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A necrópole medieval islâmica e cristã de Beja Dados preliminares

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A necrópole medieval islâmica e cristã de Beja

Dados preliminares

Maria Luís Vilhena de Carvalho 1 Raquel Santos 2 Mónica Gomes3

RESUMO

A intervenção arqueológica de emergência no Liceu Diogo de Gouveia em Beja, levada a cabo pela Neoépica, Lda., permitiu revelar novos factos quanto à necrópole islâmica daquela cidade e sua posterior utilização como cemitério cristão, assim como acerca da utilização do mesmo espaço para armazenamento de cereais demonstrada pela existência de silos. As seis fases de escavação, correspondentes a seis áreas diferentes no interior da escola, decorreram entre os meses de Novembro de 2009 e Abril de 2011, integrando as obras de requalificação da escola no âmbito do Projecto Parque Escolar.

Os trabalhos de arqueologia desenvolveram-se de forma faseada consoante as necessidades de obra: a construção de novos edifícios (fase 1 e 2) e o rebaixamento de pisos (fases 3 a 6) que incluíu também a abertura de valas para colocação de infraestruturas. Deste modo, totalizou-se aproximadamente 2200m2 de superfície escavada, a qual se caracteriza pela presença de inumações islâmicas em todas as áreas; inumações cristãs nas áreas 1, 2, 3 e 5; silos nas áreas 1, 2, 3, 4 e 5; estruturas positivas (muros) nas áreas 2, 5 e 6; e estruturas negativas nas áreas 4 e 5 (buracos de poste).

ABSTRACT

The emergency archaeological intervention at Liceu Diogo de Gouveia, Beja, conducted by Neoépica, Ltd., revealed new facts about the Islamic necropolis of that city and its subsequent use as a Christian cemetery, as well as on the use of the same space for cereal storage, witch was demonstrated by the existence of pits. The six excavation phases, corresponding to six different areas within the school, took place between November 2009 and April 2011, incorporating the works of redevelopment of the school under the project Parque Escolar.

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Centro de Investigação em Antropologia e Saúde, Colaboradora Neoépica Lda.

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Neoépica, Lda., neoepica@gmail.com

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The archaeological works were developed in a phased manner depending on the needs of the constrution site: the construction of new buildings (phase 1 and 2) and lowering of floors (phases 3 to 6) which included also the trenching for the placement of infrastructure. In this way, approximately 2200m2 of excavated surface was totalized, which is characterized by the presence of Islamic burials in all areas; Christian burials in areas 1, 2, 3 and 5; storage pits in areas 1, 2, 3, 4 and 5; positive structures (walls) in areas 2, 5 and 6, and negative structures in areas 4 and 5 (postholes).

1. Enquadramento histórico e geográfico

As obras de remodelação do Liceu Diogo de Gouveia, em Beja, enquadradas no âmbito do Projecto Parque Escolar previam alterações significativas tanto no edifício existente como nos espaços em seu redor, com a renovação do edificado antigo, a construção de novos edifícios e a alteração de cotas dos pavimentos exteriores. Assim, garantiu-se desde Setembro de 2009 o acompanhamento arqueológico da obra, acompanhando-se desde logo todos os trabalhos de escavação e movimentação de terras. Dois meses mais tarde, surgiram os primeiros vestígios arqueológicos, verificando-se a necessidade de iniciar uma escavação arqueológica em área, com o objectivo de registar e salvaguardar os contextos ali preservados.

A esta primeira área de trabalho, correspondente à Fase 1 da intervenção, sucederam-se outras cinco fases em localizações diferentes dentro dos limites da escola. O facto de não ser possível efectuar uma intervenção em área com o devido planeamento e alargando a intervenção consoante os vestígios detectados causou algumas dificuldades, nomeadamente no que diz respeito à identificação dos limites da necrópole. Efectivamente, a intervenção arqueológica teve lugar apenas em áreas directamente afectadas pela obra e até à cota dessa afectação, seguindo sempre o planeamento da própria obra e a sua necessidade de avançar para aquelas áreas. Não obstante, entre Novembro de 2009 e Abril de 2011, foram escavados cerca de 2200m2, os quais forneceram dados preciosos para a compreensão daquele espaço em época medieval e moderna, bem como para o conhecimento da própria cidade.

Ali se encontra a necrópole islâmica da cidade, uma localização avançada por Cláudio Torres e Santiago Macias e já confirmada através dos trabalhos executados em 2006 pela Palimpsesto e apresentados no 6º Encontro de Arqueologia do Algarve (Serra, 2009: 643 a 650 e Serra, 2009a). A intervenção na área da escola, a cerca de 250m destes primeiros enterramentos identificados, embora não nos tenha permitido estabelecer limites para a área de necrópole, atesta o facto da sua área ser bastante superior àquela que inicialmente se julgava. Identificaram-se ainda vestígios de uma

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necrópole medieval cristã, algumas estruturas pétreas e numerosos silos de época medieval/moderna que forneceram um vasto conjunto de material arqueológico e que constituem um contexto de armazenamento de bens alimentícios semelhante a outros já identificados na cidade (Martins et alli, 2004; AAVV, 2005; Ataíde, s.d.; Correia, 1994; Lopes, 2003; Viana, 1945; Viana, 1948).

2. A Intervenção Arqueológica

Como vimos, a intervenção arqueológica desenvolveu-se sobre seis áreas distintas e de dimensões variadas, onde se identificaram diferentes contextos: a Fase 1 corresponde ao designado Pátio Interno e abrangeu uma área de cerca de 124m2, onde se identificaram três níveis de ocupação; a Fase 2 decorreu no Pátio Oeste, com cerca de 330m2, registando-se duas utilizações de natureza diferente naquele espaço; na Fase 3, a única que decorreu dentro do edifício do Liceu, foram escavados 100m2 no interior da Cantina nos quais se identificou grande concentração de silos; na Fase 4 intervencionou-se uma pequena área lateral à escola denominada de rampa de acesso, com cerca de 30m2; a Fase 5 corresponde ao pátio junto da entrada principal da escola, no qual se escavaram cerca de 880m2, marcados pela escassez de silos e de inumações cristãs; e na Fase 6 a intervenção actuou sobre os contextos existentes na zona do campo de jogos, de cerca de 730m2.

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2.1. Fase 1 – Pátio Interno

Aqui se identificaram 49 enterramentos islâmicos, 14 silos e um enterramento cristão. A construção dos silos, de grande dimensão, chegando a atingir os 2,5m de diâmetro e profundidade semelhante, apresentando dois deles a boca estruturada com lajes de cerâmica na horizontal ou com pedra e cerâmica de construção, afectou em grande medida os enterramentos, os quais se encontram também seccionados por níveis de necrópole posteriores.

Figura 2 - fase 1, silo de boca estruturada.

As sepulturas aqui identificadas têm características distintas: a sua maioria é escavada na rocha, com orientação SO-NE; mas existem também exemplos de sepulturas estruturadas por lajes de cerâmica à cabeceira e telhas ao longo do corpo, com orientação S-N; apenas revestidas por telhas, com orientação SO-NE; ou ainda apenas com lajes cerâmicas de cobertura, igualmente de orientação SO-NE. Os enterramentos são sempre efectuados em decúbito lateral direito sem qualquer tipo de espólio.

2.2. Fase 2 – Pátio Oeste

A ocupação de cariz económico é atestada nesta zona pela existência de 4 silos, de características semelhantes aos da área anterior. 52 inumações islâmicas, das quais 3

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de crianças, constituem o primeiro contexto de necrópole, constituído por sepulturas escavadas na rocha ou estruturadas por telhas, sem lajes de cobertura e com orientação SO-NE ou ligeiramente S-N.

Figuras 3/4 - fase 2, sepultura estruturada por telha; sepultura antropomórfica.

Verificou-se ainda uma ocupação posterior, presente na necrópole cristã, que conta com 17 enterramentos, 6 deles de crianças, em dois tipos de sepultura: simples covachos no sedimento ou antropomórficas (6 identificadas) escavadas na rocha, ambas com orientação O-E e enterramentos em decúbito dorsal. Também não se registou qualquer tipo de espólio associado aos enterramentos cristãos.

Foram ainda escavadas duas estruturas positivas, de pedra seca, que se encontravam estratigraficamente sobre as inumações islâmicas. A ausência de espólio ou de níveis estratigráficos fiáveis não permite avançar outras considerações para além da sua relação de posterioridade com a necrópole islâmica.

Identificou-se ainda uma estrutura negativa de formato sub-rectangular, da qual se exumaram alguns osso humanos dispersos e uma lucerna romana, facto que, aliado à identificação na mesma área de um enterramento em decúbito dorsal que se encontrava sobreposto por uma sepultura islâmica, nos leva a avançar a hipótese de estarmos perante um nível de necrópole de época romana.

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2.3.

Fase 3 – Cantina

A Cantina é o espaço onde se verificou maior concentração de silos, tendo-se escavado 15 destas estruturas. Intervencionaram-se ainda dois enterramentos islâmicos, orientados SO-NE e dois cristãos, de orientação O-E, um deles apresentando quatro anéis, dois em cada mão.

Figura 4 - fase 3, vista geral (parcial).

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2.4.

Fase 4 – Rampa de Acesso

Nesta pequena área apenas se identificaram duas inumações islâmicas, de orientação SO-NE e um silo com cerca de 1m de altura conservada. Surge ainda um conjunto de mais de noventa pequenas estruturas negativas, quadrangulares ou circulares, com diâmetros entre os 10 e os 20 cm e pouca profundidade, revelando algum alinhamento entre elas, mas não de forma clara.

2.5.

Fase 5 – Estacionamento Oeste

Este espaço permitiu a identificação de apenas um enterramento cristão e 73 islâmicos, alguns dos quais de orientação O-E. Entre os contextos islâmicos surgem alguns vestígios pouco comuns, nomeadamente um enterramento que apresenta um par de esporas in situ, junto aos calcanhares, um ossário e uma redução.

Figura 6 – fase 5, redução associada a enterramento islâmico.

Identificaram-se ainda um silo, nove pequenas estruturas negativas semelhantes às da área anterior e um conjunto de 7 estruturas positivas, de pedra seca, de comprimentos e estados de conservação variáveis, cuja relação com os restantes contextos não foi possível estabelecer pela ausência de níveis estratigráficos comuns ou relações físicas entre si.

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Figura 7 - fase 5, vista geral (parcial).

2.6.

Fase 6 – Campo de Jogos

A última fase dos trabalhos revelou alguns enterramentos islâmicos em sepulturas escavadas no sedimento, sendo as restantes de características idênticas às anteriores. As 76 sepulturas islâmicas identificadas nesta área revelam uma utilização massiva e muito intensiva do espaço, sobrepondo-se umas às outras (Fig. 9 e 10).

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Figuras 8/10 – fase 6, sepultura com lajes cerâmicas de cobertura; enterramentos islâmicos sobrepostos.

Á semelhança da área anterior, identificaram-se 4 estruturas positivas que foram escavadas e registadas sem que no entanto tivesse sido possível estabelecer a sua relação com os restantes contextos. Registaram-se ainda dois silos nesta área, que, por se encontrarem fora da área de afectação da obra não foram alvo de escavação.

3. Metodologia de Campo

A metodologia de campo adoptada baseou-se na necessidade de intervencionar as áreas de afectação na sua totalidade e escavar na íntegra todos os contextos que aí se revelassem e foi idêntica para todas elas. Após retirar mecanicamente os níveis de superfície contemporâneos e identificado o nível arqueológico procedeu-se à quadriculagem do terreno em quadrículas de 2mx2m. Em algumas zonas específicas, foram efectuadas sondagens ao invés da quadriculagem do terreno. As unidades estratigráficas foram registadas e removidas pela ordem contrária à sua deposição seguindo-se o método preconizado por E. C. Harris. A atribuição de número de U.E. foi sequencial e conforme a ordem de identificação das unidades, realizando-se em seguida o seu registo gráfico, fotográfico e topográfico, incluindo dos esqueletos exumados. Todo o material arqueológico foi recolhido, embalado, etiquetado e acondicionado, permitindo o seu tratamento e estudo posterior.

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No que respeita ao trabalho antropológico, a intervenção sobre um enterramento inicia-se com o preenchimento de uma ficha antropológica onde se reúnem informações sobre a tipologia da sepultura, a orientação, o tipo de deposição corporal e craniana, as alterações post mortem ao nível dos factores tafonómicos e das deslocações post mortem, observações sobre a diagnose sexual, a estimativa da idade à morte e a estatura, bem como todas as informações relativas a qualquer tipo de patologias. Em seguida é efectuado o inventário e o preenchimento de uma ficha de identificação para cada osso presente, onde constam todas as informações necessárias. Procede-se então ao levantamento do enterramento, sendo cada osso individualizado num saco plástico furado com a respectiva informação, que é por sua vez acondicionado num saco plástico geral que contém todos os ossos de um mesmo enterramento. Os enterramentos permanecerão armazenados em contentores plásticos para futuro estudo.

4. Análise antropológica preliminar

4.1. Tafonomia

Porque existe um conjunto de filtros naturais e culturais que conspiram na produção das amostras esqueléticas, a tafonomia proporciona um conhecimento detalhado dos eventos que as enviesaram, devendo a análise tafonómica preceder a reconstrução paleobiológica (Shipman, 1993). A importância do conhecimento dos factores tafonómicos que interferem na preservação do material esquelético reside na prevenção de erros e enviesamento dos dados paleobiológicos.

Alguns dos exemplos de alterações tafonómicas encontrados na amostra estudada foram a coloração e afectação devido à presença de raízes e a coloração esverdeada devido ao contacto com metal.

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4.2. Antropologia funerária

A maneira como está efectuada a deposição do cadáver, o tipo de estrutura funerária utilizada, os cuidados investidos no corpo e a associação de objectos ou alimentos apresentam uma grande variedade inter e intra cultural. Cada cultura convive de forma diferente com a morte e com os mortos, traduzindo-se esse sentimento nos gestos funerários que utiliza. Os rituais e práticas subjacentes ao culto dos mortos são incontestavelmente culturais, reproduzindo de certa maneira, a estrutura política e sócio-cultural, a ideologia, as crenças e a economia de uma sociedade. Na inexistência de fontes documentais, é a análise dos gestos funerários traduzidos em práticas preparatórias (anteriores à deposição), práticas sepulcrais (estrutura da sepultura, posição do cadáver e do material funerário) e práticas pós-sepulcrais (descoberta da sepultura, manipulação dos vestígios reinumados) (Duday, 1990) que permite uma interpretação das populações do passado.

Na presente necrópole, a maioria dos indivíduos exumados é islâmica, sendo que a sua orientação é SO-NE. A posição dos esqueletos é em decúbito lateral direito com o crânio sobre a face direita virada a Sudeste e o tipo de sepultura individual, maioritariamente escavada na rocha com ausência de espólio e com inumações em espaço fechado. Pelo contrário, os cristãos encontrados apresentavam uma orientação O-E, posicionados em decúbito dorsal com o crânio normalmente virado para cima, também inumados em sepultura individual (algumas antropomórficas) e em espaço fechado.

4.3. Análise Paleodemográfica

A demografia é a ciência que estuda a dinâmica de uma população, considera-a como um objecto de análises quantitativas e procura explicar variações no tamanho e densidade populacional, mortalidade, fertilidade, migração, etc. As mudanças dinâmicas nas populações podem ser complexas porque dependem dos factores isolados mas correlacionados da fertilidade, mortalidade e migração. Em todas as populações, estes factores variam substancialmente ao longo das categorias do sexo e idade (Chamberlain, 2000). A determinação do sexo e da idade à morte utilizando fragmentos de esqueleto é um pré-requisito para uma reconstrução paleodemográfica com sucesso, uma vez que os esqueletos providenciam o único meio adequado de estudar o desenvolvimento histórico da vida das populações antigas (Acsádi e Nemeskéri, 1970).

Aquando da realização do 8º Encontro de Arqueologia do Algarve, o número de indivíduos registados era de 126 (sendo que no momento de elaboração deste artigo, o número já ultrapassa os 250), sendo 107 adultos e 19 não adultos. Dos adultos, 25 foram considerados masculinos, 31 do sexo feminino e 51 indeterminados (Gráfico 1).

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Gráfico 1 - resultado da diagnose sexual.

É de salientar que o elevado número de indivíduos com o sexo indeterminado se deve ao facto de muitos deles se encontrarem cortados devido à construção da escola e de também apenas se terem utilizado as características morfológicas dos ossos coxais e do crânio e não métodos métricos.

Relativamente à estimativa da idade à morte, a grande maioria dos indivíduos foi genericamente considerada adulta (N=68) por não ser possível integrá-los numa categoria mais específica, normalmente devido à fragmentação do material ósseo ou devido a estarem cortados por circunstâncias da obra. Dos outros 39, 3 foram considerados como adolescentes, 9 como adultos jovens, 24 como adultos maduros e 3 como adultos idosos (Gráfico 2).

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4.4. Análise métrica

A estatura é uma característica física relevante na caracterização de uma população do passado, constituindo uma componente necessária na qualificação morfológica de uma população (Galera, 1989). Como os dados de que dispomos acerca da amostra em causa são ainda preliminares, podemos apenas dizer que, de um modo geral, as estaturas são bastante diferentes, variando entre 143 cm e 183 cm.

4.5. Análise morfológica

A análise morfológica dos ossos facilita a observação de pequenas variações, não patológicas, caracterizadas pela sua distribuição descontínua, os caracteres discretos. A suposição de que os caracteres não métricos têm uma forte componente genética tem sido utilizada para avaliar as distâncias genéticas entre populações humanas do passado. No entanto, não existem grandes certezas quanto a esse determinismo genético, havendo algumas certezas apenas na natureza polifactorial dos caracteres discretos, resultantes da interacção entre factores endógenos e exógenos (Crubézy, 1991 in Cunha, 1994). Nos indivíduos exumados, a frequência é relativamente baixa: 29% têm pelo menos um caracter discreto (Fig. 12).

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4.6. Análise paleopatológica

A paleopatologia consiste no estudo das doenças e das suas origens, evolução e prevalência em populações humanas ao longo da história, ou seja, estuda a interacção entre o Homem e os patogenes do ambiente (Zimmerman e Kelley, 1982). Os ossos e os dentes podem ser o registo de vários acontecimentos na vida de um indivíduo, incluindo o trauma e a doença (White, 2000), por conseguinte a paleopatologia pode reflectir vários aspectos como a saúde, status, stress, ambiente, condições de vida e higiene de uma população.

4.6.1. Patologia degenerativa articular

A artrose resulta da degeneração da cartilagem articular seguida por eburnação, estrias e picotado articular, assim como crescimento de osteofitose marginal (Zimmerman e Kelley, 1982; Rogers, 2000). O estudo da patologia degenerativa articular é enriquecedor no que toca à compreensão das populações do passado, constituindo um bom indicador sobre os comportamentos humanos uma vez que a severidade e distribuição desta patologia reflecte a ocupação e o estilo de vida dos indivíduos (Roberts e Manchester, 1995).

Na população em causa

encontram-se vários casos de patologia degenerativa articular sendo mais comum na coluna vertebral dos que nas articulações dos membros.

Encontram-se também vários

exemplos de nódulos de Schmorl. A figura 13 é apenas um exemplo do que se registou na amostra em causa.

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4.6.2. Patologia degenerativa não articular

Nos locais de inserção de ligamentos e tendões (enteses) podem observar-se lesões ósseas degenerativas designadas por entesopatias, muitas vezes associadas a actividades musculares excessivas e prolongadas (Kennedy, 1989). Tensões muito elevadas nas enteses produzem microtraumatismos que resultam, frequentemente, em ossificações tendinosas ou ligamentares (entesófitos) (Casas, 1997 in López, 2004). Foram vários os casos de entesopatias registados mas os mais comuns foram na zona de inserção do tendão de Aquiles nos calcâneos e na inserção do ligamento rotuliano e quadrilátero nas rótulas. Também se verificaram vários casos de espigas laminares. A figura 14 é um dos exemplos daquilo que se pode observar.

Figura 12 - Entesopatia zona de inserção do tendão de Aquiles.

4.6.3. Patologia oral

A cavidade oral funciona principalmente como um processador de alimentos. A composição e a consistência dos alimentos consumidos, assim como a natureza das forças biomecânicas que afectam os dentes e os maxilares determinam os tipos de microorganismos existentes na cavidade oral (Lukacs, 1989). Dieta, higiene oral, stress, ocupação profissional, comportamento cultural e economia de subsistência, são o tipo de informação que podemos extrair a partir desta herança do passado (Powell, 1985).

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O desgaste dentário, ou seja, a perda da superfície oclusal da coroa dentária, embora inserida nas patologias orais não deve ser considerada uma patologia mas sim “o resultado natural do stress mastigatório sobre a dentição de acordo com as actividades alimentares e tecnológicas” (Powell, 1985). Num total de 126 enterramentos, 61 indivíduos apresentaram desgaste sendo o grau de severidade mais registados o ligeiro.

Menaker (in Powell, 1985) define a cárie como uma doença microbiana que afecta os tecidos calcificados dos dentes, começando primeiro por uma dissolução localizada da estrutura inorgânica da superfície dos dentes por ácidos de origem bacteriana levando à desintegração da matriz orgânica. Dos 126 enterramentos estudados, 29 apresentavam cáries. Todos os graus foram registados sendo o grau 4 o mais frequente e o Loci mais observado o de origem desconhecida (Fig. 15).

Figura 13 - Desgaste dentário em todos os dentes da mandíbula.

A placa dentária forma-se a partir de microorganismos que se acumulam na superfície do dente e que, ao mineralizar, pode originar depósitos de tártaro. Os incisivos foram os dentes observados com maiores depósitos de tártaro sendo o estado 1 o mais registado. De um total de 126 enterramentos, 34 exibiam depósitos de tártaro (Fig. 16).

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Figura 14 - Tártaro registado na superfície bucal dos dentes anteriores.

A doença periodontal é, segundo Brothwell (1981), uma infecção não só do osso alveolar mas também dos tecidos moles da boca. Assim sendo, este autor assinala que o efeito desta doença no alvéolo consiste em provocar a recessão do tecido ósseo e em última instância a perda de dentes. Em 126 enterramentos, 4 apresentam possível doença periodontal.

Segundo Sá e Melo (2003), o abcesso é definido como “um processo supurativo agudo ou crónico da região peri-apical de um dente". Uma vez que os microorganismos se acumulam na cavidade polpar, a inflamação começa e forma-se pus criando um abcesso que faz aumentar a pressão intracavitária e eventualmente uma fístula, ou sinus, que se desenvolve na superfície do osso maxilar para permitir a saída do pus. Neste estado do processo, o abcesso pode ser identificado arqueologicamente (Lukacs, 1989; Roberts e Manchester, 1995). Este tipo de abcessos foi registado em 8 indivíduos de um total de 126 (Fig. 17).

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Figura 15 - Hipercimentose das raizes do 1º molar inferior esquerdo que pode ter dado origem a um abcesso.

A perda de dentes ante mortem é

reconhecida por um processo

progressivo de absorção e/ou

destruição do rebordo alveolar ósseo. A exposição polpar e necrose seguida de osteíte periapical e reabsorção alveolar são normalmente os pré-requisitos para a identificação de perda de dentes ante

mortem. Ao estabelecermos o agente

causal primário que é responsável por

essa perda, poderemos obter

informações preciosas acerca da natureza do stress mastigatório numa população arqueológica ( Lukacs, 1989). Dos 107 indivíduos adultos, 36 sofreram perda dentária ante mortem sendo os dentes mais afectados os 1º e 2º molares (Fig. 18).

Figura 16 - Perda de dentes ante mortem em todos os dentes posteriores da mandíbula.

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4.6.4. Patologia traumática

O trauma pode ser definido como um dano ou ferida corporal. A evidência de traumas numa população pode reflectir muitos factores acerca do estilo de vida dos indivíduos; da sua economia,

ambiente, ocupação e violência

interpessoal. O estado do tratamento da ferida pode indicar o tipo de dieta, a existência de cuidados médicos e a ocorrência de complicações (Roberts e Manchester, 1995). Registaram-se até ao momento de elaboração deste artigo 4 casos de patologia traumática (Fig. 19).

Figura 17 - Fractura na clavícula esquerda.

4.6.5. Patologia congénita

As alterações congénitas existentes ao nascimento podem ser hereditárias ou adquiridas entre a fertilização e o nascimento, ainda no ventre materno. A manifestação destas desordens pode ocorrer ao nascimento ou a qualquer altura da vida (Zimmerman e Kelley, 1982). A presença de malformações congénitas numa população pode conceder-nos informações acerca de práticas culturais como regras de união matrimonial e relacionamento intra e inter grupos. Na presente amostra foi detectado um caso de lombarização (Fig. 20) e na figura 21 apresenta-se um caso de possível patologia congénita. Observamos a 10ª vértebra torácica colapsada, a 10º costela esquerda muito atrofiada e a sua contígua muito desenvolvida. Devido à não existência de infecção que poderia ter colapsado a vértebra, podemos supor que o indivíduo terá nascido com esta condição, hipótese ainda por confirmar.

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Figura 18 - Lombarização.

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4.6.6. Indicadores de stress não específico

Qualquer perturbação que ocorra durante o desenvolvimento do organismo (os distúrbios metabólicos são normalmente a causa maior), se for significativa, poderá deixar a sua marca no esqueleto ou nos dentes e por vezes estes marcadores são o único instrumento disponível para a reedificação do stress a que as populações do passado estiveram sujeitas e, talvez, uma das melhores retrospectivas ao passado (Goodman et alii, 1980). As hipoplasias lineares do esmalte dentário e a cribra orbitalia são dois indicadores de stress não específicos observados nesta amostra (Fig. 22).

Figura 20 - Hipoplasias num incisivo lateral superior direito.

5. Conclusões

O presente artigo constitui uma análise preliminar e sucinta dos dados de campo obtidos através da intervenção arqueológica até ao final do mês de Março de 2011, não se encontrando esta ainda totalmente finalizada. Apresentam-se ainda alguns dados adquiridos no decurso da intervenção antropológica, bem como o estudo antropológico preliminar de uma amostragem de apenas 126 dos mais de 250 indivíduos exumados, correspondente às fases 1, 2, 3, 4 e parte da fase 5.

Os dados arqueológicos apontam para uma ocupação intensiva daquele espaço nas suas diversas utilizações. Primeiramente, como necrópole islâmica, contexto em que

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verificamos existir pouca preocupação com a organização e disposição das sepulturas, observando mesmo algumas áreas em que estas se sobrepõem em vários níveis. Num momento posterior, aquele espaço terá mantido a sua função de necrópole, desta feita constituída por inumações cristãs, sendo estas em número consideravelmente menor que as anteriores. Toda a zona terá tido ainda uma outra funcionalidade, de vertente mais económica, atestada pela existência de uma bateria de silos que vieram afectar em grande parte os contextos pré-existentes. Possivelmente já em época moderna aquele espaço foi utilizado como área habitacional, a julgar pelas diferentes estruturas pétreas que ali se encontram, sendo já na década de 40 ou 50 do século XIX construído o Liceu de Diogo de Gouveia, um dos mais antigos do país.

No que diz respeito aos dados antropológicos, um estudo mais aprofundado da totalidade de indivíduos exumados permitiria obter informações fidedignas acerca da população islâmica e também cristã que habitou a cidade de Beja em época medieval, nomeadamente no que concerne à sua composição demográfica, hábitos, comportamentos, economia, organização social e cultural, saúde e dieta. Não obstante, a amostra estudada permitiu retirar algumas conclusões de âmbito paleodemográfico e morfológico: 25 indivíduos adultos do sexo masculino, 31 do sexo feminino e 51 indeterminados, de todas as faixas etárias, com uma percentagem de caracteres discretos relativamente baixa e uma estatura não muito elevada.

Também o estudo das patologias pode providenciar um conhecimento mais profundo dos grupos humanos do passado, fornecer informações sobre a saúde, acessibilidade a cuidados médicos e tipo da dieta, etc.

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