do Coronel João Batista Ferraz e de D. Isadora Ferraz de Araújo, fazendeiros na região de Tremedal e com os quais mantinha boas relações familiares, só não vivia bem com seus demais parentes, havendo entre eles constantes conflitos ideológicos, pois, Napoleão, não admitia o coronaelismo da família Ferraz, em detrimento ao bem estar físico, cultural e moral do povo da região (LETTIÈRE, 1997, p. 38).

O autor não explicita de onde retirou as informações a respeito da boa relação de Napoleão para com seus pais e de sua aversão ao coronealismov. Lettière escreve que

O relacionamento entre Napoleão e seus parentes ficou insustentável, a ponto de se transferir de tremedal para a Chapada, indo para a Fazenda Bom Jardim, em 1903 [...] Belo Campo, antiga Chapada, era apenas um ponto de apoio aos mercadores e viajantes quando Napoleão Ferraz Chegou. Já conhecia o local e o escolheu – como lugar certo e privilegiado – para fundar uma cidade onde o ódio, a inimizade, a politicagem e o coronealismo, não teriam campo para se instalar (LETTIÈRE, 1997, p. 38).

É importante observar que o autor não reproduz nenhum documento ou depoimento que dê fundamentação à afirmação de que Napoleão Ferraz de Araújo rompeu com seus parentes por aversão a seu comportamento coronelista. O que se pode supor é uma provável cisão dentro da parentelavi à qual pertencia Napoleão Ferraz, levando o Coronel a procurar outro lugar de domínio, formando ali nova parentela. Algo muito comum dentro do Coronelismo (1889-1930). Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz:

O conflito inter e intraparentelas resultou, pois, sempre, numa formação de novas parentelas, num aparecimento de novos “coronéis”. E como a terra era vasta havia a possibilidade de os vencidos se embrenharem no sertão, acompanhados de sua gente, desbravando zonas incógnitas e conquistando novos domínios, nos quais durante algum tempo reinariam sem estorvos. Até que nova parentela surgida em seu próprio seio, ou proveniente do exterior, tentasse também ali se instalar e dominar, aparecendo então a dicotomia “situação” e “oposição”, norma fundamental e expressão política da sociedade brasileira desde o período colonial (QUEIROZ, 1969, p. 190).

Lettière afirma que algum tempo depois Napoleão Ferraz não se encontrava mais só na região da Chapada, pois outros fazendeiros chegaram à região e se instalaram ali (1997, p.39). Isso, de certa forma, reforça a possibilidade de uma ruptura com sua antiga parentela e as inimizades conquistadas na região onde constituiu nova moradia, pois com outros coronéis habitando a região haveria maiores chances de conflitos de interesses.

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O Coronel Napoleão Ferraz ainda é visto como um homem à frente de seu tempo pelo fato de, naquele período, ter trazido inúmeros “benefícios” para a região da Chapada. O autor o trata como um homem de trabalhos idealistas devido ao fato de Napoleão ter trazido para a região em questão o “Futebol e o carnaval para divertimento das pessoas, como também funda uma filarmônica e, para tanto, contrata um professor de música para, aos poucos, modificar os hábitos e a vida do povo da região” (Lettière, 1997, p.41).

Segundo o autor, Napoleão é um “Homem de ideias largas, avançadas, pensa em educação, em Cultura e, com determinação, manda vir de Salvador, o professor Fabrício Cesar Freire, para dirigir um colégio que fundou, aonde seus filhos e os filhos dos moradores da região pudessem instruírem-se” (Lettière, 1997, p.41). No entanto, essa não era uma característica peculiar ao Coronel em questão. Era comum do período e de muitos coronéis o investimento em modernização e melhorias para suas regiões de domínio.

Segundo Isnara Ivo, num estudo de caso feito sobre a Imperial Vila da Vitória, região à qual pertencia a Chapada, o mandonismo nessa localidade assumiu certas especificidades. Ivo assinala que:

Os chefes locais estavam mais preocupados com as questões intestinas do município e, durante o período analisado, demonstraram não privilegiar as questões políticas regionais, tanto que a vila não produziu nenhum líder cuja atividade política extrapolasse as fronteiras do município (IVO, 2017, p.53).

Isnara Pereira Ivo afirma que a noção desses chefes e mandões como pessoas que detinham o atraso não se encaixa na realidade daquele períodovii (IVO, 2017, p. 53). Segundo

Ivo, “os chefes locais, como administradores, desenvolveram políticas públicas com alto grau de modernização. Buscaram ordenar o espaço público do município, visando à modernização e à estruturação física da localidade” (p.53).

Percebe-se, através desse estudo de caso, que ideias modernizantes e investimentos em ações que beneficiassem as regiões de domínio não eram uma idiossincrasia do Coronel Napoleão Ferraz de Araújo. Tais realizações de trabalhos e favores eram, inclusive, uma forma dos coronéis manterem seu prestígio e domínio. Segundo Queiroz:

Como bem observa Costa Porto, num livro muito elucidativo dos problemas do coronelismo brasileiro, pois delineia a biografia de Pinheiro Machado, coronel dos coronéis durante a Primeira República, o prestígio dos coronéis

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“lhes advém da capacidade de fazer favores ”; quanto maior esta capacidade, maior eleitorado terá e mais alto se colocará na hierarquia política, quer ocupe cargos administrativos, quer não: será chefe municipal, estadual ou até federal.” (QUEIROZ, 1969, p. 191).

Não se sabe ao certo se o Coronel Napoleão Ferraz de Araújo detinha em suas intenções pretensões políticas. Sabe-se que o mesmo, a partir de seu prestígio na região, angariou tanto apaniguados como inimigos. Sabe-se que Napoleão Ferraz recebeu patenteviiide

Coronel durante sua influência na região da Chapada, o que pode apontar para contatos políticos extra regionais e prestígio mediante os mesmos.

O autor atribui ao coronel Napoleão Ferraz, partindo de seus feitos na região da chapada, características que, analisando os estudos sobre a região, não o diferenciam de muitos outros coronéis que habitavam as proximidades (LETTIÈRE, 1997, p.39).

A afirmação de Lettière de que o Coronel Napoleão Ferraz de Araújo desejava libertar a população da Chapada das garras do “coronealismo” (Lettière, p.40) não se fundamenta. Tal afirmação é baseada na reprodução de uma cartaix onde o Coronel expressa sua insatisfação em relação às inimizades que lhe foram direcionadas devido ao seu prestígio, algo muito comum dentro do sistema coronelista.

Ao longo da carta reproduzida no livro “Belo Campo – Memórias” (1997), o Coronel expõe sua insatisfação com as perseguições sofridas devidas, segundo a carta reproduzida, aos esforços dele em benefício do povo e em busca de uma “libertação” das “amarras da ignorância” vivenciadas pela gente daquela região. Em dado momento da carta Napoleão afirma que:

[...] Encaram-me como réprobo!... como homem nocivo a sociedade!... e, se de um lado encontro o ódio e a inveja de uns, do outro, encontro a indiferença sem par e uma verdadeira contemplação satisfeita aos embaraços que me são antepostos – com exceção apenas de um pequeno número de amigos e homens sinceros que, colocados numa esfera superior sabe distribuir a justiça entre mim e eles (Lettière apud Napoleão Ferraz de Araújo, p. 40).

As perseguições, oposições e indiferenças perpetradas contra o Coronel Napoleão Ferraz também não eram incomuns a esse período. Era muito comum que ao angariar reconhecimento e assumir postos de comando num determinado território que o coronel ou

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mandão passasse a sofrer a inimizade de outros coronéis e de sua clientela, ou de sua gentex.

Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz:

Finalmente, também a posição do coronel Fulano com relação a outros coronéis era conhecida de todos; o indivíduo que era seu apaniguado também lhe esposava as alianças e inimizades e se colocava como aliado ou antagonista da “gente” de outros coronéis. “Gente do coronel Fulano” significava então a clientela deste (QUEIROZ, 1969, p. 174).

Ao longo da carta, Napoleão Ferraz expõe seu desgosto para com a ignorância e desprezo do povo e sua insatisfação para com a postura da família Ferraz (Lettière, 1997, p.40 e 41). Apesar disso afirma que está “[...] sempre mais disposto a trabalhar com toda energia em prol de nossa família ou melhor ainda, da Família Ferraz” (Lettière, 1997, p.40 e 41). Finalizando a carta, Napoleão volta a expressar sua preocupação em “salvar nossa família das garras aduncas d’esse analfabetismo deletério e fulminador” (Lettière, 1997, p.40 e 41). É interessante notar a ênfase de Napoleão Ferraz em sua preocupação com a família Ferraz, o que pode apontar para uma possível proteção àqueles que constituem sua parentela e sua gente.

Talvez, um diferencial do Coronel Napoleão Ferraz seja a ausência de violência no trato com seus inimigos, no entanto, só se pode supor, pois a maior parte da documentação escrita a respeito da história do Coronel e de Belo Campo é de arquivo privado, tonando-se difícil a consulta e confrontação da documentação em questão.

A carta reproduzida no livro “Belo Campo – Memórias” (1997), de Roberto Lettière, apresenta um único ponto de vista, o do Coronel Napoleão Ferraz, a respeito da situação social e política da Chapada e não se reproduz nenhum depoimento de moradores (as) antigos (as) da região.

A morte (Edital de Sumário de Culpa, p.44 – 45) de Napoleão Ferraz constitui-se episódio lamentável. Napoleão foi emboscado por jagunços a mando de seus desafetos quando retornava da Conquista (atual Vitória da Conquista). Ao atingir a região de Campo Formoso (Panela) ele e seu irmão Cícero Ferraz foram surpreendidos por homens armados. Os irmãos foram alvejados por tiros, tendo Cícero morrido com tiro fulminante e Napoleão, que foi alvejado com cinco tiros, falecido horas depois (Lettière, 1997, p. 44). O episódio da morte do Coronel Napoleão Ferraz é triste, mas não incomum à Primeira República

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(1989-1930) no Brasil, pois desde o Período Colonial (1530- 1822) e por todo o Império (1822-1889), o uso da violência e as encomendas de morte no trato com os desafetos dos chefes, mandões e coronéis era uma constante.

Coronel Napoleão Ferraz de Araújo esteve inserido dentro de um contexto complexo e diversificado na história brasileira. As características e esforços que lhe são imputadas como honrosas, idealistas, à frente do seu tempo, que lhe conferem uma aura heroica constituem, na verdade, características comuns a diversos coronéis da região da Imperial Vila da Vitória, posteriormente Conquista, e do Brasil.

A partir das conjecturas feitas a respeito do Coronel, a memória da população belocampense fica despida do cenário histórico que cercou o Coronel Napoleão Ferraz de Araújo, sua parentela e a região da Chapada. Fica a memória despida da inserção do Coronel no devido contexto.

É preciso que a história de um povo seja tratada de forma crítica, aproximando tal sociedade da autocriticidade histórica e do reconhecimento e valoração de sua trajetória. Para tal, é importante que os atores e atrizes que compõe o teatro da vida e dos processos históricos não se vejam privados dos cenários e coadjuvantes que compuseram tal “encenação”.

É importante despertar a curiosidade de um povo a respeito de sua própria história, é importante que esse povo se pergunte qual sua verdadeira história, como ela foi escrita ou contada e por que.

Notas

i Artigo, parte do trabalho de conclusão de curso orientado pela professora Drª Cleide de Lima Chaves, Departamento de História da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).

iiNo livro “Belo Campo – Minha Terra, Minha Gente” (2008), no que tange ao Coronel Napoleão Ferraz de Araújo, Lettière faz uma breve

contextualização do momento histórico vivido por Napoleão Ferraz, realizando uma breve abordagem a respeito do coronelismo (p. 128 – 149). No entanto, mantém a mesma ideia, apresentada no livro “Belo Campo – Memórias” (1997) sobre o coronel em questão.

iiiAs informações pessoais e profissionais foram retiradas da página do autor no Facebook.

iv O coronelismo é, então, a forma assumida pelo mandonismo local a partir da Proclamação da Repú blica; o mandonismo local teve várias

formas desde a Colônia, e assim se apresenta como o conceito mais amplo com relação aos tipos de poder político -econômico que historicamente marcaram o Brasil. (Queiroz, 1969, p. 178)

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vNo livro escrito por roberto Lettière, Belo Campo – Memórias, aparece o termo coronealismo e não coronelismo.

vi Um coronel era também, em geral, o chefe de extensa parentela, de que constituía por assim dizer o ápice. Esta era formada por um grande

grupo de indivíduos reunidos entre si por laços de parentesco carnal, espiritual (compadrio) ou de aliança (uniões matrimonia is). (Queiroz, 1969, p. 183)

vii No capítulo II do livro “O Anjo da Morte Contra o Santo Lenho – poder, vingança e cotidiano no sertão da Bahia” (2017), a partir da

página 86, Ivo trata de vários projetos modernizantes empreendidos pelos mandões da Imperial Vila da Vitória.

viii O Coronel Napoleão Ferraz de Araújo, recebeu em 6 de maio de 1914 patente de coronel da 220ª Brigada de Infantaria da Guarda

Nacional da Comarca de Conquista, no Estado da Bahia (a patente está reproduzida na p. 192 do livro Belo Campo – Memórias).

ix A carta encontra-se reproduzida no livro “Belo Campo – Memórias” (1997), de Roberto Lettière, na página 40 e 41. No livro “Belo Campo

– minha terra, minha gente’ (2008), Lettière reproduz uma carta (p. 144 – 145) de Napoleão enviada à Biblioteca Nacional, onde o coronel descreve características de sua nova localidade de moradia (Chapada, atual Belo Campo). Nessa carta o coronel menciona a não existência da “maldita políticagem”. Não fica claro o que era “maldita politicagem” para o Coronel.

xO termo “gente” indicava primeiramente que não se tratava de alguém do mesmo nível que o coronel ou sua família”. (Queiroz, 1969, p.

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Referências Bibliográficas

BARROS, José D’Assunção. Tempos e lugares da memória – Uma relação com a História. Historiae – Rio Grande, 2017.

CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. Companhia das Letras – 2ª ed. São Paulo, 2017.

IVO, Pereira Isnara. O Anjo da Morte contra o Santo Lenho: Poder, Vingança e Cotidiano no Sertão da Bahia. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2017.

LETTIÈRE, Roberto. Belo Campo – Memórias. UESB – Vitória da Conquista, 1997.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. História da Civilização Brasileira: tomo III Brasil Republicano, estrutura de poder e economia (1889 – 1930). Capítulo III: O Coronelismo

Referências

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