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Glicólise e desidrogénase do piruvato

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Academic year: 2021

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Glicólise e desidrogénase do piruvato

Índice

1- O catabolismo dos nutrientes fornece energia para a síntese de ATP ... 1

2- A glicólise, sua localização e papel metabólico ... 1

3- O transporte transmembranar de glicose ... 1

4- As enzimas da glicólise catalisam a conversão da glicose em piruvato ... 2

5- A ação da aldólase permite compreender que a partir de uma molécula de glicose se formem duas de piruvato3 6- A energia libertada na cisão e na oxidação de uma molécula de glicose por duas moléculas de NAD+ permite a formação líquida de duas moléculas de ATP ... 3

7- Nos eritrócitos, todo o NADH formado na ação da desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato é reoxidado por ação da desidrogénase do lactato ... 3

8- Nos eritrócitos, a glicose é cindida a lactato e o processo (que não é, globalmente, uma oxidação) designa-se por glicólise anaeróbica ... 4

9- O único destino do lactato é a sua reoxidação a piruvato que ocorre em células distintas das que o produzem 4 10- Quando o NADH é reoxidado na cadeia respiratória (pelo oxigénio) a glicólise diz-se aeróbica: uma molécula de glicose é oxidada gerando duas de piruvato ... 4

11- A desidrogénase do piruvato catalisa a descarboxilação oxidativa do piruvato gerando acetil-CoA ... 5

12- A inativação da desidrogénase do piruvato pela cínase da desidrogénase do piruvato e a sua ativação pela fosfátase da desidrogénase do piruvato. ... 5

13- Em algumas células do organismo a glicólise é, normalmente, predominantemente aeróbica e noutras predominantemente anaeróbica ... 6

14- A glicólise anaeróbica permite manter a concentração de ATP estacionária nas fibras musculares aquando do exercício físico anaeróbico ... 6

15- Durante o exercício há mobilização de GLUT4 para a membrana sarcoplasmática e ativação da desidrogénase do piruvato ... 7

16- As concentrações citoplasmáticas de AMP e ADP podem subir marcadamente durante o exercício físico e ativar a glicólise ... 7

17- A estimulação da captação celular de glicose e da oxidação da glicose no estado pós-prandial ... 8

18- Mecanismos envolvidos na estimulação da captação e da oxidação muscular de glicose no estado pós-prandial 8 19- Mecanismos envolvidos na estimulação da captação e da oxidação hepática de glicose no estado pós-prandial9 20- A oxidação de glicose pelo cérebro ... 9

1- O catabolismo dos nutrientes fornece energia para a síntese de ATP

O metabolismo energético dos seres vivos pode ser interpretado como um processo no qual os nutrientes são oxidados pelo O2 (catabolismo) gerando a energia necessária para a síntese de ATP (a

partir de ADP + Pi), ao mesmo tempo que o ATP formado é hidrolisado (a ADP + Pi) fornecendo a energia utilizada na síntese de múltiplas substâncias (anabolismo), na atividade muscular e na manutenção dos gradientes iónicos.

Juntamente com outros mecanismos, a fome é um importante mecanismo homeostático: a ingestão de alimentos fornece ao organismo as substâncias cuja oxidação permite manter a concentração celular de ATP praticamente constante (“estacionária”). Numa determinada célula do organismo a concentração de ATP praticamente não varia, mesmo quando a sua velocidade de hidrólise aumenta porque, quando isto acontece (por exemplo, nas fibras musculares, durante o esforço físico), aumenta igualmente a sua velocidade de síntese (formação de ATP a partir de ADP e Pi). Este aumento da velocidade de síntese de ATP implica um aumento da velocidade do catabolismo, ou seja, um aumento na velocidade de oxidação dos nutrientes.

2- A glicólise, sua localização e papel metabólico

A glicólise é uma via metabólica do citoplasma das células (de todas as células) em que a glicose é, num processo exergónico, convertida em piruvato (ou lactato) e se forma, concomitantemente e num processo endergónico, ATP a partir de ADP + Pi. As enzimas da glicólise são, no seu conjunto, “a máquina” que permite a acoplagem dos dois processos.

3- O transporte transmembranar de glicose

Na maioria das células do organismo a concentração de glicose livre é extremamente baixa porque imediatamente após a sua entrada para as células ocorre a sua fosforilação a glicose-6-fosfato.

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Assim, a entrada da glicose do sangue para o citoplasma ocorre a favor do gradiente e o transporte é catalisado por proteínas da membrana que são uniporters. Estes uniporters designam-se por GLUTs e podem ser produtos de genes distintos em órgãos distintos. Nos casos do polo basal dos enterócitos e dos hepatócitos a concentração de glicose pode, em certas condições, ser mais alta no citoplasma que no sangue: nestas condições o GLUT (nestes casos, o GLUT2) catalisa a saída de glicose da célula. Noutras condições ocorre o inverso e a glicose entra para estas células.

No caso dos músculos, porque toda a glicose que entra é imediatamente fosforilada a glicose-6-fosfato (catálise pela hexocínase II1; ver Equação 1) e não existem, aqui, enzimas capazes de converter a

glicose-6-fosfato em glicose, o gradiente de concentrações favorece sempre a entrada de glicose. Nos músculos, o transporte transmembranar de glicose é, maioritariamente, catalisado pelo GLUT4 e o número destes transportadores na membrana sarcoplasmática de uma fibra muscular varia consoante o estado hormonal e a atividade contráctil da fibra muscular. O número de moléculas de GLUT4 na membrana sarcoplasmática e, consequentemente, a velocidade com que uma fibra muscular capta a glicose do sangue aumenta quando aumenta a concentração de insulina no sangue ou quando aumenta a atividade contráctil da fibra muscular em questão [1]. Ambos os estímulos promovem a migração para a membrana sarcoplasmática de vesículas que estavam no citoplasma e que contêm GLUT4: as vesículas fundem-se com a membrana que incorpora as moléculas de GLUT4 na sua estrutura.

Equação 1 glicose + ATP → glicose-6-fosfato + ADP

Nos casos dos eritrócitos e dos astrócitos do sistema nervoso central os transportadores de glicose designam-se por GLUT1. Os neurónios também podem captar glicose e os transportadores designam-se por GLUT3.

4- As enzimas da glicólise catalisam a conversão da glicose em piruvato

As enzimas da glicólise são: a cínase da glicose ou a cínase das hexoses (ver nota 1 e Equação 1), a isomérase das fosfohexoses (ver Equação 2), a cínase-1 da frutose-6-fosfato (ver Equação 3), a aldólase (ver Equação 4), a isomérase das trioses-fosfato (ver Equação 5), a desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 6), a cínase do 3-fosfoglicerato (ver Equação 7), a mútase do fosfoglicerato (ver Equação 8), a enólase (ver Equação 9) e a cínase do piruvato (ver Equação 10). Equação 2 glicose-6-fosfato ↔ frutose-6-fosfato

Equação 3 frutose-6-fosfato + ATP → frutose-1,6-bisfosfato + ADP

Equação 4 frutose-1,6-bisfosfato ↔ gliceraldeído-3-fosfato + dihidroxiacetona-fosfato Equação 5 dihidroxiacetona-fosfato ↔ gliceraldeído-3-fosfato

Equação 6 gliceraldeído-3-fosfato + Pi + NAD+ 1,3-bisfosfoglicerato + NADH

Equação 7 1,3-bisfosfoglicerato + ADP ↔ 3-fosfoglicerato + ATP Equação 8 3-fosfoglicerato ↔ 2-fosfoglicerato

Equação 9 2-fosfoglicerato ↔ fosfoenolpiruvato + H2O

Equação 10 fosfoenolpiruvato + ADP → piruvato + ATP

Nas membranas citoplasmáticas não existem transportadores para os intermediários fosforilados da glicólise: por isso a ação catalítica das hexocínases (ver Equação 1) converte uma substância que pode atravessar a membrana (a glicose, via GLUTs) numa outra (a glicose-6-fosfato) que já não tem essa característica.

Tal como em todas as vias metabólicas, um dos produtos formados pela ação catalítica de uma dada enzima é substrato de uma outra enzima permitindo compreender que se possa desenhar uma cadeia sequenciada de reações e que, no seu conjunto, as enzimas da glicólise convertam glicose em piruvato. Se ignorarmos momentaneamente a formação de NADH e o consumo e formação de ATP poderemos escrever a seguinte sequência de transformações: glicose → glicose-6-fosfato → frutose-6-fosfato →

1 O conhecimento da estrutura primária das diferentes isoenzimas que, nos mamíferos, são capazes de catalisar a fosforilação da glicose motivou uma mudança na nomenclatura das isoenzimas com esta atividade catalítica. Os estudos funcionais já haviam demonstrado, há mais de 50 anos, que havia, pelo menos, duas isoenzimas com esta atividade que foram, então, designadas por cínase da glicose e por cínase das hexoses. Atualmente a cínase da glicose também é designada por hexocínase IV. A atividade da cínase das hexoses é, sabe-se hoje, partilhada por três hexocínases diferentes designadas por hexocínases I, II e III.

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frutose-1,6-bisfosfato → (dihidroxiacetona-fosfato + gliceraldeído-3-fosfato); dihidroxiacetona-fosfato →

gliceraldeído-3-fosfato → 1,3-bisfosfoglicerato → 3-fosfoglicerato → 2-fosfoglicerato →

fosfoenolpiruvato → piruvato.

5- A ação da aldólase permite compreender que a partir de uma molécula de glicose se formem duas de piruvato

A aldólase (ver Equação 4) é a enzima da glicólise que catalisa a cisão (lise) da molécula de frutose-1,6-bisfosfato (6C) em gliceraldeído-3-fosfato (3C) e dihidroxiacetona-fosfato (3C). A transformação da dihidroxiacetona-fosfato em gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 5) e a posterior transformação deste composto em piruvato (3C; ver Equações 6-10) permite compreender que uma molécula de glicose (6C) dê origem a duas de piruvato (2 × 3C).

6- A energia libertada na cisão e na oxidação de uma molécula de glicose por duas moléculas de NAD+ permite a formação líquida de duas moléculas de ATP

Antes da lise da frutose-1,6-bisfosfato, duas moléculas de ATP servem como substratos dadores de fosfato em reações de fosfotransferência catalisadas pela hexocínase (ver Equação 1) e pela cínase da frutose-6-fosfato (ver Equação 3). Depois da lise da frutose-1,6-bisfosfato ocorre a formação de ATP em duas reações de fosfotransferência em que o substrato aceitador é o ADP e os substratos dadores são o 1,3-bisfosfoglicerato (cínase do 3-fosfoglicerato; ver Equação 7) e o fosfoenolpiruvato (cínase do piruvato; ver Equação 10). As reações de formação de ATP a partir de ADP através de reações de fosfotransferência designam-se, comummente, de “fosforilações ao nível do substrato” (por contraponto à “fosforilação oxidativa” mitocondrial).

Também já depois da lise da frutose-1,6-bisfosfato ocorre a redução do NAD+ (e consequente

formação do NADH) numa reação em que, concomitantemente com a reação de oxirredução ocorre a adição de fosfato inorgânico (Pi): esta reação é a catalisada pela desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 6). O NAD+ e o NADH são, respetivamente, as formas oxidada e reduzida do dinucleotídeo

de adenina e nicotinamida.

O somatório das reações envolvidas na formação do piruvato a partir de glicose é expressa pela Equação 11:

Equação 11 glicose (C6H12O6) + 2 NAD++ 2ADP + 2Pi →

2 ác. pirúvico (C3H4O3) + 2 NADH + 2ATP + 2H2O

A energia libertada no processo de cisão e oxidação de uma molécula de glicose por duas moléculas de NAD+ permite a formação líquida de 2 moléculas de ATP (a partir de ADP e Pi). O

processo oxidativo envolve dois pares de eletrões que são cedidos pela glicose (que se oxida a piruvato) e aceites por duas moléculas de NAD+ (que se reduzem a NADH).

7- Nos eritrócitos, todo o NADH formado na ação da desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato é reoxidado por ação da desidrogénase do lactato

Os eritrócitos são as células mais simples do organismo. Porque não têm mitocôndrias, todo o ATP que hidrolisam (por exemplo, na ação da ATPase do Na+/K+) formando ADP e Pi é reposto na

transformação expressa pela Equação 11, ou seja, na glicólise. Existe aqui, tal como em todas as células do organismo, um ciclo de formação e hidrólise de ATP onde as concentrações de ATP, ADP e Pi se mantêm estacionárias.

O somatório das concentrações de NAD+ e NADH dentro dos eritrócitos é (como em todas as

células) muito baixo (cerca de 78 µM [2]) e, na ausência de um mecanismo que permitisse reoxidar o NADH a NAD+, todo o NAD+ do eritrócito se esgotaria em menos de 1 minuto. De facto, a concentração

de NAD+ (e NADH) é estacionária porque cada molécula de NADH que se forma na glicólise é

imediatamente oxidada a NAD+ por ação catalítica da desidrogénase do lactato (ver Equação 12).

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8- Nos eritrócitos, a glicose é cindida a lactato e o processo (que não é, globalmente, uma oxidação) designa-se por glicólise anaeróbica

O somatório da Equação 11 e da Equação 12 e de uma outra (Equação 13) que representa todos os processos que, no eritrócito, hidrolisam ATP à mesma velocidade com que se forma permitem escrever a Equação 14.

Equação 13 2 ATP + 2 H2O → 2 ADP + 2 Pi

Equação 14 glicose (C6H12O6) → 2 ácido láctico (C3H6O3)

A Equação 14 descreve o metabolismo da glicose nos eritrócitos2 e permite formular uma ideia

importante: os eritrócitos captam glicose do plasma (via ação do GLUT1) e convertem-na em ácido láctico que é libertado para o plasma. (Este ácido láctico vai depois ser metabolizado por outras células do organismo.) À glicólise que tem como produto o ácido láctico (= lactato + protão) chama-se glicólise anaeróbica porque não consome oxigénio.

A Equação 14 mostra que o processo não é globalmente oxidativo e que o número de oxidação médio dos carbonos da glicose (o substrato da glicólise) e do ácido láctico (o produto da glicólise anaeróbica) são iguais. Em ambos os casos são zero.

9- O único destino do lactato é a sua reoxidação a piruvato que ocorre em células distintas das que o produzem

Nos mamíferos, a única reação em que o ácido láctico é substrato (ou produto) é a que é catalisada pela desidrogénase do lactato (Equação 12), uma enzima que catalisa uma reação fisiologicamente reversível. Nos órgãos onde o ácido láctico é captado (fígado e coração, por exemplo) a única reação em que o ácido láctico intervém é a que é expressa pela Equação 12 mas, agora, desenvolve-se em termos líquidos, no desenvolve-sentido de formar ácido pirúvico que desenvolve-será depois oxidado nas mitocôndrias desses órgãos ou, eventualmente, sofrer outras transformações (como, no fígado, a conversão em glicose). O transporte transmembranar de lactato é mediado por um simporter (designado por transportador de monocarboxilatos) que faz o cotransporte do anião lactato com um protão (ou seja, transporta ácido láctico) a favor do gradiente. O mesmo transportador também pode transportar ácido pirúvico [3].

10- Quando o NADH é reoxidado na cadeia respiratória (pelo oxigénio) a glicólise diz-se aeróbica: uma molécula de glicose é oxidada gerando duas de piruvato

Ao contrário dos eritrócitos todas as outras células têm mitocôndrias e, em condições basais, o ácido láctico que vertem para o plasma sanguíneo é relativamente escasso. Nestes casos, a maioria das moléculas de NADH formada na glicólise é imediatamente oxidada (ver Equação 15), não por ação da desidrogénase do lactato, mas sim pelo O2 na cadeia respiratória das mitocôndrias:

Equação 15 2 NADH + O2→ 2 NAD+ + 2 H2O

A cadeia transportadora de eletrões da membrana interna da mitocôndria catalisa o transporte de eletrões do NADH para o O2 permitindo a regeneração do NAD+. Desta forma, a cadeia respiratória

contribui (juntamente com a desidrogénase do lactato) para que a razão entre a concentração de NADH e de NAD+ se mantenha estacionária. O somatório da Equação 11 e da Equação 15 é a Equação 16 que expressa a ação conjugada das enzimas da glicólise e da cadeia respiratória, ou seja, a glicólise aeróbica: Equação 16 glicose (C6H12O6) + O2+ 2 ADP + 2 Pi → 2 ácido pirúvico (C3H4O3) + 2 ATP + 2 H2O

2 A glicólise nos eritrócitos tem uma particularidade que, em termos quantitativos, pode ser considerada irrelevante. Algumas (muito poucas) das moléculas de 1,3-bisfosfoglicerato não sofrem a ação da cínase do 3-fosfoglicerato, mas sim de uma mútase que leva à formação de 2,3-bisfosfoglicerato. Este composto participa na regulação da afinidade da hemoglobina para o oxigénio. Ao ligar-se à hemoglobina, o 2,3-bisfosfoglicerato diminui a sua afinidade para o oxigénio desta forma diminuindo a quantidade de oxigénio que permanece no sangue aquando da sua passagem nos capilares dos tecidos.

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11- A desidrogénase do piruvato catalisa a descarboxilação oxidativa do piruvato gerando acetil-CoA

Em condições geralmente designadas por aeróbicas, o ácido pirúvico entra para as mitocôndrias onde, por ação catalítica da desidrogénase do piruvato se converte em acetil-CoA. A reação catalisada pela desidrogénase do piruvato é fisiologicamente irreversível e é descrita pela Equação 17:

Equação 17 piruvato + CoA + NAD+ acetil-CoA + CO

2 + NADH

O processo catalítico é frequentemente descrito como uma “oxidação descarboxilativa” porque, a par de uma reação de oxi-redução, ocorre uma descarboxilação (saída de CO2) de tal forma que o número

de carbonos do resíduo acetilo da acetil-CoA (dois) é menor que o do piruvato (três). Permitindo a oxidação das novas moléculas de ácido pirúvico formadas durante a oxidação da glicose, cada molécula de NADH formada é imediatamente oxidada a NAD+ pelo O

2 na cadeia respiratória (ver Equação 15). O

resíduo acetilo do acetil-CoA é oxidado a CO2 no ciclo de Krebs e neste processo também se formam

moléculas de ATP.

12- A inativação da desidrogénase do piruvato pela cínase da desidrogénase do piruvato e a sua ativação pela fosfátase da desidrogénase do piruvato.

A desidrogénase do piruvato (ver Equação 17) é, de facto, um complexo multienzímico composto por 5 tipos diferentes de proteínas que se designam por (E1) desidrogénase do piruvato, (E2) transacetílase do dihidrolipoato, (E3) desidrogénase do dihidrolipoato, (E4) cínase da desidrogénase do piruvato e (E5) fosfátase da desidrogénase do piruvato. Estas proteínas estão organizadas em agregados na matriz da mitocôndria.

As proteínas E1, E2 e E3 são coletivamente responsáveis pela catálise expressa pela Equação 17 e contêm, como grupos prostéticos tiamina-pirofosfato (TPP), ácido lipoico e FAD (dinucleotídeo de flavina e adenina), respetivamente. No processo catalítico há uma cadeia de transferência de eletrões desde o piruvato ao NAD+, envolvendo sucessivamente o lipoato e o FAD. O piruvato cede um par de

eletrões ao lipoato que se converte em dihidrolipoato; a reconversão do dihidrolipoato a lipoato implica a redução do FAD a FADH2 e a reoxidação do FADH2 a FAD implica a redução do substrato NAD+ que

está presente na matriz mitocondrial. A oxidação do piruvato [3C] é concomitante com a sua descarboxilação a acetato [2C] e com a formação de uma ligação tioéster entre o acetato e o CoA (ver Equação 17) 3.

A cínase da desidrogénase do piruvato (E4; ver Equação 18) e a fosfátase da desidrogénase do piruvato (E5; ver Equação 19) têm papéis reguladores da atividade catalítica do complexo. Quando a proteína E1 de um dado complexo está na forma desfosforilada, este complexo está ativo enquanto a forma fosforilada é inativa. A cínase da desidrogénase do piruvato catalisa a fosforilação da proteína E1 catalisando a transferência do fosfato γ do ATP (ver Equação 18) e, consequentemente, inativando o

3 A ação catalítica do complexo desidrogénase do piruvato resulta da ação sequenciada das três proteínas (unidades enzímicas) que o constituem.

E1 (desidrogénase do piruvato) tem duas atividades que decorrem sequencialmente: descarboxilação do piruvato (ver reação E1a) seguida de oxidação do grupo hidroxietilo do intermediário formado na reação de descarboxilação, o hidroxietil-tiamina-pirofosfato (ver reação E1b). O oxidante é o lipoato que é o grupo prostético de E2 (transacetílase do dihidrolipoato): na oxidação do grupo hidroxietilo (2C) forma-se o grupo acetilo (2C) havendo concomitantemente redução do lipoato a dihidrolipoato. Simultaneamente com a reação redox ocorre transferência da unidade de dois carbonos (grupo acetilo) para o dihidrolipoato; ou seja, as duas metades da molécula de acetil-dihidrolipoato resultam respetivamente da oxidação do grupo hidroxietilo e da concomitante redução do lipoato.

Assim, as reações E1a e E1b são catalisadas por E1. (E1a) piruvato + TPP → hidroxietil-TPP + CO2

(E1b) hidroxietil-TPP + lipoato → acetil-dihidrolipoato + TPP

A ação catalítica de E2 (transacetílase do dihidrolipoato) resume-se à transferência do resíduo acetilo do acetil-dihidrolipoato para a CoA.

(E2) acetil-dihidrolipoato + CoA → acetil-CoA + dihidrolipoato

A possibilidade E1 poder continuar a oxidar o hidroxietil-TPP (ver E1b) depende da reoxidação do dihidrolipoato a lipoato e este processo vai ser catalisado por E3 (desidrogénase do dihidrolipoato). Na oxidação do dihidrolipoato, o agente oxidante direto é o FAD que, depois de reduzido a FADH2, é reoxidado pelo NAD+.

(E3a) dihidrolipoato + FAD → lipoato + FADH2 (E3b) FADH2 + NAD+ → FAD + NADH

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complexo. A fosfátase da desidrogénase do piruvato catalisa a hidrólise de E1 fosforilada (ver Equação 19) e, consequentemente, promove a ativação do complexo.

Equação 18 ATP + desidrogénase do piruvato desfosforilada (ativa) →

ADP + desidrogénase do piruvato fosforilada (inativa) Equação 19 desidrogénase do piruvato fosforilada (inativa) + H2O →

desidrogénase do piruvato desfosforilada (ativa) + Pi

A atividade da desidrogénase do piruvato depende da proporção de moléculas de enzima que está na forma desfosforilada, a forma ativa.

13- Em algumas células do organismo a glicólise é, normalmente, predominantemente aeróbica e noutras predominantemente anaeróbica

Na maioria das células as glicólises aeróbica e anaeróbica coexistem: algumas das moléculas de ácido pirúvico formadas a partir da glicose são reduzidas a ácido láctico e outras são oxidadas a acetil-CoA. A proporção depende da percentagem de moléculas de NADH citoplasmático que é oxidada pelo piruvato (via desidrogénase do lactato) e pelo oxigénio (via cadeia respiratória). Ou seja, numa determinada célula e num dado momento, a razão entre o número de moléculas de piruvato que se reduz a lactato e o número de moléculas de piruvato que se oxida formando acetil-CoA depende das atividades relativas das desidrogénases do lactato e do piruvato (ver Equação 12 e Equação 17).

Contudo, no caso do cérebro (considerado como um todo) e do coração, praticamente todas as moléculas de glicose que entram para as células sofrem glicólise aeróbica. Nestes órgãos, entendidos como um todo, as moléculas de ácido pirúvico não são reduzidas a lactato, mas sim oxidadas pela ação da desidrogénase do piruvato (Equação 17) e, concomitantemente, os NADH formados na oxidação do piruvato e na glicólise são oxidados pelo O2 (Equação 15). Na realidade, estes órgãos podem captar

lactato do sangue, oxidar o lactato a piruvato, oxidar o piruvato a acetil-CoA e este a CO2 no ciclo de

Krebs.

No entanto, pelo menos no caso do coração, em situações em que o fluxo sanguíneo está perturbado (situações de isquemia como o infarto ou angina de peito) o fornecimento de O2 não é

suficiente para oxidar todas as moléculas de NADH formadas. Assim, ocorre aumento da concentração intracelular de NADH (e diminuição na de NAD+) que faz com que a reação catalisada pela

desidrogénase do lactato (Equação 12) passe a evoluir no sentido da formação de ácido láctico. Ao contrário do que acontece no coração saudável (que capta ácido láctico do plasma e o oxida), o coração isquémico produz ácido láctico: parte da glicólise do coração isquémico é anaeróbica [4] sendo a Equação 14 a que melhor descreve o processo.

Uma situação semelhante acontece em tumores sólidos mal irrigados.

A glicólise dos eritrócitos é 100% anaeróbica, mas existem outras células no organismo onde a glicólise é predominantemente anaeróbica: nestas células a maior parte das moléculas de glicose originam lactato (que sai para o plasma) e não acetil-CoA. É o caso das células da medula dos rins: a medula renal ao contrário do córtex renal tem uma irrigação sanguínea escassa e grande parte da glicose que é cindida na medula renal acaba por formar lactato. Outros casos semelhantes são o cristalino e a córnea (tecidos do olho).

Uma situação patológica em que a glicólise é anaeróbia em grande parte (ou na totalidade) das células do organismo é a intoxicação por cianeto. Nesta condição a cadeia respiratória, normalmente envolvida na oxidação do NADH pelo O2 está paralisada, a glicólise é anaeróbia e ocorre produção

excessiva de ácido láctico que leva a acidose láctica. (A acidose láctica é assim um caso particular de acidose metabólica.) Esta situação é incompatível com a vida e se for suficientemente grave leva à morte do indivíduo. Outras situações que podem complicar-se com acidose láctica e que também são frequentemente fatais são a falência cardíaca e/ou respiratória graves. Se, por qualquer motivo, o oxigénio não chega aos tecidos do organismo a uma velocidade que compense o consumo de O2 na cadeia

respiratória passa a produzir-se uma quantidade excessiva de ácido láctico.

14- A glicólise anaeróbica permite manter a concentração de ATP estacionária nas fibras musculares aquando do exercício físico anaeróbico

Apesar do seu baixo rendimento “energético” (apenas 2 moles de ATP formadas por mole de glicose cindida), a glicólise anaeróbica tem um papel essencial na sobrevivência dos indivíduos e, em última análise, na sobrevivência das espécies. Nas fibras musculares esqueléticas, em particular nas que

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são mais pobres em mitocôndrias (fibras musculares brancas), a glicólise pode aumentar explosivamente de velocidade em situações em que a velocidade de hidrólise do ATP aumenta de forma dramática (ao subir a uma árvore, por exemplo). Numa situação deste tipo, embora a velocidade de oxidação do ácido pirúvico pela cadeia respiratória aumente, este aumento de velocidade não é suficiente para acompanhar o aumento explosivo da velocidade da glicólise. A atividade da desidrogénase do lactato das fibras musculares permite este aumento explosivo da velocidade da glicólise porque converte o NADH e o ácido pirúvico em NAD+ e ácido láctico (Equação 12): em situações deste tipo a maior parte do ATP formado

na fibra muscular (essencial para manter a sua síntese à mesma velocidade com que se hidrolisa) resulta da glicólise anaeróbica.

De facto, mesmo em repouso, os músculos produzem, normalmente, algum lactato, mas o exercício físico intensifica marcadamente o processo. Durante o tipo de exercício físico que é costume designar-se por “anaeróbico” (halterofilismo, corrida de 100 m, chutar com força, etc.) a concentração de lactato nas fibras musculares pode aumentar cerca de 30 vezes e é comum afirmar-se que é esta acumulação do ião lactato que provoca a fadiga. Contudo as evidências experimentais demonstram que, embora a concentração de lactato formado endogenamente esteja diretamente relacionada com o grau de fadiga, o ião lactato não interfere na atividade contráctil. Como mostra a Equação 14, na glicólise anaeróbica uma substância aprótica (a glicose) transforma-se numa outra que emite protões (ácido láctico). O pKa do ácido láctico (≈4) é mais baixo que o pH do citoplasma das fibras musculares (≈7) e, por isso, a esmagadora maioria das moléculas de ácido láctico dissocia-se formando o ião lactato e provocando uma descida do pH (de cerca 7 para valores tão baixos quanto 6,5). No esforço muscular contráctil em regime anaeróbico a descida do pH inibe a atividade muscular contráctil e é um dos fatores envolvidos no processo de fadiga que impede um sprinter de continuar a correr depois de terminar a sua prova. Durante os processos isquémicos a descida do pH intracelular que ocorre devido à glicólise anaeróbica também contribui para a diminuição da capacidade contráctil e este efeito tem uma enorme importância clínica: no coração isquémico a capacidade de bombeamento está diminuída.

15- Durante o exercício há mobilização de GLUT4 para a membrana sarcoplasmática e

ativação da desidrogénase do piruvato

No músculo esquelético a velocidade de hidrólise do ATP pode sofrer variações muito marcadas: nas fibras que estão a contrair a velocidade de hidrólise do ATP pode ser 300 vezes superior à do estado de repouso mas, em condições fisiológicas, a velocidade de síntese sobe de forma paralela.

Isto só é possível porque a velocidade de consumo de nutrientes, incluindo o de glicose na glicólise (e subsequente oxidação do piruvato pelo O2) também aumenta marcadamente em situações de esforço. Os mecanismos moleculares que, nos mamíferos, permitem explicar estas subidas de velocidade da glicólise são ainda mal compreendidos e, por isso, são atualmente objeto de intensa investigação e especulação [5].

(a) Um dos mecanismos que se crê terem importância nesta adaptação do consumo de glicose às necessidades de ATP já foi referido acima: o esforço muscular contráctil induz o aumento do número de moléculas de GLUT4 na membrana das fibras musculares e o consequente aumento na velocidade da entrada de glicose para essas fibras. Esse aumento dá-se de forma muito rápida porque não implica a síntese de novas moléculas de transportador nos ribossomas, mas sim a fusão de vesículas intracelulares (que já contêm GLUT4) com a membrana celular.

(b) Um outro mecanismo que poderá ser importante na adaptação do consumo de glicose às situações de esforço é o efeito do ião Ca2+ nos processos oxidativos. Quando uma fibra muscular é excitada pelo seu nervo motor aumenta a concentração citoplasmática e mitocondrial de Ca2+: no caso do

citoplasma este aumento pode ser de 100 vezes (de 0,1 µM para 10 µM) [6]. A fosfátase da desidrogénase do piruvato (ver Equação 19) é o componente do complexo desidrogénase do piruvato que catalisa a sua desfosforilação e a consequente ativação do processo de conversão do piruvato em acetil-CoA (ver Equação 17). A fosfátase da desidrogénase do piruvato é ativada pelo Ca2+ e,

consequentemente, quando a concentração de Ca2+ aumenta em resposta ao estímulo nervoso aumenta

também a velocidade de oxidação do piruvato a acetil-CoA.

16- As concentrações citoplasmáticas de AMP e ADP podem subir marcadamente durante o

exercício físico e ativar a glicólise

É comum escrever-se que nas situações fisiológicas em que há aumento do consumo de ATP nas células a sua concentração desce. De facto é possível observar descida da concentração de ATP em condições experimentais que não parecem refletir situações fisiológicas [4, 7, 8]. Atualmente, crê-se que

(8)

essas descidas são artefactos experimentais ou refletem condições extremas dificilmente observáveis num ser vivo saudável; no atual estádio do conhecimento pensa-se que, em condições fisiológicas, a concentração de ATP não sofre variação apreciável dentro das células.

No entanto, no caso dos músculos esqueléticos, parece poder ocorrer em situações de esforço, aumentos na concentração de ADP e AMP. Pode parecer estranho que, resultando o ADP da hidrólise do ATP (ATP + H2O → ADP + Pi) e o AMP da conversão do ADP (catálise pela cínase do adenilato; ver

Equação 20) possam ocorrer aumentos de concentração do ADP e AMP sem que, praticamente, ocorram variações na concentração de ATP. Em repouso a concentração de ATP pode ser cerca de 250 vezes superior à de ADP e cerca de 100000 vezes superior à de AMP [9]. Assim, tendo em conta a reação de hidrólise do ATP, à descida de 0,4% na concentração de ATP corresponde a subida para o dobro na concentração de ADP. Por sua vez, tendo em conta o equilíbrio químico da reação catalisada pela cínase de adenilato (ver Equação 20), a uma subida percentual modesta no ADP corresponde uma variação percentual muitíssimo marcada na de AMP [10].

Equação 20 2 ADP ↔ AMP + ATP

Quer o AMP quer o ADP são potentes ativadores alostéricos de uma das enzimas da glicólise que se pensa ter maior importância na regulação da velocidade de fluxo nesta via metabólica: a cínase-1 da frutose 6-fosfato (ver Equação 3). Curiosamente, um dos substratos desta enzima é o ATP mas, em concentrações fisiológicas, o ATP, para além de se ligar no centro ativo, pode também ligar-se ao centro alostérico e inibir a atividade da enzima. A ação ativadora do ADP e do AMP resulta da sua capacidade para competir com o ATP pelo centro alostérico da enzima: quando as concentrações de AMP e/ou ADP aumentam substituem o ATP no centro alostérico e impedem a sua ação inibidora.

17- A estimulação da captação celular de glicose e da oxidação da glicose no estado pós-prandial

Após a ingestão de glicose ou de compostos que, como o amido, possam originar glicose, a concentração de glicose sobe no plasma sanguíneo. No entanto esta subida é muito menos marcada que a que seria de esperar quando se compara a pequena quantidade de glicose existente no organismo (cerca de 12 g) com a que é absorvida após uma refeição normal (cerca de 100 g). A moderação na subida da concentração plasmática da glicose deve-se em grande parte à estimulação da secreção de insulina e ao seu papel estimulador na captação e na oxidação da glicose pelas células. A insulina é segregada nas células β dos ilhéus de Langerhans do pâncreas e vai estimular a oxidação da glicose em muitas células do organismo nomeadamente nas dos músculos, do tecido adiposo, dos rins e do fígado.

18- Mecanismos envolvidos na estimulação da captação e da oxidação muscular de glicose no estado pós-prandial

Os músculos, que podem representar cerca de 40-50% do peso total de um ser humano, têm um papel muitíssimo importante nos processos de limitação da subida e na subsequente normalização da glicemia. As ações da insulina nos músculos têm algumas semelhanças com as que foram descritas para o exercício físico. Da mesma forma que o exercício também a insulina provoca a migração de GLUT4 para a membrana sarcoplasmática e também provoca a ativação da desidrogénase do piruvato.

Parte da glicose que é captada para dentro das fibras musculares após as refeições vai ser armazenada (como glicogénio) mas, porque a desidrogénase do piruvato também é ativada pela insulina, a oxidação do piruvato e, em última análise a oxidação da glicose, também são ativadas. A ativação da desidrogénase do piruvato pela insulina é indireta e ocorre via ativação (não dependente do Ca2+) da

fosfátase da desidrogénase do piruvato (ver Equação 19) e inibição da síntese da cínase da desidrogénase do piruvato (ver Equação 18). O aumento da atividade da fosfátase da desidrogénase do piruvato e a diminuição da da cínase têm a mesma consequência: aumento da proporção das moléculas de desidrogénase de piruvato que ficam na forma ativa [11].

(É uma boa aproximação à realidade admitir que a ingestão de uma refeição não provoca aumento da velocidade de hidrólise do ATP nas células do organismo entendido como um todo. O aumento da velocidade de oxidação da glicose no período pós-prandial só é possível porque, concomitantemente, ocorre diminuição da oxidação de outros nutrientes presentes no plasma, os ácidos gordos. Pelo contrário, o aumento da oxidação da glicose que ocorre no exercício físico acompanha-se de aumento da oxidação dos ácidos gordos; no exercício físico há aumento da velocidade de hidrólise do ATP que é reposto via oxidação de ambos os nutrientes.)

(9)

19- Mecanismos envolvidos na estimulação da captação e da oxidação hepática de glicose no estado pós-prandial

O fígado também participa na moderação da subida da glicemia e na sua normalização durante e após a absorção intestinal de glicose. No entanto, os mecanismos envolvidos têm algumas diferenças relativamente aos músculos.

Ao contrário do que acontece nos músculos, a concentração de glicose dentro dos hepatócitos é semelhante à do sangue: o transportador GLUT2 (o transportador de glicose na membrana dos hepatócitos) tem grande atividade e permite manter uma situação de “quase equilíbrio” entre as duas faces da membrana. Assim, quando aumenta a concentração de glicose no sangue também aumenta, de forma paralela, a concentração de glicose dentro dos hepatócitos.

O facto de a gama de concentrações fisiológicas de glicose no hepatócito ser da mesma ordem de grandeza da do Km para a glicose da hexocínase IV (=cínase da glicose) ajuda a compreender que a subida de concentração da glicose aumente a atividade desta enzima (ver Equação 1). Um outro fator que explica o aumento da atividade da hexocínase IV relaciona-se com a ação da glicose na ligação da hexocínase IV à proteína inibidora da hexocínase IV. Quando a glicemia é baixa, grande parte da hexocínase IV está sequestrada dentro do núcleo ligada à proteína inibidora. A ligação da glicose ao complexo hexocínase IV-proteína inibidora leva à sua dissociação e à subsequente translocação da hexocínase IV do núcleo para o citoplasma onde inicia a glicólise. O aumento da atividade da hexocínase IV (ver Equação 1) faz com que a glicose baixe de concentração dentro dos hepatócitos criando o gradiente que permite a sua captação a partir do sangue.

O aumento da concentração plasmática da insulina (que acompanha a da glicose) também estimula a glicólise hepática: no fígado, os efeitos ativadores da insulina na velocidade da glicólise resultam, em parte, da indução da síntese de enzimas chave da glicólise, como a hexocínase IV e a cínase do piruvato (ver Equação 10).

Uma outra enzima chave da glicólise cuja atividade aumenta no fígado após as refeições é a cínase-1 da frutose-6-fosfato (ver Equação 3). Neste caso o aumento é também uma consequência da ação insulínica, mas não se deve a aumento da síntese de moléculas da enzima. A ativação deve-se ao aumento da concentração intracelular de um composto (frutose-2,6-bisfosfato) que é um ativador alostérico da cínase-1 da frutose-6-fosfato.

Tal como nos músculos, a insulina também estimula indiretamente (via ações antagónicas na cínase e na fosfátase) a desidrogénase do piruvato hepática [11].

20- A oxidação de glicose pelo cérebro

Em muitas situações, o órgão que está num dado momento a oxidar mais glicose é o cérebro. Isto só não acontece no período pós-prandial ou quando se se faz exercício físico; nestes casos os músculos esqueléticos considerados no seu todo podem ser os maiores consumidores de glicose.

A entrada e a oxidação de glicose no cérebro só são influenciadas pela insulina porque, ao contrário do que acontece noutros órgãos, estes processos podem ser indiretamente prejudicados. Se um indivíduo se injetar com uma dose alta de insulina a glicose entra para os músculos e para o tecido adiposo e a glicemia pode baixar para níveis tão baixos que a velocidade de entrada de glicose para o cérebro diminua prejudicando a síntese de ATP nos neurónios. Excetuando situações de jejum muito prolongado (vários dias) o único combustível do cérebro é a glicose sanguínea e se a glicemia baixar demasiado o indivíduo sofre um desmaio; se a situação se mantiver pode haver lesões no cérebro.

A glicólise que ocorre no cérebro entendido como um todo é aeróbica: ou seja, o NADH formado na glicólise cerebral é oxidado pelo O2 (ver Equação 15) e o piruvato formado não se converte

em lactato mas sim, via ação da desidrogénase do piruvato (ver Equação 17), em acetil-CoA. Em condições normais a velocidade de hidrólise de ATP no cérebro considerado como um todo não sofre variações nem com o estado nutricional nem com a atividade cerebral (o cérebro hidrolisa tanto ATP a dormir como a resolver problemas complexos) e o mesmo acontece com a velocidade de oxidação da glicose (cerca de 80 mg/min; 120 g/dia) [12].

O que se escreveu acima não contradiz uma outra ideia sobre o metabolismo da glicose no cérebro que se tem vindo a confirmar recentemente [13]. O catabolismo da glicose é iniciado nos astrócitos que captam glicose do sangue e a convertem em lactato. Este lactato sai dos astrócitos e entra nos neurónios (sempre via transportador de monocarboxilatos) e é nestas células que ocorrem as fases finais do processo oxidativo: oxidação do lactato a piruvato, oxidação do piruvato a acetil-CoA e oxidação do resíduo acetilo da acetil-CoA a CO2.

(10)

1. Russell, R. R., 3rd, Bergeron, R., Shulman, G. I. & Young, L. H. (1999) Translocation of myocardial GLUT-4 and increased glucose uptake through activation of AMPK by AICAR, Am J Physiol. 277, H643-9.

2. Millman, M. S. & Omachi, A. (1972) The role of oxidized nicotinamide adenine dinucleotide in fluoride inhibition of active sodium transport in human erythrocytes, J Gen Physiol. 60, 337-50.

3. Halestrap, A. P. & Price, N. T. (1999) The proton-linked monocarboxylate transporter (MCT) family: structure, function and regulation, Biochem J. 343 Pt 2, 281-99.

4. Stanley, W. C. (2004) Myocardial energy metabolism during ischemia and the mechanisms of metabolic therapies, J Cardiovasc

Pharmacol Ther. 9 Suppl 1, S31-45.

5. Korzeniewski, B. & Liguzinski, P. (2004) Theoretical studies on the regulation of anaerobic glycolysis and its influence on oxidative phosphorylation in skeletal muscle, Biophys Chem. 110, 147-69.

6. Balaban, R. S. (2002) Cardiac energy metabolism homeostasis: role of cytosolic calcium, J Mol Cell Cardiol. 34, 1259-71. 7. Korzeniewski, B. (2006) Oxygen consumption and metabolite concentrations during transitions between different work intensities in heart, Am J Physiol Heart Circ Physiol. 291, H1466-74.

8. Ihlemann, J., Ploug, T., Hellsten, Y. & Galbo, H. (2000) Effect of stimulation frequency on contraction-induced glucose transport in rat skeletal muscle, Am J Physiol Endocrinol Metab. 279, E862-7.

9. Spriet, L. L., Howlett, R. A. & Heigenhauser, G. J. (2000) An enzymatic approach to lactate production in human skeletal muscle during exercise, Med Sci Sports Exerc. 32, 756-63.

10. Sacktor, B. & Wormser-Shavit, E. (1966) Regulation of metabolism in working muscle in vivo. I. Concentrations of some glycolytic, tricarboxylic acid cycle, and amino acid intermediates in insect flight muscle during flight, J Biol Chem. 241, 624-31. 11. Strumilo, S. (2005) Short-term regulation of the mammalian pyruvate dehydrogenase complex, Acta Biochim Pol. 52, 759-64. 12. Frayn, K. N. (2012) Regulação Metabólica. Uma perspetiva focada no organismo humano., U.P. Editorial, Porto.

13. Riske, L., Thomas, R. K., Baker, G. B. & Dursun, S. M. (2017) Lactate in the brain: an update on its relevance to brain energy, neurons, glia and panic disorder, Ther Adv Psychopharmacol. 7, 85-89.

Referências

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