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TEORIA ATOR-REDE: CONVERGÊNCIAS E POSSIBILIDADES À ANÁLISE GEOGRÁFICA

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TEORIA ATOR-REDE: CONVERGÊNCIAS E POSSIBILIDADES À

ANÁLISE GEOGRÁFICA

GUSTAVO ARAUJO1

CARLOS LOBO2

Resumo: Este artigo tem como objetivo principal refletir sobre a possível aproximação entre os pressupostos teóricos e conceituais da Teoria Ator-rede (ANT) e a análise espacial na Geografia. A partir de uma reconsideração da noção de rede, discorremos sobre os conceitos de tradução, ator-rede, agnosticismo, simetria generalizada e associação livre. O estudo busca ainda identificar alguns exemplos de análises geográficas que reafirmam as convergências e possibilidades entre ANT e Geografia.

Palavras-chave: Rede; Teoria Ator-rede; Análise geográfica.

Abstract: The main objective of this article is to reflect on the possible approximation between the theoretical and conceptual assumptions of the Network-Actor Theory (ANT) and the spatial analysis in Geography. From a reconsideration of the notion of network, it discusses the concepts of translation, actor-network, agnosticism, generalized symmetry and free association. The study also seeks to identify some examples of geographic analysis that reaffirm the convergences and possibilities between ANT and Geography.

Key-words: Network; Actor-network theory; Geographical analysis.

1- Introdução

Apresentada como uma concepção alternativa de rede, a chamada Teoria Ator-rede (ANT) tem foco voltado às espacialidades específicas e movimentos que produzem as relações entres os pontos da estrutura e as razões que os faz agir, bem como aquelas que permitem circular e transportam por intermédio de entidades de natureza diversa, que caracterizam a “tradução” (CALLÓN, 1986; 2008; LAW, 1992; 1999; LATOUR, 2012). Neste caso, as redes compreendem estruturas heterogêneas, geradas pelo resultado do entrelaçamento de seus componentes em torno de associações que se estabelecem dinamicamente. Nessa abordagem, as análises buscam não apenas identificar os elementos que alimentam os diversos

1 -Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail de contato: gudearaujo@gmail.com

2 -Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail de contato: carlosfflobo@gmail.com

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fluxos que compõem sua estrutura, causas e efeitos. Preocupa-se, sobretudo, com a essência e a própria razão de existência das redes. Busca-se um novo significado de rede ao analisar o comportamento dos atores sistematizados, descrevendo suas origens, formas de ação e reação com relação as associações e dissociações estabelecidas com as demais entidades.

Para Latour (1990), o estudo das redes não significa analisar o fluxo de informação em si, senão as transformações nele existentes. Interessa analisar a construção das estruturas, sujeitos e objetos resultantes das mais diversas interações. O objetivo é conhecer os efeitos do que se está construindo e como é distribuído pelos diversos componentes da estrutura. De acordo com Latour (2012, p. 192, grifo nosso), "rede é conceito e não coisa. É uma ferramenta que nos ajuda a descrever algo, não algo que esteja sendo descrito". A ANT promove uma matriz ontológica alternativa ao considerar que a sociedade e o social devem ser vistos como o resultado do entrelaçamento de redes compostas de elementos heterogêneos. Para Law (1992, p.01), “não existiria sociedade e nem organização se essas fossem simplesmente sociais” e quase todas as relações que ocorrem entre seres humanos são mediadas por algum tipo de material, configurando uma trama de redes de relações de caráter simultaneamente social e material ou técnico (sociotécnico) para formar o que chamamos comumente de sociedade ou social.

A perspectiva de análise da ANT oferece novas possibilidades teóricas e metodológicas para a Geografia e áreas afins, sobretudo pela associação ao conceito de rede dos elementos no espaço, considerando-os não como meras representações de caráteres físicos, mas sim como objetos de reflexão epistemológica. Como consequência, a rede torna-se uma ferramenta útil a análise dos fenômenos socioespaciais, entendidos como um emaranhado de relações entre pessoas e os artefatos que elas produzem (LAW, 1992). Nessa visão de rede é possível reconsiderar dicotomias tradicionais, como natureza e sociedade, micro e macrossocial, global e local, agência e estrutura (MURDOCH, 1998).

Neste ensaio, apresentado de forma sintética nesse trabalho, é apresentado uma breve reflexão sobre a noção de rede tendo como base a proposta oferecida pela ANT. Busca-se, apresentar algumas possibilidades de utilização

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desta metodologia de análise espacial geográfica. Inicialmente são apresentados determinados aspectos teóricos e conceituais fundamentais, tais como tradução, ator-rede, simetria generalizada e associação livre. Em seguida, são apresentados alguns exemplos de estudos geográficos, os quais reafirmam as convergências e possibilidades da ANT na Geografia.

2 - Pressupostos teórico-conceituais da ANT: tradução, ator-rede,

agnosticismo, simetria generalizada e associação livre

A compreensão dos fenômenos como resultado de interações entre redes heterogêneas (LAW, 1992), que conectam seres humanos a objetos e artefatos, não requer uma análise restrita às relações humanas. Para Latour (2012, p. 160) […] “não existe sociedade, não existe domínio social, não existem vínculos sociais, mas existem traduções entre mediadores que podem gerar associações rastreáveis” [...]. Isso envolve uma ferramenta que permite ultrapassar barreiras comumente estabelecidas entre tecnologias ou artefatos e os seres humanos, ao proporcionar uma abordagem de forma simétrica que permite afirmar que um aspecto técnico pode ser visto como social e vice-versa (LATOUR, 2013).

Uma primeira aproximação teórica remete ao conceito de tradução, utilizado na ANT com base na interpretação de Serres (1974) em filosofia da ciência. De acordo com esse autor, o mundo se constrói e desconstrói, se estabiliza e se desestabiliza em função dos esforços constantes de atores individuais e coletivos, em traduzir sua linguagem própria, suas representações e seus objetivos em relação aos demais. Além da função linguística, a palavra “tradução” também significa transposição ou traslado de um lugar a outro. Vale ressaltar que no idioma inglês o termo translation tem duplo significado e pode ser empregado tanto para designar tradução como translação. Contudo, Latour (2011) considera que trasladar interesses significa, ao mesmo tempo, oferecer novas interpretações de interesses e canalizar as pessoas para direções diferentes. Desta forma, a ideia de “tradução” é tratada como processo de estabelecer a comunicação ou produzir conexões (SERRES, 1974).

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Segundo Callón (1991), tradução é uma operação triangular que envolve o tradutor, algo que é traduzido e um meio no qual tal tradução está inserida. Callón (1986) descreve os quatro momentos da tradução: (I) problematização: consiste num duplo movimento de autodefinição dos atores e a definição dos pontos de passagem obrigatórios (PPO), que determinarão a configuração do entrelaçamento dos atores inter-relacionados através de alianças que são forjadas; (II) Despertar do interesse: envolve o conjunto de ações realizadas pelas entidades com objetivos de influenciar a performance dos demais atores. O despertar do interesse é a reafirmação das alianças construídas na problematização, e consiste na interpretação das associações estabelecidas entre as entidades; (III) Engajamento: é o alistamento e coordenação das funções que assumem os atores através de um jogo de papéis, resultado das negociações multilaterais e dinâmicas a que se submetem os atores. Trata-se, portanto, do êxito das alianças estabelecidas entre os atores. (IV) Mobilização: representa a mobilidade das entidades, que se deslocam, agrupam e reagrupam em espaços e tempos específicos por intermédio de porta-vozes que representam seus interesses de engajamento. Este último momento do processo de tradução, a mobilização, é a essência da translação/tradução que pode ser expressa também pelo termo “mediação de interesses”. A tradução é, portanto, um processo central das e nas redes heterogêneas.

O entendimento das diferenças entre elementos intermediadores e mediadores é igualmente fundamental na ANT e consiste nas relações de interesse, poder e domínio. Simplificadamente, pode-se afirmar que um intermediário é aquele que transfere ou transporta algo de forma neutra, sem causar interferência naquilo que é deslocado, diferentemente dos mediadores, que por sua vez agem de forma a transformar ou modificar significados e contextos (LATOUR, 2012). A mediação é, portanto, o atributo mais observado e de maior interesse neste tipo de análise. De acordo com Latour (2011; 2012), um intermediário pode ser considerado como uma “caixa-preta” que pode ser aberta por seres humanos, na tentativa de estabilizar a dinâmica da rede por meio de interferências nos seus ordenamentos. A partir do momento em que deixa de ser um intermediário e passa a ter papel de mediador de uma relação a mediação amplia seu poder de ação quando “traduz” algo (LATOUR,

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2012). No movimento das relações produzidas, na perspectiva relacional de sociedade (EMIRBAYER, 1997), designa-se que um ator entre muitos não é uma coisa em si e nem uma força por trás de todos os atores transportados por meio de um deles, mas uma associação que promove transformações, denominada de tradução, [...] “uma conexão que transporta” […] e a complicada palavra rede sendo definida como aquilo que é traçado pelas traduções nas explicações dos pesquisadores” [...] (LATOUR, 2012, p. 59).

Na ANT o termo ator-rede designa simultaneamente o agente e a estrutura, como partes do mesmo todo, ao passo em que o termo tradução assume um papel específico que implica em transporte, [...] “mas não transporta causalidade, mas induz dois mediadores a coexistência” [...] (LATOUR, 2012, p. 59). Ou seja, os conceitos de ator e de rede estão concatenados e um não pode ser definido sem o outro. A ação será o resultado do processo de construção da rede, que se dá por meio da tradução. Ator e rede tem portanto a mesma essência. Qualquer elemento inserido no espaço, a partir de suas relações com outros elementos, cria interdependência e traduz as ações de outros elementos para uma linguagem comum. “Um ‘ator’ define espaços e suas organizações, tamanhos e suas medidas, valores e padrões, que define as regras do jogo” (CALLÓN e LATOUR, 1981, p. 286). Todo “ator” é, portanto, uma rede de pedaços e peças (LAW, 1994). Ator e rede são partes da mesma estrutura, considerados simultaneamente [o que explica o próprio uso do hífen] e expressa a eliminação da dicotomia ação-estrutura na ótica da ANT (LATOUR, 2012).

O pesquisador deve atentar-se a alguns princípios básicos nesse tipo de investigação, os quais orientarão sua postura e metodologia utilizada diante do objeto em análise. De acordo com Callón (1986), os princípios básicos da ANT são três: (I) agnosticismo, que denota a imparcialidade entre os atores envolvidos no entrelaçamento da rede. Não se define, em princípio, quem são os atores a serem analisados. Nenhum ponto de vista é privilegiado e nenhuma interpretação é censurada; (II) simetria generalizada, que implica em explicar equitativamente diferentes posicionamentos dos atores com relação a um determinado tema. Todos carregam igual relevância na realização da descrição e análise de determinada rede;

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(III) associação livre, que requer a desconsideração de qualquer diferença, a priori, entre o natural e o social. Todos os elementos são simultaneamente sociais e materiais.

A ANT demonstra como as redes dobram e redobram espaço-tempo pelas mobilizações, acumulações e recombinações que ligam sujeitos, objetos, domínios e locais (LATOUR, 2011). Também demonstra como as redes são formadas, tendo como base as relações entre os seus elementos ao reunir diversos lugares e tempos dentro de um quadro de referência e cálculo comuns. Este processo de ajuntamento resulta na conexão de pontos muito distantes, enquanto outros que aparentemente estariam juntos estão desconexos (LATOUR, 2012). Em ANT, espaço torna-se uma questão de elementos de rede e a forma em que se juntam (MOL e LAW, 1994). Lugares com uma série de elementos e relações similares entre si, em geral, estão perto uns dos outros. Aqueles com elementos diferentes ou relações diferentes normalmente estão longe.

Law (2002) sugere que a concepção de objetos é também de condições espaciais de possibilidades e impossibilidades, que têm poder de ação em rede na medida em que se incorporam os materiais duráveis (artefatos) que contribuem com a durabilidade das redes. Essa ideia acirra o debate sobre o conceito de estruturas reticulares e, sobretudo, sobre sua composição e formas empíricas de análises, dos quais emergem, por exemplo, as categorias espaço, território e tempo. A ANT consiste em ferramentas metodológicas capazes de captar e traduzir movimentos de associação de elementos materialmente heterogêneos que se estabilizam temporariamente e constituem a essência de toda sociedade ou organização (LAW, 1992). Assim, uma determinada entidade permanece estável na rede enquanto as relações que a produzem não alteram sua forma (LAW, 2002), o que implica também nas noções de objeto e espaço.

A ANT define objetos como um efeito de matrizes estáveis ou redes de relações (LAW, 2002), e “existem no interior de diferentes sistemas espaciais” (Ibidem, p.96). Nesta concepção de objeto os espaços são produzidos simultaneamente: “quando um objeto (rede) é constituído, um mundo (rede) é criado com sua própria espacialidade e suas próprias versões de homomorfismo e ruptura”

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(Ibidem, p. 97). A mesma forma, uma vez mantida, ainda que temporalmente estável, é sempre resultado de um movimento de resistência diante das pressões positivas e negativas determinadas por diferentes graus de resiliência dos materiais que compõem os objetos (LAW, 2002). Quando a cadeia de relações se torna desfavorável e frágil, ela se quebra gerando nova configuração. “Quando uma rede se estabiliza, fica claro quais atores fazem parta da construção da mesma por meio de relações de poder. Poder de agir em função de outros atores da rede, ser seu porta-voz e definir seus papéis” (Ibidem, p. 139). Dessa forma, uma rede é consistente desde que as relações que ocorrem entre todas as suas partes também sejam.

3 - ANT e a análise geográfica: convergências e possibilidades

Murdoch (1998) afirma que a ANT dá origem a um novo tipo de Geografia, ou talvez, uma nova forma de análise geográfica, caracterizada por basicamente dois tipos de espaços implicados nas configurações de redes heterogêneas e sociotécnicas: espaços de prescrição e de negociação. Ainda segundo esse autor, nesse mesmo trabalho, o primeiro refere-se a um estágio mais incipiente da integração dos atores e o segundo constitui um momento mais avançado de relações entre os atores. Esses dois tipos espaciais diferem conforme os respectivos graus de controle remoto e autonomia encontrado nas redes. Assim, observa-se a estreita relação com as possibilidades de organização espacial baseada em ANT, uma vez que analisa e descreve relações de ação e poder transformadoras do espaço.

As relações intrínsecas entre redes, territórios e escalas são abordadas por Dicken et al. (2001) em uma análise da economia global, fundamentada pelas redes. Os autores propõem uma visão relacional das redes como metodologia de análise da economia global. Trazem uma compreensão das cadeias globais de commodities baseadas em uma visão de redes que considera simultaneamente o caráter estrutural e relacional das mesmas. Defendem uma forma alternativa para elucidar variações obscuras da interconexão em diferentes escalas geográficas. O entendimento da economia global, ainda de acordo com os mesmos autores,

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somente é alcançado ao incorporarem-se as múltiplas escalas das relações econômicas, bem como seus reflexos políticos, culturais e sociais.

Para Dicken et al. (2001) as redes são, em sua essência, processos relacionais que ocorrem empiricamente em contextos específicos de tempo-espaço e produzem padrões no âmbito da economia global. A análise dessas redes requer transcendência das “descrições atomísticas” das atividades de atores individuais (por exemplo empresas) ou imaginações “meta-individuais” de estruturas profundas (Ibidem). Dicken et al. (2001) identificaram os atores em rede, suas relações em curso, bem como os efeitos estruturais dessas relações nas cadeias globais de commodities. Em vez de concentrar foco em indivíduos, empresas e estados nacionais, o estudo concebe as redes heterogêneas como unidade fundamental de análise e compreensão da economia global, e enaltece a sensibilidade necessária para compreensão da multiescalaridade presente nas questões econômicas. Em suma, os autores ressaltam a necessidade de incorporar a análise de múltiplos loci para compreender as relações econômicas globais, tanto do entendimento estrutural das relações de poder, como da abordagem relacional da agência humana. Isso fornece as bases para uma análise mais matizada da complexidade inerente à economia global contemporânea (DICKEN et al., 2001).

Na Geografia alguns trabalhos têm discutido possibilidades de se pensar as intervenções nos territórios por meio das ferramentas da ANT. Blanco (2009), por exemplo, discute o papel das redes em relação aos territórios, suas articulações e tensões, e propõe que as redes técnicas sejam analisadas na ótica relacional com os objetos, [...] “porque as redes condensam iniciativas, projetos e políticas dos atores e tecnologia, fixando materialidade no território” (BLANCO, 2009, p.03). O autor observa, muito acertadamente, a articulação de objetos e ações, materialidade e determinações sociais proposta por Santos (2014) em sua análise da natureza do espaço. De forma similar às análises de Dicken et al. (2001), Blanco (2009) fornece uma visão tanto estrutural como relacional das redes em função do conjunto de objetos técnicos que se fixam nos territórios, bem como do conjunto de práticas e estratégias desempenhadas pelos atores sobre o território.

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Outro exemplo de aplicação prática da metodologia ANT na Geografia é a análise do planejamento e desenvolvimento de empreendimentos residenciais no entorno da cidade de Sydnei, Austrália, realizada por Ruming (2009). O autor descreve detalhadamente como foi a experiência empírica de “seguir” os “atores” em questão e as implicações encontradas com objetivo de explicar a parcialidade inerente a todos os pesquisadores desse ramo de estudo, uma vez que os mesmos são “produtos de suas associações” (Ibidem, p. 451). Com intuito de seguir atores, Ruming (2009) realizou inicialmente entrevistas em profundidade com partes interessadas no projeto imobiliário, o que lhe proporcionou identificar as associações em rede existentes, muitas delas traduzidas por mediadores localizados fora do escopo inicial do projeto, tais como representantes de entidades ligadas à proteção ambiental, ativistas comunitários e estudos científicos relacionados com a tradução de áreas de desenvolvimento urbano. Faz-se pertinente observar que o autor fornece um quadro de rastreamento de ator não-humano. Trata-se do esquilo Glider (Petaurus norfolcensis), uma espécie de marsupial endêmica da Austrália, a qual, de acordo com os estudos realizados pelo mesmo autor, é um ator (rede) central no caso, uma vez que atua como mediador do desenvolvimento do empreendimento e tem influenciado no desenvolvimento do projeto imobiliário.

No âmbito das análises de paisagem, os estudos de Allen (2011) demonstram que o conceito tradicional de escala torna-se irrelevante. Allen aborda, de forma não dialética, conceitos de paisagem criada pela natureza e paisagem criada pelo homem, tendo como base a ideia de interações heterogêneas. Conclui que a ANT representa uma ferramenta poderosa para os estudos de paisagem ao permitir consciência e compreensão da paisagem de forma totalizante, livre de escalas como “humana e não-humana, consciente e não-consciente, individual ou grupo” (ALLEN, 2011, p. 278).

Outra proposta de análise geográfica com base na ANT foi apresentada por Bittencourt e Luz (2015), que realizaram uma reflexão aprofundada sobre como a gestão dos territórios pode ser favorecida pelos pressupostos teóricos e metodológicos que a ANT fornece à análise social, que chamam de “gestão do comum”. Os autores consideram as redes heterogêneas como importantes

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instrumentos de análise territorial e concebem a gestão territorial como uma “força criativa do território” e “produtora dele próprio” (BITTENCOURT e LUZ, p. 18), formada por atores humanos e não-humanos, envolvidos em processos de inscrição, mediação e tradução de interesses, em [...] “complexas redes que se estabilizam e desestabilizam em torno de fatos, verdades, territórios” [...]. Esse entendimento lhes permitiu compreender a gestão dos territórios como possibilidades não institucionalizadas e desenvolver uma perspectiva de ação reflexiva e crítica sobre os direcionamentos dos territórios e os diversos fatores que influenciam suas transformações. No entanto, os autores apontam para a necessidade de se realizar mais testes com tais ferramentas, incluindo evidências essencialmente empíricas, com intuito de “refiná-las, refutá-las e ou complementá-las” (Ibidem, p. 01).

4 - Considerações finais

A ANT, enquanto proposta metodológica, apresenta-se como ferramenta potencialmente útil à Geografia, na medida em que oferece uma abordagem relacional e amplia as possibilidades de aplicação para além das tradicionais análises de redes. Ao permitir o aprofundar na compreensão dos aspectos qualitativos das relações entre os atores, a ANT oferece novos caminhos, ainda pouco trilhados na análise geográfica. Nesse sentido, esta nova perspectiva de análise traz, pelo menos em um primeiro momento, alguns desconfortos à Geografia, especialmente quando se considera apenas o espaço como fixo e absoluto. Por outro lado, ao refutar antigas dicotomias e enfatizar seu foco nas topologias das redes, a ANT apresenta-se como uma forma alternativa de lidar com os velhos dualismos, como na escala de análise, por exemplo.

Ao investir na compreensão das dimensões geográficas da ANT é possível considerar o espaço como algo “embrulhado” por uma série de associações formais e informais (MURDOCH, 1998), que podem ser rastreadas pelas indicações que fornecem os próprios elementos constituintes das redes heterogêneas. Contudo, a premissa metodológica deste tipo de abordagem reconhece a natureza empírica da pesquisa, que requer o espaço visto como um conjunto de processos, interações e eventos orientados por diferentes lógicas estabelecidas pelos próprios elementos

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que o produzem e por ele são produzidos. Assim, não se prioriza o local ou global, a agência ou a estrutura, a sociedade ou a natureza e tampouco os humanos ou os não humanos. Todos são levados em consideração com a mesma relevância, em um mesmo nível.

A ANT pode, inclusive, contribuir no debate em torno de conceitos como rede, região, território-rede e fronteira, tão tradicionais na Geografia. A ANT pode, ainda, favorecer as abordagens multiescalares, sem que haja a necessidade de delimitação de fronteiras claras. Os estudos de redes heterogêneas na Geografia também são exemplos de aplicações desse tipo de abordagem e reafirmam as possibilidades da ANT como ferramenta essencialmente metodológica. No entanto, o estágio de maturidade da ANT na Geografia indica um longo caminho não percorrido. As abordagens com base na ANT, nos países latino americanos, estão em um estágio inicial, não obstante as particularidades regionais que ofereçam um campo fértil e promissor de utilização.

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