Para os corais crescerem mais rápido, algumas
condições químicas e físicas são necessárias. Nesta
primeira parte, iremos examinar como os efeitos de
diferentes níveis de Bicarbonatos afetam a fotossíntese
e o crescimento dos corais.
A fotossíntese é o link entre os “mundos orgânico e inorgânico”, e a importância das zooxantelas no processo de manter a saúde de corais fotossintéticos é bem conhecida.
Também sabemos que a taxa de fotossíntese é dependente da quantidade de luz, da qualidade do espectro e do suprimento de nutrientes (para plantas terrestres, os nutrientes mais comuns são Nitrogênio, Potássio, Fósforo e micronutrientes como Ferro, Cobre e alguns outros).
Embora não listado como nutriente, o Carbono inorgânico (na forma de
Dióxido de Carbono) tem um papel fundamental no crescimento da planta e na produção de açúcares simples.
Nos aquários marinhos, nutrientes como Nitrogênio e Fósforo estão de maneira presente que eventualmente devemos nos esforçar para tirá-los da água.
O Potássio, com uma concentração média de 400 mg/L, também é abundante, e os micronutrientes precisam ser repostos através de trocas de água ou
suplementação.
presente na água, e o CO2 respirado pelos corais atenda parte da demanda de Carbono da fotossíntese, uma parcela de carbono usado por pelo menos parte das zooxantelas será provida pelos Bicarbonatos presente na água.
Glossário
Carbono Inorgânico: Existem vários compostos inorgânicos de Carbono, incluindo o Dióxido de Carbono, Ácido Carbônico, Bicarbonato e
Carbonato.
Anidrase Carbônica (AC): Uma enzima que converte – reversivelmente – Dióxido de Carbono em Bicarbonato. A Anidrase Carbônica pode estar unida com a célula pelo lado de fora (Anidrase Carbônica externa) ou pelo lado de dentro da mesma (Anidrase Carbônica interna).
Clado: Em cladística, um clado ou clade é um grupo de organismos originados de um único ancestral comum exclusivo. Para o nosso propósito, Clado é um tipo de zooxantela que tem um ancestral em comum, mas podem se diferenciar de forma significativa entre elas.
Alguns corais fazem simbiose com um clado, enquanto outros demonstram fidelidade com clados diferentes.
Alcalinidade: A capacidade de uma dada solução de neutralizar ácidos. A Alcalinidade pode ser medida de diferentes formas (meq/L, ppm, mg/L como Carbonato de Cálcio – CaCO3), mas a medida dKH (grau de dureza específica) é a mais usada pelos aquaristas.
Mg/L: Miligramas por litro, o que é quase equivalente a partes por milhão (ppm)
Fotossíntese: É a conversão de Carbono inorgânico em açúcar simples (Carbono orgânico). O Dióxido de Carbono e o Bicarbonato podem ser fontes de Carbono inorgânico. O subproduto da fotossíntese é o oxigênio. Taxa de Transporte de Elétrons (TTE): É a medida da taxa de
fotossíntese. As partículas de luz (fótons), uma vez absorvidas pelos foto pigmentos (clorofila, um pigmento que absorve luz), se tornam elétrons e
fluem (normalmente) entre os fotossistemas. Um TTE baixo significa uma baixa taxa de fotossíntese, já um TTE alto significa uma alta taxa de
fotossíntese. Se a absorção de luz é medida, então é chamada de TTE, se não, é referida como Taxa de Transporte de Elétron Relativa (TTER) Transporte Ativo de Bicarbonato (TAB): É o processo que
seletivamente atravessa o Bicarbonato através da membrana celular, que normalmente seria semi-impermeável ou talvez até impermeável.
A Lei de Liebig diz que a fotossíntese é controlada não pela concentração do nutriente mais abundante, e sim pela deficiência do mais escasso – ou seja, a taxa de fotossíntese ficará limitada por aquele nutriente faltoso ou deficitário.
Este fato é bem conhecido pelos aquaristas de água doce, e a adição de
nutrientes é feita com frequência para se prevenir o que se chama de Clorose (uma doença que causa ausência de clorofila na planta).
Sabemos que os aquaristas marinhos devem monitorar com frequência a
alcalinidade de sua água. A alcalinidade previne quedas bruscas do pH, o que é importante, já que o processo de nitrificação tende a abaixar esses níveis. Também sabemos que os Carbonatos e o Cálcio são fundamentais na
construção do esqueleto dos corais. Mas qual a sua importância ao agir como fonte de Carbono Inorgânico para a fotossíntese?
Para responder essa pergunta, experimentos foram conduzidos para testar a hipótese de que a concentração de alcalinidade pode afetar a taxa de
fotossíntese.
Métodos e Materiais
No experimento, água natural do mar, em um aquário de 38 litros, foi misturada com Hidróxido de Amônia. O processo de nitrificação (que
transforma a Amônia em Nitrato) reduziu a alcalinidade à níveis abaixo do normal no curso de algumas semanas.
Depois que todo o ciclo do Nitrogênio terminou, metade da água foi transferida para um aquário de 19 litros. Ali, foi montado um mudário com um fragmento de Porites lobata. A iluminação era de LED (BuildMyLED – Austin, Texas, USA) e mantida em intensidade de sub-saturação de 100 µmol·m²·seg. A circulação era feita com uma Tunze 6040 com velocidade variável.
Um Fluorímetro por Modulação por Amplitude de Pulso, com um cabo de fibra ótica, mediu a Taxa de Transporte de Elétron Relativa (TTER) nas
zooxantelas dos corais sob condições de baixa, natural, ligeiramente elevada e alta alcalinidade. As concentrações de alcalinidade foram ajustadas com um tamponador (Reef Builder, Seachem Laboratories, Madison, Georgia, USA.) A medição dos níveis foi feita com um colorímetro (Alkalinity Checker HI755,
Hanna Instruments, Woonsocket, Rhode Island, USA.) e uma checagem de
redundância foi feita por titulação em um pH de 4.2 através de um titulante comercial (Ácido Sulfúrico 1.6N) e um titulador digital (Hach, Loveland,
Colorado, USA.)
Resultados
O fluorímetro confirmou que as taxas de fotossíntese aumentaram junto com a concentração de alcalinidade (figura 1)
Figura 1 – Taxa de fotossíntese (expressada como Taxa de Transporte de Elétron Relativa – TTER) das zooxantelas do coral Porites lobata sob várias concentrações de alcalinidade. Para quem prefere as medidas em dKH, 53 ppm = 2,968 dKH; 114 = 6,384; 155 = 8,68 e 215 = 12,04
Debate
O resultado desse experimento demonstrou que a taxa de fotossíntese pode ser aumentada em cerca de 29% ao aumentar a alcalinidade de níveis normais (6,4 dKH) para níveis elevados (~12 dKH).
O uso de Bicarbonato como fonte de Carbono Inorgânico para a
fotossíntese pode ser uma surpresa para alguns aquaristas. Embora nós achemos que os corais sejam criaturas relativamente simples, a bioquímica envolvida em seus ciclos de vida é bem complicada.
(Anidrase Carbônica [AC]: A Anídrase Carbônica é uma enzima que converte
Bicarbonato em Dióxido de Carbono ou Dióxido de Carbono em Bicarbonato.)
HCO3- + H+ ↔ CO2 + H2O
Como podemos ver, essa enzima pode ser útil tanto para a zooxantela, no processo de fotossíntese, quanto para a calcificação do esqueleto do coral. O Bicarbonato não passa tão facilmente pela parede das células, mas o Dióxido de Carbono sim. Consequentemente, a AC externa pode converter o
Bicarbonato em Dióxido de Carbono para facilitar essa passagem. Uma vez dentro da célula, a AC interna converte o Dióxido de Carbono de volta a Bicarbonato para evitar uma contra-difusão. O Transporte Ativo de
Bicarbonato (ver abaixo) leva o Bicarbonato através da mesogleia, onde lá é mais uma vez convertida em Dióxido de Carbono por meio da AC. O CO2 então é finalmente usado pelas zooxantelas. (Figura 2)
Figura 2 – Uso do Bicarbonato (HCO3-) como fonte de Carbono inorgânico para a
fotossíntese. Este processo envolve a enzima Anidrase Carbônica (interna e externa) e o “Transporte Ativo de Bicarbonato”. A Anidrase Carbônica externa (direita superior) é “grudada” na célula ectodermal do coral, algo que não está refletido neste desenho.
Transporte Ativo de Bicarbonato (TAB): É o processo que seletivamente
atravessa o Bicarbonato através da membrana celular, que normalmente seria semi-impermeável ou talvez até impermeável. (figura 3)
Transporte ativo e seletivo de Bicarbonato através da membrana celular pelo TAB. Um “transportador” aceita o íon de Bicarbonato na etapa 1. Na etapa 2, o Bicarbonato é “enclausurado” no transportador. Na etapa 3, é então liberado no fluído intra-celular.
O experimento descobriu que a taxa de fotossíntese do coral Porites
lobata’s pode ser influenciada pela concentração de íons de Bicarbonato, mas
as evidências mostram que esse não é o caso para todos os corais com zooxantelas.
Brading (2013) pesquisou as preferências de Carbono inorgânico de dois clados de zooxantelas e descobriu que elas se diferem entre si. Ele viu que o Clado A13 prefere absorver e fixar o Dióxido de Carbono, enquanto o Clado A20 podia utilizar o Bicarbonato também. (O Clado de zooxantelas A13 é
gigantea, o coral duro do atlântico Porites astreoides e a Montastrea annularis;
enquanto o Clado A20 é considerado “livre” e não é conhecido por habitar nenhum invertebrado.) Daí, nenhuma declaração geral sobre o grau de utilização de Bicarbonatos pelas zooxantelas pode ser feito.
Agora, uma coisa interessante: Alguns corais não possuem muitas (ou nenhuma) enzimas de Anidrases carbônicas externas. Logo, a dependência desses corais do Dióxido de Carbono provida pela respiração pode ser mais maior do que aqueles que possuem esse mecanismo. Então, a taxa de
crescimento desses corais pode ser menor do que aqueles que conseguem obter Bicarbonato de forma mais fácil.
“Queimadura de Alcalinidade” – Um aumento forçado na taxa de fotossíntese é responsável?
A “queimadura de alcalinidade” é um termo criado por aquaristas para se referir à perda de tecido (geralmente na “ponta” do coral). Será possível que a concentração de clorofila em certas áreas e o subproduto da fotossíntese, como o Peróxido de Hidrogênio e radicais livres de Oxigênio, suprimam as defesas naturais do coral, feita por enzimas como a Peroxidase e Catalase? A figura 4 mostra a concentração de clorofila por meio da fluorescência.
Figura 4. Quando vista sob a luz negra, a luz vermelha da clorofila é aparente nesta espécie de Acropora. Uma fluorescência verde-azul também é aparente. Compare as áreas vermelho
fluorescentes com aquelas que apresentam perda de tecido na figura 5 abaixo.
Compare as áreas de concentração na figura 4 com as áreas do coral Acropora sofrendo de queimadura da alcalinidade na figura 5
Figura 5 – Será que essa perda de tecido foi causada pelas altas taxas de fotossíntese (e a produção de agentes oxidantes) estimuladas por altas concentrações de
Bicarbonato?
Como mostra a figura 5, as áreas queimadas são prevalecentes onde há mais incidência de luz, e quando níveis elevados de Bicarbonato dão “um boost” na
fotossíntese, o resultado pode ser a produção de agentes oxidantes prejudiciais.