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Digestão e absorção dos glicídeos; Rui Fontes

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Estrutura, digestão e absorção dos hidratos de carbono

1.

Os hidratos de carbono (ou glicídeos) costumam ser definidos como derivados aldeídicos

ou cetónicos de poliálcoois. Os mais simples são os monossacarídeos de que são

exemplos a glicose, a galactose, a frutose, a manose, a ribose, a desoxiribose, a xilulose,

a ribulose, a eritrose, a sedoheptulose, o ácido glicurónico, o ácido L-idurónico, o

ácido N-acetil-neuramínico, a L-fucose, a xilose, a glicosamina, a N-acetilglicosamina,

etc. Nos seres vivos, excetuando os casos do ácido L-idurónico e da L-fucose, todos os

outros monossacarídeos só existem na forma D. Com raríssimas exceções só um dos

enantiómeros das moléculas quirais é sintetizado pelos seres vivos. Assim, nos seres vivos

todo o ácido idurónico é o enantiómero L e toda a fucose é fucose L; em todos os outros

monossacarídeos acima referidos, o enantiómero existente nos seres vivos é o enantiómero

D. Por isso quando, em biologia, nos referimos, por exemplo, à glicose (ou a outros

monossacarídeos) omite-se que se trata do enantiómero D; toda a glicose existente nos

seres vivos é glicose D, toda a galactose é galactose D, etc. Um determinado enantiómero

de um monossacarídeo é o enantiómero D, quando se observa que, na molécula orientada

de acordo com a convenção de Fischer, o grupo hidroxilo do último carbono assimétrico

fica voltado para a direita. A estrutura molecular dos monossacarídeos, assim como a de

todas as substâncias, está na base da sua capacidade para se ligar e interagir com as

enzimas e os transportadores presentes nas células dos seres vivos. As enzimas e os

transportadores membranares dos seres vivos são de natureza proteica e são incapazes de

se ligar à glicose L e a outros monossacarídeos de tipo L

que, de facto, só existem porque

podem ser sintetizadas laboratorialmente.

2.

No ser humano saudável, exceto a seguir a refeições que contenham frutose ou galactose

(ou dissacarídeos que lhe possam dar origem), o único monossacarídeo que existe (em

concentrações detetáveis) no plasma sanguíneo é a glicose. O outro monossacarídeo que

também existe na forma livre nos seres humanos é a frutose que está presente no esperma.

Os outros monossacarídeos referidos no ponto anterior só existem no ser humano

como resíduos componentes de moléculas mais complexas. Estas moléculas mais

complexas podem ser intermediários do metabolismo onde são frequentes as formas

fosforiladas (como, por exemplo, a glicose-6-fosfato, a glicose-1-fosfato, a

ribulose-5-fosfato ou a xilulose-5-ribulose-5-fosfato) ou ligadas de forma covalente a nucleotídeos (como, por

exemplo, a UDP-galactose ou a GDP-manose; respetivamente, o uridino-difosfato de

glicose e a guanosino-difosfato de manose). Noutros casos, estas moléculas mais

complexas são substâncias de reserva energética ou componentes estruturais e funcionais

das células, da matriz extracelular ou de secreções presentes no lúmen do tubo digestivo ou

no sistema respiratório. O glicogénio, os ácidos nucleicos, os glicolipídeos, as

glicoproteínas e os glicosaminoglicanos contêm resíduos de monossacarídeos

incorporados nas suas estruturas moleculares.

O glicogénio é um polímero ramificado em que as unidades estruturais são resíduos

de glicose ligados entre si por ligações glicosídicas de tipo O. Estas ligações são na sua

maioria α-1,4 mas, nos locais das ramificações, são α-1,6. O papel biológico do glicogénio

é funcionar como substância de reserva energética: acumula-se nas células após refeições

que contenham glicose (ou substâncias que possam originar glicose) e, durante o jejum,

acaba por libertar os monómeros constituintes que serão oxidados a CO

2

.

Os glicolipídeos são lipídeos complexos que estão presentes na face exterior das

membranas citoplasmáticas; contêm um resíduo glicídico ou uma cadeia (geralmente

ramificada) de resíduos glicídicos que se ligam diretamente a um álcool que se designa por

esfingol (=esfingosina); o esfingol é um dos resíduos constituintes dos glicolipídeos. Nas

glicoproteínas, um ou mais dos resíduos aminoacídicos da cadeia polipeptídica estão

ligados a um resíduo glicídico ou a uma cadeia (geralmente ramificada) de resíduos

glicídicos. As glicoproteínas são, frequentemente, componentes das membranas

citoplasmáticas (situando-se na face exterior), mas também existem glicoproteínas na

matriz extracelular, no plasma sanguíneo, na face luminal de organelos intracelulares e no

(2)

citoplasma das células. As mucinas são glicoproteínas que são segregadas para o lúmen do

tubo digestivo e do sistema respiratório. Os glicolipídeos e as glicoproteínas podem conter

resíduos de manose, de ácido neuramínico, de L-fucose, de galactose, de

N-acetil-galactosamina, de glicose e de N-acetil-glicosamina. A frutose não faz parte deste tipo de

compostos. Quando existem cadeias glicídicas, os resíduos dos monossacarídeos

constituintes destas cadeias ligam-se uns aos outros por ligações glicosídicas de tipo O.

Nos glicolipídeos, o resíduo glicídico que se liga diretamente ao esfingol (porque é único

ou porque se situa na extremidade proximal de uma cadeia) estabelece com este álcool

uma ligação glicosídica que também é de tipo O. No caso das glicoproteínas, quando o

resíduo aminoacídico envolvido na ligação ao resíduo glicídico ou à cadeia glicídica é a

serina ou a treonina (aminoácidos com um grupo hidroxilo) a ligação também é glicosídica

de tipo O, mas quando é a asparagina (aminoácido com um grupo amida) a ligação é

glicosídica de tipo N. (Nas ligações glicosídicas está sempre envolvido o carbono

anomérico de um resíduo glicídico.)

Os glicosaminoglicanos são longos polímeros lineares existentes na matriz

extracelular em que, com uma exceção (o ácido hialurónico), o monómero de uma

extremidade da cadeia se liga, através de uma ligação glicosídica, a um resíduo

aminoacídico de uma proteína: assim, com a exceção referida, os glicosaminoglicanos são

se facto proteoglicanos. Nos glicosaminoglicanos há uma unidade estrutural que se repete

formando cadeias lineares (não ramificadas); essa unidade é um dissacarídeo que é

diferente nos diferentes tipos de glicosaminoglicanos. Com uma exceção (sulfato de

queratano) todos os glicosaminoglicanos contêm resíduos de ácido glicurónico que se

ligam a resíduos de um aminoaçúcar acetilado no grupo amina. Ou seja, na maioria dos

glicosaminoglicanos, a unidade estrutural dissacarídica que se repete contém ácido

glicurónico ligado (por uma ligação glicosídica de tipo O) a acetil-glicosamina ou a

N-acetil-galactosamina. Alguns glicosaminoglicanos também contêm outro ácido urónico, o

ácido L-idurónico que (nos casos da heparina, do sulfato de heparano e do sulfato de

dermatano) substitui o ácido glicurónico na maioria das unidades dissacarídicas que

formam a cadeia linear. A maioria dos glicosaminoglicanos também contêm grupos sulfato

esterificados com os grupos hidroxilo dos resíduos glicídicos.

3.

A glicose, a galactose e a frutose são hexoses, ou seja, contêm 6 carbonos; um desses

carbonos contém um grupo carbonilo e os outros carbonos grupos hidroxilo. Na forma

cíclica (a mais abundante, mas em equilíbrio com a forma linear) o grupo carbonilo e um

grupo hidroxilo (geralmente o do carbono 5) estão “escondidos”: na forma cíclica há um

rearranjo molecular designado por ligação semiacetal (ou semicetal) e o carbono que

continha o grupo carbonilo passa a designar-se de anomérico. A glicose e a galactose são

aldoses porque o grupo carbonilo é um aldeído. A frutose é uma cetose porque o grupo

carbonilo (presente em C2) é uma cetona.

4.

O amido, a sacarose e a lactose são hidratos de carbono importantes na dieta dos seres

humanos. O amido e a sacarose são de origem vegetal enquanto a lactose é o açúcar do

leite. Todos os outros hidratos de carbono podem estar presentes nos alimentos, mas não

têm, em geral, relevância do ponto de vista nutricional.

5.

O amido é um polímero formado exclusivamente por resíduos de glicose ligados entre si

por ligações glicosídicas de tipo O (ou acetal). O amido natural é formado por dois tipos

de estruturas distintas: a amilose e a amilopectina. Na amilose as ligações são

exclusivamente de tipo

α

-1,4, enquanto na amilopectina também existem ligações do tipo

α

-1,6. Por isso a molécula de amilose é uma cadeia linear de resíduos de glicose e a

amilopectina uma cadeia ramificada com uma estrutura que lembra uma árvore. Quer na

amilose, quer na amilopectina, o número de resíduos de glicose por molécula, sendo

variável, é de vários milhares. Nos dois tipos de ligações (

α

-1,4 ou α-1,6) um dos carbonos

envolvidos é sempre o carbono anomérico de um resíduo de glicose que está na forma α

(3)

(ou seja, é sempre o anómero α da glicose); o outro carbono envolvido pode ser o carbono

4 ou o 6 de outro resíduo de glicose. (O glicogénio só existe nas células animais e a sua

estrutura é muito semelhante à da amilopectina: a diferença é que o intervalo entre

ramificações é de 5-7 unidades de glicose no glicogénio e esse intervalo é muito maior

(cerca de vinte ou mais) no caso da amilopectina.)

6.

A lactose é um dissacarídeo formado por um resíduo de galactose ligado por uma ligação

glicosídica

β

-1,4 a um resíduo de glicose. A ligação é também glicosídica de tipo O

envolvendo o carbono anomérico de um resíduo de galactose (sempre o anómero β) e o

carbono 4 de um resíduo de glicose. O carbono anomérico do resíduo de glicose está livre.

Para expressar a ideia de que apenas um dos carbonos anoméricos dos resíduos do

dissacarídeo está envolvido na ligação glicosídica usa-se, às vezes, a expressão “ligação

osídeo-ose”.

7.

A sacarose é um dissacarídeo formado por um resíduo de glicose ligado por uma ligação

glicosídica

α

-1,2 a um resíduo de frutose. Os carbonos 1 na glicose e o carbono 2 na

frutose são os carbonos anoméricos em cada um dos açúcares. Ou seja, ambos os

carbonos anoméricos estão envolvidos na ligação e a ligação é glicosídica de tipo O quer

“quando se olha do lado” da glicose quer “quando se olha do lado” da frutose. Às vezes

usa-se a expressão “ligação osídeo-osídeo” para expressar esta ideia.

A trealose é um dissacarídeo que está presente em alguns cogumelos e onde

também existe uma ligação osídeo-osídeo. A trealose contém dois resíduos de glicose

ligados por uma ligação

α

-1,1.

8.

Durante a digestão dos glicídeos as hidrólases digestivas catalisam a hidrólise do amido e

dos dissacarídeos da dieta. No processo catalítico rompem-se as ligações glicosídicas e

libertam-se os monómeros constituintes. As reações catalisadas por enzimas da classe das

hidrólases podem ser entendidas como processos em que a água é um dos reagentes que,

ao reagir com o substrato da enzima em questão, rompe uma ligação levando à libertação

dos resíduos (ou grupos de resíduos) que faziam parte desse substrato (ver Equação 1).

Equação 1

AB + H

2

O → A + B

As hidrólases que, no tubo digestivo, catalisam a hidrólise dos glicídeos têm pHs

ótimos próximos de 7 o que coincide com o pH existente na boca e no lúmen do intestino

(mas não com o pH do lúmen gástrico que é ácido).

As hidrólases que catalisam a rotura de ligações glicosídicas, como são as que

ligam os monómeros constituintes dos glicídeos da dieta, podem ser designadas por

glicosídases.

9.

Na hidrólise do amido participam duas isoenzimas

1

(as amílases salivar e pancreática) que

catalisam a rotura de ligações glicosídicas

α

-1,4, mas poupam as ligações

α

-1,6 assim

como as

α

-1,4 das extremidades das cadeias ou as que se situam na vizinhança das ligações

α

-1,6

2

. Assim, da ação das amílases digestivas sobre o amido, resulta a formação de

maltose (

α

-

D

-glicopiranosil-(1

4)-

D

-glicose), maltotriose (trímero com 3 resíduos

1

Duas enzimas são isoenzimas quando catalisam a mesma reação mas são, na mesma espécie (o homem, por exemplo), estruturalmente diferentes. São frequentemente codificadas por genes distintos, mas também podem resultar de diferentes processamentos do “transcrito primário” que originam, a partir de um mesmo gene diferentes RNA mensageiros ou de diferentes modificações pós-tradução nas proteínas sintetizadas.

2 Por pouparem as ligações glicosídicas das extremidades e atuarem nas que se se situam “no interior” da molécula de amido as amílases são, por vezes, designadas por endossacarídases. Ao contrário das amílases, a maltase e a isomaltase destacam resíduos de glicose que se situam na extremidade de uma cadeia (ou de um dissacarídeo) e por esse motivo, são exossacarídases.

(4)

glicose ligados por ligações glicosídicas

α

-1,4) e dextrinas limite (oligossacarídeo

formado por vários resíduos glicose sendo que dois deles estão ligados por uma ligação

α

-1,6).

10.

A hidrólise da maltose, da maltotriose e das dextrinas limite resulta na formação de glicose

e é catalisada por duas dissacarídases: a maltase (

α

-1,4 glicosídase) e a isomaltase (

α

-1,6

glicosídase). A expressão “dissacarídases” aplicada à maltase e à isomaltase pode ser

enganadora porque, na verdade, estas enzimas podem atuar em oligossacarídeos com mais

de dois resíduos de glicose. Em ambos os casos liberta-se o resíduo glicose que contribuía

com o carbono anomérico para a ligação glicosídica que foi hidrolisada. O resto da

molécula original contendo um ou mais resíduos de glicose é o outro produto da reação. Só

quando os substratos são os dissacarídeos maltose (caso da maltase; ver Equação 2) ou a

isomaltose (caso da isomaltase; ver Equação 3) é que se libertam duas moléculas de

glicose.

As dissacarídases digestivas também incluem a lactase (

β

-1,4 galactosídase; ver

Equação 4), a sacarase (ver Equação 5) e a trealase que, respetivamente, catalisam a

hidrólise da lactose, da sacarose e da trealose (ver Equação 6). De facto a sacarase e a

isomaltase são duas atividades hidrolíticas (cada uma associada a um centro ativo) de uma

mesma molécula proteica: o complexo isomaltase-sacarase.

Equação 2

maltose + H

2

O → 2 glicose

Equação 3

isomaltose + H

2

O → 2 glicose

Equação 4

lactose + H

2

O → galactose + glicose

Equação 5

sacarose + H

2

O → frutose + glicose

Equação 6

trealose + H

2

O → 2 glicose

Todas as dissacarídases estão ancoradas no polo apical da membrana citoplasmática

dos enterócitos, mas têm o centro ativo mergulhado no lúmen do intestino delgado.

Porque são enzimas da membrana citoplasmática que atuam em substratos que se situam

fora da célula, as dissacarídases são denominadas por ectoenzimas.

11.

Alguns glicídeos complexos que são componentes de plantas não são digeridos pelas

enzimas presentes na saliva, no estômago ou no intestino delgado e não são absorvidos.

Passam para o intestino grosso (cólon) onde podem ser parcialmente digeridos pelas

bactérias aí presentes e são importantes componentes das fezes. Estes glicídeos são

coletivamente designados por fibras.

12.

A síntese de lactase e a quantidade de lactase no polo apical da membrana dos enterócitos

decresce ao longo da vida. Em algumas pessoas essa diminuição da síntese da lactase

começa a manifestar-se ainda na infância (pelos 4-10 anos de idade). A consequente

incapacidade para digerir a lactose designa-se de “intolerância à lactose” e é muito

frequente sobretudo em determinados grupos étnicos

3

. Os indivíduos com “intolerância à

lactose” têm, após a ingestão de substâncias que contenham lactose, mal-estar abdominal,

aumento da produção de gases e, eventualmente, diarreia. Os gases são produzidos

aquando da fermentação da lactose que é levada a cabo pelas bactérias do intestino grosso.

A diarreia é uma consequência do efeito osmótico da lactose e de produtos resultantes da

fermentação bacteriana

4

.

3 Em Portugal afetará cerca de 1/3 da população adulta; na China mais de 95%. 4

A fermentação bacteriana de glicídeos também produz ácidos carboxílicos de cadeia curta, sobretudo acetato (2 carbonos; C2), propionato (C3) e butirato (C4). Alguns (como o acetato e o propionato) são, em grande parte, absorvidos pelos colonócitos e, depois de passarem para o sangue, são metabolizados noutras células do organismo. O butirato é um nutriente dos colonócitos, as células epiteliais que forram o intestino grosso.

(5)

13.

Da digestão completa do amido, da lactose e da sacarose resulta a formação das oses ou

monossacarídeos (glicose, galactose e frutose) que são absorvidos pelos enterócitos.

14.

As moléculas dos monossacarídeos são demasiado hidrofílicas e demasiado grandes para

se poderem dissolver no duplo folheto lipídico das membranas biológicas; assim, a sua

capacidade para atravessar membranas biológicas por mecanismos que não envolvam

transportadores (transporte não mediado ou simples) é praticamente nula. Tal como

acontece em todas as células, nos enterócitos, o transporte transmembranar dos

monossacarídeos é catalisado por moléculas proteicas da membrana que se designam por

transportadores. Quando uma substância atravessa uma membrana e esse transporte é

catalisado por transportadores, o transporte diz-se mediado (mediado por transportadores

de natureza proteica, subentende-se). O transporte de uma substância pode ocorrer a favor

do gradiente (passagem do lado onde está mais concentrada para o lado onde está menos

concentrada – transporte passivo), mas a glicose e a galactose também podem, no polo

apical dos enterócitos (o que está voltado para o lúmen), ser absorvidas contra gradiente

(transporte ativo).

15.

No polo apical dos enterócitos, a absorção da glicose e da galactose pode ocorrer contra

gradiente de concentrações e, neste caso, o transporte é indiretamente dependente da

hidrólise de ATP (ATP + H

2

O

ADP + Pi) e diretamente dependente da existência de

um gradiente de concentração de Na

+

(maior concentração de ião Na

+

no lúmen

intestinal que no citoplasma).

16.

A bomba de sódio-potássio (ou ATPase do Na

+

-K

+

) é uma proteína da membrana

citoplasmática de todas as células do organismo que, usando a energia libertada na

hidrólise do ATP, promove a entrada de iões K

+

do meio extracelular para o citoplasma e

a saída de iões Na

+

do citoplasma para o meio extracelular (ver Equação 7). A bomba de

sódio-potássio é uma máquina biológica que faz a acoplagem de um processo exergónico

(a hidrólise do ATP) com processos endergónicos (o transporte de iões Na

+

e K

+

contra

gradiente). Porque a energia usada no processo de transporte destes iões provém

diretamente de uma reação química (no caso, a hidrólise do ATP) diz-se que este transporte

ativo é de tipo primário. A existência da bomba de sódio-potássio em todas as células do

organismo permite compreender que a concentração de Na

+

seja muito mais baixa dentro

das células que nos líquidos extracelulares (e que o contrário aconteça no caso do K

+

). A

ação da bomba de sódio-potássio cria gradientes de concentração que explicam a tendência

para a entrada do Na

+

para dentro das células

5

.

Equação 7

ATP + H

2

O + 3 Na

+

(citoplasma) + 2 K

+

(extracelular)

→ ADP + Pi + 3 Na

+

(extracelular) + 2 K

+

(citoplasma)

17.

Alguns transportadores das membranas (designados por simportes) só funcionam se

transportarem duas substâncias diferentes na mesma direção, mas o transporte só é possível

se, pelo menos, no caso duma das substâncias transportadas o processo for exergónico (ou

seja, ocorrer a favor de gradiente). No polo apical dos enterócitos do duodeno e do jejuno

existe um simporte que transporta conjuntamente Na

+

e glicose (ou Na

+

e galactose) na

mesma direção; porque só transporta glicose se também transportar Na

+

, designa-se de

SGLT1 (da expressão inglesa “Sodium dependent GLucose Transporter 1”). O SGLT1 faz

a acoplagem entre um processo exergónico (o transporte de Na

+

a favor do gradiente) e

outro endergónico (o transporte de glicose contra gradiente); ver Equação 8. A existência

do gradiente de Na

+

que tende a mover este ião para dentro da célula fornece a energia

5 Nos enterócitos a ATPase do Na+-K+ está presente na membrana basolateral e, por isso, os iões Na+ saem diretamente para o espaço intercelular e para o espaço extracelular que está na base destas células. No entanto, os iões Na+ são suficientemente pequenos para atravessarem as junções impermeáveis e podem passar para o lúmen intestinal.

(6)

que permite o transporte de glicose contra gradiente. Este tipo de transporte ativo

(contra gradiente no caso da glicose) diz-se secundário porque o gradiente do Na

+

(que

diretamente fornece a energia necessária para o transporte) foi criado pela ação da bomba

de sódio-potássio, esta sim, diretamente dependente de uma reação química exergónica, no

caso a hidrólise do ATP.

Equação 8

glicose (lúmen) + 2 Na

+

(lúmen) → glicose (citoplasma) + 2 Na

+

(citoplasma)

18.

No polo basal dos enterócitos o transportador da glicose é um uniporte (designado por

GLUT2; da expressão inglesa “GLUcose Transporter 2”) e a energia envolvida no

transporte da glicose é a corresponde ao seu gradiente de concentrações. O transporte

catalisado pelo GLUT2 diz-se passivo (ou, significando o mesmo, ocorre por difusão), isto

é, dá-se sempre a favor do gradiente: dos enterócitos para o sangue durante o período

absortivo e em sentido inverso quando a glicose escasseia nos enterócitos. (Embora a

glicose não seja o principal combustível dos enterócitos, estas células também podem

oxidar glicose.) O GLUT2 também catalisa o transporte de galactose e frutose (das células

para o sangue) no polo basal dos enterócitos durante a absorção intestinal destes

monossacarídeos. Embora o sentido líquido do movimento das moléculas dos

monossacarídeos através do GLUT2 seja determinado pelo gradiente de concentrações, em

indivíduos saudáveis e fora do período absortivo, as concentrações de galactose e frutose

no sangue são praticamente nulas. Por isso, não existe transporte de frutose ou de galactose

no sentido sangue → enterócito.

19.

O transporte da frutose ocorre sempre a favor do gradiente. No polo apical dos enterócitos

existe um uniporte que catalisa a entrada de frutose e se designa por GLUT5. Como já

referido, no polo basal o transportador da frutose é o GLUT2.

20.

A transcrição do gene que codifica o SGLT1 aumenta quando a concentração de glicose é

elevada no lúmen intestinal. Ou seja, a síntese de SGLT1 aumenta após uma refeição que

contenha glicose ou glicídeos que a possam gerar, mas não é afetada pela concentração de

glicose no sangue. O mesmo acontece no caso do GLUT5 quando, neste caso, a refeição

inclui frutose [1].

21.

A existência do SGLT1 tem importantes consequências na terapêutica de diarreias agudas.

Nos países pobres, as diarreias agudas são uma importante causa de mortalidade infantil e a

morte pode ser prevenida mantendo as crianças hidratadas e alimentadas. A atividade da

SGLT1 ao permitir a absorção de Na

+

e glicose para os enterócitos (e, em última análise

para o sangue) diminui a osmolaridade do conteúdo do lúmen intestinal aumentando-a no

citoplasma dos enterócitos. No transporte transmembranar da água intervêm canais

específicos situados na membrana denominados aquaporinas. A atividade da SGLT1 ao

permitir a entrada de substâncias osmoticamente ativas para dentro dos enterócitos resulta

também na absorção de água [1]. Um processo semelhante, neste caso no sentido

enterócitos

sangue e envolvendo o GLUT2 e as aquaporinas, ocorre no polo basal dos

enterócitos. A introdução do uso de soluções contendo simultaneamente glicose e sais

contendo iões sódio para reidratação oral permitiu baixar a mortalidade infantil causada

por diarreias [2].

1. Frayn, K. N. (2012) Regulação Metabólica. Uma perspetiva focada no organismo humano., U.P. Editorial, Porto.

2. Drozdowski, L. A. & Thomson, A. B. (2006) Intestinal sugar transport, World J Gastroenterol. 12, 1657-70.

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