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ECLI:PT:TRP:2008:

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ECLI:PT:TRP:2008:0851469.94

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2008:0851469.94

Relator Nº do Documento

Pinto Ferreira rp200805050851469

Apenso Data do Acordão

05/05/2008

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Apelação. revogada em parte.

Indicações eventuais Área Temática

Livro 338 - Fls 186. . Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores

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Sumário:

I - O facto de um veículo não estar a circular em via pública aquando de um acidente, não é facto impeditivo de se considerar esse acidente como de viação.

II - O acidente pode e deve ser classificado como de viação, porque o risco próprio do veículo foi a causa directa e resultou de função (ou falta dela) que lhe é própria – a falta de travões – existindo um nexo causal entre o facto e os especiais perigos que a sua utilização comporta.

Decisão Integral:

Proc. 1469/08

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório

B………. intentou contra Companhia de Seguros C………., S.A., a presente acção declarativa de condenação, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia € 33.070,68 a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, acrescida de juros de mora legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento e no pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que venham a liquidar-se em execução de sentença por via da incapacidade para o trabalho.

Articula para tanto que no dia 29 de Agosto de 2000, cerca das 10h00, o A. foi colhido pelo tractor agrícola, matrícula OI-..-.., propriedade de D………. e por ele conduzido e quando o atrelado se encontrava sensivelmente com metade da sua carga normal, o OI deu um "solavanco", assim iniciando a sua marcha descontrolada (marcha-atrás).

Na pressa de fugir do local, estatelou-se no solo, onde acabou por ser colhido pela roda da frente, lado esquerdo, do tractor (máquina).

Como consequência directa, necessária e adequada do relatado acidente, sofreu o autor fractura dos ossos da perna esquerda.

Contestou a ré, onde pugnando pela improcedência da acção pois considera não serem aplicáveis as regras dos acidentes de viação, mas antes de um acidente de trabalho, mas caso se entenda ser um acidente de viação, o mesmo se encontra excluído do âmbito da cobertura do seguro. Conclui, assim, pela improcedência da acção

Elaborou-se despacho saneador, tabelar e fixou-se, de seguida, a especificação e o questionário. As partes apresentaram as suas provas e procedeu-se ao julgamento, respondendo-se aos quesitos pela forma que dos autos consta.

Profere-se sentença em que se considera estar na presença de um acidente de viação, que a apólice de seguro celebrada com a ré abrange este acidente e julga então parcialmente procedente a acção, condenando a ré.

Inconformada recorre a seguradora.

Recebido o recurso, apresenta alegações. Há contra alegações. Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso. *

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O âmbito dos recursos é limitado ao teor das conclusões que nele são apresentadas - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC

-Justifica-se, assim, a sua transcrição que, no caso, foram:

A - No que respeita à inconformidade com a classificação do acidente dos autos como acidente de viação

1. No dia 19 de Agosto de 2000, cerca das 10H00, o A foi colhido pelo tractor agrícola, matrícula OI-..-.., propriedade de D………. e por ele conduzido - n°1 matéria de facto (doravante MF);

2. Após nele se haver transportado, o seu condutor imobilizou-o numa propriedade rústica (pinhal) denominada “E………. - n°2 MF;

3. Ali se tendo dirigido com o objectivo de carregar e transportar alguns toros de madeira (pinho) -N°3 MF;

4. O OI conduzido pelo seu proprietário e pai do ora Autor, foi deslocado para dentro dos limites do prédio rústico e propriedade privada “E……….”- N°31 MF;

5. Com o OI imobilizado na posição que o seu condutor considerou mais adequada para efectuar a operação de carregamento, inicia o carregamento do atrelado do OI com madeira - N°32 MF; 6. Quando o atrelado se encontrava sensivelmente com metade da sua carga normal, o OI deu um solavanco assim iniciando a sua marcha descontrolada (marcha-atrás) - N°6 MF;

7. O Autor estatelou-se no solo, onde acabou por ser colhido pela roda da frente, lado esquerdo, do tractor - N°9 MF;

8. O mencionado tractor agrícola iniciou a sua marcha, na forma referida, porque o seu condutor, não obstante o acentuado declive do terreno, não o deixou devidamente travado - N°13 MF; 9. Por contrato de seguro, titulado pela apólice n°…….., ramo automóvel, havia o proprietário e condutor do veículo causador do acidente (OI-..-..) transferido a responsabilidade civil decorrente dos danos causados por tal veículo para a aqui demandada - N°7 MF;

10. O Meritíssimo Juiz a quo classificou este acidente dos autos como sendo de viação, sendo “irrelevante que o tractor estivesse em tarefa de carregar madeira numa quinta. - pág. 6 da sentença.

11. Não restam dúvidas da prova produzida nos autos, que o tractor OI estava a ser utilizado no decurso de manobras de carga de lenha/madeira quando o acidente dos autos ocorreu;

12. Desde logo, quando o seu proprietário e condutor o imobilizou o seu posicionamento teve em conta o fim que o tractor desempenhava ou a que se destinava no momento, ou seja, escolheu a melhor posição para a operação de carregamento (n°32°MF) e de imediato iniciou o carregamento da madeira

13. O OI estava a ser utilizado não como um veículo de transporte e locomoção, com os riscos próprios e inerentes dessa circulação, mas no decurso de uma operação de carga, totalmente alheia aos riscos inerentes da sua circulação.

14. O solavanco e a consequente marcha-atrás do tractor que veio a atingir o Autor, não decorreu dos riscos inerentes daquele veículo como meio de transporte, mas antes como um veículo de carga e no decurso de uma operação de carregamento de madeira.

15. Na esteira da boa jurisprudência, chama-se à colação o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 04/04/2006 aplicado a um caso análogo, do qual se ressalva o seguinte: “como decorre do DL 522/85 de 31 de Dezembro vigente aquando dos factos desta acção, o referido contrato tem por objecto a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por um veículo terrestre a motor,

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seus reboques ou semi-reboque. Assim, está inerente à referida cobertura, um veículo, por isso passível de circula cão por meios próprio com ou sem os referidos atrelados. Isto significa que, pese embora a possibilidade de circulação por meios próprios, por ser dotado de motor, não são enquadráveis no exposto os danos causados estando o veículo ou a máquina a ser utilizada num trabalho que não tenha a ver com a sua natureza de veículo automóvel como seja o caso de uma máquina que embora podendo deslocar-se por meio de força motriz, dê lugar a danos quando é empregue em serviço que não tenha relação com essa possibilidade de circulação automóvel” E mais pertinente ainda, realça aquele douto acórdão que “ contrato de seguro tem relação com os riscos próprios da utilização que concretamente se dê ao veículo ou máquina e, no caso, há que distinguir entre fazer marcha-atrás como manobra de recurso inerente à circulação automóvel ou andar para trás na execução de outras tarefas, como alisamento de terras ou durante operações de carga e descarga.

16. No caso em apreço, o acidente e os danos causados ao Autor pelo OI nada têm a ver com a sua natureza de veículo automóvel, estando aquele veículo a ser utilizado, aquando do acidente, num trabalho que não tinha relação com a sua circulação automóvel ou com os riscos inerentes dessa actividade, já que era utilizado durante uma operação de carregamento de madeira, como o próprio Meritíssimo Juiz a quo acaba por concluir, embora entenda que tal utilização é irrelevante. 17. No entender da Recorrente não é irrelevante e é a questão central a decidir para que seja feita justiça nos autos, já que a Recorrente celebrou com o proprietário do OI um seguro de

responsabilidade civil automóvel obrigatório, pelo qual assumiu a responsabilidade pelos danos causados a terceiros e pelo risco decorrente da sua circulação, nos termos em que é regulado pelo D.L. 522/85 de 31 de Dezembro.

18. Este diploma impõe a obrigação de segurar os veículos terrestres a motor, seus reboques ou semi-reboques para que estes veículos possam circular.

19. Desta obrigação de segurar, resulta inequivocamente que o seguro obrigatório de

responsabilidade civil automóvel existe unicamente para cobrir os riscos próprios da circulação dos veículos automóveis, seus reboques e semi-reboques.

20. Ora, utilizar um veículo, no caso, um tractor para efectuar uma operação de carregamento de madeira, nada tem a ver com os riscos da circulação do veículo que o seguro automóvel obrigatório pretende cobrir

21. Para cobrir o risco ou os danos resultantes da utilização do tractor para outros fins que não sejam os resultantes da sua circulação automóvel, como no caso dos autos o risco inerente a uma actividade de laboração de carregamento, existe o seguro de responsabilidade civil geral,

precisamente para abranger outros fins em que o veículo possa ser utilizado e que nada têm a ver com a sua natureza de veículo de circulação terrestre.

22. A obrigação da seguradora quando celebra um contrato de seguro traduz-se na assunção de um risco, assumindo-se a seguradora responsável pelos acidentes que eventualmente possam vir a ocorrer com determinada pessoa segura ou bem, sendo a partir do risco transferido que se afere a obrigação da seguradora indemnizar, até ao limite do capital seguro.

23. Nos presentes autos, o proprietário do OI ao celebrar com a Recorrente um seguro automóvel de responsabilidade civil automóvel transferiu para a Recorrente o risco decorrente da sua

utilização como veículo de circulação automóvel e não o risco decorrente da sua utilização em outras actividades de laboração, nomeadamente, de carregamento de madeira ou seja, não se aplica aqui a douta jurisprudência citada na sentença recorrida, já que no caso dos autos não estamos perante “uma ocorrência lesiva de pessoas ou bens provocada pelo veículo sempre que

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este manifeste os seus riscos especiais”, os quais se devem preencher sempre a partir da natureza de veículo automóvel.

24. Assim, não pode a Recorrente ser responsabilizada pelos danos causados ao Autor nos presentes autos enquanto o OI estava a ser utilizado no decurso de uma operação de

carregamento de madeira, um fim que nada tem a ver com a sua natureza de veículo automóvel. 25. Entender o contrário, como resulta da douta sentença recorrida, será condenar a Recorrente exorbitando do risco que lhe foi transferido pelo proprietário o veículo e além de ir contra o texto da lei, nomeadamente, do artigo 7° n° 4, alínea d) do D.L. 522/85 de 31/12

26. Assim, em resultado da matéria provada nos autos, deve a sentença recorrida ser corrigida e julgar-se a final que o acidente dos autos não pode classificar-se como sendo de viação, uma vez que o OI não estava a ser utilizado com o fim especifico inerente à sua natureza de veículo

automóvel, mas antes ser considerado como um acidente de laboração, já que era utilizado no decurso de uma operação de carregamento de madeira não estando este risco transferido para a Recorrente no âmbito do contrato de seguro automóvel pelo qual assumiu os riscos inerentes à circulação do OI enquanto veículo automóvel e de locomoção terrestre, além de tais danos serem excluídos nos termos definidos no próprio DL.522/85 de 31/12, no seu artigo 7°, n°4, alínea d). 27. A sentença recorrida fixou a reparação pelos danos morais sofridos pelo Autor no montante de 20.000,00€ e a indemnização global por danos patrimoniais e não patrimoniais em 22.000,00€; 28. Mais condenou a Recorrente a pagar ao Autor juros de mora sobre esta quantia global, que abrange os danos não patrimoniais desde a citação;

29. Assim, a sentença recorrida deve ser corrigida, devendo fixar-se que os juros de sobre o montante de 20.000,00€ são contados desde a prolação da sentença e os juros sobre a indemnização pelos danos patrimoniais desde a citação.

30. Quanto a custas a sentença recorrida condenou a Recorrente a pagar custas relativamente ao montante de 22.000,00€ e o Autor relativamente ao montante de 6.620,00€:

3. O Autor formulou o pedido inicial de 33.070,68€ e já em sede de julgamento ampliou tal pedido para o valor final de 163.670,00€;

31. Assim, a sentença recorrida, deve ser corrigida de forma a fixar-se as custas pelas partes em função do decaimento verificado.

32. A sentença recorrida ao classificar o acidente dos autos como de viação e, em consequência, condenado a Ré no âmbito do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, fez uma má interpretação da matéria de facto provada, já que desta resulta que o acidente é de laboração e os danos causados ao Autor ocorreram durante uma operação de carregamento de madeira, pelo que tais danos se encontram excluídos do risco transferido e, consequentemente, da garantia do

contrato de seguro celebrado com a Ré, violando inclusive o que expressamente resulta do próprio D.L.522/85 de 3 1/12, no seu artigo 7°, n°4, alínea d).

Termos em que revogando-se a douta sentença recorrida por outra que absolva a Ré do pedido se cumprirá a lei e fará

Opinião contrária manifesta o autor nas suas contra alegações, onde defende a manutenção da decisão impugnada.

*

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Encontra-se provada a seguinte matéria factual:

1) No dia 29 de Agosto de 2000, cerca das 10h00, o A. foi colhido pelo tractor agrícola, matrícula OI-..-.., propriedade de D………. e por ele conduzido.

2) Após nele se haver transportado, o seu condutor imobilizou-o numa propriedade rústica (pinhal), denominada "E……….", limite da freguesia de ………., da área desta comarca.

3) Ali se tendo dirigido o mesmo com o objectivo de carregar e transportar alguns toros de madeira (pinho).

4) A referida propriedade (E……….) desenvolve-se, no concreto local onde iria ser efectuado o carregamento, em declive acentuado.

5) O que levou o respectivo condutor a estacionar o OI com a frente (máquina) voltada no sentido ascendente.

6) Quando o atrelado se encontrava sensivelmente com metade da sua carga normal, o OI deu um "solavanco", assim iniciando a sua marcha descontrolada (marcha-atrás).

7) Por contrato de seguro, titulado pela Apólice N° …..., Ramo Automóvel, havia o proprietário e condutor do veículo causador do acidente (OI-..-..) transferido a responsabilidade civil decorrente dos danos ocasionados por tal veículo para a aqui demandada.

8) Alertado pelos gritos de sua esposa, o A., que se encontrava nas imediações do reboque, lado esquerdo, procurou fugir, a fim de evitar ser colhido pelo tractor.

9) Na pressa de fugir do local, estatelou-se no solo, onde acabou por ser colhido pela roda da frente, lado esquerdo, do tractor (máquina).

10) Sendo o referido tractor agrícola um veículo articulado, o mesmo, em vez de seguir de marcha-atrás, em linha recta, acabou por rodopiar à esquerda, encaixando-se os rodados traseiros do tractor na frente da carroçaria ou reboque (manobra "tipo tesoura").

11) O que levou a que o referido tractor agrícola apenas percorresse cerca de 10 metros até se imobilizar.

12) Nesse percurso, a roda da frente, lado esquerdo, do tractor (máquina) passou sobre a perna esquerda do A. que, como predito, se encontrava caído no chão, fracturando-lha.

13) O mencionado tractor agrícola iniciou a sua marcha, na forma referida, porque o seu condutor, não obstante o acentuado declive do terreno, não o deixou devidamente travado.

14) Como consequência directa, necessária e adequada do relatado acidente, sofreu o autor fractura dos ossos da perna esquerda.

15) Foi operado no próprio dia (encavilhamento) tendo no dia seguinte iniciado um quadro de dificuldade respiratória, hipertremia (40°c), petequias do tórax e período de confusão o que foi interpretado como embolia gorda e, posteriormente, como pneumonia.

16) Nessa situação se mantendo, com o consequente internamento hospitalar, durante 8 dias, data em que passou a efectuar fisioterapia em ambulatório e ficou com consulta marcada de ortopedia no Hospital de ………., Vila Real.

17) Não obstante o tratamento fisioterapêutico a que se submeteu, sempre sentiu dores a nível da perna esquerda. 18) Em 16/1/2003 fez extracção da cavilha passando a consulta externa de ortopedia.

19) Teve cura clínica em 18.10.2004.

20) À data do acidente exercia o A. a actividade profissional de mecânico ao serviço da Câmara Municipal de ………., de cujo quadro de pessoal fazia parte.

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22) Ao A. foi fixado: Um período de incapacidade temporária geral total fixável de 22 dias; um período de incapacidade temporária geral parcial de 1.490 dias; um período de incapacidade temporária profissional total fixável de 512 dias; uma incapacidade permanente fixável em 62%, o que é impeditivo para o exercício da sua actividade profissional.

23) O quantum doloris foi fixado pelo referido relatório no grau 5.

24) O que levou a sua entidade patronal (C. M. de ……….) a retirá-lo de quaisquer trabalhos, dada a sua absoluta impossibilidade em os exercer, ao mesmo tempo que lhe propunha se submetesse a Junta Médica da A.D.S.E. de que é beneficiário, visando a sua passagem à reforma.

25) Tendo sido a A.D.S.E., de que é beneficiário com o n° ………/.., quem tem vindo, desde a ocorrência do acidente, a processar ao A. o pagamento do respectivo salário, ainda que com as deduções legais.

26) O qual (salário) ascende à presente data a €597.71.

27) O A despendeu em despesas médicas a quantia de €2.000,00. 28) No tempo em que o A. esteve de baixa teve penalizações.

29) Para além das dores que o A. tem padecido ao longo do período de baixa, tem sido o

sofrimento psíquico e a angustia que após um período em que, viu progressivamente desaparecer a esperança da cura e, consequentemente, de voltar ao seu modo de vida anterior ao acidente. 30) À data do acidente, contava o autor apenas 38 anos, já que nascido no dia 1/6/61.

31) O OI conduzido pelo proprietário e pai do ora Autor, foi deslocado para dentro dos limites do prédio rústico e propriedade privada "E……….".

32) Com o OI imobilizado na posição que o seu condutor considerou mais adequada para efectuar a operação de carregamento, inicia o carregamento do atrelado do OI com madeira.

*

IV - O Direito

Como acima dissemos já, embora parcialmente, a sentença impugnada decidiu:

a) Julgar parcialmente procedente a presente acção, e, consequentemente, condenar a Ré, Companhia de Seguros C………., S. A., a pagar ao Autor, B………., a quantia global liquidada de €22.000,00 (vinte e dois mil euros), correspondente aos danos não patrimoniais e patrimoniais emergentes já liquidados, acrescida dos juros moratórios legais civis, vencidos e vincendos, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

b) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia que se liquidar em execução de sentença relativa às penalizações tida pelo A. durante o período de baixa, bem como aos danos patrimoniais futuros tidos pelo A. com a incapacidade para o trabalho.

c) Julga-se improcedente o remanescente do pedido deduzido pelo A. e dele se absolve a R. d) Custas da acção pelo A. relativamente ao montante de €6.620,00 e pela Ré relativamente à quantia de €22.000,00.

A apelante suscita três problemas, em sede de recurso, a merecerem tratamento autónomo: - qualificação do acidente como de viação

- desde quando são devidos o pagamento de juros de danos não patrimoniais; - repartição das custas

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acidente de viação ou de trabalho, isto é, temos a analisar a qualificação do acidente. Como vimos a sentença qualificou-o como de viação e pelas razões seguintes:

“In casu, quando o atrelado do tractor se encontrava sensivelmente com metade da sua carga normal, o OI deu um "solavanco", assim iniciando a sua marcha descontrolada (marcha-atrás), sendo que o mencionado tractor agrícola iniciou a sua marcha, na forma referida, porque o seu condutor, não obstante o acentuado declive do terreno, não o deixou devidamente travado.

Ora, tal facto, como se diz no citado acórdão do STJ (24-10-2002), mais não é que a manifestação dos riscos próprios de um veículo, que se desloca sobre rodas, podendo por isso adquirir

rapidamente velocidade em plano inclinado, se não estiver devidamente travado e algumas vezes com as rodas calçadas.

É irrelevante que o tractor estivesse em tarefa de carregar madeira numa quinta.

Normalmente, um tractor serve para tais tarefas e não deixa de ser considerado veículo, pelo facto de se encontrar numa quinta a carregar ou descarregar madeira.

Ou seja, o acidente não foi devido directamente à operação de descarga, mas sim ao facto do seu condutor não o ter deixado devidamente travado.

Em suma, o acidente deu-se pelo perigo inerente ao funcionamento do tractor e do atrelado e não pelo facto concreto de se estar a efectuar naquele momento uma operação de descarga.”

Diremos, desde já, que concordamos com o teor da decisão, apesar da leitura atenta que se fez do Ac. R. Porto, de 4-04-06, nomeado pela apelante para sustentar a sua tese e que foi consultado em www.dgsi.pt, anotando-se, porém, que o caso concreto sobre que incidiu tem outros contornos que se não podem comparar com os que aqui se verificam.

É que não se pode esquecer que cada acidente de viação constitui um fenómeno sempre diferente no seu conjunto e como fenómeno dinâmico que sempre constituiu, o seu processo causal nunca é redutível ao esquema de outros acidentes - Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed., pág. 455 -.

De facto a matéria dada como assente nestes autos, a qual por não impugnada se deve considerar como definitivamente assente - artigos 690º-A e 712º do CPC -, fornece-nos a ocorrência de uma outra situação concreta e, com justificado relevo, ousamos recrear o acidente:

- Após nele se haver transportado, o seu condutor imobilizou-o numa propriedade rústica (pinhal), denominada "E……….", limite da freguesia de ………., da área desta comarca.

- Ali se tendo dirigido o mesmo com o objectivo de carregar e transportar alguns toros de madeira (pinho).

- A referida propriedade (E……….) desenvolve-se, no concreto local onde iria ser efectuado o carregamento, em declive acentuado.

- O que levou o respectivo condutor a estacionar o OI com a frente (máquina) voltada no sentido ascendente.

- Quando o atrelado se encontrava sensivelmente com metade da sua carga normal, o OI deu um "solavanco", assim iniciando a sua marcha descontrolada (marcha-atrás).

- Alertado pelos gritos de sua esposa, o A., que se encontrava nas imediações do reboque, lado esquerdo, procurou fugir, a fim de evitar ser colhido pelo tractor.

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lado esquerdo, do tractor (máquina).

- Sendo o referido tractor agrícola um veículo articulado, o mesmo, em vez de seguir de marcha-atrás, em linha recta, acabou por rodopiar à esquerda, encaixando-se os rodados traseiros do tractor na frente da carroçaria ou reboque (manobra "tipo tesoura").

- O que levou a que o referido tractor agrícola apenas percorresse cerca de 10 metros até se imobilizar.

- Nesse percurso, a roda da frente, lado esquerdo, do tractor (máquina) passou sobre a perna esquerda do A. que, como predito, se encontrava caído no chão, fracturando-lha.

- O mencionado tractor agrícola iniciou a sua marcha, na forma referida, porque o seu condutor, não obstante o acentuado declive do terreno, não o deixou devidamente travado.

- Com o OI imobilizado na posição que o seu condutor considerou mais adequada para efectuar a operação de carregamento, inicia o carregamento do atrelado do OI com madeira”.

Como vemos, então, este acidente nada tem a ver, salvo o devido respeito por opinião contrária, com aquele que vem relatado no citado acórdão.

Ora, o art. 503º n.º 1 do CC determina, na sua parte final, que quem tiver a direcção efectiva de um veículo, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.

Daqui resulta que o argumento usado pelo apelante de que o veículo/tractor não se encontrar a circular em via pública, não é facto impeditivo de considerar este acidente como de viação. Por outro lado, verificamos que o iniciar da marcha do tractor se ficou a dever não ao seu carregamento com toros de madeira, não por ocorrer no decurso de uma operação de carregamento, mas porque o seu condutor não o deixou devidamente travado, apesar do acentuado declive em que este se encontrava, o que levou inclusive o respectivo condutor a estacionar o OI com a frente (máquina) voltada no sentido ascendente.

Acresce ainda que, pelos dados apurados, concretamente pelo facto de se dizer que, quando o atrelado se encontrava sensivelmente com metade da sua carga normal, o OI deu um "solavanco", assim iniciando a sua marcha descontrolada (marcha-atrás), não pode nem deve ser imputado ao seu carregamento o iniciar de marcha do tractor.

Dos factos sabe-se apenas que as circunstâncias - solavanco, deficiente modo de travagem, início de marcha - ocorreram em simultâneo, pois não se diz que este solavanco ocorreu por causa do carregamento mas apenas que o foi no momento do carregamento, ou seja, que tal solavanco apenas se deu quando a carga se encontrava sensivelmente a metade.

Portanto, embora o tractor estivesse no uso da sua função de máquina agrícola, o acidente tem a ver com o risco próprio desta unidade circulante e não daquela actividade agrícola em si.

O acidente pode e deve ser qualificado como de viação, porque o risco próprio do veículo foi a sua causa directa e resultou de função (neste caso de falta dela) que lhe é própria - a falta de travões -, existindo um nexo causal entre o facto e os especiais perigos que a sua utilização comporta. Como ensina o autor acima citado, na mesma obra, a fls. 315, “ No risco compreende-se tudo o que se relacione com a máquina enquanto engrenagem de complicado comportamento, com os seus vícios de construção, com os excessos ou desequilíbrios de carga do veículo, com o seu maior ou menos peso ou sobrelotação.………..”.

Também se pronuncia Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, II vol. Almedina, pág. 49 que “………hoje é acidente de viação todo aquele em que se encontra envolvido um veículo, ponto é que os danos se possam imputar aos riscos que ele, como veículo, é apto a provocar ou produzir. E,

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volta-se a dizer, encontra-se o veículo ou não em circulação.”

Este mesmo autor explica depois, pág. 50, que tal entendimento surgiu em consequência da opinião de Vaz Serra, por forma a que agora se não entenda que acidente de viação será apenas aquele acidente causado por um veículo “em trânsito” e que, de acordo com a actual redacção do preceito legal abrange os que o veículo cause em andamento, já aqueles que, enquanto veículo, é susceptível de produzir, ainda que estacionado.

Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, anotação ao art. 503, ensina que dentro da fórmula final do n.º 1 do art. 503º cabem não só os danos provenientes dos acidentes provocados pelo veículo em circulação, como pelo veículo estacionado, dando mesmo como exemplo a

verificação de um atropelamento ou colisão provocada por um veículo que inesperadamente se destravou.

E aquele distinto Professor Vaz Serra, em RLJ, 104, 1971, pág. 46 considerava não ser o mais

correcto entender-se vias públicas num conceito restrito e englobar neste conceito “…………todos os locais em que proporcionem a possibilidade de alguém ser lesado por um veículo que neles

manifeste os seus riscos especiais”.

Também a doutrina tem aceite estas ressalvas, designadamente, Ac. R. Lisboa, de 12-12-96, CJ, Tomo V, pág. 139, quando afirma que o acidente tanto pode ocorrer em vias públicas como particulares e até em locais, em princípio, não destinados à circulação.

Podemos concluir então que no caso concreto, pese o facto de o acidente ter ocorrido num pinhal, quando se procedia ao carregamento de um tractor com toros de madeira e sendo certo que o acidente ocorreu não por descuido ou negligência da colocação da madeira no tractor mas antes por mau funcionamento dos travões do veículo, ou seja, por acção inerente ao riscos próprios da função do veículo/tractor, estaremos na presença de um verdadeiro acidente de viação.

E a tal conclusão havia chegado o tribunal a quo quando afirmava que era irrelevante para o acidente que o tractor estivesse em tarefa de carregar madeira num pinhal, que o acidente se deu quando o atrelado do tractor se encontrava sensivelmente com metade da sua carga normal, deu um "solavanco", assim iniciando a sua marcha descontrolada (marcha-atrás), sendo que o tractor agrícola iniciou a sua marcha, na forma referida, porque o seu condutor, não obstante o acentuado declive do terreno, não o deixou devidamente travado.

E que tal facto, mais não era que a manifestação dos riscos próprios de um veículo, que se desloca sobre rodas, podendo por isso adquirir rapidamente velocidade em plano inclinado, se não estiver devidamente travado e algumas vezes com as rodas calçadas.

Significa então que os danos causados pelo tractor, pese embora estivesse no momento do acidente a ser usado num trabalho que não tinha a ver directamente com a circulação automóvel, foram causados pelos risco próprio e específico do veículo enquanto tal, donde se dever englobar na apólice de seguro que o cobria.

Diremos, ao fim e ao cabo, que a operação de carga a que estava a ser sujeito o tractor nada tem a ver com o acidente, sendo a sua causa antes decorrentes dos riscos inerentes ao veículo como meio de transporte não estar devidamente travado, atento o acentuado declive do terreno -O acidente deve ser tido como de viação.

Em segundo lugar pretende a ré que os juros que incidem sobre a condenação em 20.000,00 € de danos não patrimoniais deve incidir a partir da decisão e não da citação, como ordenou o tribunal a quo.

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patrimoniais são devidos juros legais desde a data da citação e até integral pagamento.

O recorrente pretende que os juros que incidem sobre os danos não patrimoniais sejam devidos desde a data da sentença e até efectivo pagamento.

O assunto está já tratado e com a jurisprudência a inclinar-se para que, no caso de fixação de danos patrimoniais e não patrimoniais sejam devidos desde a citação - Por todos, Ac. STJ de 24-2-99, BMJ, 484º,

35.-De facto, a liquidação da quantia a pagar pela ré resulta apenas da falta de prova suficiente sobre o montante definitivo a pagar e “uma obrigação não é ilíquida quando a sua determinação não

depende de prévia e controvertida determinação” - Ac. STJ de 22-01-81, BMJ,303º, pág. 203 E, como também se entende, “a condenação no pagamento de uma soma de dinheiro

determinada, embora inferior à do pedido inicialmente formulado em quantia certa correspondente à dívida accionada, não altera a liquidez da obrigação, ficando, por isso, o devedor em mora,

obrigado ao pagamento dos respectivos juros, a partir da interpelação judicial para o cumprimento, isto é, desde a citação para a acção (art. 805º do C. Civil)" - Ac. RP de 26-9-94, C.J., Ano XIX, Tomo IV, pág. 194

A regra do n.º 3 do artigo 805º do C. Civil aplica-se ao acidente de viação e uma vez que a lei não o distingue, vale tanto para os danos patrimoniais como para os não patrimoniais - Ac. RC de

12-7-88, BMJ, 379º, pág. 655

Por outro lado, o cálculo dos danos não patrimoniais não foi actualizado na sentença, fixando esse montante mesmo em valor inferior aos pedidos, quer o inicial de € 33.070,68 e € 163.670,00. Não será de aplicar aqui o Ac. Uniformizador de Jurisprudência do STJ, de 9-05-02.

As razões invocadas pela recorrente não podem ter o apoio deste tribunal, tendo fixado correctamente serem devidos juros de mora desde a citação e até pagamento.

Finalmente as custas. Aqui terá razão a apelante.

De facto, o método a seguir será o fixado nos artigos 446º do CPC.

Assim, altera-se a condenação de custas, passando a dizer-se que as custas são pelas partes em função do decaimento.

*

V - Decisão

Termos em que se acorda em se dar parcial provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, menos na parte da condenação em custas, que ficarão por ambas as partes em função do

decaimento.

Custas do recurso por ré e autor, na proporção de 9/10 para aquela e 1/10 para o autor. *

Porto 05/05/2008

Rui de Sousa Pinto Ferreira

Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira Manuel José Caimoto Jácome

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