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Os programas de ajustamento do FMI e crises sociais

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Academic year: 2021

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Os programas de ajustamento do FMI e crises sociais 1

Guilherme Antonio Ziliotto 2 Tiago de Moraes Lima 2

Introdução

Este artigo irá abordar a relação entre a intervenção do FMI nos países em dificuldades nas suas contas externas e as crises sociais que geralmente surgem nestas condições. Partiremos da hipótese de que pelo menos alguns elementos das crises e convulsões sociais são derivadas diretamente das políticas do FMI. Tentaremos mostrar que o processo de ajustamento em si já pioraria as condições sociais do país, mas que a intervenção do FMI acaba causando algumas condições adicionais de deterioração do nível de renda real das camadas mais pobres, em alguns casos de forma tão intensa que estimula conflitos sociais.

1 O FMI e os programas de ajustamento

O papel do FMI, segundo o próprio Fundo, é assegurar a estabilidade do sistema monetário internacional. Mais especificamente, os objetivos principais são a manutenção da estabilidade macroeconômica dos países, em destaque à estabilidade dos preços e das contas externas dos países. Para isso, deve ser assegurada a capacidade de financiamento das economias deficitárias nas transações correntes, ou o próprio equilíbrio destas contas. Em contrapartida, o FMI deve garantir que as economias financiadas tenham capacidade de pagar ex post os encargos dos

(1) Tema sugerido pelo Prof. Mário F. Presser, docente do Instituto de Economia da UNICAMP.

(2) Graduandos – 4

o

ano. (UNICAMP. Instituto de Economia).

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financiamentos recebidos ex ante, e neste sentido, deve dar segurança aos credores, garantindo assim o bom funcionamento do sistema.

É facilmente visto, sobretudo a partir da década de 70, que a economia internacional freqüentemente observa crises cambiais, seja em países isolados, seja de forma generalizada em regiões econômicas similares.

Nestes casos, o papel do FMI é conter tais crises e combater os fatores que as causaram. O FMI entende que há dois motivos elementares distintos de crises de balanço de pagamentos: transitórios ou estruturais. Muitas vezes as crises são geradas tanto por fatores transitórios como estruturais, justificando o combate a desequilíbrios tanto no que concerne os fenômenos monetários quanto os fenômenos reais, derivados da estrutura econômica do país. Neste sentido, podemos dizer que os enfoques de ajustamento usados pelo FMI concernem sobretudo as considerações monetaristas e do enfoque da absorção.

2 Políticas e concepções teóricas dos programas de ajustamento do FMI

Para entendermos por que a intervenção do FMI tende a causar crises sociais, temos que compreender as concepções e os instrumentos dos programas de ajustamento usados pelo FMI. Todas as concepções e instrumentos explicados nesta parte foram resumidas com base em publicações do próprio Fundo.

A programação e o acompanhamento das políticas do FMI são feitos

com base em modelos simplificados. O FMI usa como concepção teórica

elementos da teoria monetarista e da teoria keynesiana. As medidas usadas

pelo FMI são, em geral, um ‘coquetel’ de práticas com o objetivo de resolver

problemas distintos simultaneamente, ou de compensar efeitos colaterais de

algumas medidas através instrumentos adicionais. De certa forma, como

admite o próprio Fundo, as políticas usadas são um ‘pacote’ indivisível,

elaborado também de forma pragmática.

(3)

A concepção básica é que o gasto de um país não deve exceder a sua produção. Se o gasto exceder a produção, a economia terá que ser financiada pelo resto do mundo. Esse excesso de gasto, quando não pode ser financiado internacionalmente pelos mercados de capitais, exige um ajustamento da economia. Para que houvesse esse ajustamento, a economia poderia aumentar a produção e/ou reduzir o gasto, até o reequilíbrio das contas.

Como, porém, a produção de um país não pode ser aumentada substancialmente no curto prazo, o principal mecanismo usado é a redução do gasto agregado. Em geral combina-se políticas de redução dos gastos (expenditure reducing) e de mudança na composição dos gastos (expenditure switching). Ainda assim, no curtíssimo prazo, a economia pode exigir financiamento dos seus déficits externos, o que também pode ser providenciado pelo FMI. Como vários fatores do desequilíbrio podem ter sido causados por questões estruturais, o FMI também pode sugerir reformas reais e institucionais na economia, como políticas de oferta e de crescimento estimulado por exportações (outward oriented growth). Este último tipo de políticas tem efeito a mais longo prazo.

Apesar de o FMI reconhecer que há especificidades entre os países, ele usa sempre o mesmo programa geral de ajustamento, composto de medidas para atingir os seus objetivos centrais de equilíbrio no balanço de pagamentos e viabilizar taxas de crescimento adequadas. 3

A contenção da demanda é feita, quando necessária a curto prazo, via aumento das taxas de juros domésticas, contenção de crédito interno (sobretudo ao setor público), corte dos gastos e investimentos públicos, e outras políticas de cunho restritivo. As políticas de expenditure switching são feitas com apoio de mudanças na relação entre os preços internos e externos, muitas vezes por meio de grandes desvalorizações cambiais (sempre no sentido de realinhar os preços que estavam em níveis errados, já que havia desequilíbrio).

O FMI usa como guias para suas políticas variáveis representativas dos agregados que considera como mais causadores de desequilíbrios, a

(3) O FMI não define o que considera uma “taxa de crescimento adequada”.

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destacar: a variação do nível de reservas internacionais (indicador do desequilíbrio das contas externas), inflação (indicador de instabilidade interna), crédito interno e expansão do estoque de moeda (devida ao caráter monetarista) e crédito ao déficit público (que superestimula demanda e causa inflação, tanto pela expansão fiscal per se como pelo provável financiamento inflacionário).

Além das políticas implementadas explicitamente, o FMI alega que também desempenha um importante papel como restaurador da confiança dos investidores nos países com problemas nas contas externas. As expectativas dos agentes dos mercados financeiros, como sabemos, são de enorme importância, uma vez que uma retirada de recursos do país em massa agrava ainda mais a sua situação. Neste sentido, o FMI atua não somente financiando a economia com recursos oriundos do próprio Fundo como permite que os mercados de capitais sejam tranqüilizados (já que entendem que o FMI atuará com medidas austeras e ajudará a recuperar a estabilidade macroeconômica do país). Além das medidas de austeridade do setor público, outros instrumentos são usados para manipular as expectativas favoravelmente, tais como política monetária restritiva (em que o diferencial de juros é outro incentivo ao influxo de capitais), introdução de regimes de taxas de câmbio flexíveis, reestruturações institucionais (como uma reforma no sistema financeiro), divulgação mais abrangente e mais freqüente de dados e informações sobre a economia, etc. A própria reputação austera do FMI já influencia as expectativas favoravelmente quando um país em crise externa aceita sua ajuda.

Uma vez restabelecido o equilíbrio de curto prazo da economia,

reformas estruturais podem ser implementadas de forma a garantir a

capacidade de crescimento com estabilidade no longo prazo. Uma linha de

ação nesta direção são as políticas de oferta, em que o objetivo final é

aumentar a produção da economia tanto pelo aumento de produtividade

como por uma maior capacidade instalada e seu uso. Outra linha de

mudanças é a liberalização da economia permitindo que o sistema

econômico atue de forma mais eficiente. Reformas na institucionalidade

econômica também são necessárias, sobretudo reformas no sistema

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financeiro e na ligação entre governos, corporações e bancos, favorecendo o uso do mercado como meio de negociação e articulação. Outras medidas usadas pelo FMI têm sido: estímulo à good governance e melhorar a negociação dos pagamentos externos entre credores e devedores.

3 Críticas gerais às políticas do FMI

As concepções teóricas do FMI e suas políticas efetivas têm sido objeto de um enorme número de críticas, mesmo por parte de membros das correntes do pensamento econômico dominante.

Quanto aos questionamentos teóricos do programa de ajuste do FMI, podemos destacar tanto a irrealidade dos supostos dos modelos como as incompatibilidades entre os diversos componentes dos programas de ajustamento, que são em grande medida contraditórios.

Um dos supostos implícitos do modelo é que as economias estão no pleno emprego, porém o programa foi utilizado com freqüência em países muito distantes deste nível. Além disso, o FMI não atende às especificidades de cada país com instrumentos distintos, usando o mesmo modelo básico para todos os ajustamentos.

Outra questão levantada com freqüência pelos críticos do FMI é que o custo do ajuste é imposto somente aos países deficitários, quando certamente há também países superavitários (sendo que o superávit nas contas externas também é um desequilíbrio).

O Fundo prega que suas reformas são feitas com objetivo de reduzir

os desequilíbrios a curto prazo, e possibilitar o crescimento a longo prazo

com estabilidade. No entanto, a redução drástica da demanda e do gasto

(conseqüentemente do investimento) causa impactos profundos e estruturais

na estrutura produtiva do país, dificultando o potencial de crescimento

sustentado a longo prazo. Além disso, a própria desaceleração econômica

pode dificultar o pagamento dos encargos financeiros futuros, ainda mais

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com o efeito de uma desvalorização cambial encarecendo o ônus dos encargos em moeda doméstica.

Os modelos usados pelo FMI são demasiadamente simples. O FMI trabalha com identidades contábeis e hipóteses demasiado simplificadoras.

São também inconsistentes, já que muitos dos seus instrumentos são contraditórios entre si. Quando há conflitos muito evidentes entre os objetivos, o FMI tende a priorizar o pagamento aos credores internacionais (como na crise da América Latina em 1982, quando a necessidade de reequilibrar o balanço de pagamentos exigiu enormes esforços no sentido da geração de mega-saldos comerciais, em detrimento inclusive da estabilidade de preços). 4

As considerações teóricas do FMI só incorporam a demanda por moeda para encaixes reais, não levando em conta, por exemplo, a demanda especulativa por moeda, de enorme influência sobre as economias.

4 Por que as políticas do FMI intensificam as crises sociais

A tese central deste artigo é que, a despeito dos objetivos retoricamente anunciados pelo FMI serem vários, entre eles zelar pelo bem estar de economias menos desenvolvidas e com desequilíbrios macroeconômicos domésticos, a efetiva e fundamental missão do FMI é garantir a rentabilidade e o pagamento dos credores financeiros internacionais. Neste sentido, quando um país encontra-se em uma situação grave de crise cambial e tem que recorrer ao FMI (e portanto fica subordinado às suas políticas), o Fundo passa a impor medidas de modo a garantir este seu objetivo fundamental, mesmo que isso exija uma enorme deterioração do gasto dos residentes desta economia.

Como temos observado recentemente, as crises cambiais não são derivadas somente de fundamentos desajustados, tampouco de excesso de gasto pelas economias. As crises podem ser oriundas tão-somente de

(4) Este episódio mostra outra contradição nas concepções do FMI, já que o equilíbrio externo

foi atingido mesmo com a persistência de um enorme desequilíbrio interno.

(7)

movimentos especulativos dos cada vez mais poderosos mercados cambiais, sem que haja uma necessária ligação com o mundo real. 5

Uma vez que a crise cambial instala-se, o país tem que recorrer ao FMI. A vulnerabilidade do país possibilita que se observe uma verdadeira

“tirania” dos credores internacionais, subjugando a economia em questão, já que ela passa a depender fundamentalmente de financiamentos externos. Os credores (sobretudo os grandes bancos internacionais), via FMI, passam a ter enorme poder de negociação, já que para que os países tenham acesso aos recursos do FMI, eles devem subordinar-se às suas políticas. A ligação entre o FMI e os credores internacionais é evidente, como mostra Robert Kuttner (1998a).

A economia passa a ser reestruturada para fazer os pagamentos externos, em detrimento dos objetivos domésticos. De fato o FMI mobiliza recursos de modo a impedir que a economia entre em colapso absoluto.

Porém, como analisado em bibliografia citada 6 “o que mais pode ser considerado um colapso, quando países como Indonésia e Tailândia enfrentam dificuldades econômicas extremas, e a Rússia teve seu PIB reduzido em quase 50% no últimos 7 anos de tutela do FMI”. É difícil imaginar que o ajustamento sem o apoio do FMI fosse mais recessivo.

A crise econômica é, mesmo nos países com regimes não democráticos, sucedida pelas instabilidades políticas. Neste sentido, as enormes contrações econômicas derivadas das políticas do FMI são determinantes no surgimento de convulsões sociais típicas dos programas de ajustamento. Sobretudo quando as crises se dão em países com maior desigualdade social (e portanto com tendência a conflitos distributivos), há uma propensão ainda maior a que as medidas de ajustamento contribuam para a ocorrência de conflitos sociais explícitos.

Como é destacado por Meller (1985), um dos principais agravantes do programa de ajustamento é o caráter de curto prazo com que é efetivado.

( 5 ) Este é o caso de muitos dos países asiáticos, que mesmo com ‘fundamentos macroeconômicos sólidos’ foram enormemente vulnerabilizados por ataques especulativos em massa contra suas moedas.

(6) Cf. Economic Policy Institute (1998a).

(8)

A economia como um todo passa, em um curto período de tempo, a ficar completamente subordinada às metas do FMI. Além disso, o ajuste é extremamente regressivo quanto à distribuição de renda. A redução dos gastos do governo é feita de forma indiscriminada, afetando profundamente a renda real absorvida pelas camadas mais pobres.

Pressionado por organizações não-governamentais, o FMI passou a incorporar aos seus programas de ajustamento uma rede de proteção social (social safety net). Porém, este apêndice dos programas é insuficiente para cobrir todos os efeitos recessivos dos programas de ajustamento. Como resultado, tem-se um rápido e intenso empobrecimento (relativo e absoluto) das camadas mais pobres da sociedade, e por conseqüência um forte estímulo a ambientes socialmente instáveis.

O FMI é criticado também por grupos conservadores, que entendem que a extrema impopularidade das medidas dos programas de ajustamento inviabilizam politicamente sua implementação, mesmo em países com regimes não democráticos. Como exemplo recente, temos a derrubada do governo de Suharto, que governava a Indonésia há várias décadas. Mesmo que as políticas dos programas de ajustamento do FMI fossem efetivamente capazes de reestruturar as economias de forma virtuosa a mais longo prazo, elas seriam inviáveis politicamente, pelas enormes crises que causam no curto prazo.

Outra série de críticas ao FMI é feita por Jeffrey Sachs, que alega que mesmo para lidar com as expectativas dos agentes, o Fundo tem prejudicado os países (mesmo aqueles com fundamentos sólidos) e assustado os mercados financeiros, causando instabilidade. Além disso, Sachs acusa o FMI de atuar até mesmo com incompetência técnica, por não compreender, como no caso da crise mexicana de 1994, a natureza dos problemas e intervir de maneira desastrosa.

Sachs afirma:

“Um exame cuidadoso do histórico recente mostra que o FMI, leal à ortodoxia

financeira, atencioso aos credores e negligente quanto aos países devedores,

freqüentemente ‘despeja gasolina no fogo’. (...) A despeito de fundamentos sólidos na

Ásia, tais como grandes superávits, altas taxas de poupança, baixa inflação, e

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indústrias export-oriented, credores estrangeiros começaram a retirar dinheiro da Ásia na última primavera devido a crescentes preocupações a respeito de sobrevalorização cambial, escândalos bancários, e mercados imobiliários fracos. (...) Nessas situações, o papel da política pública é ajudar os mercados a evitarem uma ‘expectativa autorrealizadora’. 7 (...) Ao invés disso, o FMI chegou na Tailândia em julho cheio de declarações ostensivas de que tudo estava errado e que ajustes fundamentais e imediatos eram necessários. O FMI aprofundou o estado de pânico não somente por causa de seus duros pronunciamentos públicos mas também porque os remédios propostos (altas taxas de juros, cortes orçamentários, e fechamentos imediatos de bancos) convenceram os mercados de que a Ásia estava prestes a sofrer uma severa recessão” . 8

Sachs ainda cita as intervenções desastrosas do FMI na Polônia (1989), Estônia (1992), Bulgária (1996) e México (1994).

Ainda segundo Sachs e outros autores, o FMI também estimula a formação de cenários de crise porque incorpora um forte aspecto de ‘risco moral’(moral hazard) aos investidores. Como o FMI salva os investidores (programas de bail out), eles passam a fazer seus investimentos de forma menos responsável, o que incentiva a criação de elementos propícios a crises.

“Críticos do FMI consideram que os bailouts causam um risco moral: investimentos arriscados são feitos porque os investidores sabem que serão salvos” (Kuttner, 1998b).

5 O FMI e as crises na Ásia

Como prova da inadequação das políticas de ajuste implementadas pelo FMI em países acometidos por crise no balanço de pagamentos, será feita uma análise das medidas adotadas pelos países do Sudeste Asiático como condição para obter socorro financeiro do Fundo e cujos resultados se não agravaram a situação daqueles países, pelo menos não tiveram o efeito pretendido pelo FMI, ou seja, restabelecer a confiança nas economias afetadas pela crise. O caso da Indonésia é um típico exemplo de como as

(7) A expectativa auto-realizadora consiste na formação de um cenário de crise, criado pelas próprias expectativas generalizadas de que haveria uma crise.

(8) Tradução feita pelos autores.

(10)

medidas de ortodoxia financeira defendidas pelo Fundo são inadequadas à especificidade estrutural dos países onde são implementadas, gerando resultados de eficácia duvidosa e despertando descontentamento e conflitos sociais.

5.1 O diagnóstico e os remédios

Segundo o FMI, a crise originou-se a partir de debilidades nos sistemas financeiros da região e de má gestão governamental. Houve uma combinação de supervisão financeira inadequada, descuidado monitoramento e administração de risco, que somados à manutenção de taxas de câmbio fixas levou a uma exacerbação do crédito de curto prazo para a região e canalizado para investimentos de má qualidade. Isso possibilitou a origem da crise, que se agravou pelo envolvimento do governo com o setor privado e pela falta de transparência das contas fiscais e dos dados econômicos e financeiros.

Segundo Krugmann, os modelos tradicionais sobre crises monetárias apontava que uma crise monetária teria principalmente duas causas:

(1) O problema estaria no governo: um país com o câmbio relativamente fixo emite moeda para cobrir um déficit orçamentário. Os investidores começam a preferir moedas com menor inflação, retiram seus investimentos o que leva à queda das reservas. Em algum momento os especuladores acham que o governo não vai mais defender a moeda e atacam. Por isso, as medidas recomendadas pelo FMI determinam um corte orçamentário considerável. Entretanto, essa explicação não é adequada para os países do Sudeste Asiático, onde os orçamentos estavam mais ou menos equilibrados nas vésperas da crise, e não havia expansão monetária ou criação de crédito irresponsável. As taxas de inflação eram particularmente baixas.

(2) A manutenção da paridade cambial depende do manejo da política

monetária, mas a elevação dos juros para proteger a moeda significa

desaquecer a economia, e em algum momento o governo acha que não vale a

pena continuar mantendo o câmbio fixo. Os mercados duvidam do

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compromisso do governo e atacam a moeda. Entretanto isso também não foi o que ocorreu na Ásia, pois os países não tinham desemprego substancial e portanto não pareciam ter incentivos para abandonar a taxa de câmbio fixa e exercer uma política monetária mais expansiva.

A partir da teoria convencional sobre crises financeiras, o modelo de ajustamento do FMI centrou-se em três “remédios principais”: os cortes orçamentários, privilegiando o corte na demanda como forma de reduzir o déficit em conta corrente; a alta das taxas de juros, gerando um violento aperto de liquidez (também como forma de alívio no balanço de pagamentos); e as reformas econômicas liberalizantes, como a reforma do sistema financeiro, visando quebrar a ligação entre as empresas e o governo e liberalização do mercado de capitais, além da remoção de monopólios, barreiras comerciais, créditos e subsídios a determinados setores industriais.

Segundo Robert Wade e Frank Veneroso, a inadequação do modelo do FMI reside no fato de que a estrutura financeira dos países do Sudeste Asiático é diferente, sendo portanto errado tentar fazer com que os sistemas financeiros daquela região se enquadrem no padrão ocidental, tal como pretendido pelo FMI. A adoção de medidas de austeridade e liberalização financeira só trariam maior instabilidade, pois desmantelaria o sistema de financiamento daquelas economias (o high-debt system), baseado em altas taxas de poupança canalizada para as instituições financeiras por meio de depósitos e concessão de créditos bastante alavancados através da proteção estatal, com a política industrial integrando o setor bancário e a indústria.

É inegável que esse modelo baseado no tripé governo-banco-empresa proporcionou o surgimento da corrupção no seu interior, com interesses políticos e setores privilegiados, entretanto não pode ser procurado aí o cerne da crise. A liberalização financeira, com o fim dos créditos subsidiados somado à liberalização dos fluxos de comércio e de capital e à desregulamentação no mercado de trabalho desmonta o high-debt system e suas vantagens, 9 trazendo altos custos sociais, já que a quebra dos bancos arrasta consigo as empresas, seus consumidores e fornecedores, além

(9) O high-debt system possibilitou altas taxas de crescimento por mais de uma década.

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de favorecer a desnacionalização em favor dos grupos mundiais mais poderosos que não terão mais compromisso com o desenvolvimento estratégico local.

5.2 O caso da Indonésia

Na Indonésia ficou claro como a política econômica do FMI produziu resultados incertos do ponto de vista econômico e perversos no campo social.

A moeda extremamente desvalorizada e a inflação alta fizeram com que artigos importados, como remédios e leite em pó, desaparecessem das prateleiras. A falta de alimentos foi constatada em diversas partes do país, assim como se difundiu a alta generalizada dos preços de bens essenciais como arroz e óleo de cozinha .

O corte orçamentário obrigou a redução dos subsídios para os combustíveis e eletricidade, o que fez com que o preço do petróleo subisse 71% e o querosene (amplamente consumido entre as camadas mais pobres da população) subisse 25%, gerando intensas manifestações populares na véspera do “tarifaço”.

O fim dos juros subsidiados para os empresários nativos, que mantinham o equilíbrio social destes com a minoria chinesa (3% da população mas que detém uma parcela desproporcional da riqueza ), promoveu a radicalização das tensões entre estas camadas da população gerando uma crise social que levou a novas fugas de capitais, além da estagnação do investimento estrangeiro.

Conclusões

No mês de junho de 1998, fomos presenteados com a visita do economista Stanley Fischer, vice-diretor do Fundo Monetário Internacional.

Durante sua visita, o economista afirmou, mais de uma vez, que o Brasil

corria o risco de sofrer um ataque especulativo contra sua moeda a qualquer

momento.

(13)

Obviamente, essa é uma afirmação que Fischer jamais deveria fazer.

Sua influência sobre as expectativas é grande, dado o cargo que ocupa, e tal afirmação poderia ter engatilhado um ataque mesmo que antes não houvesse qualquer desajuste nos fundamentos macroeconômicos da economia brasileira. Além do enorme mal-estar causado à equipe econômica, o governo teve que fazer grandes esforços para contrabalançar os possíveis efeitos da afirmação irresponsável de Fischer.

Segundo Kuttner (1998b), o FMI original, criado em 1944 em Bretton Woods, visava impedir a repetição do que ocorreu na década de 30.

Nesta década, os países individualmente tentaram sair da crise promovendo exportações desvalorizando suas moedas. O resultado foram deflações competitivas, derivadas das sucessivas desvalorizações cambiais feitas pelos países. Ao final, a conseqüência foi o empobrecimento dos países, sem que se conseguisse sair da crise.

“O FMI foi fundado para fornecer crédito aos países deficitários e ajudá-los a estabilizar suas moedas, de tal forma que as economias mais fortes pudessem expandir-se sem que as economias mais fracas tivessem que se contrair. Consolidou um sistema de taxas de câmbio estáveis, e abrigou países individuais de pressões financeiras especulativas.”

Continua o autor,

“Hoje o FMI faz virtualmente o oposto. Pressiona as economias fracas a se abrirem ao capital especulativo e deixar que os mercados determinem as taxas de câmbio. Isso, por sua vez, faz com que as economias mais fracas se tornem vulneráveis a crises financeiras muito além de seu controle.”

Numa época em que os fluxos financeiros são extremamente poderosos, não podemos prescindir de uma instituição supranacional que regule os fluxos e dê maior estabilidade ao sistema monetário internacional e às economias mais fracas. O FMI, no entanto, não vem cumprindo este papel. Não se trata portanto de extinguir a instituição, mas sim de reformá-la.

“Há espaço para aperfeiçoamento das práticas e políticas do Fundo. O Fundo deve

encontrar melhores formas de comprometer os credores e não de socorrê-los. O fundo

também deveria fazer mais para moldar seus programas de forma a reduzir o impacto

sobre os pobres” (Tyson, 1998).

(14)

“Nós necessitamos de novas instituições com novos mandatos, para governar o capitalismo global segundo um interesse público amplo, e não somente segundo o interesse dos especuladores” (Kuttner, 1998b).

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Referências

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